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2018-Ii Apostila de Harmonia Ii - 1. Até Sucessão Harmônica
2018-Ii Apostila de Harmonia Ii - 1. Até Sucessão Harmônica
Figura de impulso, muito usada para marcar o final de uma frase (especialmente
no final de uma peça ou de uma seção), geralmente na voz mais aguda de uma textura,
enfatizando a última nota da melodia. Muitas vezes é a conclusão de um trinado
(recurso típico do período barroco). Abreviada aqui como “Ant.”, é quase sempre
submétrica e normalmente não acentuada.
Do ponto de vista harmônico, é a antecipação de uma nota do acorde seguinte.
Tradicionalmente as antecipações são preparadas por grau conjunto e seguem na mesma
nota, conforme a ilustração:
Figura 1 – Antecipação
RECEITA DE ANTECIPAÇÃO:
- Pegue uma nota de um acorde que esteja localizada em tempo forte (ou parte
forte de tempo) e coloque-a também em uma fração de tempo que a antecede,
mantendo-a na mesma voz e na mesma altura.
2
Figura 2 – Escapadas.
RECEITA DE ESCAPADA:
- Pegue um movimento ascendente ou descendente, na mesma voz, entre notas
de acordes consecutivos1.
- Acrescente entre elas um grau conjunto em sentido oposto. É essencial que a
nota acrescentada não pertença ao acorde em questão.
Piston (1987) aponta uma variação da escapada, à qual se refere como reaching
tone2: nota estranha ao acorde atingida por salto e resolvida por grau conjunto. Os
exemplos a seguir mostram duas notas de acorde e, respectivamente, o acréscimo de
uma escapada (E) e de uma reaching tone3 (RT) entre elas:
1
As escapadas da figura 2b e 2c tomam por base, respectivamente, os seguintes movimentos entre notas
de acordes consecutivos da figura 2a: Si-Dó (soprano) e Lá-Sol (tenor).
2
O autor aponta ainda a semelhança entre estas e a cambiata usada no contraponto do séc. XVI.
3
Em tradução literal seria algo como “nota de alcance”.
3
Figura 4 – Apojatura.
Acima temos o caso mais típico de apojatura: aproximada por salto ascendente e
resolvida por grau conjunto descendente (repare que as notas de acorde no soprano
seguem por grau conjunto ascendente). Alguns autores mencionam também a
aproximação por grau conjunto ou mesmo pela mesma nota (que geralmente faz parte
do acorde anterior).
RECEITA DE APOJATURA:
- Pegue uma nota de um acorde que inicie em tempo forte e troque-a pela nota
que estiver um grau conjunto acima (procedimento mais comum) ou um grau conjunto
abaixo, resolvendo-a em seguida na nota de acorde que estava substituindo.
4
Figura 5 – Suspensão.
Ocorre em tempo forte ou parte forte de tempo, porém é mais suave do que a
apojatura por ser uma repetição da nota que a antecede. Conforme indicado na figura
acima o padrão melódico e métrico da suspensão é composto de três etapas: preparação,
suspensão e resolução. Raramente a fase de suspensão dura menos de um tempo.
Geralmente há uma ligadura entre a nota de preparação e a nota suspensa, mas
segundo KOSTKA & PAYNE (1989) também há casos em que a suspensão é atacada
diretamente (notas repetidas)4. Analisando a suspensão como uma forma suavizada de
apojatura, o mais importante a se perceber, afinal, são os diferentes graus de tensão
dessas figurações melódico-harmônicas: a apojatura atingida por salto é a que mais
enfatiza a nota fora do acorde, ao passo que a suspensão sem ligadura (ou apojatura
preparada) torna essa nota menos chamativa e a suspensão com ligadura suaviza o efeito
mais ainda.
RECEITA DE SUSPENSÃO:
- Pegue duas notas de acordes seguidos em grau conjunto descendente na mesma
voz;
- Prolongue a primeira destas notas sobre o acorde seguinte de forma a fazê-la
ocupar um tempo forte (ou parte forte de tempo);
- Resolva por grau conjunto descendente.
A suspensão é um recurso que permite colocar uma dissonância em tempo forte
(ou parte forte de tempo), tendo sido uma das possibilidades de tratamento dos
4
Quanto a isso Piston (1987) tem outra opinião: a de que as suspensões sempre contêm uma ligadura de
prolongamento e que, do contrário, trata-se de uma apojatura preparada.
5
intervalos de sétima5 sobre o baixo antes destes passarem a ser compreendidos como
nota de acorde6.
Os tipos de suspensão mais comuns, nos quais uma dissonância resolve em um
intervalo consonante, são identificados como 7-6, 4-3 e 9-8 (intervalos da suspensão e
resolução, contados a partir do baixo) 7:
Na voz do baixo acontece a suspensão 2-3 (a única dessas fórmulas mais comuns
que exige movimentação no baixo, pois é nele que a suspensão é resolvida):
5
Outras formas de suavizar a sétima de um acorde: tratá-la como nota de passagem, bordadura ou
antecipação.
6
Vários tratados de harmonia tradicional exigem que a sétima de um acorde seja preparada como nota do
acorde anterior e resolvida por grau conjunto descendente – ou seja, à maneira de uma suspensão.
7
Convenções numéricas que seguem a lógica da harmonia barroca. É importante lembrar que esses
intervalos são contados a partir do baixo e não a partir da fundamental dos acordes.
6
Figura 9 – Outras fórmulas de suspensão geradas pelo movimento do baixo simultâneo ao da resolução.
8
No exemplo 8a a simultaneidade das notas Sol e Lá não chegaria a soar como um choque.
7
Nada mais é do que uma suspensão que resolve para cima. Para escrever um
retardo a única diferença seria partir de duas notas de acorde na mesma voz que sigam
em grau conjunto ascendente (na figura abaixo, Si Dó). O retardo mais óbvio é aquele
que envolve os graus 7-1 da escala (resolução da sensível, única resolução ascendente
de um grau ativo):
9
Alguns teóricos não consideram que o pedal seja um tipo de nota estranha ao acorde. De fato este
assunto poderia ser abordado somente mais adiante, dentro do tópico “Sucessão Harmônica
(Prolongamento Funcional)”, visto que o baixo pedal serve para enfatizar uma função harmônica.
10
Terminologia adotada a partir da prática harmônica da execução ao órgão de tubos, onde o efeito era
obtido com uma nota grave sustentada na pedaleira enquanto a harmonia se desenvolvia nos manuais.
11
O que não deixa de ser um pedal de freio :D.
12
Exemplos de pianissimo e fortissimo enfatizados por um baixo pedal na tônica podem ser encontrados
na reexposição do tema na seção final de An Der Schönen Blauen Donau, Waltzer, Op. 314 (“O Danúbio
Azul”), de Richard Strauss.
13
Em passagens dramáticas em que o baixo pedal se estenda por mais tempo, é possível que hajam vários
“acordes estranhos à nota”, incluindo até mesmo modulações.
9
- Finalize em tempo forte, fazendo com que o baixo volte a ser a fundamental do
acorde inicialmente escolhido.
Ou seja, espera-se que o pedal seja preparado e resolvido, conforme pode ser
observado no exemplo a seguir:
Em situações como a deste exemplo vale reparar que, durante o baixo pedal, o
tenor assume a função de baixo. Em um nível localizado o encadeamento da fig. 12
apresenta uma harmonia a três vozes com ritmo de mínima; em um nível mais amplo há
apenas uma dominante ocupando quatro compassos, ainda que contenha um
encadeamento harmônico interno. As análises desta figura mostram isso de diferentes
formas: na convenção para a cifra gradual, baseada nas indicações de William E. Caplin
(1998) para a análise de harmonias do período Clássico, as inversões consideram o
tenor como baixo14 (no exemplo acima o tenor foi analisado como baixo em todos os
graus harmônicos diferentes do V). A cifragem funcional também aponta dois níveis
analíticos: um mais localizado, considerando mudanças de acorde para acorde e também
considerando o tenor como baixo nos acordes em que isso é possível, e outro
considerando todo o trecho como uma região de dominante.
Já na cifra popular o melhor é anotar o baixo pedal da mesma maneira que se
anotam as inversões, incluindo sempre a mesma nota após a barra; considerando o
mesmo encadeamento acima, a cifra seria: G G7 C/G Am/G Dm/G F/G G G7. Esta é a
cifragem que deixa mais evidente a presença de acordes que não contém a nota do baixo
(no caso, Dm/G e F/G). É corriqueiro que uma simples nota comum mantida no baixo
seja chamada de “Baixo Pedal”, pois o efeito se assemelha ao deste, mas a presença de
ao menos um acorde que não contenha a nota do baixo é uma característica essencial e
que justifica enquadrá-lo dentro das “Notas Estranhas ao Acorde”.
Quanto ao tratamento das três vozes superiores, devem ser tomados alguns
cuidados: nas tétrades normalmente a quinta é suprimida, mas nos acordes de sétima
sobre a sensível pode-se suprimir a terça (única nota do acorde com pouco poder linear
de atração – grau 2 da escala). A fundamental pode ser omitida quando a quinta do
acorde estiver no soprano ou no tenor (que correspondem às vozes externas nessa
harmonia a três vozes).
14
Kostka & Payne ignoram essa questão, sugerindo cifrar todos os acordes em estado fundamental,
justificando que o efeito das inversões é alterado pelo pedal e que não existem símbolos convencionais
para representar essa alteração.
10
Figura 14 – Muzio Clementi: Sonatina, Op. 36, Nº 4, I (1797): baixo pedal ritmicamente articulado.
15
Zamacois (1979, p. 278), no item “Ornamentação do pedal”, apresenta também o “acorde pedal” e o
“desenho pedal”. Este último está presente também na música popular na forma de ostinatos geralmente
em um contexto harmônico modal, especialmente no baixo sintetizado de vários estilos de Dance Music
eletrônica e nos riffs de baixo e guitarra do Rock, quando estes são repetidos exatamente iguais sobre um
encadeamento harmônico – um bom exemplo desse tipo de “desenho pedal” na tônica é o baixo da
introdução de Billy Jean, de Michael Jackson.
11
Ainda do ponto de vista rítmico, o pedal pode durar desde menos de um compasso
até um movimento ou uma música inteira (como a famosa Habanera, da ópera Carmen,
de Georges Bizet). Na conclusão do terceiro movimento (Herr, Lehre Doch Mich) do
Ein Deutsches Requiem, Op. 45, de Johannes Brahms, o baixo pedal na tônica dura
quase dois minutos e meio. O exemplo a seguir mostra um baixo pedal que é definido
por um acorde de apenas um tempo de duração:
Figura 16 – Nota de passagem envolvendo durações desiguais na canção “Cai, Cai, Balão”.
16
Volte a observar e tocar a antecipação da figura 1 desta apostila com essa nova divisão rítmica e
perceba a diferença no impulso em direção à nota de resolução. Observe também o efeito dessa divisão
rítmica em músicas de caráter marcial, como Imperial Attack (John Williams), da trilha sonora de Star
Wars IV – A New Hope (1976).
13
CONTORNO MELÓDICO:
APROXIMADA POR RESOLVE POR
(sem a primeira nota); outros preferem considerar como uma nota de passagem
incompleta (também sem a nota que inicia o padrão convencional). Como se diz em
linguagem jazzística, esse tipo de nota estranha ao acorde direciona-se a uma “nota
alvo”, por isso a preferência de adotar-se aqui também o termo jazzístico
“aproximação”.
CONTORNO MELÓDICO:
APROXIMADA POR RESOLVE POR
ou Qualquer maneira Grau conjunto
indireto e direto
20
Termo corrente entre músicos de Jazz.
16
alvo. Neste contexto musical é comum iniciar o padrão pelas duas notas estranhas ao
acorde. No início da melodia abaixo a nota Sol é circulada por suas duas sensíveis, uma
diatônica (Sib) e a outra cromática (Fá#). Vale notar também que, ao final, a nota de
passagem cromática parece estar “na cabeça do tempo”, mas soa como se estivesse em
parte fraca de tempo (na música sincopada há praticamente uma inversão na função dos
tempos e contratempos).
Paul Hindemith (1949) informa: “Por exceção, podem surgir notas estranhas a
um acorde que não se enquadrem em nenhuma das categorias precedentes. São
consideradas notas livres”.
Também é comum haver uma ou mais notas antes da resolução esperada de uma
suspensão. A figura a seguir apresenta a suspensão sem ornamentação (a) seguida de
diferentes maneiras de incluir uma nota antes da resolução:
Na fig. 26d foi inserida uma nota do acorde de chegada entre a suspensão e sua
resolução.
21
É importante deixar claro que aqui a bordadura é somente melódica, pois o Ré é nota do acorde;
considera-se o Dó como Antecipação devido à sua rítmica (posição métrica e duração). Seria possível
também interpretar erroneamente o Dó como uma simples bordadura inferior da nota Ré, pois a teoria
aqui apresentada o permite, mas isso implicaria necessariamente em desconsiderar o efeito musical (isto
é, realizar a análise sem escutar o trecho).
18
Também é possível preencher uma estrutura harmônica básica com muitas notas
de passagem (simples ou duplas) em sentido contrário – procedimento bem mais
adequado à escrita instrumental, especialmente para piano. O exemplo 28 mostra o
movimento das vozes externas em uma mudança de posição sobre o mesmo acorde
(28a), e diferentes formas de preenchimento desta estrutura com notas de passagem
simples e duplas (28b até 28e):
22
Na figura 27f são formadas notas de passagem triplas, as quais acabam formando uma tríade de
passagem nas vozes superiores.
19
23
Caso específico de mudança de posição de um mesmo acorde, no qual são intercambiadas entre duas
vozes geralmente a fundamental e a terça de um mesmo acorde.
24
Especialmente em se tratando de bordaduras inferiores, conforme apresentado na apostila de Harmonia
I, p. 29, item 7.2.2
20
Uma variante do baixo pedal, conhecida como pedal duplo, ocorre quando são
usados os graus 1 e 5 da escala simultaneamente, reforçando a função sobre a qual
acontece o pedal (já que uma 5ªJ acima de um baixo reforça os harmônicos deste). Na
análise harmônica do exemplo a seguir as inversões foram cifradas levando em
consideração que o contralto tenha assumido a função do baixo, com exceção dos
acordes de tônica nos compassos 4, 6 e 8 – os quais, de acordo com esta lógica,
funcionariam como I6, contrariando a sonoridade geral do mesmo. Ainda assim, na
maior parte do trecho considera-se uma harmonia a duas vozes sobre o pedal duplo.
25
Formando um acorde intermediário, como será estudado mais adiante nesta apostila, na seção sobre
“Sucessão Harmônica”.
21
a) Quais outros tipos de notas estranhas ao acorde não são estudados nesta apostila?
MODO MAIOR:
26
Do inglês Common Practice: período de cerca de 300 anos do tonalismo tradicional (aproximadamente
de 1600 a 1900, segundo Kostka e Payne).
27
Segundo o autor, os demais graus harmônicos seguem a tabela do modo maior.
28
Do ponto de vista melódico esse forte direcionamento já foi abordado na apostila de Harmonia I nos
itens 3.2 (p. 4) e 8.2 (p. 33), ao tratar das tendências de movimento melódico nos modos maior e menor.
23
É claro que em muitas músicas tonais ocorrem desvios com relação a este ciclo
(como, por exemplo, nas sucessões I V I e I IV I e na progressão I V IV). Entretanto,
atendo-se ao encadeamento I IV V I é possível enriquecê-lo e variá-lo mediante a
utilização dos demais acordes funcionalmente relacionados a estes (substituições
funcionais). A cifra funcional é a que mostra mais claramente essas relações funcionais
entre o acorde principal e seus substitutos:
24
Figura 36 – Substituições funcionais no encadeamento das três funções tonais principais em modo maior.
2.2 CICLO DAS QUINTAS
Figura 37 – Analogia entre as forças tonais dos acordes e a força da gravidade terrestre (William Baxter Jr.).
Figura 38 – Encadeamento pelo ciclo das quintas: acordes do campo harmônico maior (Kostka & Payne).
Figura 39 – Encadeamento pelo ciclo das quintas: acordes mais usados em modo menor (Kostka & Payne).
Figura 40 – Sequência melódica sobre uma progressão harmônica pelo ciclo das quintas
29
Talvez porque iii vi pode ser compreendido como Tr Sa, o que é basicamente a mesma interpretação
funcional de iii IV (Tr S).
30
É importante observar que nem sempre uma sequência melódica afetará a harmonia, ou seja, nem
sempre o encadeamento dos acordes acompanhará a transposição a partir de um modelo.
26
a) em Dó menor e b) em Dó maior.
Figura 41 – Sequência melódica sem sequência harmônica em a) Rondo em Ré Maior, K.485 (W.A Mozart,
1786) e b) Sonata para Piano em Dó Maior, K. 309, 3º mov. (W.A Mozart, 1777)
31
Kostka aborda este tópico no item “Sequência e o Círculo das Quintas” (Sequence and the Circle of
Fifths), dentro do capítulo sobre Progressão Harmônica. Zamacois aborda o assunto no capítulo
“Progressões Unitônicas (Tonais) ou Modulantes”. As marchas harmônicas modulantes serão abordadas
na apostila de Harmonia III.
27
32
Piston (1987, p. 318) faz uma afirmação um tato exagerada: “O padrão pode ser transposto por
qualquer intervalo, para cima ou para baixo”.
28
Nos próximos exemplos predominam os modelos com dois acordes, que são os
mais comuns. Zamacois informa, entretanto, que os modelos com mais de dois acordes
por vezes facilitam a realização a 4 vozes. Vejamos, primeiramente, as marchas com
transposição descendente, que é a direção mais comumente encontrada no repertório
tonal:
29
33
Título original: Kanon und Gigue für 3 Violinen mit Generalbaß ("Cânone e Giga para Três Violinos e
Baixo Contínuo“). Peça barroca escrita no final do século XVII.
31
34
Na verdade todos os acordes do modelo deverão manter exatamente os mesmos espaçamentos nas
transposições subsequentes, salvo onde ocorrer a quebra da simetria.
35
O autor observa também, mais adiante, que poderão haver pequenas assimetrias na condução das vozes,
desde que sejam perfeitamente justificáveis e de que não comprometam o todo – como ocorre nos saltos
em sentido oposto ao previsto, em função de se haver alcançado o limite da extensão de alguma das vozes
(ver fig. 47b – o trecho do Cânone de Pachelbel).
34
Zamacois indica algumas variações nas marchas harmônicas. Para que estas não
sejam rigorosamente simétricas, é possível mudar o intervalo de transposição e a
acentuação37 a cada reprodução do modelo:
37
Na figura 58b ocorre um antigo efeito de hemíola no qual o compasso ternário simples soa
temporariamente como um binário simples.
36
38
William Caplin (1998), por sua vez, tratando da música do Classicismo, apresenta uma teoria um pouco
diferente da exposta aqui, na qual são consideradas três categorias de encadeamento tonal: sequencial,
prolongacional e cadencial. O que ele chama de “sequencial” é o que foi tratado aqui como “marcha
harmônica diatônica”; o que o autor denomina “prolongacional” é o que aqui está sendo chamado de
“prolongamento funcional”; por fim um encadeamento “cadencial” refere-se às cadências harmônicas,
que serão estudadas ao final desta apostila.
37
Figura 60 – 1918: Ária O Mio Babbino Caro, da ópera Gianni Schicchi (Giacomo Puccini)
39
Recomenda-se aqui o estudo das diferentes “claves rítmicas” (padrões repetitivos elementares que
caracterizam determinado ritmo), tanto na música popular atual (samba, baião, salsa, chamamé, etc.)
quanto, por exemplo, das danças europeias antigas (sarabanda, valsa, polca, mazurca, etc.).
38
Figura 61 – Prolongamento funcional da tônica com sua primeira inversão e com o iii grau.
Figura 65 – 1778: Sonata para Piano KV 310, em Lá Menor – 1º mov. (Wolfgang Amadeus Mozart)
importante no prolongamento da tônica é o baixo pedal, que reforça o centro tonal Lá. A
figuração rítmica em acordes repetidos destaca a melodia, gerando uma boa estabilidade
textural e temática. Em um nível analítico mais amplo todos esses elementos
contribuem para a afirmação da tonalidade de Lá menor no começo desta sonata.
Existem várias maneiras de usar um acorde intermediário invertido, inclusive
combinando-o com a inversão do acorde imediatamente anterior e/ou posterior. Um
exemplo seria colocar um acorde invertido na segunda nota do baixo para ligar os dois
primeiros acordes das figuras 62 e 63 (justamente o que ocorre na maioria dos exemplos
desta seção da apostila daqui para frente).
A seguir serão apresentadas algumas possibilidades tradicionalmente usadas
para prolongar qualquer das funções principais de uma tonalidade. Em princípio trata-se
apenas de clichês harmônicos, de usos estereotipados das tríades em primeira inversão
(acordes de sexta) e em segunda inversão (acordes de quarta-e-sexta). Na harmonia
tradicional existem cuidados específicos quanto aos dobramentos e à condução das
vozes nestes acordes.
Koellreutter diferencia os acordes de bordadura e apojatura (que ele considera
como “dissonâncias falsas” ou “pseudo-dissonâncias”) das inversões (consideradas por
ele como acordes consonantes cujo baixo não é a fundamental). Para que este ponto
fique mais claro, é importante dizer que na música anterior ao tonalismo a qualidade
acústica dos intervalos predominava, e por isso levava-se em consideração os intervalos
que se formavam entre as vozes, especialmente aqueles contados a partir do baixo. Com
o desenvolvimento da harmonia tonal, a classificação dos intervalos como consonantes
ou dissonantes passou a estar ligada também ao contexto harmônico, à função dos
intervalos dentro de cada acorde e dentro da tonalidade, para além de suas qualidades
puramente acústicas. No tonalismo, uma quarta justa, por exemplo, pode ser uma
dissonância (quando contada a partir da fundamental do acorde) ou uma consonância
(quando contada da quinta justa para a fundamental do acorde). Ainda assim, o sistema
tonal herdou da música anterior a ele alguns cuidados especiais para lidar com uma
quarta justa acima do baixo – intervalo que é evidente em uma segunda inversão40.
Geralmente trata-se como dissonância uma das notas desse intervalo, a qual deverá ser
preparada e resolvida de alguma maneira. Por vezes mesmo um intervalo de sexta acima
do baixo, ainda que não seja considerado como uma sonoridade dissonante por si só (e
daí o termo “dissonância falsa”), merece atenção especial, visto que tende a resolver
descendo para uma quinta justa acima do mesmo baixo41.
Nesse contexto os acordes de sexta (primeira inversão) são classificados em
“acorde de sexta de passagem”, “acorde de sexta bordadura” e “acorde de sexta
apojatura”, visto que ao encadeá-los acontecem movimentos melódicos que lembram,
respectivamente, a nota de passagem, a bordadura e a apojatura. Os acordes de quarta-e-
sexta (segunda inversão) são classificados da mesma forma que os de sexta,
diferenciando-se daqueles pela presença de um intervalo de quarta e pelo fato de que
nos “acordes de quarta-e-sexta bordadura” e “acordes de quarta-e-sexta apojatura” seus
efeitos melódicos lembram bordaduras e apojaturas duplas ao invés de bordaduras e
apojaturas simples. Os “acordes de quarta-e-sexta de passagem” apresentam um
40
A quinta justa, estando no baixo, forma uma quarta justa com a fundamental do acorde, uma vez que o
intervalo de quarta justa é a inversão do intervalo de quinta justa.
41
O que remete à resolução 6-5 descrita na apostila I, p. 17, no item 5.7 (“TENDÊNCIAS DE
MOVIMENTOS MELÓDICOS EM TONALIDADES MAIORES”) e na fig. 8, p. 6 desta apostila
(“Suspensão consonante 6-5”).
42
movimento no baixo similar ao de uma nota de passagem, tal qual seus correspondentes
“acordes de sexta de passagem”. Todos esses clichês funcionam bem para prolongar a
tônica e a dominante, podendo eventualmente ocorrer também em outros graus.
Uma série de acordes de sexta consecutivos pode ser utilizada para ligar dois
acordes de um encadeamento, da mesma forma que é possível haver uma série de notas
de passagem consecutivas, simples ou duplas42, para ligar duas notas de acorde:
42
Notas de passagem duplas frequentemente acontecem na forma de sextas paralelas.
43
A escrita desses acordes requer alguns cuidados para não gerar paralelismos de
quinta e de oitava. Duas possibilidades frequentemente usadas são:
a) Reduzir a textura a três vozes para evitar oitavas paralelas.
b) Evitar as quintas paralelas por meio da escrita de quartas paralelas (como no
exemplo acima, entre contralto e soprano), ou por meio da inclusão de uma
cadeia de suspensões 7-6 que disfarce as quintas paralelas, como mostra a figura
a seguir (também entre as duas vozes superiores):
43
Com relação aos acordes imediatamente anterior e imediatamente posterior.
44
O baixo, sua duplicação oitavada e uma das vozes superiores são mantidos como
notas comuns nas mesmas vozes ao longo de três acordes. Na outra voz acontece o
movimento de bordadura superior que dá o nome a este caso.
São mantidas três notas comuns entre os dois acordes envolvidos (baixo e duas
das vozes superiores), enquanto a voz restante realiza uma apojatura (em semínimas,
nos exemplos da figura a seguir):
Esta maneira diferente de tratar as resoluções, assim como a ausência das mesmas,
acabaram levando ao surgimento da tríade com sexta adicionada, parte importante do
vocabulário harmônico impressionista (virada do século XIX para o XX) e já há muitas
décadas amplamente usada na música popular44. Os acordes de nona, décima primeira e
décima terceira também tiveram origem em notas estranhas ao acorde não resolvidas ou
cuja resolução recaía sobre um acorde diferente.
44
Este tópico será abordado na apostila de Harmonia III.
46
O acorde III(#5), gerado pela escala menor harmônica, não tinha grande peso
harmônico no tonalismo dos períodos Barroco e Clássico45, sendo tratado
principalmente como acorde de sexta apojatura sobre a dominante:
O baixo e sua oitava são mantidos como notas comuns nas mesmas vozes e as vozes
restantes descem por grau conjunto como uma apojatura dupla. Corresponde ao padrão
do acorde de quarta e sexta bordadura, mas sem o primeiro acorde (compare a figura a
seguir com a fig. 70):
Para realçar o efeito deste acorde, as notas que formam a apojatura dupla devem
ser atingidas por salto.
45
A tríade aumentada começa a adquirir maior autonomia a partir do período Romântico.
47
46
Poderiam passar-se vários minutos antes que o acorde de dominante surgisse juntamente com o
tradicional trinado cadencial, usado pelo solista como sinal para a reentrada da orquestra junto à resolução
na tônica.
47
Um deles é o minucioso Harmony and Voice Leading, de Carl Schachter e Edward Aldwell.
48
Além do uso de acordes de sexta consecutivos, existem outros casos em que uma
sucessão harmônica é feita por mais de um acorde intermediário:
48
Na terceira inversão (sétima no baixo) deve-se tomar o cuidado de preparar e resolver a sétima
(mantendo-a como nota comum ou descendo por grau conjunto).
49