Você está na página 1de 12
V645p Victora, Ceres Gomes Pesquisa qualitativa em sade: uma introdugao ao tema / Ceres Gomes Victora, Daniela Riva Knauth ¢ Maria de Nazareth Agra Hassen. ~ Porto Alegre: Tomo Editorial, 2000. - 136 p. 1, Antropologia da satide: Pesquisa: Metodologia: Pesquisa qualitativa e quantitativa. 2. Satide: Pesquisa. I. Knauth, Daniela Riva, I. Hassen, Maria de Nazareth Agra. III. Titulo CDD 572.7072 Catalogacao na publicag30: Maria Lizete Gomes Mendes Bibliotecéria: CRB 10/950 7.1 Primeiras consideracées , A palavra Etica, na sua ori: igem etimolégica, deriva de ethos, cujo primeiro significado, para o homem grego, seria costume —no caso, usos e costumes de um grupo. No mundo grego, os costumes eram decisivos no balizamento da conduta dos individuos. Agir corretamente era agir conforme o grupo. Outro sentido da palavra ethos era 0 de domicilio, moradia, Referia-se por ethos a morada de alguém ou o lugar geograficamente delimitado da moradia. Essa morada podia também se referir 4 morada da alma, ¢ a morada da alma € 0 carter de uma pessoa. A disposigao interna da vontade que inclina a pessoa a agir naturalmente de determinada maneira equivale ao sentido de local em que vive sua alma. Dai a relagio de morada com étic Por decorréncia dos dois sentidos, quando falamos em ética, estamos fa- Jando da ago humana. Nao qualquer agiio humana, mas a ago voluntar livre, relacionada a atos que produzam conseqiiéncias em outros. Nao se pode classificar do ponto de vista ético uma ago que parta de uma pessoa fora de seu perfeito juizo nem de uma pessoa que age por forga de uma determinada coagao, ponderados os elementos envolvidos (tipo de coagio, conseqiiéncias de uma desobediéncia a ela, entre outras coisas). oo Disting&do que importa quando se fala tecni mente de ética € a que a associa a palavra moral. No discurso comum, fala-se indistintamente em moral eem ética, No entanto, moral esté bem mais ligada ao sentido de “costumes” (aprépria palavra se origina de mores, do latim, costumes de um povo). Pela moral, o que esta de acordo com o que é aceito de forma generalizada moral. Mas pode nio ser ético, pois a ética € um campo do conhecimento que se debruga sobre a moral, analisando-a. Assim, 0 pensamento filos6fico sobre a moralidade constitui a ética, que tem como diferencial o seu grau de generali- dade, A moral atua no campo da pritics das situagGes concretas do cotidiano, ja ética atua no campo tedrico, da regra, da norma geral. Bla até pode ajudar a fundamentar uma ago conereta, mas nunca deve ser confundida com ela. apreciarum exemplo. Tenho Giividas edevo Contar au sado determinado objetivo surgido posteriormente na ‘sini investigag: mo sabendo que a pesquisa em nada prejudicara auaisquer dos enyo| gino queele poderd no compreender a : 1m € po era, talvez, negar-s deraentrevista). Posso acionar dois mecanismos para solucionar tal di éexaminar as possibilidades (contar ou nio contar) e Jul gar a que me. Patecet correta, Estarei agindo no campo pratico. Outra é examinar a questio 3 luz principios éticos. Estarei recorrendo a uma ordem te6rica, desconectada, prin. cfpio, do caso especifico e encontrarei, por exemplo, uma norma: no se deve negara verdade a uma pessoa que a reivindica. Ou simplesmente: Nao se deve negar a verdade em hipdtese alguma. Uma fe orma provavel de encontrar essa norma, e que me pouparia trabalho reflexivo seria buscar no cédigo de ética de minha profissio uma regra aplicavel & situagdo em que me encontro, Os vddigos de ética funcionam como atalhos nesse processo, pois objetivam fazer a necess4- ria ligacZo entre ética e moral (infelizmente nem todos sio felizes nessa misao), As duas formas mencionadas correspondem a duas correntes divergen- tes em ética: a primeira, mais casuistica, e que faz como que um “célculo” em relacdo a beneficios/prejuizos, é a chamada utilitarista (a melhor agio éa que promove a maior quantidade de bem e a menor quantidade de mal*). Jia segunda, que assegura que a andlise néio deve circunscrever-se ao caso espe- cifico, mas recorrer regra geral, a normo-deontolégica. No primeiro caso, a solugio fica dependente do discernimento pessoal ¢ quem sustentaria que o discernimento pessoal € critério suficiente para uma decisio que envolve um interesse pessoal (o do pesquisador de fazer sua pes- quisa) ¢ outros (0s direitos dos pesquisados)? Essa incerteza conduz auma soluco do tipo normalizadora, que é sintetizada, por exemplo, mediante 0cot sentimento informado. Ou seja, a solugdo esta dada a priori, por meio de uma regra que normatiza as pesquisas que envolvem seres humanos e que dispe sobre a obrigatoriedade da informagao plena do pesquisado. Assim, no caso Pesquisa, todo o tempo, devo estar ciente de minhas obri igagdes éticas. M Pes. 410(e, mes. Vidos, ima. CA.COnce. lema, Um {0 exemplo que é discutido nesta questo é mais ou menos o que segue. Suponlot oer ta uma epidemia que vem matando milhares de criangas, um cientista descr” acina que poder§ salvé-as, Entretanto, esta vacina no seu perfodo de testes Pe vavelmente envolverdo sacrificio de cerca de doze eriangas. Pelo argumento wilt dizia de ouinns fei ois milhares de eriangas se beneficiarao da morte ey que ele é uma distoreag ane? € simplério ¢ os teéricos utilitaristas defender, Tegra: devecse utihers go°, MeSMO. Trata-se dos utilitaristas da norma, que CTA Ty, para 0 maior nimero de yoo? Cui aplicagtio produza as melhores CO"8°9 iy, excelente defesa danni pe880as- E volta-se a cair na subjetividade. Toda! lefesa do utilitarismo encontra-se em Singer (1994). ARLEN ESE 7.2 Etica nao é apenas uma Westio de sigil ‘ sigilo isso, Ocorre uma simplificagaio deun i a4 . i m conceito, que é be " eset 7 5 m mais sigilo pode ser importante em determinadas circunstanci ais profundo. O mento correto nao se limita aele, meanclas, mas um comporta- Ainda que Seja nas relagdes pessoais, de trabalho, de intimidade, com a \ ;ttica, enfim, sempre que tivermos um ser humano envolvido numa agdo que implique conseqiiéncias em outro ser humano ou na natureza, A ética deve ser vista como parte importante da situagdo de pesquisa e deve ser levada em conta desde os primeiros momentos de sua concepgio. Na pesquisa qualitativa, algumas questoes da relagdo entre pesquisador e pesquisados merecem exame. A técnica da observagdo é, por vezes, aponta- da como problemitica pela invasio da privacidade que pode representar, mes- mo quando consentida. Como a observagio acontece naturalmente in loco, os observados ficam & mercé de sua propria falta de controle da situagao. Pode acontecer de irromper, num momento de observagio, uma situagZo constran- gedora nao prevista. Se ela no é reveladora de nenhuma das questdes de pesquisa, 0 bom senso e a eticidade do pesquisador sao suficientes para que 0 episédio nao tenha conseqiiéncias. No entanto, se a situagao criada interessar A pesquisa, mas nio houver aquiescéncia dos pesquisados para sua utilizacao, um embarago ético est posto. Na melhor das hip6teses, a situagao criard no pesquisador uma opiniao que ele nio poder fundamentar no relat6rio de pes- quisa com base no vivido naquele momento. Outra questio presente nas discussdes sobre ética pesquisa refere-se a0 anonimato dos pesquisados, 0 qual deve ser garantido. Para isso, nosrelatos, 0 uso denomes ficticios deve ser adotado como regra. Mas nem sempre isso basta, Ja que deve-se cuidar com o que conhecido por “descrigo definida’’, um tipo de descrigéio que se aplica a uma e s6 uma pessoa. De nada adianta néo revelarmos nome da pessoa que “coordenou a equipe de satide do posto X durante 0 ano de Ps q 7 i ? 2 1996” ou “a moradora mais antiga do bairro Y”. As vezes, somadas todas as descrigdes do entrevistado ao longo do trabalho, repde-se a descrigao definida: sexo, idade e escolaridade, num grupo pequeno, podem bastar para definir a pessoa do entrevistado, falsamente protegida pelo uso de pseud6nimos. Ha pes- i a ses! oblemas, mas estampam nitidas fotografias dos, qQuisas que evitam todos esses pr’ ste de una problemitica prépria, que Pesquisados, Ora, o uso de imagem se reveste de uma p , Passa pelo consentimento expresso para uso da imagem. oo A discussio a respeito do dispositivo de consentimey estende para além do proprio ins rumento, Pois ele Soencontrarg Sentido n se pesquisa que se proponha a nao ferir os pardimetros éticos, uma "0 informa, 73 OConsentimento Informado ea sua utilizagio em Pesquisa José Roberto Goldin Atualmente, entende-se por consentimento informado a AUtorizaczo dada de forma voluntaria, por uma pessoa capaz de tomar decisdes no seu melhor interesse, no sentido de permitir a realizacdo de um Procedimenty clinico, cirirgico ou de pesquisa, apés terem sido fornecidas todas as infor. magoes necessdrias 4 plena compreensio dos riscos, desconfortose bene. ficios associados. Occonsentimento informado é um elemento caracteristico e ess NCial do exercicio de todas as profissdes da drea da satide, Segundo Joaquim Clotet,o consentimento informado nao é apenas uma doutrina legal, mas éum direito moral dos pacientes, que gera obrigagdes, igualmente Morais, para os profissi- Onais envolvidos nas atividades de assisténcia A satide ou na pesquisa com seres humanos,! Oprocesso de consentimento informado vj dar 0 respeito as pessoas, Isto se da através do rec de cada individuo, garantindo a su: te esclarecido sobre as alternativ: mento mais abrangente do quea documento de autorizagao, Este tern citado em alguns documentos legai de consentimento POs-informacao ‘mento livre esclarecido (resolugdo 196/96 ¢ 251/97). Ocomponente de consentimento se Materializa quando o individuo ast" te uma das alternativas como sendo a melhor para si prdprioe di uma man Festacdo inequivoe: Scolha, que preferentemente deve set doce sta prnd de consentimento informado. Existem situagies ae Sta possibilidade, tais como as que envolvem pessoas nioall como ocorre em a s. Este consentimento Poderd ser documentado atrav formas de documentagiio, fandamentalmente, resguar ‘onhecimento da autonomia a livre escolha apés ter sido convenientemen- as disponiveis. E, desta forma, um procedi- imples obtengiio de uma assinatura emum mo de consentimento informado tambétné s brasileiros coma denominagio de ferme (resolugdo 01/88) ou rermo de consent: és dees radu ted i “logo do Grupo de Pesquisa ¢ Ps Grats aah ut Porto Alegre, Professor de Bioétina no PPG ett ni leral do Rio Grande do Sul Pesquisa Quauiraniva eM Sador 83 O consentimento informado pode ser subdividido em dois componentes fundamentais e interdependentes: um de informagio ¢ outro de consentimen- Estas também tém sido as dua violagées bisicas do processo: a falta de informagées adequadas e a falha na obtengao do consentimento propria- mente dito.4 O componente de informagao deve garantir ao paciente, ou voluntario. sadio, 0 acesso aos dados sobre o tipo de doenga e os procedimentos utiliza- dos, o fato de que a sua participagao € voluntiria, 0 acesso as novas informa- ges geradas ao longo do projeto, a garantia da preservagio da sua priva dade © a qualificagao e quantificagio dos possiveis danos, , desconfor- tos e beneficios envolvidos. Vale lembrar que a adequada avaliagio da rela- cio risco/beneficio é muito importante, podendo inviabilizar a realizagao de um projeto, preferencialmente antes de ser iniciada a sua execugao.° A in- formagao a ser utilizada no processo de consentimento, e especialmente na reda¢do do termo de consentimento informado, deve estar adequada ao esté- gio de desenvolvimento do individuo e ao seu grau de compreensio.’ A estru- tura de texto® e 0 vocabulério? a ser utilizado so elementos essenciais que devem ser considerados. Outros autores propdem diferentes abordagens para o processo de obten- gio, detalhando os dois componentes j4 apresentados. Judith C. Ahronheim e colaboradores desdobraram 0 componente de consentimento, caracterizando trés elementos basicos: informagao, capacidade ¢ consentimento.!° Dan En- glish detathou os dois componentes iniciais, ampliando para quatro o ntimero de elementos necessarios para que um consentimento informado seja considerado valido: fornecimento de informagGes, compreensio, voluntariedade e 0 consen- timento propriamente dito.!! Tom L. Beauchamp e Ruth Faden!? estabeleceram a abordagem mais abrangente e detalhada para o proceso de consentimento informado. Esse processo seria composto de trés etapas, envolvendo sete diferentes elementos: I. Pré-Condigdes: 1. Capacidade para entender ¢ decidir; 2. Voluntariedade no processo de tomada de decisio. II, Elementos da Informagao: 3. Explicagdo sobre riscos e beneficios; 4. Recomendaciio de uma alternativa mais adequada; 5. Compreensio dos riscos, beneficios e alternativas. TIL. Elementos do Consentimento: . 6. Decisao em favor de uma op¢ao, dentre no minimo duas propos! 7. Autorizagao para a realizagio dos procedimentos propostos. pe os 84 fm + de ftica da Escola de Medicina da Pontificia Universidade té de is cti ante doi a cori teavaliou 44 projetos de pesquisa submetidos durante dois anos, a sbferita mais freqiiente apontado nas avaliagGes foi a ausénciaoua inade. problema mais qu ado,!2 sci econ nité de Etica em Pesquisa do Hospital de Clinicas de Porto See ee pA), até o ano de 1996, o problema mais freqiiente que se destacoy Alegre (HCPA), zifo ane temas que perpassam o ra introducir discus- dilemas morais: nesse campo.

Você também pode gostar