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A EDUCAGAO ESTETICA DO HOMEM THE MAN'S STETIC EDUCATION Nazaré Cristina Carvalho Universidade do Estado do Para SCHILLER, Friedrich. A Educacéo Estética do Homem. Séo Paulo: Ed. luminuras, 1995. Os estudos de Schiller sobre “A Educagao Estética do Homem”, realiza- dos no século XVIII, recebem uma gran- de influéncia da filosofia kantiana, em relagdo & importincia do jogo funcio- nal, da sensibilidade, com o entendimen- 10 do juizo do gosto. A partir desse peri- ‘odo, 0 jogo ganha uma nova dimenstio em relagao a seu estudo, ¢ comega a merecer maior atencao na contempora- neidadde, passando a ser estudado nao apenas pela filosofia, mas também pela antropologia, nos dando uma visio da dimensao da ludicidade como uma ma- nifestacdo de humanidade, que por sua vez estd relacionada com a liberdade do homem. Este autor acreditava que pelo belo, pelo estético se chegaria a liberdade, a arte nao significava apenas um meio do homem se expressar, mas através dela encontraria 0 caminho de sua tealizaga0 enquanto ser humano. Para ele haveria duas tendéncias opostas no homem, a sensivel e a racional, as quais atuariam na vida real sob a forma de impulsos. Estes tornam-se duas forgas opostas que conduzem ao caminho da realizacdo de seus objetivos, constituindo-se nos im- pulsos sensivel e formal. O impulso sen- sivel parte da existéncia absoluta do ho- mem ou de sua natureza sensivel. E no impulso sensivel, que surge e se prende a humanidade do homem. © impulso formal, parte da existéncia absoluta do homem ou de sua natureza racional. Este tipo de impulso requer verdade ¢ justi- ca, ao mesmo tempo em que fornece leis relativas a conhecimentos ¢ ages. O impulso sensivel exige modificagio, e 6 formal exige a imutabilidade e a uni- dade. © problema da unidade para Schiller deve ser resolvido pelo equili- brio, 0 qual s6 pode ser alcangado pela reciprocidade dos dois impulsos. Essas tendéncias, proprias dos dois impulsos podem ser consideradas como forgas di- namicas, cujo objetivo é conduzir o ser humano 2 realizacio. As tendéncias pré- prias dos dois impulsos s20 contraditéri- 45, mas, no entanto no se chocam, con- siderando-se o fato de que as contradi- des nao se encontram no mesmo obje- to. Cada uma possui um dominio pré- prio, ou seja, no se chocam porque as agdes acontecem em planos diferencia- dos. Impulso sensivel ¢ impulso formal silo antag6nicos apenas quando um in- vade 0 campo de atuacao do outro. O que vai assegurar e garantir 0 dominio do impulso sensivel e do impulso for- mal é a cultura, ¢ isso acontece pelo cul- tivo da faculdade sensivel e da faculda- de racional. Tanto o impulso sensivel quanto o formal possuem limitagées, para que um nao penetre no dominio do ou- two. Para Schiller hé uma relacio de reciprocidade, entre o impulso sensivel € 0 formal, a qual € exercida pela razio humana, identificada pela idéia de sua humanidade. Humanidade, que dificil mente pode ser alcancada em sua totali dade, mas apenas por aproximacées. Dai, a busca incessante do homem em alcangar este objetivo. FE dessa busca pela realizagao do 130 ideal do homem, da reciprocidade entre os dois impulsos e da superagio do dualismo (sensivel e inteligivel) que sur- ge um terceiro impulso que Schiller vai chamar de impulso hidico. Este impulso tem como fung’o bisica, a reconcilia- cdo dos opostos estabelecidos nos dois impulsos anteriores, ou seja, a reconcili- aco do homem consigo mesmo. O im- pulso Iidico quer harmonizar a relagio entre sensibilidade € razio, passividade ¢ liberdade, a fim de criar um ser huma- no capaz de vivenciar sua sensibilidade, de forma livre e harménica. O impulso Nidico ao ser despertado no homem faz com que, a sensibilidade deste entre em sintonia com sua raziio, fazendo com que adote uma nova postura existencial. Segundo este autor, 0 objeto pr meiro do impulso Iidico é a forma viva, um conceito que serve para designar to- das as qualidades estéticas dos fendme- nos, que nada mais é do que o sentido de beleza(p.81). O pensamento filoséfi- co de Schiller conduz a um ideal de be- Jeza que nao foge do mundo material, que visa a sua transformagao em ex- pressio de liberdade. A beleza encon- tra-se ligada ao sentimenta e a sensibi dade do homem e sto dois valores que n&o podem ser submetidos a légica da racionalidade, porque se assim for, aca- bam sendo negados. Tanto a beleza, como 0 sentimento e a sensibilidade en- contram, no comportamento Iidico o lugar ideal para se manifestar, principal- mente no proprio acontecer do brincar da crianca. Dessa forma, 0 jogo pode ser concebico como um prazer estético, uma forma de percepgio da beleza. O belo € a fonte do impulso Itidico, que deve estar presente em todos os jogos do homem. O homem se completa no jogo. E preciso que se reconhega a grandeza de uma civilizagdo, que consegue ter um entendimento do belo, a ponto de seus jogos estarem assentados na beleza que eles possuem. E Schiller nos da 0 exem- plo ao se referir aos jogos praticados em Olimpia, na Grécia, onde prevalecia nas disputas o talento, elevando a beleza, 0 espirito e 0 ser humano. Ao contriio de Roma, que se deleitava com a violéncia Revista Cocar dos jogos entre os gladiadores, e 0 der ramamento de sangue em suas arenas (p.84), A beleza presente na realidade equivale ao impulso lidico, ao jogo. Pa- ralelamente o ideal de beleza construido pela razio, impoe o ideal de um impul- 80 Iiidico, que deve estar presente na mente do homem em todos os seus jo- {805, pois o principio do jogo para Schiller estd no fato de que, o homem deve so- mente jogar com # beleza, e somente com a beleza jogar (p.84). O jogo na visio de Schiller surge de uma situagio relacionada a existéncia do homem, pelo ptazer estético nele contido. F pela ludicidade que o homem deixa fluir sua sensibilidade. Através do Itidico 0 ho- mem aperfeicoa sua realidade, e sua ca- pacidade contemplativa, principalmente no que diz respeito ao belo, experimen- tando sua liberdade no mundo sensivel. Schiller afirma que o homem joga so- mente quando € homem no pleno senti- do da palavra, e somente é homem ple- no quando joga (p.84 ), pois seria 0 jogo. que tornaria o homem completo. Pode- riamos também dizer isto de uma outra forma: o homem 36 se torna verdadeira- mente humano quando brinca. Supde- se que dessa forma, o homem libertaria sua sensibilidade e a cultivaria cada vez mais, O jogo seria a primeira manifesta- ao da humanidade no homem, ao mes- mo tempo em que é no jogo, que o ho- mem € totalmente homem. Uma das fi- nalidades primordiais do jogo é tornar 08 seres humanos mais felizes; paralela- mente, a dimensio do brinquedo se lo- calizaria nas origens do humano do ho- mem, A esséncia do jogo estaria locali- zada, na sua relacdo com a arte. © impulso hidico apresenta uma relagio direta com o brincar da crianga, pois a crianca quando brinca, nao se sen- te coagida pela sensibilidade, nem pela tazio. Basta observarmos o brincar da crianga, para percebermos 0 quanto de arte se encontra neste ato, pois sua criatividade é liberada a partir do mo- mento em que encontra um ambiente propicio, para que possa dar asas a sua imaginacao. A imaginagao infantil nao tem limites, Através dela, a crianca viaja por um mundo de fantasias e de verda- V.01 n° Jan/Jun 2007 des, mesclando seu imagindrio com a realidade. A ludicidade pode ser vivenciada como are, e através dela a vida pode ser vivida também como arte. Pois o sonho e o devaneio conduzem, tanto a crianga como 0 adulto ao encon- tro da arte, do belo, da beleza e da li- berdade, ‘Aarte se encontra latente em cada um de nés, basta deixarmos ela fluir, nos desprendermos um pouco da racion: lidade que insiste em nos dominar, e deixar aflorar mais intensamente o homo Iudens que reside em nés, abrindo as portas para a sensibilidade nos envol- ver. Da mesma forma que a arte, 0 Itidico encontra-se inserido no contexto hist6ri- co, enquanto producao do homem, des- velando, concretizando e transcenden- do seu pensamento, sua imaginagio e seu saber, dizendo coisas que nao po- dem ser ditas por meio de palavras. Tal- ‘vez o caminho para viver a vida como arte, seja 0 da ludicidade, da fruicao, vi ver a vida como se fosse brincadeira de roda, e no apenas como “farei tudo que meu mestre mandar’, superando a reali- dade congelada e opressiva, que muitas vezes a vida nos impde, e caminhar em busca de uma vida politico-estética, na qual o ser humano seja visto como um ser simbdlico dotado de capacidade de pensar, de sonhar, imaginar e brincar. 131 Nazar€ Cristina Carvalho. Doutora em Educagao Fisica ¢ Cultura pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro. Professora do Programa de P6s-Graduagao em Educagao da Univer- sidade do Estado do Para. Recebido em 25/09/2006 Aceito em 30/12/2006 Nazaré Cristina Carvalho

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