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EVOLUCAO DO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTARIO BRASILEIRO GERALDO ATALIBA Professor nas Faculdodes de Direwo de Sé Paulo © da Universidade Cat a) Sistema tributario do |Império Com a outorga da Constituigio do Império, passamos a ter o primeira sistema constitucional tributério. E que o constitucionalismo, a partir do qual, sdmente, é possivel falar-se em Constituigio, no sentido em que o toma a ciéncia do direito constitucional modemo, se inaugura, no Brasil, com ésse diploma. Sistema tributério tinhamos, sem diivida, anteriormente, A qualificagao de sistema “Constitucional”, entretanto, 6 pode the caber a partir de entéo. 64 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA Mal apareciam, na Europa, ainda infirmes, os primeiros pruridos do direito administrativo; nesta altura, nao se podia pensar em direito financeiro como ramo destacdvel do dircito administrativo. A informagio do legislador constituinte, a tal respeito, era, pois, bastante precdria, o que se refletin na qualidade de seu trabalho, De forma empirica e — por isso mesmo ~ inorgdnica, a Constituigao imperial trata da matéria tributdria, direta ou indiretamente, em meia duzia de disposig6es que serio aqui examinadas ripidamente. Deve-se, entretanto, inicialmente, salientar que a aparente parciménia do constituinte se deveu principalmente ao fato de o Império brasileiro constituir-se em estado unitério, 0 que, desde logo, dispensava o complexo minimo de dispo- sigdes tipicas da problematica federal, © § 19 do art. 36 mandava que a iniciativa da CAmara dos Deputados seria privativa, em matéria de impostos. Tratando dos Conselhos Gerais das Provincias e dos governos regionais, veda-lhes propor ou deliberar sbre “imposigdes, cuja fativa é da competéncia particular da Camara dos Depu- tados” (§ 3° do art. 83). Ao cuidar da Fazenda Nacional (titulo VII, cap. III), cria o Tesouro Nacional (art, 170), fixa o principio da anualidade das “constituigées diretas” (art. 171) e da universalidade do orgamento (art, 172). Finalmente, no rol das “garantias dos direitos civis e politicos dos cidadaos brasileiros”, afirma 0 tradicional principio segundo 0 qual “nenhum cidadio pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senio em virtude da lei” (§ 1°, art. 179), de larga aplicago em matéria tributdria e essencial- mente informador do “estatuto do contribuinte”, ao lado daquele outro prin- efpio, segundo o qual “a lei ser igual para todos, quer proteja quer castigue” (§ 13), que se incorporaram as tradigdes juridico-politicas brasileiras. Tais mandamentos, entretanto, sio genéricos e atuam em qualquer circunsténcia e diante de qualquer matéria. J4, especifico & matéria tributdria é 0 § 15, assim redigido: “Ninguém seré isento de contribuir para as despesas do Estado, em proporgio dos seus bens”. A incluso solene de tal prine{pto importava no reconhecimento, jA entdo, do triunfo das idéias sociais avangadas para a época, na consagrago de um ABRIL A JUNHO — 1968 ideal de justiga social e acolhimento pleno dos cdnones de Adam Smith. Sua réplica, na Constituigao de 1946, estava no artigo 202, suprimido pela Emenda Constitucional n? 18 ¢ abolide do sistema atual. Vésse, da contemplagio désse quadro, que o sistema constitucional tribu- tario do Império era muito flexivel, além de bastante primdrio e simples, Nio obstante possa ser considerado como dos mais completos da época, a verdade € que 0 direito tributario existia, como setor distinto do direito piblico, nao tendo mesmo se iniciado 0 processo de diferenciagio que determinon a afirmagdo da ciéncia do direito administrative como ramo autonome da ciéncia do direito (e o direito tributéria ¢ um sub-ramo do administrativo). Lei imperial de 24 de outubro de 1882 constitui-se na primeira medida tendente a permitir alguma descentralizagio © a primeira tentativa parcial de discriminagio de rendas, entre 0 Governo Central e os provinciais. © Ato Adicional levanta 0 problema da necessidade de recursos préprivs as Provincias, ao conferir-lhes responsabilidades administrativas prdprias, como muito bem o assinala Uruguai {pag. 127) O receio manifestado por éste autor quanto 2 unidade nacional, em razio das dificuldades decorrentes da carénvia de recursos ptiblicos, pela pobreza das fontes tributarias (“Estudos Praticos sébre a administragio das Provincias do Brasil”, de 1865, vol. I, pags. 242 e 243), decorria da anarquia administrativa © politica, desajudada pela incipiéncia cientifica dos responsaveis pela coisa piblica. A situagio caética engendrada pela conjuntura vivida pelo pais, na transigiio do primeiro para o segundo Império, ¢ comentada por Carvalho Pinto, com muito realismo (“Discriminagio de Rendas”, S, Paulo, 1943 pag. 129). Nio é de admirar que 2 informagio cientifica a respeito dos problemas tributdrios fsse, entio, de pouca ou nenbuma significagio e valia. O proprio direito administrativo, do qual se desprende 0 financeiro, mal comegava a conhecer alguma tratagio. O insigne Pereira do Rego, ao apresentar seu com- pendio, jé falava da temeridade da “emprésa” a respeito “d'uma sciencia ainda nova para nds, © que era mister crear, tarefa muito além dos meus. fracos recursos” (pag. 1) © notavel lente do Recife, no capitulo XIL de sua obra, cuida dos impostos, dedicando-lhes trinta paginas ¢ dispensando-lhes trate admirivelmente sistema- tico, para o grit de adiantamento cientifico da época. 86 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA Saindo sua “terceira edigio augmentada e correcta” em 1877, ainda nio faz qualquer mengio ao problema da reparticio das fontes de receita e — correspondentemente ~ dos tributos, entre o Império e as Provincias. De todo o exposto pode-se concluir que o sistema constitucional tributario do Império era extremamente flexivel, limitando-se a Constituiggo a enunciar uns tantos prineipios gerais positivos ou negativos, a serem observados pelo egislador osdindrio. Obedecidos ésses singelos prineipios, dispunha o legislador ordinario de ampla liberdade em sua agdo, para instituir quantos tributos quisesse, pela forma que o desejasse e quando Ihe aprouvesse. b) Sistema tributario da | Republica Inaugurando o regime republicano, no Brasil, a Constituigio de J89L prescreveu nos artigos 7° e 9 medidas estritas de natureza tributiria, tais come atribuigio de competéncia exclusiva a Unido, para decretagio de: “I. impostos sbre importagao de procedéncia estrangeira; 2. direitos de entrada, saida e estadia de navios; 3. taxas de sélo, salvo a restrigio do art. 9%, § 19, n? 1: 4. taxas dos correios e telégrafos federais, § 1 — Também compete privativamente 4 Unido: 2? — A criagdo e manutengao de alfandegas.” isse diploma constitucional, entretanto, no se Simitava a exibix a notavel novidade da instauragio da forma republicana de Govérno, mas inaugurava o sistema federal, trazendo, pois, concomitantemente ¢ de um s6 golpe, duas substanciais modificagdes qualitativas & configuragao juridica do Estado. brasileiro. Ora, a federagiio exigia autonomia financeira para os Estados, mediante a outorga de fontes préprias de receitas. Foi disso que cuidon o art. 9° da Constituigio de 1891, ao entregar, em cardter privativo, aos Estados, os impostos: “1. sdbre exportagio de mercadorias de sua propria produgio; 2. sdbre imdveis rurais e urbanos; 3. sébre transmissio de propriedade; ABRIL A JUNHO — 1968 8 4, sobre industrias e profissoes. (§ 1°) 1. taxa de sélo, quanto aos atos emanados de seus respectivos gover- nos e negécios de sua economia; 2. contribuigées concernentes aos seus telégrafos e correios”. Vé-se que essa primeira tentativa de disctiminagio de rendas foi parci- moniosa e pouco extensa, abrangendo pequena parcela do campo de possibi- lidades tributarias. Verifica-se que o campo das competéncias exclusivas cra muito restrito, Dai a necessidade de cuidar-sc do impdsto ndve, o que se féz mediante a disposigaio do artigo 12, que assim era redigido: “Além das fontes de receita disctiminadas nos artigos 7° e 9°, é licito A Unio, como aos Estados, cumulativamente ou nio, eriar outras quaisquer, nio contravindo disposto nos artigos 7°, 9.9 e U1, n.° 1.” A experiéncia de que dio ampla conta os repertérios de jurisprudéncia a escassa doutrina de entdo demonstram que a essa vala comum se atiravam quase todos os problemas tributérios ocorriveis. Entre os dois grandes males apontados na discriminagdo da primeira Cohstituigao republicana, esta, a0 lado da porta aberta as imposigées interlocais, a amplitude do campo concorrente, ensejador de perturbadoras superposigées de tributos. Quanto & competéncla municipal, nenhuma disposigau direta © expressa se yé nesse diploma constitucional. Limita-se exclusivamente ao enunciado do art. 68, que assim reza: “Os Estados organizar-se-io de forma que fique assegurada a auto- nomia dos municipios em tudo quanto respeita ao seu peculiar interésse” Gompletam o panorama getal do sistema constitucional tributério da Constituigio de 1891 as disposigdes a seguir examinadas, Sio principios de natureza tributéria a serem observados, quer pela legislagio federal, quer pela estadual ou municipal: “Os impostos decretados pela Unifo devem ser uniformes para todos 0s Estados” (§ 2° do art. 7°). “E isenta de impostos, no Estado por onde se exportar, a produgia dos outros Estados” (§ 2° do art. 9°). 68 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA Verifica-se, da prépria terminologia empregada — inclusive do uso da expresso “isengio” ¢ da linguagem constitucional, em outras passagens refe~ rentes & matéria —, o estado de involugSo da ciéncia do direito financeiro, entao, quando ainda nfo havia grau de elaboragiio capaz de permitir sistematizagao e emprégo de terminologia de qualquer rigor cientifico: “86 6 licito a um Estado tributar a importagio de mercadorias estrangeiras, quando destinadas ao consumo no seu territério, rever- tendo, porém, o produto do impdsto para o Tesouro Federal” (§ 3? do art. 9). A imunidade reciproca jé era, em raziio mesmo da natureza federal, que passava a ter o Estado brasileiro, principio constitucional da mais alta impor- tancia, consagrado que foi da seguinte forma: “E proibido aos estados tributar bens ¢ rendas federais ou servigos a cargo da Unido, e reciprocamente” (art. 10). Com efeito, a imunidade tributiria reciproca nao poderia deixar de compa- recer como principio constitucional, tendo agido com pradéncia e grande descortinio 0 Jegislador constituinte de 1891, ao consagra-la expressamente, 0 que, se do ponto de vista rigorosamente técnico, niio era essencialmente neceséério — uma ver que a imunidade tributaria reciproca, A semelhanga do que ocorre nos Estados Unidos da América, é fnsita 4 natureza federal do estado —- a prudencia politica, 0 bom senso ¢ a experiéncia prética recomendam sua expressa mengio, como foi feito. Prossegue a apresentacio do quadro formado pelo sistema constitucional tributario republicano de 1891. “Art. 11 — B vedado aos Estados, como & Unido: 7°) criar impostos de trinsito pelo territério de um Estado, ou na passagem de um para outro, sdbre produtos de outros Estados da Republica, ou estrangeiros, e bem assim, sdbre os veiculos de terra e &gua, que o transportarem”; 3°) prescrever leis retroativas ‘Vé-se que tais limitagdes, também necessiria decorréncia da natureza federal do Estado brasileiro, entZo inaugurado, e até hoje repetidas pela Cons- __ABRIL A JUNHO — 1968 6 tituigio Federal, j& crigiam limitagdes constitucfonais ao poder de tributar. tolhendo, destarte, a liberdade do legislador ordinirio, sob certos aspectos c dentro de prévios e determinados limites. Alén da proibigdo da prescrigio de leis retroativas — diretamente impor- tante, também, para o direito tribu io ~ em carter peremptorio e perfeita- mente de acdrdo com a nogio de estado de direito e constitucional, 0 parigrafo 30 do art. 72, que tratava da declaragiio de direitos, dizia, de forma categérica inescusivel: “Nenhum impésto, de qualquer natureza, poderé ser cobrado, seniio em virtude de uma lei que o autorize”, Esse 0 quadro formado pelo sistema constitucional tributario brasileiro, na primeira Reptiblica. De seu exame se verifica que, em matéria de tributos municipais, salvo aquelas restrigdes_genéricas, enunciadas como principios constitueionais, de validade universal, nada mais era disposto. Voltava — sob 0 aspecto financeiro — 0 municipio a significar mera reparticio administrativa do estado, integralmente sujeito a seus designios, em maté financeira. Do sistema imperial que se polarizava na capital ¢ nos municipios, com abstragio das regides destituidas de maior importincia, as provincias, invo- lui-se, sob certa perspectiva, em 1891, para a total destituigao do municipio de sua dignidade constitucional. Quanto & discriminagao de rendas, em si mesma considerada, como instrumento de evitagio de conflitos reciprocos ¢ de asse- curamento da autonomia dos Estades — e também da Uniio — sua pouca extensiio nio péde contribuir para um ambiente totalmente livre de contro- vérsias, Por outro lado, as deficiéncias técnicas da redagio do artigo 12, — que cuidava do campo comum de competéncia, além de ter a mais ampla latitude, ensejadora de constantes ¢ imensos atritos ¢ conflitos, pela necessidade de con- vivéncia comum, dentro da mesma faixa -- permitia, principalmente em face do pouco desenvolvimento da ciéncia de direito financeiro, as mais disparatadas afirmagées exegéticas. Impée-se, pois, reconhecer como flexivel e plastico o sistema constitucional tributario da primeira Repiblica. Nesse regime, o legislador ordindrio podia agit — tanto na esfera da Unido, como na dos Estados — de forma muito livre, instituindo, & semelhanga dos demais patses, francamente, tantos e tio variados tributes quantos desejasse, 70 REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA _ c) Sistema constitucional tributario da {| Republica Grandes progressos conheceu, desde 1891 até 1934, a ciéneia do direito financeiro,a qual — pode-se mesmo dizer — nasceu nesse interregno. Por outro lado, a experiéncia federalista de quase meio século j4 permitia, nao sé avaliar com maior rigor a necessidade de se disciplinar constitucionalmente — a titulo de arredamento prévio de conflites ¢ problemas — a matéria da repartigao das competéncias tributirias das entidades participantes do pacto federal, em relagdo & Unio por elas criadas, como a propria vivéncia dos problemas decor- rentes da ma redagao da Constituicao de 91, nesse particular. Por outro lado, o robustecimento da consciéncia municipalista veio a refte~ tir-se enérgicamente na Constituinte de 34, impondo o reconhecimento da entidade politica municipal, com particular vigor, exigindo, como conseqiiéneia, a inclusio de mais ésse dado na complexa problemética da discriminacio de rendas. © diploma constitucional promulgado em 1934 reparte — pela primeira vez, em térmos mais racionais — 0 campo tributario, entre a Unio e os Estados, incluindo, como visto, nessa discriminagio, também o municipio. De maneira vasta, percorre priticamente quase téda a matéria conhecida, evidenciando, pela rigorosa propriedade da nomenclature empregada, a incorporagio dos progtessos cientificos verificados desde 1891. Atribui privativamente 4 Unifo, praticamente os mesmos tributos que viriam figurar no art. 15 da Constituigio de 46 (art. 6°). Aos Estados, também, atribui privativamente oito impostos, perfeitamente definidos — a maioria dos quais mantidos pela Constituigéo de 46 — racionalmente distribuidos e criterio- samente mencionados (art. 8°). Aos munictpios confere os impostos constantes do rol do § 2° do ast. 13, também em cardter privativo, Estabelece, nos parigrafos do art. 8°, uma série de limitagSes referentes: (a) a arrecadagio do impdsto de indiistria e profissées, pelo Municipio ¢ pelo Estado, em partes iguais, embora 0 tributo seja estadual; (b) o principio da uniformidade do impdsto de vendas © consignagées e a indistingio quanto & procedéncia, espécie ou destino dos produtos onerados; (e) regra de competéncia, com referéncia 4 cobranga dos impostos sobre transmissia de bens, inclusive causa mortis, procurando obviar, por anteci- pacio, as possibilidades de conflitos de competéncia entre Estados. A JUNHO — 196 n Estabelece — com técnica deficiente, é bem verdade, mas com cuidado & extenstio — a possibilidade da criagio de impostos novos, “além dos que thes sio atribuidos privativamente” (inciso VII, do art. 10). ‘A disciplina constitucional dos impostos “novos” vem dada pelo parigrafo tmico do art, 10 e pelo artigo 11, de maneira ttcnicamente imperfeita, sendo, nao obstante isso, tal disciplina, mutatis mutandi, a mesma consagrada pela Constituigdo de 1946. Suprimem+se, destarte, os enormes inconvenientes verificados em razdo da ampla oportunidade de exercicio de competéncia concorrente, pela Uniio © pelos Estados. Atendeu a Assembléia Constituinte as vozes undnimes condenatérias dos impostos interestaduais, das bitributagdes e da competéneia cumulativa, Prossegue a Constituigio de 34, enuneiando, nos itens VII, VIII, IX e X do artigo 17, princtpios negativos gerais, tais como: (a) proibigio feita is pessoas piblicas de “cobrar quaisquer tributos sem lei especial que os autorize, ou fazé-los incidir sébre efeitos j4 produzidos por atos juridicos perfeitos”, assim como (b) “tributar 0s combustiveis produzidos no Pais, para motores de explosio”, ou ainda cobrar (c) “sob qualquer denominagio, impostos interesta- duais, intermunicipais...”. Quanto & imunidade reciproca ~ na Carta de 46 disciplinada pelo art. 31, V, @, — vinha disciplinada pelo inciso X, do artigo 17. O pardgrafo tinico désse artigo fazia ressalva — quanto & imunidade tributaria reciproca — das taxas remuneratérias devidas pelos concessiondrios de servigos publicos. No art. 18 determinava-se ser vedado “A Unitio decretar impostos que nao sejam uniformes em todo o territério nacional, ou que importem distingio em favor dos portos de uns contra os de outros Estados”, principio, alias, ima- nente ao estado federal. A contrapartida dessa disposigao vinha no inciso IV do art. 19, onde se vedava a Estados e municipios “estabelecer diferenga tributéria em razdo da proce- déncia entre bens de qualquer natureza”, O § 36 do art. 113, que tratava dos direitos e das garantias individuais, dispunha que “nenhum impésto gravara diretamente a profissio de escritor, jornalista ou professor”. Imediata ¢ diretamente interessantes 4 matéria tributéria sio os itens 2° ¢ 3.9 do referido artigo 113, que tratam do principio da legalidade e do principio do respeito ao direito adquirido, ao ato juridico perfeito e 4 coisa julgada. 72 REVISTA DE INFORMACAO LEGISLATIVA & verdade que o principio da legalidade, em matéria tributéria, ja vinha expressamente tratado, de maneira especifica, em artigo anterior. Esses sio os principais dispositivos de natureza tributaria da Constituigio de 1934. Da contemplagao do sistema formado por ésse diploma constitucional, vé-se que, pela primeira vez, em todo o mundo, estrutura-se um sistema constitucional tributério rigido e inflexivel, que ao legislador ordindrio niio deixa margem alguma de discrigéio ou liberdade. ‘Tanto ao legislativo nacional, como aos estaduais e municipais, sio conce- didas taxativas e especificas faixas, a serem exploradas dentro de limites estritos ¢ circunstanciados, A lei nao relega a Constituigio nenhuma oportunidade de colaborar na tarefa de se plasmar o sistema tributério. fle jé sat acabado e pronto das mios do constituinte, Tudo que, em matéria tributdria, se pode fazer & previsto, quanto a0 conteddo, A forma, 3 oportunidade, 4 qualidade e 4 quantidade ~ de antemio — pela Constituigo. As legislaturas sdmente resta a liberdade de ... obedecer estrita e sigorosamente 4 Lei Maxima, £ a inauguragio da caracteristica tdo tipica ao Brasil, da absoluta e inar- rediivel rigidez de seu sistema constitucional tributario, que vimos mantendo até IGT, com a promulgagio da Carta Constitueional vigente. d) Sistema da Constituigao de 1937 © regime de 1937 prossegue na obra de aperfeigoamento do nosso sistema tributério, Sio interessante As nossas observagdes, as disposiges dos artigos 3° ¢ 8° que, tespectivamente, afirmam o principio federal e atribuem aos Estados capacidade para auto-organizagio e, principalmente, o custeio dos préprios servigos “com seus préprios recursos”, Por outro lado, o art. 16, n° VI, declara competir 4 Unido legislar sObre “as finangas federais”, disposigiio esta que sé pode ser interpretada como restritiva da competéncia do legislador federal. E que, tio ébvia é sua capacidade para regular as finangas federais, — quando do fsse por outra consideragdo, pelo argumento de Ruy, no sentido de que, quando a Constituigto defere uma competéncia, implicitamente da os poderes ABRIL A JUNHO — 1968 73 necessirios ao seu desempenho ~ que a tinica razio explicativa da presenga dessa locugio sé pode ser a necessidade de se reforgar o principio federal e a autonomia municipal, pela circunscrigéio expressa do campo de competéncia do legislador da Unido, 4 matéria diretamente pertinente a ela mesina. A discriminagdo de rendas, em moldes bastante semethantes aqueles da Constituigao de 46, se encontra nos artigos 20, 23 e 28, tratando dos impostos novos 0 art. 24. Diz o artigo 20 competirem, em cardter privative, 1 Unitio, cinco impostos expressamente mencionados, os quais sio, mais ou menos, aquéles mesmos ainda persistentes em sua competéncia, de como definida pela Carta de 1046. Por outro lado, o art. 23 declara cabentes privativamente aos Estados sete tipos de impostos, designados mediante terminologia j& atualizada com ‘os avangos das conquistas mais atuais da ciéncia do direito tributario. Tratando da competéncia estadual, desdobra ésse dispositive em quatro paragrafos, além dos incisos designadores das entidades tributarias, estabelecendo regras refe- rentes & uniformidade da tributagio por meio do impésto de vendas © consig- nagées, 4 partilha com o municipio do produto da arrecadagiio do impésto de industria e profissdes, além de outras regras especificadoras das formas de atuagao do Estado, ‘Trata da competéncia dos municipios 0 artigo 28, que thes atribui os impostos de licenga predial ¢ diversdes — além da parccla do de “industria ¢ profissdes”, prevista pelo art. 23, § 2°. Rigida que € a discriminagio de rendas, prevendo campos de exclusiva competéncia para Unido, Estados ¢ municipios, surge a necessidade de, da mes- ma forma que a Constituigo de 1934, tratar dos impostos novos, oque se faz no artigo 24 nos seguintes térmos: “Os estados poderfo criar outros impostos. & vedada, entretanto, a bitributagio, prevalecendo o impésto decretado pela Uniiio, quando a competéncia for concorrente. ..” Verifica-se, da redagio desse dispositive, algum progresso téenico, com relagiio Aquele correspondente, da Constituigio de 1934. Grandes. divergéncias hermenéuticas suscitou ésse dispositive, que foi. mesmo, acoimado de deficiente e impreciso. Triunfon, entretanto, a tese que Ihe dava inteligéncia mais consentinea com sua razio de ser ¢ fungses, enten= mH REVISTA DE INFORMAGAO LEGISLATIVA dimento, aliés, que se aplica ao art. 21 da Constituigdo de 46, e que fora dili- gentemente difundido por Carvatho Pinto (v. “Discriminagio”, pag. 142). Muito interessante ¢ a disposigao do art, 25, perfeitamente consonante com a consagragdo do principio federal (art. 3.2) e a autonomia dos Estados (art. 8°), que assim se redige: “Art. 25 — O territério nacional constituiré uma unidade, do pento de vista alfandegario, econémico e comercial, nao podendo, no seu interior, estabelecer-se qualquer barreira alfandegéria ou outras limi- tagdes ao tréfego, vedado, assim, aos Estados como aos Municfpios, cobrar, sob qualquer denominagio, impostos interestaduais, intermu- nicipais, de viagdo ou de transporte, que gravem ou perturbem a livre circulagio de bens ou de pessoas e dos veiculos que os transpor- tarem.” Entre os principios referentes 4 matéria tribatdria sobressaem-se aquéle consagrador da imunidade tributaria reciproca (art. 32, letra “c”) e a dispo- sigdo do art. 34 que, procurando completar a disciplina tributéria — no que diz respeito & consecugic da necesséria harmonia na federagio, em matéria tributaria — estabelece o principio da uniformidade da tributagao federal e da vedagiv de discriminago relativa a portos de uns contra os de outros Estados. Em contrapartida, profbe também a Constituigho o estabelecimento de “discriminagées tributérias ... entre bens ou mercadorias, por motivo de sua procedéncia”, a Estados e municipios (letra “b”, do art, 35). Percorrendo-se o rol de garantias individuais concedidas pela Constituigio de 1937, verifica-se nio figurar qualquer daquelas clissicas, referentes & ma- teria tributaria, constantes das demais Constituigdes brasileiras. Assim é que tinhamos, na vigéncia dessa Carta Constitucional, um sistema tributirio tio rigido quanto o de 1946, mantida a feigio geral hirta da Consti- tnigio de 34, limitadora da liberdade e da propria discrigio do legislador ordindrio, Esta caracteristica da rigidez, continuada no texto de 1946 e levada ao gtau miximo na Emenda Constitucional n? 18 — que suprimiu até os impostos concorrentes, chamados impostos “novos”, tradicionalmente — foi abolida pelo § 6? do art. 19 da Carta Constitucional vigente. A significagao e conseqiién- cias desta tremenda quebra de tradigdo serfo estudadas ulteriormente.

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