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4 1 INTRODUGAO APLICAGOES DA ANALISE MiIcROECONOMICA EM Potiticas Pusiicas Neste capitulo, vamos destacar alguns tépicos especiais utilizando aplica- Ges de conceitos jé vistos, distinguindo quatro importantes aspectos da atua- do do setor piiblico em nivel microeconémico, quais sejam, a incidéncia de impostos sobre vendas, a fixagdo de precos minimos na agricultura, a correcao de externalidades e a proviso de bens publicos. No Capitulo 15, da Parte III deste livro, discutiremos outras questdes pel nentes & atuaco do Estado, mas pelo enfoque macroecondmico. 2_INCIDENCIA DE UM IMPOSTO SOBRE VENDAS = 2.1 INTRODUGAO conhecimento da incidéncia de um imposto (isto é, sobre quem efe- tivamente recai o nus do imposto, se sobre consumidores ou vendedores) é importante para determinar os aspectos econdmicos e sociais da tributacdo. Veremos como o instrumental simples de oferta e demanda e 0 conceito de elas- ticidade so adequados para essa andlise. Antes, cabe observar que os impostos sobre vendas sao impostos indire- tos, pois incidem sobre o preco das mercadorias, enquanto os impostos diretos incidem diretamente sobre a renda das pessoas. Os impostos indiretos (ICMS, IPI) sdo regressivos em relagdo & renda, pois representam uma parcela maior da renda das classes menos favorecidas, relativamente aos mais ricos (por exem- plo, na compra de um mesmo tipo de TV, ambos pagam, digamos, $ 50 de IPI, 0 ad _Apcagdes da Andlite Microecondmica em PliticasPibicas 87 que acaba onerando relativamente mais o pobre).! Os impostos diretos (Impos- to de Renda) sao progressives (quem ganha mais paga proporcionalmente mais). Uma estrutura tributdria é considerada proporcional ou neutra quan- do todos dispendem uma parcela (%) igual de sua renda no pagamento de im- postos. ‘Temos dois tipos de impostos sobre vendas: + imposto especifico: representa um valor em $ fixo por unidade vendida, independente do valor da mercadoria. Por exemplo, se © imposto for $ 1,000,00, esse ser4 o valor fixo cobrado sobre qualquer mercadoria, ndo importa se ela custa $ 5.000,00 ou $ 500.000,00; + imposto ad valorem: aplica-se uma aliquota (percentual) fixa sobre o valor em $ de cada unidade vendida. Ou seja, a aliquota é fixa (como no ICMS e IPI), mas o valor em $ do imposto aumenta, conforme aumenta 0 prego do bem. Assim, supondo uma aliquota de 20%, se a mercadoria custar $ 50.000,00, o valor em $ do im- posto ser $ 10.000,00; se a mercadoria custar $ 100.000,00, 0 valor em $ do imposto serd $ 20.000,00. 2.2 EFEITO DE UM IMPOSTO DE VENDAS SOBRE O EQUILIBRIO DE MERCADO 2.2.1 Imposto especifico Com o estabelecimento de um imposto, podemos definir duas curvas de oferta: uma sem imposto e outra com imposto: S =f (p) sem o imposto S' =f (p)) com o imposto sendo p 0 prego de mercado, pago pelo consumidor, e p’ o prego relevante para o produtor (que é 0 preco de mercado menos o valor do imposto T ), isto é, p=p-T O prego para o produtor p’ é 0 que Ihe resta apés receber p do mercado e recolher o imposto T aos cofres ptiblicos. Evidentemente, o estabelecimento de um imposto sobre vendas funciona como um custo adicional para 0 produtor, o que desloca a curva de oferta para trés, Ou seja, para oferecer a mesma quantidade que oferecia anteriormente, 0 produtor tem que aumentar o preco, ou, se quiser manter o preco, deve oferecer menor quantidade, pois encareceu a mercadoria. 11 Em termos absolutos os mais ricos terminam consumindo mais, o que implica pagar mais impostos indiretos, 8B Economia Microe Macro + Vasconcllos Suponhamos que: curva de oferta sem 0 imposto: $ = ~ 20 + 2p valor do imposto especifico: T= $ 10,00 A curva de oferta com imposto entio fica: -20 + 2 (p-10) sendo p ~ 10 =p’, ou seja, 0 produtor vende a mercadoria por $ pe fica com (@- 10). S =-20+ 2-20 S =-40 + 2p Comparando a curva de oferta com e sem 0 imposto, observamos que declividade é a mesma, alterando-se apenas o intercepto, indicando um deslo- camento paralelo da curva. Graficamente, ver Figura 4.1: Figura 4.1 feito de um imposto especifico sobre a oferta de mercado. Observe-se que o imposto diminui 0 valor recebido pelo produtor, mas au- menta 0 valor pago pelo consumidor, porque o preco de equilibrio de mercado, que € 0 preco pago pelo consumidor, deve ser maior, como mostra o grafico da Figura 4.2. iar a anitise Microeconémica em Politics Pablcas 89 Figura 4.2 Efeito de um imposto especifico sobre o equilfbrio de mercado. prego de equilibrio de mercado s6 nao aumentard no caso de a curva de demanda ser totalmente eléstica, como veremos no tépico 2.3, logo adiante. 2.2.2 Imposto ad valorem Chamando ainda = preco pago pelo consumidor (ou preco de mercado) p’ = preco relevante para o produtor temos, no caso de um imposto ad valorem, que P=p-p=p(i-d) sendo ¢ a aliquota ou percentual do imposto. Ou seja, se p = 10,00 ¢ = 20% ou 0,2, entao: p’ = 10-0,2-10 = 8,00 © prego de mercado é $ 10,00, mas o preso recebido pelo produtor é $ 8,00. Como a aliquota do imposto € 20%, o valor do imposto é $ 2,00, quando o prego €$ 10,00. Se 0 prego fosse p = 30,00, entdo: p’ = 30-0,2- 30 = 24,00 a alfquota continuaria 20%, mas o valor do imposto aumentaria para $ 6,00. ‘Temos, portanto: curva de oferta sem imposto: ® curva de oferta com imposto ad valorem: S’ = f (p’) 90 Economia Miroe Macro + Yasconeellog tas sendo p=p-pt ou P=p(l-o Exemplo: curva de oferta sem imposto: $ = -20 + 2p curva de oferta com imposto ad valorem, supondo t = 0,1 S' =-20+ 2p (1-01) S' = -20 + 2p (0,9) S'=-20 + 1,8 Notamos que, ao contrario do imposto espectfico, o que se altera agora é a declividade e nao o intercepto. Graficamente (Figura 4.3): Figura 4.3. Efeito de um imposto ad valorem sobre a oferta de mercado. A distancia entre S e S’, na vertical, é o valor em $ do imposto (T), que aumenta quando 0 prego aumenta, no caso do imposto ad valorem. 2.3 INCIDENCIA DO IMPOSTO? Vejamos, agora, quem arca efetivamente com o énus do imposto. Para tan- to, suporemos o caso de um imposto especifico (a andlise a seguir também vale, mutatis mutandis, para o caso de um imposto ad valorem). 2.Vamos discutir 0 conceito de incidéncia no sentido econémico, que é diferente do conceito de incidéncia no sentido legal. A incidéncia econdmica diz respeito a sobre quem efetivamente recai 0 Onus, enquanto a incidéncia legal refere-se a quem recolhe o imposto aos cofres puiblicos. No caso do imposto sobre vendas, quem recolhe é a empresa, mas ela tem condigbes de transferir parte do énus aos consumidores, via aumento do prego do produto, Incidéncia de um imposto especifico. __________Aptcagses da Anilise Microecondmica em PoiicasPiblcas 91 Chamemos: _ p, = preco de equilibrio, sem imposto , = preco pago pelo consumidor, em T reco recebido pelo produtor, apés T @=p,-D € 4, € dy a5 quantidades de equilibrio, antes e depois do imposto. Segue-se, entéo, que: 1. a parcela, em $, do imposto paga pelo consumidor é a diferenca entre o que paga com o imposto (p,) menos o que pagaria sem o imposto (p,), vezes a quantidade comprada, ou sej @,-P)-4, Il. a parcela, em $, do imposto paga pelo vendedor é a diferenca entre o que receberia sem 0 imposto (p,) € 0 que recebe apés 0 imposto (p’), vezes a quantidade vendida, ou seja: @,-P)-4, IIL. a arrecadagao do governo nesse mercado é a soma das duas parcelas ante- riores, ou 0 valor do imposto vezes a quantidade vendida, ou seja: A=T-q, Graficamente (Figura 4.4): 92 Economia Micro Macro + Vasconcelos | Exercicio completo ‘As curvas de oferta e demanda de mercado de um bem so: $= -S00 + 500p D = 4,000 - 400p pede-se: a) peq de equilibrio (p, e 4,). b) Dada a aliquota de um imposto especifico T = 0,9 centavos por produto, os novos pe q de equilibrio (p, e q,). ©) Qual o prego pago pelo consumidor? 4) Qual o prego recebido pelo vendedor? €) Qual o valor da arrecadacao do governo nesse mercado? Qual a parcela (em $) da arrecadagio arcada pelo comprador? 8) Qual a parcela (em $) da arrecadaco arcada pelo vendedor? h) Ilustrar graficamente. Resolugao: a) Equilibrio: S=D 500 + 500p = 4.000 - 400p 900p = 4.500 P,=5 |e [ a, = 2.000 b) Com a introdugao do imposto, a curva de demanda de mercado nao se alte- ra, Por exemplo, a $ 5,00 os consumidores estarao dispostos a comprar as mesmas 2.000 unidades. A curva de oferta cai, porque, a cada prego, os vendedores irdo oferecer ‘menos, em virtude do imposto. Entdo: = 500 + 500 (p - 0,9) S’ = -950 + 500p A declividade é idéntica & oferta antes de T, diferindo apenas no intercepto. Se 0 exercicio se referisse ao imposto ad valorem, alteraria a declividade, pois 0 valor do imposto (T) se alteraria, a cada preco, embora a aliquota t permanega fixada. © novo equilfbrio passa a ser determinado baseado nas fungées: S =~ 950 + 500p D = 4.000 - 400p Igualando S = D, chega-sea [p,=5,5 | € 1.800. ‘AplicagBes da Andlise Microecondmica em Poltias Pils 93 ©) © prego pago pelo consumidor € 0 novo prego de equilibrio, igual a 5,5. 4d) © prego recebido pelo vendedor é 0 prego pago pelo consumidor menos o valor do imposto. Assim: P=5,5-0,9 = 4,6 €) Aarrecadago do governo é o imposto cobrado por unidade vendida, vezes a quantidade vendida: AT = Tq, = 0,9 - 1.800 = 1.620,00 ) A parcela arcada pelo consumidor é a diferenga entre o prego que 0 consu- midor paga apés 0 imposto e o que pagava antes do imposto, multiplicada pela quantidade vendida. Isto é: (5,5 -5,0) - 1.800 = 900,00 8) Evidentemente, se a arrecadacao do governo é 1.620,00, e a parcela arcada pelo consumidor é 900,00, o restante (720,00) representa a parcela do ven- dedor, correspondente a diferenca entre o prego que o vendedor recebia an- tes e 0 que recebe apés o imposto, vezes a quantidade vendida: (5,0 — 4,6) - 1.800 = 720,00 bh) Parcela da arrecadacio. paga pelo consumidor Parcela da armeadagio paga pelo produtor | oe 2.4 O “PESO MORTO” DO IMPOSTO Do ponto de vista da sociedade, a aplicagao de um imposto em um merca- do concorrencial causa uma distorgao na alocagéo de recursos. Isso pode ser visto a partir da andlise dos excedentes do consumidor e produtor, vista no Capi- tulo 2, e apresentada na Figura 4.5. 94 Economia Microe Macro + Vasconcelos Figura 4.5 0 “peso morto” do imposto. Supondo um aumento de preco de p, para p,, podemos ver que, por um ado, o aumento do prego reduz o excedente do consumidor na area hachurada A-B. Por outra parte, o menor prego liquido recebido pelo produtor provoca uma redugo do seu bem-estar, que é medida pela drea hachurada C-D. Supondo que a arrecadacao fiscal seja utilizada em beneficio tanto dos consumidores quanto dos produtores, poderiamos dizer que as perdas ficariam parcialmente compen- sadas pela devolugao da drea de arrecadaco A.C. Assim, podemas ver que o efeito Niquido dos impostos sobre a sociedade ¢ a geracio de uma perda liquida irrecuperdvel, um “peso morto”, como é habitualmente denominada. Essa per- da corresponde & Area B-D, e reflete a m4 alocacdo de recursos que é gerada quando 0 governo “impée”, ao aplicar um imposto, que a quantidade transacionada seja q,. 2.5 INCIDENCIA DO IMPOSTO E AS ELASTICIDADES-PREGO DA OFERTA E DA DEMANDA Parece claro que a incidéncia do imposto e, portanto, quem realmente “pa- gar” o “peso morto” dependerd das elasticidades das curvas de oferta e demanda da mercadoria. Supondo uma mesma curva de oferta, podemos analisar graficamente (Fi- gura 4,6) a incidéncia para curvas de demanda com diferentes elasticidades:* 3 Conforme mostramos no Capitulo 3 (Elasticidades), a elasticidade-prego da demanda varia a0 longo da curva. Em curvas mais horizontais, podemos supor que provavelmente o trecho relevante da curva de demanda que ests sendo analisado Pertence ao segmento eléstico da demanda; mais vertical a curva, provavelmente o trecho relevante para andlise apresenta demanda inetéstica. ‘Aplicagbes da Andlise Mcroecondmica em Poitias Pablicas 95 Figura 4.6 Incidéncia do imposto espectfico, e as elasticidades-prego da oferta e da demanda. Se a demanda for bastante eldstica, dada a curva de oferta (Gréfico a), a maior parcela do imposto e do “peso morto” incidira sobre os vendedores ou produtores, pois os consumidores conseguem diminuir bastante o consumo do bem, dada uma elevacao de precos provocada pelo imposto. Se a demanda for inelistica, dada a curva de oferta (Gréfico 6), quem deve arcar com a maior parcela do imposto e do “peso morto” é o consumidor, que, nesse caso, no tem muitas possibilidades de “fugir” do aumento de pregos.* 3 FIXAGAO DE PREGOS MINIMOS NA AGRICULTURA A politica de pregos minimos visa dar uma garantia de renda aos agriculto- res, O governo anuncia, antes da época de plantio, um prego minimo pelo qual ele garante que compra a safra apés a colheita. Se o prego de mercado for maior que o preco minimo, o agricultor vende no mercado; se o prego de mercado for menor que © prego m{nimo garantido, o agricultor vende ao governo. Supondo que o prego minimo seja maior que o de mercado (ver Figura 4.7), 0 governo pode encetar dois tipos de politica: + compra o excedente (diferenca entre a quantidade produzida e a quantidade que os consumidores desejam comprar ao preco mini- mo). No grafico, q' - q'. Isso se chama Politica de Compras; + deixa os agricultores venderem toda a produgio no mercado, 0 que fard o preco cair para p,.. O governo paga ao agricultor a dife- renga entre 0 prego minimo prometido (p,) e 0 que o consumidor pagou no mercado (p,). Esta é a chamada Politica de Subsidios. ‘4 Provamos no Apéndice matemético que as parcelas do imposto pagas pelos consumidores e pelos vendedores si iguais a: + parcela do imposto paga pelo consumidor - Ene + parcela do imposto paga pelo vendedor = =" sendo E,, € E,, as elasticidades-preco da procura e da oferta, respectivamente. 96 Economia Micro. Macro ~ Vasconcellos $$ q Figura 4.7 Politicas de pregos minimos na agricultura, Estritamente do ponto de vista do governo, ele escolherd, entre essas duas politicas, aquela na qual gastaré menos. Nos gréficos da Figura 4.8, as regides hachuradas representam os gastos do governo em cada politica: Figura 4.8 Gastos do governo nas politicas de pregos minimos na agricultura. Certamente, a adogao de uma das duas politicas dependeré da elasticidade- preco da demanda (supondo que a curva de oferta seja fixada). Podemos mos- trar isso graficamente (Figura 4.9), supondo uma mesma curva de oferta e duas demandas: uma bastante ineldstica e outra elAstica: -Aplicagdes da Anise Mcroecondmica em Poliias Pablcas 97 Figura 4.9 Politicas de precos minimos, e as elasticidades-preco da demanda e da oferta. Considerando que 0 gasto do governo com a politica de compras é dado pela drea ABg'q’, e com a politica de subsidios, pela drea p,BCp., podemos notar que, quanto mais eldstica a demanda de um produto agricola, 0 governo tende- 14 a adotar uma politica de subsidios, que saira mais barata aos cofres puiblicos que uma politica de compras (quanto mais eldstica a demanda, a area ABq‘q’ vai se tornando cada vez maior que a area p,BCp_). Exemplo: Dadas as fungdes: demanda: q! = 19.000 - 20p oferta: q' = 10.000 + 10p de um produto agricola, e supondo que 0 governo fixou um prego minimo de $ 400,00, qual politica que o governo deve adotar, de forma a minimizar seus gastos? Resolugdo: & necessario calcular os custos de cada politica. Graficamente: Antes de qualquer coisa, precisamos achar o valor das trés inedgnitas: p_, gf ¢ g. As varidveis q! ¢ q' so obtidas substituindo o valor de p, = 400 nas fungdes demanda e oferta, assim: {98 Economia Microe Macro + Vasconcelos - q’ = 19.000 ~ 20p = 19.000 - 20(400) = 11.000 4’ = 10.000 + 10p = 10.000 + 10(400) = 14.000 A diferenga q! - q' = 3.000 0 excesso de oferta (excedente). Para determinar p, que 0 prego que o consumidor pagaré, se toda a produgo for colocada no mercado (que é de 14.000), substituimos esse valor (14.000) na fungéo demanda, assim: q’ = 19.000 - 20p 14.000 = 19.000 - 20p Portanto, 250,00 Assim, 0 subsidio que o governo banca para cada unidade vendida no mer- cado é a diferenca entre 0 prego que ele pagou ao agricultor (0 preco minimo P,, = 400,00) e 0 preco pago pelo consumidor (p, = 250,00), ou seja, $ 150,00 por unidade. Para sabermos qual o gasto total do governo na politica de subsidios, bas- ta multiplicar $ 150,00 pelas 14.000 unidades vendidas. Teremos o valor de $ 2.100.000,00. Ou seja: gasto com politica de subsidios = (p, -p_) q* = 150,00 x 14.000 = $ 2.100.000,00 gasto total do governo na politica de compras é obtido pela multiplica- ‘go do preco minimo que o governo pagou ao agricultor (400,00) pelo exceden- te que néo foi comprado pelo consumidor, ficando com 0 governo (q° - q* = 3.000), isto é, $ 1.200.000,00, ou seja: ‘gasto com politica de compras P,, 4-4") = 400,00 - 3.000 = $ 1.200.000,00 Dessa forma, o governo adotard a politica de compras, com a qual gastaré relativamente menos. Cabe observar que este tépico nao pretende explorar todos os aspectos re- lativos a tais politicas, como custos administrativos, custos de armazenagem etc., uma vez que 0 objetivo aqui é apenas ilustrar um tipo de atuacao do gover- no na formagio de precos de mercado, e como o conceito de elasticidade pode ser titil nesse caso. 4 EXTERNALIDADES 4.1 INTRODUGAO Em certas ocasides, 0 consumo ou a producdo de determinado bem ou servico pode produzir efeitos colaterais, positivos ou negativos, que sd chama- dos de externalidades ou economias externas. Aplicages da Andlse Miroeconéanicaem Politica Pics 99 Quais so as conseqiiéncias das externalidades para a alocagao de recur- sos? O sistema de precos perde a capacidade de orientar a sociedade na alocacao dos recursos escassos, pois os beneficios e os custos privados passam a diferir dos beneficios e custos sociais, que sdo os “verdadeiros”, do ponto de vista da coletividade. Justamente essa diferenca é 0 que deixa de ser considerado ou “internalizado” pelos pregos de mercado, dai o nome externalidade. Nesse caso, a sociedade sofrer uma perda, um “peso morto”, posto que os custos sociais associados quantidade transacionada pelo mercado serdo maiores que os be- neficios sociais derivados do consumo dessa quantidade. Nesse caso, 0 governo deve intervir, cobrando impostos ou concedendo sub- sidios, que “forcem” o sistema de pregos a igualar os custos e os beneficios priva- dos e sociais associados ao consumo ou produgao de determinado bem ou servi- ¢0, levando sua quantidade transacionada a um nivel compativel com a méxi- ma satisfacao (utilidade) da sociedade. Os impostos utilizados na corregio de externalidades so também chama- dos de impostos “pigouvianos” ou impostos de Pigou, em homenagem ao economista neoclissico Alfred Pigou, um dos primeiros a abordar esse tema. 4.2 EXTERNALIDADES NO CONSUMO Vejamos com mais detalhe os efeitos da presenga de externalidades e de que forma o governo pode intervir para corrigir as distorgdes provocadas na alocacdo de recursos. Primeiramente, suponhamos que exista uma externalidade negativa no consumo (exemplo: um fumante inveterado fumando num recin- to fechado com outro individuo que nao fuma). A Figura 4.10 mostra a situacéo descrita, em que podemos ver que a “verdadeira” curva que reflete o bem-estar social derivado do consumo desse bem € D, (demanda social), que é menor que a demanda de mercado (privada) D. Ou seja, a demanda desejada pela socieda- de é menor do que a demanda efetiva de mercado. Figura 4.10 Externalidade negativa no consumo. Na auséncia de qualquer tipo de intervengao, como o sistema de pregos ndo considera os efeitos colaterais negativos derivados do consumo desse bem, a 3 —V—_—_—— 100 EconcimiaMicroe Maco + Yasoncellos sociedade terminaria consumindo uma quantidade superior (q,) daquela que estaria disposta a consumir (q,). Em outras palavras, como pode ser visto no mesmo grafico, os custos sociais associados ao consumo dessa quantidade adi- cional superam os beneficios sociais (beneficios sociais = beneficios privados ~ externalidade), representados por D,. Justamente, 0 “peso morto” gerado por esse consumo corresponde a drea hachurada do tridngulo ABC. A solucéo, portanto, seria fazer com que o sistema de precos “internalize” © custo adicional provocado, mediante a aplicagao de um imposto, ao consumo ou a producdo, que reduza a quantidade transacionada a q,. Convém notar que a alfquota do imposto (Imposto de Pigou) deveria ser exatamente igual a dife- renga entre o bem-estar privado (D) e 0 social (D.) decorrente do consumo de q,, que esté representada pelo segmento BC. Ocorreria exatamente o inverso no caso de uma externalidade positiva no consumo (exemplo: a educagio de uma pessoa a beneficia e termina tendo um efeito multiplicador para o resto da sociedade). Assim, como pode ser visto na Figura 4.11, a sociedade também incorre num “peso morto”, pois estaria dis- posta a consumir uma quantidade superior (q,) aquela que é transacionada no equilibrio de mercado, sem intervengéo do governo (q,). Nesse caso, a distorcao na alocagao de recursos se solucionaria se 0 governo concede um subsidio, a0 consumo ou produgao, que “ajude” o sistema de pregos a “internalizar” o maior beneficio que a sociedade obtém por consumir q,, representado pelo segmento E-F. Novamente, a aliquota do subsidio deveria ser exatamente igual a E-F. Figura 4.11 Externalidade positiva no consumo. 4.3 EXTERNALIDADES NA PRODUCAO. A anilise é similar, no caso das externalidades que ocorrem na produgio. Nesse sentido, se existe uma externalidade negativa na producao (exemplo: uma fabrica de cerveja que polui um riacho), o “verdadeiro” custo social de produzir determinado bem ou servico (custos sociais = custos de producao + externalidade), representado por S,, é maior que o custo privado (custos de pro- ducao), representado pela oferta de mercado S. Essa situacao pode ser visualizada na Figura 4.12. s _ Miliacis da anise Microccomtimicaem Potties Piticas 101 Figura 4.12 Externalidade negativa na produgio. Dessa forma, em auséncia de intervengdo do governo, como o sistema de precos nao leva em consideragao esse maior custo social provocado pela externalidade, no equilibrio de mercado haverd uma perda social ao produzir-se uma quantidade (q,) superior quantidade socialmente étima (q,). Ou seja, no- vamente os custos Sociais de produzir a quantidade de equilfbrio do mercado su- peram os beneficios sociais derivados do seu consumo. Assim, tal como ocorre no caso da externalidade negativa no consumo, a solu- io seria aplicar um imposto, ao consumo ou a produgao com o intuito de fazer com que os produtores privados “internalizem” o “verdadeiro” custo de produzir 0 referido bem ou servico. Dessa forma, a quantidade transacionada se reduziria a0 nivel compativel com o maximo bem-estar social, q,, a0 aplicar-se um imposto de aliquota equivalente a diferenca entre o custo social e o custo privado (segmento H-D) (0 chamado Imposto de Pigou). Finalmente, no caso de uma externalidade positiva na produgao de algum bem ou servigo (exemplo: uma criacao de abelhas préxima a uma plantagio de laranjas), a andlise € 0 inverso do caso anterior, devendo-se aplicar um subsidio & sua produgo ou consumo, eliminando o “peso morto” representado pela area hachurada do triangulo JKL, tal como pode ser visto na Figura 4.13. Novamente, a aliquota do subsidio deveria ser exatamente igual & discrepancia entre 0 custo pri- vado (custo de produgio) e 0 custo social (custo de produgéo + ganho por externalidade) de produzir tal bem ou servigo (segmento KL). e ' > a REGIST. 1102 Economia Mico e Macro + Vasconcllos - 4.4 TEOREMA DE COASE A solugdo tradicional (“pigouviana”) anterior é relativamente simples, embora apresente dois inconvenientes. O primeiro deles & de natureza pratica, pois exige conhecer ampla extensfio das curvas de demanda e oferta, o que nem sempre é possivel. © segundo foi observado por um advogado, Ronald Coase, Prémio Nobel de Economia em 1991, A observacao de Coase baseia-se na idéia de que, em presenca de externalidades negativas, os impostos “pigouvianos” podem nio ser a melhor solugio, do ponto de vista social. Isso ocorreria pois a solucéo “pigouviana” estaria impossibilitando que as partes envolvidas possam negociar, minimizando as possi- veis perdas para ambas decorrentes da aplicagao de um imposto pelo Governo. Podemos pensar no seguinte exemplo: imaginemos uma fabrica que polui um rio préximo a um pequeno povoado. A solucao tradicional consistiria em aplicar um imposto, por exemplo, & produgéo da fabrica. Com isso, a fabrica reduziria a poluigao do rio, o que tornaria o povoado mais habitavel. Desse modo, a tendéncia seria que a populagéo desse povoado aumentasse, o que faria com que, mesmo com a reducao da produgio da fabrica, mais pessoas fossem afeta- das pela externalidade negativa. Assim, poderia ser justificdvel aumentar a aliquota do imposto 4 produgao, o que reduziria ainda mais a produgio e 0 consumo do bem ou servico em questo. Como se vé, a aplicagdo do imposto “pigouviano” pode terminar reduzindo fortemente a produgao e 0 consumo de um bem valorizado pela sociedade. Nesse sentido, poderia ser mais eficiente permitir que as partes envolvidas estabelecam algum tipo de contrato ou acordo (a fabrica poderia indenizar os habitantes do povoado, por exemplo, e continuar produzindo) que implique um menor custo para todos. Obviamente, isto ser4 correto na medida em que os custos de realizar essa negociagio nao sejam muito elevados. Assim, podemos estabelecer 0 que ficou conhecido como “Teorema de Coase”: “Em auséncia de custos de transagdo, e independentemente da distribuigao dos direitos de propriedade, o resultado da negociagdo serd eficiente.” Evidentemente, nao é necessério que nao existam custos associados & ne- gociagao, bastando que nao sejam muito expressivos. Dessa forma, e se os direi- tos de propriedade esto claramente definidos, a negociagao serd mais eficiente, do ponto de vista social, que a solucao “pigouviana” tradicional, 5 BENS PUBLICOS Outra possivel justificativa para a intervengao do governo na economia é a existéncia dos chamados bens piiblicos. Mas, o que define um bem piblico? Basicamente, duas caracteristicas: eles so ndo disputdveis e nao exclusivos. Um bem ou servico é nio disputdvel ou no rival quando, para qual- quer nivel de producao, o custo adicional (marginal) de produzir uma nova ‘Aplieages da Andlise Microccondmica em Politias iblics 103. unidade para atender a um consumidor adicional é zero (exemplo: estrada). Por sua vez, um bem é no exclusivo ou nao excludente quando nio existe nenhum mecanismo eficiente para discriminar aqueles que podem ter acesso a0 bem (exemplo: seguranca nacional, servigos meteorolégicos). Evidentemente, na pratica podemos ter bens que sejam nao disputaveis, mas que sejam exclusivos (ex.: um parque freqiientado por poucas pessoas). Como os bens piiblicos so nao disputdveis, a demanda de mercado de um bem piiblico passa a ser a soma das diferentes disposicGes a pagar por parte dos consumidores para obter a mesma unidade do bem piiblico. Por outra parte, pelo fato de os bens piiblicos serem nao exclusivos, signifi- ca que ¢ economicamente inviével excluir qualquer pessoa de desfrutar do con- sumo desses bens. Por esse motivo, quem estaria disposto a declarar sua real disposigao a pagar se qualquer outro individuo também se beneficiard do con- sumo do mesmo bem, ainda que nao pague por isso? Esse é 0 conhecido “pro- blema da carona” (free rider) que, na pratica leva os consumidores a néo reve- lar sua disposigao a pagar por um certo bem piiblico ou até subestimé-la. Por esse motivo, em muitos casos o bem piblico termina sendo ofertado pelo governo, que passa a financiar sua produgio a partir da cobranca de im- postos, evitando problema de revelacéo de preferéncias. QUESTOES DE REVISAO 1. © que sao impostos especificos e impostos ad valorem? Mostre graficamen- te 0 que ocorre com a oferta de mercado em cada caso. 2. Discuta a incidéncia de um imposto sobre vendas e diga qual o papel das elasticidades-preco da oferta e da demanda. 3. Descreva as alternativas de politica agricola, do ponto de vista do governo, quando © prego minimo for superior ao preco que vigora no mercado. Ilus- tre graficamente, 4, Sobre externalidades: a) Qual a importancia do conceito de externalidades? b) Dé exemplos de: 1. externalidade positiva no consumo 2. externalidade positiva na producao 3. externalidade negativa no consumo 4, externalidade negativa na producéo 5. O que vem a ser os Impostos de Pigou? Qual a contribuicdo do Teorema de Coase nesse tema? 6. Quais as caracteristicas dos bens publics? 7. que vem a ser 0 “problema do carona”? Dé um exemplo.

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