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Critica Convergencia
Critica Convergencia
participação ou cooptação?
Alex Primo1
PRIMO, Alex . Crítica da cultura da convergência: participação ou cooptação. In: Elizabeth Bastos
Duarte, Maria Lília Dias de Castro. (Org.). Convergências Midiáticas: produção ficcional - RBS
TV. Convergências Midiáticas: produção ficcional - RBS TV. Porto Alegre: Sulina, 2010, p. 21-32.
Diferentes convergências
A ideia de convergência ainda é frequentemente ilustrada por uma TV
conectada na internet e com um controle remoto que faculta decisões sobre a
programação transmitida por cabo. É assim que muitos ainda definem o que é
convergência na mídia. Por outro lado, ver YouTube na televisão e votar na matéria
preferida para o programa Fantástico da semana que vem soa como uma utopia já
alcançada, um ponto de chegada.
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Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Infomação da UFRGS. Bolsista Produtividade do
CNPq.
Com relação ao desaparecimento de outros meios diante de um único “faz
tudo”, capaz e completo — a descrição desse possível fenômeno poderia ser encarado
como um “darwinismo midiático”! —, essa perspectiva não leva em conta a
especificidade de cada meio e as necessidades que cada um supre. Ora, experiências
diferentes são mediadas por tecnologias distintas. É neste sentido que o prazer de
assistir-se a um filme em um grande cinema não pode ser reproduzido em uma sala de
televisão, mesmo que se apague as luzes e se aumente o som. No debate sobre a
possível morte do livro em virtude da chegada dos e-books tampouco se considera
que a interface do livro oferece certas sensações e usos (como manusear páginas,
fazer anotações com maior liberdade e rapidez) que são diferentes dos “similares”
digitais. Finalmente, dispositivos móveis, como tablets (iPad, por exemplo) e
smartphones, conseguem combinar múltiplas funções, próprias de outros artefatos
individuais. Mesmo assim, ainda é melhor ver novelas em uma grande TV e digitar
textos em um computador. Enfim, mesmo que os meios digitais estejam aglutinando
recursos de outros dispositivos, cada um destes ainda mantém superioridade nas
especialidades para os quais foram desenvolvidos. Isso não quer dizer que jornais e
revistas, por exemplo, sairão ilesos da competição. Talvez uma interface digital
consiga proporcionar um uso mais agradável e sofisticado. Mesmo assim, insiste-se
aqui que a ideia de uma interface única e completa não parece resistir ao teste da
realidade.
Meu argumento aqui será contra a ideia de que a convergência deve ser
compreendida principalmente como um processo tecnológico que une
múltiplas funções dentro dos mesmos aparelhos. Em vez disso, a
convergência representa uma transformação cultural à medida que
consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer
conexões em meio a conteúdos de mídia dispersos. (Jenkins, 2009, p. 29-
30)
O autor compreende a convergência como o fluxo de conteúdos através de
diferentes plataformas. Além disso, o conceito refere-se também “à cooperação entre
múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos
meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de
entretenimento que desejam” (p. 29).
Convergência ou cooptação?
A discussão de Jenkins sobre Cultura da Convergência detalha como as
audiências segmentadas hoje colaboram com a criação e circulação de produtos
culturais da indústria de entretenimento. Mesmo atos “subversivos”, como a
publicação de spoilers2 da série Survivor, contribuíram para o sucesso de suas
diversas temporadas. O estudo do autor sobre as práticas de transmídia em filmes da
trilogia Matrix e das lovemarks3, em seu capítulo sobre o programa American Idol,
mostram claramente como a indústria soube apropriar-se do ideário da participação na
internet.
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Informações privilegiadas sobre próximos episódios de seriados ou filmes que são disseminadas na rede e que
revelam o desenrolar de uma história ou que participantes serão eliminados em reality shows pré-gravados.
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Marcas que conseguem conquistar um alto envolvimento emocional de seu público fiel.
divulgação e até mesmo com o desenvolvimento de tais séries, debatendo seus
enredos na internet, votando em candidatos dos programas e até criando paródias.
Para outros, não se pode falar em resistência quando os fãs estão trabalhando de
graça para a ampliação do alcance dos produtos midiáticos da grande indústria. O
conceito de resistência esvaziou-se, perdeu sua vertente política. Mesmo que as
instituições midiáticas empreendam esforços para proteger seus direitos reservados,
elas cinicamente observam a cultura da convergência, assim como descrita por
Jenkins, como nova forma de lucro. Mesmo que tardiamente, a indústria aprendeu a
aproveitar-se da força de trabalho dos fãs e do mercado ávido por produtos
transmidiáticos. Logo, trata-se de resistência ou cooptação?
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Histórias produzidas por fãs com personagens de seus livros, filmes e seriados prediletos.
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Ilustrações e outras formas artísticas que tem com tema personagens e cenas de produtos culturais admirados
pelos fãs.
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Legendas criadas e disseminadas por fãs para filmes sem distribuição nacional.
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Para uma discussão detalhada desses processos, veja a dissertação de mestrado de Stefanie Silveira, “A cultura da
convergência e os fãs de Star Wars: um estudo sobre o Conselho Jedi RS”, defendida no PPGCOM/UFRGS em
março de 2010.
Por outro lado, ao se juntar ao sistema de produção e promoção, o fã se torna
um parceiro da indústria.
Como se vê, o tema não é fácil. Se antes conclusões dicotômicas podiam fazer
sentido, a atual estrutura midiática complexificou-se de tal forma que não é possível
apontar mocinhos e bandidos. Com o borramento da fronteira entre produção e
consumo, com a liberdade de expressão e circulação de informações na rede, com a
simplificação das ferramentas de produção e com a popularização dos sites de redes
sociais pode-se reconhecer um empoderamento das pessoas desvinculadas de
instituições midiáticas.
Em outros tempos, a relação da grande mídia com seus públicos foi descrita
através de estratégias de controle e alienação. Na cibercultura, não apenas os meios de
consumo de produtos culturais multiplicaram-se, mas também os sistemas de troca
entre indústria e audiências transformaram-se.
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Ver a discussão de Chris Anderson (2006) sobre o poder da “cauda longa”.
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Muito dessas disputas de poder no contexto da cibercultura é discutido por Hardt e Negri (2004) em seus estudos
sobre o conceito de multidão.
Referências
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