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Crítica da cultura da convergência:

participação ou cooptação?
Alex Primo1

PRIMO, Alex . Crítica da cultura da convergência: participação ou cooptação. In: Elizabeth Bastos
Duarte, Maria Lília Dias de Castro. (Org.). Convergências Midiáticas: produção ficcional - RBS
TV. Convergências Midiáticas: produção ficcional - RBS TV. Porto Alegre: Sulina, 2010, p. 21-32.

Diferentes convergências
A ideia de convergência ainda é frequentemente ilustrada por uma TV
conectada na internet e com um controle remoto que faculta decisões sobre a
programação transmitida por cabo. É assim que muitos ainda definem o que é
convergência na mídia. Por outro lado, ver YouTube na televisão e votar na matéria
preferida para o programa Fantástico da semana que vem soa como uma utopia já
alcançada, um ponto de chegada.

Ainda na década de 90, diversos investimentos foram dedicados ao


desenvolvimento da chamada WebTV. Muitos modelos de set top boxes, teclados sem
fio e browsers adaptados à tela da TV foram colocados no mercado, mas sem sucesso
comercial. Hoje, quando se vê o anúncio de uma TV LCD que pode ser conectada na
internet via rede wireless, o recurso já não parece novidade.

Apesar do alto volume de vendas, alguns preferem apontar a TV como uma


tecnologia já morta (quantas vezes o rádio já escutou tal sentença?). Netbooks,
smartphones e tablets seriam as melhores tecnologias convergentes para a navegação
na rede e assistência de programação audiovisual. Esses pequenos computadores
seriam máquinas nativas de produtividade e navegação na rede, diferentemente da
televisão, cujos acessórios para tal fim pecam em ergonomia e funcionalidades. Este
debate patina em duas frentes: a) parte da premissa que outros meios desaparecerão
em benefício de apenas um, “convergente”; b) considera a questão da convergência
apenas em termos tecnicistas.

1
Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Infomação da UFRGS. Bolsista Produtividade do
CNPq.
Com relação ao desaparecimento de outros meios diante de um único “faz
tudo”, capaz e completo — a descrição desse possível fenômeno poderia ser encarado
como um “darwinismo midiático”! —, essa perspectiva não leva em conta a
especificidade de cada meio e as necessidades que cada um supre. Ora, experiências
diferentes são mediadas por tecnologias distintas. É neste sentido que o prazer de
assistir-se a um filme em um grande cinema não pode ser reproduzido em uma sala de
televisão, mesmo que se apague as luzes e se aumente o som. No debate sobre a
possível morte do livro em virtude da chegada dos e-books tampouco se considera
que a interface do livro oferece certas sensações e usos (como manusear páginas,
fazer anotações com maior liberdade e rapidez) que são diferentes dos “similares”
digitais. Finalmente, dispositivos móveis, como tablets (iPad, por exemplo) e
smartphones, conseguem combinar múltiplas funções, próprias de outros artefatos
individuais. Mesmo assim, ainda é melhor ver novelas em uma grande TV e digitar
textos em um computador. Enfim, mesmo que os meios digitais estejam aglutinando
recursos de outros dispositivos, cada um destes ainda mantém superioridade nas
especialidades para os quais foram desenvolvidos. Isso não quer dizer que jornais e
revistas, por exemplo, sairão ilesos da competição. Talvez uma interface digital
consiga proporcionar um uso mais agradável e sofisticado. Mesmo assim, insiste-se
aqui que a ideia de uma interface única e completa não parece resistir ao teste da
realidade.

Como a indústria liderou o debate sobre convergência em termos de


combinação de múltiplas funções de processamento, transmissão e recepção de dados
em um único aparato, o debate sobre convergência logo ganhou um direcionamento
tecnicista. Contudo, na Comunicação e em áreas afins tal enfoque mostra seus limites
ao desconsiderar o que há para além da técnica. De um ponto de vista expressivo e
retórico, no que toca as linguagens e gramáticas midiáticas, deve-se lembrar que uma
inter-relação entre os meios de comunicação já havia sido bem identificada por
McLunhan. Para ele, o “conteúdo” da televisão, por exemplo, é devedor do cinema e
do teatro. É como se os meios andassem “aos pares”. Bolter e Grusin (1999) ampliam
tal discussão através de seu conceito de remediação. Bolter (2001) resume que a
remediação é um processo de homenagem e rivalidade entre tecnologias de
comunicação, tendo em vista que o novo meio incorpora características de seus
antecessores, mas também contribui para a atualização destes últimos. Em outras
palavras, não apenas as novas mídias são devedoras dos meios que os antecederam,
mas estes também transformam-se em virtude da popularização daqueles.

Ao verificarmos hoje na diagramação de revistas e jornais a inclusão de


elementos gráficos que lembram botões e links da web reconhecemos a pertinência do
conceito de remediação. Da mesma forma, a edição frenética e os planos mais
fechados de filmes das últimas décadas revelam a influência da televisão justamente
no meio que a antecedeu e a inspirou. Bolter (2001) acrescenta que o uso intensivo de
recursos digitais faz a TV muitas vezes parecer-se com páginas da Web. Estes
exemplos de remediação nos mostram que a convergência em termos estéticos e
retóricos, mesmo que ganhando agora nova intensidade, é um fenômeno nativo do
cenário midiático.

É justamente na contramão do viés tecnicisa que o livro “Cultura da


Convergência”, de Jenkins (2009) tornou-se referencial tanto na academia quanto no
mercado. Mais do que a combinação de diversas funções midiáticas, insiste o autor, a
convergência deve ser pensada em termos culturais.

Meu argumento aqui será contra a ideia de que a convergência deve ser
compreendida principalmente como um processo tecnológico que une
múltiplas funções dentro dos mesmos aparelhos. Em vez disso, a
convergência representa uma transformação cultural à medida que
consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer
conexões em meio a conteúdos de mídia dispersos. (Jenkins, 2009, p. 29-
30)
O autor compreende a convergência como o fluxo de conteúdos através de
diferentes plataformas. Além disso, o conceito refere-se também “à cooperação entre
múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos
meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de
entretenimento que desejam” (p. 29).

A convergência também já foi pensada como um diálogo inspirador entre a


teoria do discurso e da literatura com a tecnologia. Landow (1997) observa que as
propostas de teóricos como Derrida, Foucault, Barthes, Bakhtin, entre outros,
concretizam-se no desenvolvimento do hipertexto digital. Ao mesmo tempo que
explicam o borramento das fronteiras entre leitura e escrita, os conceitos e discussões
daqueles autores atuaram como fermento para experiências tecnológicas que
sedimentaram-se como a própria linguagem do hipertexto. É justamente a
aproximação entre produção e recepção/consumo — uma das questões principais de
Landow — que Jenkins enfoca em seus estudos sobre cultura da convergência.

Nesse contexto, é importante colocar-se em discussão porque o debate sobre


convergência emerge justamente no seio da cibercultura. Uma explicação tecnicista
também parece ser a resposta óbvia para a questão. Contudo, é preciso discutir quais
são as condições socioculturais que justificam a emergência da atenção para o
problema da convergência agora e não antes.

Convergência como fenômeno da cibercultura


A cultura de fãs e suas intervenções na indústria de entretenimento, que
converte-se em uma relação simbiótica —tema central em Jenkins—, é um fenômeno
típico da cibercultura. Mas por que defender tal vinculação se o processo de
convergência não ocorre apenas na internet? Filmes (Guerra nas Estrelas, Matrix),
seriados de televisão (Survivor, Lost, American Idol) e livros populares (Harry Potter)
não são os principais exemplos citados nesse debate? Ou seja, a cultura da
convergência não poderia prescindir dos computadores? Para que se possa responder
a essas questões, é preciso questionar: por que a cultura da convergência acontece e é
reconhecível agora e não antes? Que características epocais estão na base de sua
constituição?

De fato, a cultura da convergência tem demandado que a mídia massiva


tradicional tenha que se reinventar. Por outro lado, essas pressões vêm de um público
acostumado a interagir ativamente, intervir no conteúdo e conversar com seus pares
na rede. Além disso, cria colaborativamente, distribui informações e se engaja em
movimentos coletivos. A rigor, a organização da ação em rede e a produção
cooperada não é invenção da internet. Contudo, é no contexto da cibercultura que
tamanha movimentação ganha fôlego e força. Mesmo que boicotes à programação
televisiva ou a um periódico impresso, por exemplo, ocorressem antes da
popularização da informática, é a conexão global, instantânea e ponto a ponto que faz
emergir novas formas de interação com as mídias e através delas. Já se disse que a
liberdade de expressão existia apenas para os donos de jornais. Com a expansão de
blogs, microblogs (Twitter), podcasts e de serviços digitais para a administração
coletiva da produção e circulação de notícias, pessoas desvinculadas de grandes
instituições midiáticas ganharam espaço para expressão pública e força de pressão
coletiva.

Jenkins (2009) reconhece a inspiração do conceito de inteligência coletiva de


Lévy e da expressão cultura participativa em sua discussão sobre convergência. Lévy
(1998, p. 28) entende inteligência coletiva como “uma inteligência distribuída por
toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em
uma mobilização efetiva das competências.” (Lévy, 1998, p. 28). O mesmo conceito
também está na base da delimitação da chamada Web 2.0 (O’Reilly, 2005), marcada
pela transição do foco na publicação (a primeira geração da web) para a participação
coletiva. Um grande número de novos serviços online soube aproveitar o ímpeto
produtivo dessa cultura de cooperação na internet, montando negócios a partir de
“conteúdo gerado pelo consumidor” (user-generated content). E é assim que sites
como Digg.com oferecem como principal atrativo — a interagentes e anunciantes —
informações reunidas e/ou criadas por seu público. Com essa estratégia, a técnica de
Crowdsourcing (Howe, 2008) visa oferecer produtos criados e eleitos pelos próprios
consumidores. A sabedoria das multidões (Surowiecki, 2006) está também por trás da
seleção e publicação colaborativa de notícias—processo chamado de gatewatching
(Bruns, 2003) — e do jornalismo participativo (Gillmor, 2005).

A “arquitetura de participação” (O’Reilly, 2005) da Web 2.0, os fóruns de


discussão e os sites de produção colaborativa de fãs (onde circulam fa n fictions,
legendas de filmes, traduções de livros, etc.) conferiram maior visibilidade e poder à
já existente cultura de fãs. Antes vistos simplesmente como público fiel e ávidos
consumidores de subprodutos da indústria de entretenimento, os fãs hoje são
reconhecidos como virtuais parceiros dos grandes produtores culturais.

A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre


a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar
sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis
separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de
acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por
completo. (Jenkins, 2009, p. 30)
Convicto da força das audiências, Jenkins (2009, p.30) sentencia: “A
inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder midiático”.

Algumas das condições sociotécnicas listadas anteriormente, justificam a


emergência da cultura da convergência nestes tempos. De toda forma, quer-se aqui
alertar que não é simplesmente a popularização da internet que “gera” cultura
participativa e convergente. Tal relação de causa e efeito aproximar-se-ia de uma
perspectiva de determinismo tecnológico. É também o espírito de época, os
relacionamentos da pós-modernidade, o histórico de atritos com a hegemonia da
indústria cultural, as utopias hippies e acadêmicas presentes na criação da internet,
entres outros aspectos sociais e políticos que fomentam a consolidação dos processos
antes listados. Trata-se, na verdade, de uma relação recursiva. As mídias digitais
foram criadas a partir de demandas sociais e fomentam o fortalecimento dos mesmos
movimentos coletivos. Em outras palavras, a internet criou tanto a cultura
participativa quanto foi criada por ela.

Até o momento buscou-se aqui demonstrar a vinculação da cultura da


convergência à cibercultura e seu caráter indissociável. A partir disso, pretende-se
debater como a estrutura midiática contemporânea se rearticula quando a separação
entre produtores e público é borrada e este último conquista o potencial de livre
expressão de alcance global e em rede (não apenas na rede).

Convergência ou cooptação?
A discussão de Jenkins sobre Cultura da Convergência detalha como as
audiências segmentadas hoje colaboram com a criação e circulação de produtos
culturais da indústria de entretenimento. Mesmo atos “subversivos”, como a
publicação de spoilers2 da série Survivor, contribuíram para o sucesso de suas
diversas temporadas. O estudo do autor sobre as práticas de transmídia em filmes da
trilogia Matrix e das lovemarks3, em seu capítulo sobre o programa American Idol,
mostram claramente como a indústria soube apropriar-se do ideário da participação na
internet.

As utopias libertárias da cibercultura anunciavam que a livre publicação de


conteúdos na rede nos livraria das imposições da grande mídia. Produções
independentes esvaziariam as audiências de programas televisivos “enlatados”. Por
outro lado, produtos culturais industrializados de alcance global (como Lost,
Simpsons, Big Bang Theory) não são necessariamente vistos por todos blogueiros e
tuiteiros como nocivos e um alvo a ser destruído. Eles próprios contribuem com a

2
Informações privilegiadas sobre próximos episódios de seriados ou filmes que são disseminadas na rede e que
revelam o desenrolar de uma história ou que participantes serão eliminados em reality shows pré-gravados.
3
Marcas que conseguem conquistar um alto envolvimento emocional de seu público fiel.
divulgação e até mesmo com o desenvolvimento de tais séries, debatendo seus
enredos na internet, votando em candidatos dos programas e até criando paródias.

É preciso, no entanto, colocar em discussão justamente o que os estudos de


Jenkins preferem ignorar. A saber, as estratégias de poder do grande capital midiático
e suas formas de cooptação das utopias libertárias da cibercultura. Enquanto o tom de
Jenkins soa como uma celebração, deve-se também avaliar como grupos de fãs são
utilizados na reinvenção da produção lucrativa daquelas indústrias. Além disso, cabe
também observar como as coletividades podem resistir e subverter movimentos tão
sutis e efetivos.

Ao ocupar-se da inserção lucrativa dos fãs no processo midiático industrial,


Jenkins deixa de empreender um aprofundamento crítico em como estas novas
estratégias sofisticam o poder do grande capital no contexto midiático. O sucesso do
livro do autor na indústria, suas caras palestras para diversos setores do mercado e sua
consultoria sobre práticas de transmídia revelam seu engajamento e compromisso
com as estratégias mercadológicas da mídia. Enfim, o caráter festivo do trabalho de
Jenkins sobre o que chama de cultura da convergência minimiza a análise crítica dos
aspectos políticos envolvidos.

Não se quer aqui, todavia, abordar a cultura da convergência como mera


imposição daqueles que exercem o controle sobre interagentes supostamente ingênuos
e indefesos. Pelo contrário, as audiências e consumidores sentem prazer em serem
“incluídos” no processo, compreendendo que podem não apenas receber melhores
produtos e serviços como também colaborar para a criação de conteúdos mais
divertidos e focados em seus interesses. Além disso, essa inter-relação oferece uma
promessa de lucros para blogueiros e tuiteiros em sistemas de parceria. Diante de tal
complexidade, a defesa de que vivemos hoje uma sociedade “pós-massiva” não
parece precisa. O grande capital midiático não está minguando, a mídia de massa não
se tornou mero coadjuvante. É verdade que houve uma distensão da produção
midiática, com o ingresso de criadores independentes de blogs, podcasts, vídeos e
músicas alternativas, etc. Por outro lado, esta nova produção que ocorre longe da
mídia de referência não pode ser entendida como mídia radical (Downing, 2004) em
sua totalidade. Mesmo que independentes, uma importante parcela da criação e
conversação na rede colabora com o fortalecimento do grande capital. Logo, não se
pode apenas celebrar a incorporação do fã na indústria de entretenimento, mas
também avaliar o que há de estratégia persuasiva e como se dá a resistência e
subversão nesse processo.

A participação das audiências na disseminação de spoilers, fan fiction4,


fanzines, fan art 5, fansubbing6 e traduções colaborativas de livros7 é vista por muitos
como uma forma contemporânea de resistência. A rigor, os processos criativos
espontâneos recém citados são peças ilegais, já que fazem uso de personagens e
histórias protegidas por copyright. As intervenções dos fãs teriam se convertido, pois,
em um ataque à indústria de entretenimento, que cobra caro por seus produtos e não
reconhece a dedicação e fidelidade dos fãs de seus produtos.

Para outros, não se pode falar em resistência quando os fãs estão trabalhando de
graça para a ampliação do alcance dos produtos midiáticos da grande indústria. O
conceito de resistência esvaziou-se, perdeu sua vertente política. Mesmo que as
instituições midiáticas empreendam esforços para proteger seus direitos reservados,
elas cinicamente observam a cultura da convergência, assim como descrita por
Jenkins, como nova forma de lucro. Mesmo que tardiamente, a indústria aprendeu a
aproveitar-se da força de trabalho dos fãs e do mercado ávido por produtos
transmidiáticos. Logo, trata-se de resistência ou cooptação?

Freire Filho (2007, p. 19) resume bem tais críticas:

Tradicionalmente associada a protestos organizados ou insurreições


coletivas de larga-escala contra instituições e ideologias opressivas, a
noção de resistência passou a ser freqüentemente relacionada, desde os
anos 1980, com ações mais prosaicas e sutis, gestos menos tipicamente
heróicos da vida cotidiana, não vinculados a derrubadas de regimes
políticos ou mesmo a discursos emancipatórios.
Nesse contexto, o fã passa a ser interpretado como consumidor ativo, “herói do
admirável mundo novo da convergência midiática” (Freire Filho, 2007, p. 98). Por um
lado, a cultura de fãs nos enche de exemplos para o sepultamento definitivo (se é que
ainda não estavam mortas) das perspectivas que viam passividade nos receptores de
produtos culturais massivos. Cada produção do fandom é uma reinterpretação, uma
reinvenção, uma apropriação criativa da mídia.

4
Histórias produzidas por fãs com personagens de seus livros, filmes e seriados prediletos.
5
Ilustrações e outras formas artísticas que tem com tema personagens e cenas de produtos culturais admirados
pelos fãs.
6
Legendas criadas e disseminadas por fãs para filmes sem distribuição nacional.
7
Para uma discussão detalhada desses processos, veja a dissertação de mestrado de Stefanie Silveira, “A cultura da
convergência e os fãs de Star Wars: um estudo sobre o Conselho Jedi RS”, defendida no PPGCOM/UFRGS em
março de 2010.
Por outro lado, ao se juntar ao sistema de produção e promoção, o fã se torna
um parceiro da indústria.

Ninguém ignora, obviamente, a utilidade comercial das redes


transnacionais de fãs para as estruturas corporativas de marketing e
publicidade. As comunidades de entusiastas funcionam como fontes
privilegiadas para pesquisas de opinião, exuberantes nichos de mercado e
criadoras de sites e blogs assiduamente visitados, como notícias, resenhas,
discussões e trailers de seriados e filmes já lançados comercialmente ou
ainda em fase de produção. (Freire Filho, 2007, p. 105).
Mas é isso que se deve entender hoje por resistência? Em última instância,
convergência se refere ao discurso do empresário e não do cidadão? Consumer-
generated content é sinônimo de exploração de trabalho não-remunerado?

Como se vê, o tema não é fácil. Se antes conclusões dicotômicas podiam fazer
sentido, a atual estrutura midiática complexificou-se de tal forma que não é possível
apontar mocinhos e bandidos. Com o borramento da fronteira entre produção e
consumo, com a liberdade de expressão e circulação de informações na rede, com a
simplificação das ferramentas de produção e com a popularização dos sites de redes
sociais pode-se reconhecer um empoderamento das pessoas desvinculadas de
instituições midiáticas.

Em outros tempos, a relação da grande mídia com seus públicos foi descrita
através de estratégias de controle e alienação. Na cibercultura, não apenas os meios de
consumo de produtos culturais multiplicaram-se, mas também os sistemas de troca
entre indústria e audiências transformaram-se.

A retórica da revolução digital deduzia que a nova mídia iria destronar a


antiga, mas o YouTube exemplifica uma cultura da convergência (...) com
suas interações complexas e colaborações entre a mídia corporativa e o
público (Burgess e Green, 2009, p. 148)
Em um cenário interdependente, o público não apenas consome produtos
culturais da indústria, mas pode também lucrar com eles. Blogs independentes sobre
cultura geek, por exemplo, podem render dividendos aos seus produtores através de
anúncios do Google Adsense e sistemas de parcerias com lojas online. A produção de
fan fictions e fan films pode divulgar as habilidades criativas dos fãs e viabilizar
futuras contratações. A participação espontânea pode simplesmente render prazer ou
acesso a áreas restritas dos sites de grandes estúdios de cinema. Para este público, este
é um pagamento suficiente.
De um ponto de vista crítico, contudo, esses tipos de colaboração não
apresentam nada de revolucionário, já que apenas reafirmam o poder e protagonismo
do grande capital. A incorporação de fãs, por exemplo, no processo de promoção de
filmes, livros e seriados fortalece a distribuição de produtos culturais e viabiliza a
venda de subprodutos midiáticos. Segundo as utopias da cibercultura, a produção
independente enfraqueceria o interesse por produtos globais à medida que a demanda
por criações locais e segmentadas ganharia primazia. De fato, os mercados de nicho
desenvolveram-se de forma surpreendente8, mas a grande mídia ainda mostra-se
hegemônica. Curiosamente, mesmo blogs e sites de jornalismo participativo
dependem de sites noticiosos de corporações de mídia tradicionais. O que se vê,
portanto, é uma maior interdependência mas não um jogo de soma zero, onde apenas
um lado pode ganhar.

Quer-se evidentemente reconhecer o poder heurístico das pesquisas de Jenkins.


Por outro lado, entende-se que novos estudos são necessários para compreender-se a
complexidade da estrutura midiática contemporânea, suas contradições e tensões. Não
basta analisar apenas os movimentos que fazem convergir interesses da indústria e o
prazer das audiências. Como Jenkins foca seus esforços de pesquisa no estudo da
cultura de fãs, não surpreende que ele acompanhe as estratégias da grande mídia. Mas
outras investigações precisam observar como coletivos fazem uso de redes sociais na
internet para reagir, resistir, minar e subverter os empreendimentos do capital
midiático. Movimentos de software livre e pirataria e o uso de blogs e Twitter em
regimes ditatoriais são alguns exemplos de resistência política de notoriedade na
cibercultura9.

Enfim, este capítulo buscou mostrar os problemas que emergem a partir do


reconhecimento de uma cultura de convergência. Não pretendia-se aqui elencar
respostas, mas demonstrar a complexidade da questão. De toda forma, a intenção
deste texto foi de alertar que o debate não pode resumir-se à celebração da
convergência dos interesses da grande mídia com os desejos de consumo de fãs. Esse
relacionamento — relevante e inovador, não há dúvida — deve ser visto como apenas
um entre tantos fenômenos da cibercultura e não como aquele que descreve e resume
nosso tempo.

8
Ver a discussão de Chris Anderson (2006) sobre o poder da “cauda longa”.
9
Muito dessas disputas de poder no contexto da cibercultura é discutido por Hardt e Negri (2004) em seus estudos
sobre o conceito de multidão.
Referências
ANDERSON, Chris. A Cauda Longa: Do mercado de massa para o mercado de
nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
BOLTER, Jay David. Writing Space: computers, hypertext, and the remediation
of print. Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates, 2001.
BRUNS, Axel. Gatewatching, not gatekeeping: collaborative online news. Media
International Australia, v. 107, n. p. 31-44, 2003.
BURGESS, Jean; GREEN, Joshua. YouTube e a revolução digital: como o maior
fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. São Paulo:
Aleph, 2009.
DOWNING, John D. Mídia Radical: rebeldia nas comunicações e movimentos
sociais. São Paulo: Senac, 2004.
GILLMOR, Dan. Nós, os Media. Queluz de Baixo, Barcarena: Editorial Presença,
2005.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Multidão. Rio de Janeiro: Record, 2004.
HOWE, Jeff. O poder das multidões. Rio de Janeiro: Campus, 2008.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
LANDOW, George P. Hypertext 2.0: The convergence of contemporary critical
theory and technology. Baltimore: Johns Hopkins University, 1997.
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São
Paulo: Loyola, 1998.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São
Paulo: Cultrix, 1969.
O'REILLY, T. Design Patterns and Business Models for the Next Generation of Software.
O'Reilly Publishing. Disponível em: <http://www.oreillynet.com/lpt/a/6228>. Acesso em: 4 de
agosto de 2008, 2005.

SUROWIECKI, James. A sabedoria das multidões: por que muitos são mais
inteligentes que alguns e como a inteligência coletiva pode transformar os
negócios, a economia, a sociedade e as nações. Rio de Janeiro: Record, 2006.

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