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APRESENTAÇÃO

Nos últimos tempos, tem havido um enorme interesse pela IOGA. Grande é o número
de pessoas que dizem estar "praticando" a IOGA, quer orientadas pelos livros que estão
sendo editados, quer por professores e Academias, que trabalham tanto profissionalmente
como em caráter místico, mas que, de alguma forma, inegavelmente estão
desempenhando o seu papel de despertar a atenção do homem para a necessidade de
UNIÃO (Ioga) do homem com Deus.
Mas também tem havido muita confusão quanto a verdadeira e profunda finalidade
da IOGA. Por isso, visando proporcionar, tanto aos indivíduos como às Escolas existentes,
uma colaboração no sentido de adquirirem uma melhor ideia do que a IOGA realmente é,
eis a razão pela qual a FEEU julgou oportuno distribuir esta apostila .
Há uma nova "coincidência" da FEEU estar apresentando um novo trabalho de origem
teosófica. Mas isto não deve ser interpretado como uma preferência em favor de qualquer
corrente espiritualista ou filosófica. O que ocorre é que o autor, I. K. Taimni, está
inegavelmente desempenhando uma missão importante e renovadora, diríamos melhor,
esclarecedora, de muitos aspectos sutis, que antes não estavam claramente definidos.
Acreditamos que pouco importa qual seja a sua profissão de fé, contanto que nos
apresente esclarecimentos baseados em fontes puras, como, inegavelmente, são as do
Hinduísmo, de cuja pátria, a Índia, espalhou-se pelo mundo este crescente interesse pela
sua IOGA. E que outra fonte básica melhor do que os Ioga-Sutras de Patanjali? Foi baseado
nesta obra clássica que o autor apresenta este trabalho.

A COMISSÃO DE EDIÇÃO.

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A IOGA E O HOMEM COMUM
Como a Escola Besant está sob os auspícios da Seção Hindu, e a Dra. Besant levou a
maior parte de sua vida ativa na Índia, ao serviço de seu povo, penso que será bem
apropriado falar hoje sobre um assunto que está especialmente ligado à tradição e cultura
hindus. Nós, os teosofistas, acreditamos que cada nação possui a sua singularidade
individual e que ela, até certo ponto pode ser percebida não só em seu caráter e cultura
como, também, na contribuição que dá ao mundo. Em essência, constituímos uma família
de nações, cada uma dando a sua contribuição característica para o enriquecimento da vida
da humanidade , segundo a sua capacidade.
Qual é a contribuição da Índia para o pensamento e o desenvolvimento da
humanidade, como um todo? Naturalmente que as opiniões diferirão a este respeito, de
acordo com a filosofia de vida e o sentido de valores das pessoas. Mas aquelas que
possuem uma visão mais ampla e profunda da cultura hindu, de sua história e de sua rica
tradição, concordarão com a opinião de muitos de nossos sábios quanto à contribuição da
Índia ter sido, e parece sempre ser destinada a permanecer, dentro da esfera da vida
espiritual. Poderá ser difícil constatar este fato ante as condições prevalecentes neste país,
nos tempos atuais. Mas estas coisas devem ser consideradas não pelas fases temporárias
que as nações necessitam atravessar, inevitavelmente, em seu progresso evolucionário.
Precisam ser julgadas dentro de uma perspectiva mais ampla, através do seu passado, pelo
modo de pensar de seu povo, pelas suas aptidões especiais, pela tradição nacional e pela
natureza das aspirações que caracterizam o povo, generalizadamente.
Qualquer que possa ser a opinião geral a este respeito, creio que a maioria das
pessoas pensantes, destituídas de um ponto de vista materialista, concordará com que uma
das maiores contribuições da Índia, no campo da religião e da filosofia, tem sido a ideia de
que somos essencialmente Divinos em nossa natureza íntima, e que podemos superar as
ilusões e as limitações pelas quais somos permanentemente envolvidos, através desta
realização. A sobrevivência da personalidade humana, após a morte do corpo físico, a
existência de mundos superfísicos, a divindade do homem, a possibilidade de atingir a
perfeição, são concepções de importância vital e fundamental para aqueles que pensam,
constituindo, indubitavelmente, uma parte integral da filosofia e da religião hindus. Nestas
doutrinas, entretanto, nada há de especial. De diferentes formas e em vários graus de
definição, elas constam, praticamente, de todas as grandes religiões do mundo. O que
caracteriza especialmente o pensamento e a tradição hindus, em casos liga os à nossa vida
espiritual, é que não só o homem e o universo são divinos em sua natureza íntima, mas
que é possível conhecer esta Verdade das verdades pela experiência direta; AQUI e AGORA.
Não em alguma existência depois da morte, mas aqui e agora, enquanto ainda vivemos
neste mundo físico. Não de uma maneira vaga e geral, mas com toda a precisão e realismo
que costumamos associar à Realidade. Não pretendo dizer que esta possibilidade também
não é reconhecida pelas outras religiões, ou que não tenham existido verdadeiros místicos
e ocultistas em outros países. Mas creio que a técnica da Auto-realização não foi
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desenvolvida tão sistematicamente e praticada tão intensivamente como na Índia.
Estes métodos, usados na Auto-realização, não estão baseados em especulação, e a
sua natureza não constitui meras sugestões de experiências visando atingir o alvo
desejado. São métodos que foram experimentados, durante milhares de anos, por um
grande número de santos, sábios e ocultistas, que se atreveram o bastante explorando os
mais profundos domínios de suas mentes e consciências, e que lograram encontrar aquela
Realidade que procuravam. Estes exploradores e pioneiros, não só constataram a eficiência
destes métodos, como acrescentaram, periodicamente, novas modificações para atingir o
mesmo fim. Eles não somente trilharam a senda da Auto-realização, como ajudaram e
treinaram outros que possuíam o desejo intenso e as necessárias qualificações para este
propósito.
Precisamente este maravilhoso conjunto de conhecimento, teórico e prático, esta
tradição, esta múltipla técnica, é aquilo que constitui a chamada Ioga. É por meio desta
Ciência sagrada que todas as verdades da vida interior, todos os profundos segredos da
Natureza e do Universo, todas as realidades do Divino dentro do homem, foram
descobertos e demonstrados como sendo fatos e fruto da experiência direta. É este
conhecimento e esta técnica que considero como a contribuição principal e mais valiosa
que a Índia deu ao pensamento do mundo e ao progresso da humanidade, em relação ao
seu indicado fim espiritual.
Esta técnica de Auto-realização implica na exploração dos reinos internos da mente e
da consciência, por cada indivíduo, através de seus próprios esforços. Algumas destas
verdades, que são descobertas pelas experiências diretas, feitas desta maneira, são de tão
transcendente natureza que é impossível transmiti-las por meio da palavra. É natural,
portanto, que a maior parte da técnica não possa ser posta em preto e branco, na forma de
um sistema rígido. Em seu aspecto mais profundo, ela permaneceu e sempre continuará
permanecendo nas mãos de um pequeno número de adeptos, que já exploraram e
dominaram com sucesso os íntimos domínios da mente e da consciência. Somente eles
podem atuar como custódios, não só da sua técnica, como, também, das verdades
espirituais que foram descobertas com o seu auxílio. O seu número é pequeno, mas é
suficiente para garantir uma continuidade de transmissão deste precioso conhecimento, de
uma a outra geração. Ninguém precisa, portanto, ter medo, em nenhum lugar ou tempo,
de não estar apto a obter o auxilio e a orientação necessários, sempre que estiver em
condições e pronto para recebê-los.
Apesar de sempre existirem no mundo adeptos que possuem este conhecimento e
que também estão preparados para transmiti-lo aqueles que estão realmente qualificados,
ele não pode, entretanto, ser comprado, por nenhum preço. Os que realmente o possuem
já estão acima das tentações e fraquezas humanas que impelem as pessoas a venderem o
seu conhecimento em troca de dinheiro ou popularidade. Não há nada que os induzirá a
transmitir este conhecimento a uma outra pessoa, a não ser que ela esteja preparada a
trilhar a senda da Ioga. Não só deixam de transmiti-lo aos curiosos, aos ambiciosos e a
quaisquer outros aspirantes sem preparo, como chegam ao ponto de não deixar ninguém
saber que o possuem. Os segredos desta “Gupta-vidyã" (Ciência Secreta) não podem ser,
portanto, uma mercadoria, isto devido a sua própria natureza, e não podem ser obtidos
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daqueles que a mercantilizam no mundo externo.
Não obstante o fato dos adeptos da Ioga não transmitirem o seu conhecimento, sob
nenhuma circunstância, aos que não estiverem preparados, isto não significa que não
estejam ansiosos para que um maior número possível de pessoas esteja em condições de
adquirir as qualificações necessárias que lhes capacite trilhar a senda da Ioga, a fim de se
libertar e auxiliar aos outros a se libertarem das limitações que os envolvem. Um dos
motivos deste seu interesse é porque, quanto maior for o número de pessoas que esteja
trilhando o verdadeiro caminho da Ioga, ou tenha atingido a sua meta, tanto mais
poderosas se tornam aquelas forças que estão trabalhando para a evolução, e tanto mais
capacitadas a ajudar, efetivamente, o progresso da humanidade. Cada indivíduo que tem a
capacidade de se libertar das limitações e das ilusões da vida inferior, não faz isto só para si
mesmo. Ele é parte de uma Vida Maior, que chamamos de Humanidade, cujo conjunto fica
enriquecido e chega mais perto do seu alvo espiritual, porque mais um dos seus membros
se libertou e, assim, está em situação de ajudar os outros a se libertarem também.
Na realidade, não estamos tão separados, independentes e isolados, lutando por um
progresso e existência separados, tal como assim parece ao intelecto exclusivista, e pelo
nosso comportamento, devido às ilusões dos mundos inferiores. Aqueles que estão
tentando o caminho da Ioga e se esforçando para atingir a sua meta, não estão
empenhados em nenhuma competição para vencer os seus irmãos e ganhar o prêmio
supremo da realização humana antes dos outros. Estão procurando se libertar, não só
porque nenhum que tenha ficado conhecedor das ilusões da vida poderá ficar contente
permanecendo nelas como, também, porque só um indivíduo que tenha conseguido
libertar a si mesmo das limitações é que pode efetivamente ajudar os outros. Eis por que
os Irmãos mais Velhos, que guiam a evolução da humanidade nos bastidores, sempre estão
tão ansiosos em ajudar os aspirantes esforçados que desejam trilhar a Senda e possuem as
necessárias qualificações.
Fiz referência à dificuldade de se obter um conhecimento direto e claro acerca das
realidades da vida interna, salvo quando é conseguido através do cultivo daqueles traços
de caráter e estados mentais que possibilitam a transmissão e aquisição deste
conhecimento transcendente. Porém, isto não quer dizer que a busca do ideal da Ioga seja
um empreendimento extraordinariamente difícil, facultado só a umas poucas almas
excepcionais, especialmente dotadas ou colocadas em determinadas circunstâncias
favoráveis. Alimentar tal ideia seria interpretar mal todo o objetivo e natureza da Ioga e o
lugar que ela ocupa em nossa vida. A Ioga não é destinada só a uns poucos, mas a todos,
apesar de não ser qualquer um que esteja preparado para poder aproveitá-la. Isto ficará
mais claro se compreendermos o objetivo da Ioga em seus mínimos detalhes. De maneira
geral, qual é este objetivo?
Todos nós nos sentimos envolvidos neste mundo inferior, que está cheio de
limitações, ilusões e misérias de toda a espécie. Toda a sorte de limitações tolhem a nossa
liberdade de tantas maneiras; as ilusões mais grosseiras nos bloqueiam de todos os lados;
estamos constantemente sujeitos a tantas perturbações, além dos inevitáveis e periódicos
sofrimentos de doenças, empobrecimento e morte, sem falar na separação e perda
daqueles entes que nos são mais queridos! É verdade que não estamos realmente
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conscientes destas limitações e ilusões. Mas isto é só porque não pensamos com
profundidade e não usamos a nossa faculdade de discernimento. Se o fizéssemos,
imediatamente veríamos que as enfáticas advertências de todos os místicos, sábios e
ocultistas, acerca da natureza efêmera e ilusória do mundo em que vivemos, estão
fundamentadas na concreção dos fatos e na experiência. Todos estes fatos estão bem na
nossa frente, para evidenciar se a nossa mente e aberta e se encaramos a vida
inteligentemente. Só a nossa profunda absorção mental nas fascinantes atrações e
conquistas mundanas·é que nos impede de ficarmos conscientes de tais fatos tão óbvios.
Se todas estas advertências sobre a natureza enganadora deste mundo são
verdadeiras e se consciencializarmos estes fatos, mesmo parcialmente, qual é o remédio?
Será que nada podemos fazer para nos precaver e que tenhamos de passar por estas
experiências, vivendo sob estas limitações, vida após vida, sem nenhuma esperança ou
oportunidade de libertação? Será que teremos de passar por todas essas misérias,
permanecer aprisionados dentro destas ilusões, sujeitos à roda de nascimento e morte,
queiramos ou não? Sobre isto, novamente, aqueles mesmos Mestres que nos advertem
sabre a natureza irreal de nossa vida atual, suas seduções e tentações, nos trazem uma
esperança e afirmam, inequivocadamente, a possibilidade de libertação dessas condições
indesejáveis. Esta esperança não está baseada em crenças piedosas sobre uma vida após a
morte e em especulações filosóficas acerca do destino humano. Está fundamentada em
fatos e realidades que eles mesmos descobriram pela experiência direta. Eles já passaram
por um longo e rigoroso curso de autodisciplina e treinamento, libertando-se exatamente
daquelas limitações e consequentes misérias, na quais ainda estamos envolvidos. Eles
afirmam, enfaticamente, que cada indivíduo humano pode fazer a mesma coisa, contanto
que trilhe o mesmo caminho que eles seguiram. Isto porque a Verdade que o libertará
daquelas limitações está oculta dentro do coração de cada ser humano, aguardando para
ser por ele descoberta, até que se predisponha a encontrá-LA dando os passos necessários.
Estes pioneiros do Espírito não só testemunham a Verdade Suprema e evidenciam a
certeza de libertação para cada indivíduo, mas chegam a nos dar uma ideia acerca dos
métodos que precisam ser adotados, e das técnicas que existem para a conquista daquela
libertação. Estes métodos foram experimentados e comprovados por inúmeros
exploradores, nos reinos internos da mente e do Espírito. Em suas próprias vidas e
consciências verificaram estas verdades transcendentes da vida espiritual, de acordo com
as suas capacidades e respectivos estágios de adiantamento. Assim sendo, ninguém que
sentiu a necessidade de se libertar dessas condições indesejáveis precisa alimentar
qualquer dúvida de que não possa fazer o mesmo, contanto que dê os passos necessários e
esteja preparado para seguir o caminho, de maneira diligente e perseverante.
Considerando que cada ser humano é essencialmente Divino e destinado a se libertar,
mais cedo ou mais tarde, das ilusões e limitações dos mundos inferiores, a única atitude
que lhe cabe tomar é a de decidir se começará a se esforçar AGORA, ou se adiará para mais
tarde a caminhada pela senda da Libertação. Trata-se de uma decisão muito singular para
quem está envolto em ilusões e misérias de toda a espécie, apenas dependente de sua
própria deliberação. Corresponde a um dilema do qual precisará sair. Um homem, que está
sofrendo de uma enfermidade dolorosa, terá que decidir se tomará agora o remédio que o
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curará ou se o fará mais tarde. Um prisioneiro não pode ficar indeciso de libertar-se a gora,
ou mais tarde, quando os meios de fuga estão à sua frente.
O verdadeiro problema - no caso de todos nós que não estamos dispostos a resolver
agora este problema fundamental da vida, que está à nossa frente, decidindo adiá-lo ou
propendendo resolvê-lo pachorrentamente, só com a metade do coração - tem explicação
somente pela falta de percepção de nossa verdadeira situação. A causa real é a ausência de
discernimento, ou "viveka", discernimento este que nos capacita abrir o caminho através
de todas as ilusões e a perceber a vida em sua nudez, despida de todas as suas fascinantes
atrações e tentações. Esta carência de um modo de pensar mais profundo, ou a existência
de uma vida superficial, é o que nos leva a prosseguir com as mesmas experiências; a
passar pelas mesmas misérias; a nos satisfazer vivendo dentro das mesmas limitações; a
sacrificar a liberdade, a forca, o conhecimento e a bem-aventurança, que nos estão
destinados, mais cedo ou mais tarde, trocando-os pelas alegrias e confortos efêmeros e
pelas excitações e conquistas da vida comum.
Esta carência de "vivekall, portanto, constitui o problema real de todos os seres
humanos que ainda não estão suficientemente amadurecidos para sentirem a urgência de
empreender esta aventura Divina. O que pode ser realmente feito quando não sentimos
nenhuma inclinação forte de fazer algo nesse sentido, quando não desejamos nos libertar
destas condições desagradáveis? Nada resta senão mergulhar no pântano das dúvidas, da
frustração e do desamparo !
A maior parte dos que possuem anseios e aspirações espirituais está envolvida em um
tal círculo vicioso e não sabe como sair dele. Chegamos a pensar que isto é uma condição
que nos é peculiar, o que demonstra que ainda não estamos preparados para trilhar a
senda da Ioga. Geralmente não nos apercebemos de que isto constitui uma condição
natural e normal; que a grande maioria dos aspirantes precisa começar deste ponto e de
sair deste círculo vicioso. Só aqueles que praticaram a Ioga em vidas anteriores é que
possuem o grande impulso para este esforço, nascendo com uma forte urgência interior
para praticar a Ioga nesta vida, de maneira natural, vigorosa e sem vacilações. A senda da
Ioga, para uma grande maioria de aspirantes, começa aqui, na incerteza, na dúvida e na
falta de uma urgência interior, que são simbolizados por "vishãda", ou o desalento de
Arjuna, no "Bhagavad-gitã". Não há nada de anormal nisto, nada com que nos preocupar, e
não deve ser causa de desespero.
Surge agora uma interrogação: Terá a Ioga algo para oferecer aos aspirantes
envolvidos por este estado mental tão peculiar? Ou a Ioga é só para os que já possuem
uma forte urgência interior e uma aptidão especial para fazer os seus exercícios? Sobre isto
há uma grande confusão nas mentes em geral. Há alguns que confundem a Ioga com
certos exercícios preliminares, não essenciais, de pura natureza física, tais como as
"ãsanas" (posturas ioguis) e “prãnãyãma” (controle da energia vital), pensando que a Ioga
pode e deve ser praticada para poder ser adquirida uma vida física sadia. Há outros que
estão sob a impressão de que a Ioga significa nada menos que a prática do “Samãdhi”
(transe), e de outras técnicas avançadas, empregadas somente nos seus últimos estágios.
Naturalmente pensam que tudo isto está além da capacidade do “Sãdhaka” (dicípulo)
comum e concluem que a Ioga, absolutamente, não é para o homem comum. Nenhum
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destes modos de pensar extremos representa a verdade real acerca da Ioga e do seu uso
como um instrumento para libertar os seres humanos das grandes limitações e ilusões que
os envolvem.
Seria desnecessário ressaltar que, como todos os seres humanos, com muito poucas
exceções, estão envolvidos em "Kleshas" (aflições da vida), e a Ioga é a única maneira que
dispomos para delas nos libertar, o seu uso é para todos, irrespectivamente de suas
condições e circunstâncias. Quando emprego a palavra Ioga, não estou tendo em mente as
versões modernamente vulgarizadas a seu respeito, que a reduziram a um sistema de
cultura física. Evidentemente, cada um pode praticá-la com bastante benefício para o seu
bem-estar físico. Por Ioga quero me referir à técnica real de autodisciplina, Auto-descoberta e
Auto-realização, que tem como objetivo a completa e permanente libertação do homem
das limitações e misérias nas quais está envolvido. É esta técnica genuína e real de Ioga,
que tem de ver com a mente e a consciência humanas, a fim de resolver, de uma vez por
todas, o grande problema da vida humana, técnica esta que está a disposição de cada
aspirante.
Isto assim é porque cada indivíduo humano é essencialmente Divino por natureza; é
livre para se libertar de suas limitações, quando realmente assim deseja fazê-lo. Não há
nenhuma lei se interpondo no caminho deste fragmento da Divindade, quando decide se
libertar e se unir novamente com o Todo do qual se separou. E como a Ioga é a ciência que
tem de ver com os métodos que podem, gradual e sistematicamente, provocar esta união,
um aspirante sempre está livre para aplicar os seus métodos ao seu próprio caso, segundo
as suas necessidades e estágio de desenvolvimento.
O que geralmente não é consciencializado, a respeito deste grande problema da vida
humana, é que a enfermidade da qual todos sofremos é universal, e todos os que passam
profundamente por este problema adotam um ponto de vista muito amplo sobre a vida e
tentam encontrar um remédio que seja universal e infalível. A Ioga não é um paliativo,
como são a maioria das soluções religiosas e filosóficas do grande problema da vida. Ela
não leva em conta os sintomas superficiais das aflições humanas, procurando removê-los
temporariamente, deixando de lado a causa real e fundamental da enfermidade. Ela vai à
verdadeira raiz da perturbação e procura remover a causa ultérrima das aflições e, assim,
de maneira completa e permanente.
A Ioga não é um específico. Ela não procura tratar só de uma determinada espécie de
aflição humana, tendo, assim, uma aplicação limitada. A técnica da Ioga está
fundamentada na filosofia de que todas as espécies de aflições estão radicadas em
"Avidyã", ou falta de percepção de nossa natureza Real: Pela remoção de "Avidyã"
(ignorância) e pela consciencialização de nossa natureza Real, fica possível remover todas
as aflições, pela raiz e pela rama, para sempre.
A Ioga não é uma técnica determinada e particular, aplicável às pessoas de um
determinado temperamento ou a um determinado estágio de desenvolvimento mental ou
moral. Pode conduzir qualquer homem, em qualquer estágio, em qualquer tempo,
colocando-o no caminho que leva à última meta. Ela o conduz, passo a passo, por este
caminho, de maneira progressiva e sistemática, utilizando as diferentes técnicas que estão
disponíveis, de acordo com as suas necessidades e estágios de desenvolvimento. Fica o
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homem, assim, capacitado a romper as suas limitações, uma após outra, até ter atingido a
sua meta - a Libertação e a Iluminação.
Este caráter universal e todo abarcante da Ioga precisa ser compreendido, se
pretendemos atribuir devidamente o seu valor ao homem comum. Aqueles que já
desenvolveram esta técnica, após passarem pelos profundos problemas e realidades da
vida e da consciência humanos, não ignoravam as limitações do homem comum e as
diferenças dos seus estágios de desenvolvimento e temperamento. Eles perceberam,
claramente, a necessidade de proverem uma técnica compreensiva, que pudesse ser
adaptada, quaisquer que fossem seu temperamento ou estágio evolutivo. Criaram
variantes desta técnica para satisfazer os diferentes temperamentos dos estágios iniciais,
onde este temperamento individual precisa ser levado em conta para assegurar o seu
progresso. Eles cogitaram de práticas preliminares e de um andamento progressivo de
autodisciplina, para preparar adequadamente aqueles que ainda não eram capazes de
empreender uma prática de Ioga séria e mais intensiva. Só com essas previsões foi possível
fazer com que os benefícios da Ioga pudessem estar ao alcance de qualquer um que
desejasse seriamente seguir, este caminho.
Seria uma ingenuidade afirmar que qualquer um pode praticar a Ioga, ou que a
solução completa e permanente do grande problema da vida pode ser alcançada com
facilidade. Isto não passaria de um exagero grosseiro de simplificação, aliás muito comum
entre os que recomendam e procuram aplicar os métodos da Ioga para resolver os
problemas da vida humana. Isto precisa ser prevenido, especialmente nesta época em que
as pessoas, em toda a parte, estão sempre com grande pressa, impacientes e procurando
soluções fáceis e rápidas para todos os seus problemas. A solução do derradeiro problema
da vida humana não pode ser obtida considerando-a fácil ou barata. Sem dúvida, está fora
do alcance da "'grande maioria de pessoas, pela simples razão delas ainda não estarem
devidamente preparadas, haja visto que não desejam nem procuram encontrá-la.
É igualmente necessário deixar bem ressaltado que existe uma solução gradual,
sistemática e bem aprovada, para este problema, que está à disposição de qualquer um
que tenha consciencializado a sua necessidade e esteja preparado a dar os necessários
passos para consegui-la. Quando verdadeiramente desejar esta solução, pode começar
onde estiver. Com um andamento gradual de autodisciplina e purificação de sua mente,
começará a se movimentar, firme e confiantemente, em direção à sua meta. Não fará
diferença se a sua mente ainda estiver cheia de dúvidas e incerteza, mesmo se a sua
urgência interior ainda não tiver sido despertada. À medida que a sua mente se purificar,
por meio da autodisciplina, a luz de Buddhi (intuição) começará a brilhar através dela e
todas as condições indesejáveis desaparecerão gradualmente, pois elas nada mais são do
que consequências de uma mente que está sobrecarregada de desejos, de desarmonias e
de impurezas de toda a espécie. Esta purificação gradual e esta harmonização da mente
são precisamente os fatores que quebram o círculo vicioso mental.
Não é de se esperar que o aspirante exerça as práticas avançadas da Ioga antes de
estar preparado para elas. Só quando desenvolveu a capacidade necessária é que está em
condição de executá-las de maneira fácil e natural. Enquanto não chegar a este ponto, ele
terá que trabalhar muito, promovendo as necessárias alterações em sua vida e em seus
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estados mentais, o que prepará-lo-á aos estágios mais adiantados. Este trabalho
preparatório absorve toda a energia e tempo que para ele dispõe, mas não deixa de ser
acompanhado pelo maravilhoso regozijo e alegria do desabrochamento espiritual. A sua
vida interna começa a se movimentar; o botão da Flor Divina começa a abrir.
Quando o aspirante atingirá a meta? É uma pergunta irrespondível, mas muito
importante para o aspirante que realmente começou a trilhar esta senda. A vida espiritual
é um estado dinâmico de Ser e de Consciência, e o seu objetivo não é o de alcançar algum
estado estático ou final. 0 que é importante e significativo é o processo de
desenvolvimento, e não qualquer determinado estágio temporário ao qual o discípulo foi
levado.
Apesar de este fato ser verdadeiro, e o aspirante precisar sempre guardá-lo em
lembrança, poderá ser muito auxiliado ao consciencializar que os benefícios que o
atingem, mesmo por esta Ioga preliminar, são tão impressionantes e substanciais que,
indubitavelmente, compensam a sua autodisciplina.
A paz interna e a alegria, que não dependem de quaisquer estimulações externas; a
força espiritual, que não necessita de nenhum apoio externo; o conhecimento intuitivo, que
gradualmente começa a fluir de dentro para a mente; a certeza que sobrevém do seu
contato parcial com as realidades internas; a libertação das preocupações, que ocorre
quando fica cada vez menos atado; todas estas coisas, que são o fruto, mesmo preliminar,
da Ioga, precisam ser sentidas para ele consciencializar quanto perdeu continuando
completamente imerso em sua vida comum.
Para comparar, basta olhar ao nosso redor e examinar de perto as vidas de pessoas
que tentam buscar, nas sensações e nas atividades comuns do mundo externo, aquela
felicidade e satisfação que sempre lhes fogem, apesar de termos um direito de nascença
sobre elas. Observemos particularmente as vidas das pessoas consideradas como bem
sucedidas - os ricos, famosos e poderosos - para ver se encontraram a verdadeira
felicidade. Examinemos as condições que prevalecem naqueles países que atingira; um
elevado nível de vida, baseado nos padrões físicos, e procuremos constatar se seus povos
são realmente felizes. Não obstante ser absolutamente necessário um padrão de vida
mínimo, para que possamos atuar devidamente no plano físico, o que precisa ser
conseguido, isto, por si só, não pode trazer o céu à terra, segundo a filosofia materialista
nos faz acreditar. Não somos animais que podem ser satisfeitos só com a fruição dos
desejos materiais. Nem mesmo somos entidades mentais que podem ser conservadas
satisfeitas por muito tempo só pelas atividades mentais e culturais. Somos seres Espirituais,
pertencentes aos reinos do Espírito, aqui vivendo no exílio. Nada menos do que o
conhecimento de nossa real natureza Divina - a Auto-realização - pode efetivamente nos
satisfazer completa e permanentemente. Quanto antes consciencializarmos este fato e
começarmos a trabalhar para aquele fim, tanto melhor para nós.

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A PREPARAÇÃO PARA A IOGA

O estudo acerca da natureza do "Samãdhi", (êxtase) no primeiro capítulo dos YOGA-


SUTRAS de Patanjali, e dos processos mentais sutis a ela ligados, possivelmente poderá dar
a impressão de que a técnica da Ioga não é para o homem comum, o qual, quando muito,
só poderá fazer um estudo teórico do assunto, adiando a sua aplicação prática na vida
para alguma encarnação futura, na qual as condições sejam mais favoráveis, quando as
suas faculdades mentais e espirituais estiverem mais amplamente desenvolvidas. Esta
impressão, apesar de natural, está baseada em um equívoco. Aqueles que formularam a
filosofia da Ioga e estabeleceram a sua elaborada técnica não ignoravam a fraqueza da
natureza humana, as limitações e ilusões sob as quais vive o homem comum. Certamente
que não teriam proclamado a necessidade e a urgência do homem livrar-se destas
limitações apresentando-lhe um método aparentemente além de sua capacidade de
alcançar tal objetivo. Bem sabiam das suas dificuldades, assim como não ignoravam que
essas dificuldades podiam ser vencidas com a adoção de um curso gradual de treinamento,
que é científico e está de acordo com as leis do crescimento e evolução humanos. Mesmo
para alcançar qualquer objetivo digno, de caráter geral, qualquer pessoa precisa trabalhar
sistematicamente e estar preparada para dedicar um esforço prolongado e estrênuo. Se
pretende ser um grande matemático, precisa começar com as quatro operações da
aritmética e trabalhar gradativamente, de um a outro estágio, até conseguir o domínio
desta ciência. Não começa frequentando os cursos universitários com cálculos diferenciais
e integrais. Está preparada para um longo estudo e treinamento, mas sabe que o sucesso
final está assegurado se não abandonar os seus esforçados estudos. Entretanto, quando se
trata de despender esforços para alcançar a culminação do maior objetivo da evolução
humana, a grande maioria esquece todas essas coisas baseadas em um senso prático e
experiência comuns. Começa a se preocupar com a dificuldade de conseguir o "Samãdhi" e
a cogitar de quanto tempo levará para atingir os mais altos estados de consciência,
possíveis de conseguir por tais meios. Acredita que precisará somente começar para que
todos os frutos da vida da Ioga lhe sejam dados ou que possa consegui-los em pouco
tempo. Assim, deixa de começar ou, se o faz, desilude-se e abandona tudo, quer
desculpando-se ao pensar que, afinal de contas, não existe mui to a ganhar nesta tão
propagada ciência da Ioga, quer alegando não dispor de capacidade para desempenhar
uma tarefa tão difícil. Desta maneira, vai adiando este esforço, permanecendo,
praticamente, no mesmo estágio, vida após vida. Não adota uma atitude sensata para
enfrentar o problema, como costuma fazer no caso de um problema similar relacionado
com as suas necessidades mundanas.
A ciência da Ioga, como qualquer outra ciência, pode ser aprendida por meio de um
método gradativo, de estudo e exercício. Começamos com as coisas simples que cada um
pode fazer, prosseguindo, passo a passo, dos problemas simples aos mais complexos, das
práticas mais fáceis às mais difíceis. Em virtude das diferentes potencialidades ocultas em
diferentes indivíduos, o nosso processo é regulado não pelos anos de trabalho, mas pelo
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nascimento das capacidades e mudanças da nossa mente e atitudes. Vejamos,
primeiramente, algumas dessas práticas e disciplinas preliminares que preparam o
aspirante para as práticas mais avançadas que constituem a Ioga Superior.
O seguinte "Sutra" do Capítulo II condensa uma ideia geral deste treinamento
preliminar ou preparatório, por meio do qual qualquer aspirante pode começar
imediatamente e estabelecer uma base sólida de vida iogue, sistemática e energicamente.

"A austeridade, o auto-estudo e


a submissão a Ishvara (Deus)
constituem a Ioga preliminar"
(II-I)

O estudante pode perceber que os três tipos diferentes de atividade que o "sutra"
determina são para desenvolver todos os três aspectos fundamentais da natureza humana,
a vontade, o intelecto e o amor. O conhecimento intelectual lança os fundamentos da vida
iogue ao preparar uma formação teórica adequada. O desenvolvimento do amor ou
devoção, e a consequente transformação e purificação da vida, adiciona a sabedoria ao
conhecimento. Então, com a aplicação da vontade espiritual, ao controlar e inibir as
modificações da mente, o iogue passa do estágio da sabedoria para o da Realização. Todo
o treinamento e autodisciplina culmina na Auto-Realização e Liberdade. A significação dos
três elementos desta autodisciplina preliminar já está explicada detalhadamente no
comentário, quando então não há necessidade de aqui entrarmos em suas pormenorizadas
considerações. Mas existem alguns pontos de interesse geral que convém ressaltar ao
aspirante.
O primeiro ponto que ele deve anotar é que todos estes três tipos de atividade
constituem um começo real da vida iogue, dependendo de como o próprio aspirante os
utiliza a bem de uma rápida transição do estágio preparatório ao mais avançado·de
progresso. Se ele atacar, empenhada e energicamente os problemas que estão ligados a
essas atividades, em pouco tempo adquirirá um domínio sobre a sua natureza inferior,
junto com aquela concentração de propósito que dar-lhe-á condições para exercer as
práticas mais adiantadas da Ioga Superior.
"Tapah", "Svãdhyãya" e "Ishvara Pranidhãna” dão a impressão de serem práticas
misteriosas, mas não há nada de misterioso nelas. "Svãdhyãya" começa com o estudo
intensivo de um fundamento teórico adequado, podendo adquirir uma ideia global correta
de todos os problemas que dizem respeito à prática da Ioga e dos métodos que são usados
para resolver esses problemas. Mas tal estudo precisa ser feito por nós mesmos, de tal
maneira que possamos gradualmente desenvolver a capacidade de aflorar todo o
conhecimento de dentro de nós mesmos, tornando-nos independentes de todos os auxílios
externos a este respeito. Também deve ser em um nível mais profundo e não deve
meramente consistir em obter informação de segunda mão, de livros etc. O fim principal,
na "Svãdhyãya", é o de abrir as portas do conhecimento real dentro de nós, junto com a
capacidade de se amparar aquele conhecimento, ao menos limitadamente, por meio da
abertura de uma passagem entre a mente inferior e a superior. Não estou me referindo ao
13
conhecimento das realidades que são adquiridas através dos processos mais elevados de
Samãdhi (êxtase). Estou me referindo ao conhecimento intelectual comum, que está
presente dentro do Ego ou da Individualidade que funciona através do corpo Causal, sobre
os quais podemos sacar se a mente inferior estiver purificada e sintonizada com o Ser
Superior. Este conhecimento é bastante superior aos conhecimentos de segunda mão,
comuns, que são adquiridos dos livros, observação etc., porque provém de uma fonte
superior e está livre de erros comuns, incertezas e distorções, que são uma característica
do conhecimento indireto, derivados pela mente concreta de fontes externas. Assim
sendo, todos os artifícios, métodos e práticas, tais como a reflexão, meditação, "japa" etc.,
que possuem a propriedade de abrir o canal entre a mente inferior e a superior, vêm com
"Svãdhyãya", e o principiante deve fazer deles um uso progressivo à medida que os seu;
interesses e capacidades aumentam.
"Tapah" é geralmente traduzido como austeridades, mas isto dá uma impressão
errada sobre a natureza real e essencial desta característica da Ioga preparatória. Esta
palavra é derivada do termo sânscrito "tapa”, que significa esquentar até uma temperatura
elevada, a fim de remover as impurezas de qualquer coisa. Se o ouro que não for puro é
aquecido até uma temperatura elevada, todas as suas impurezas são gradualmente
queimadas e eliminadas, restando só o metal sem liga. Esta é a ideia que está por traz de
"tapah", que em termos amplos significa a disciplina de nossa natureza inferior, com o
objetivo de purificá-la, removendo toda a escória de fraquezas, impurezas, complexos,
distorções e tc., de modo que a nossa mente e corpo possam ficar puros, harmoniosos e
obedientes à nossa vontade, atuando como instrumentos eficientes do Ser Superior.
"Tapah", assim, consiste na transmutação daquela natureza inferior em superior, por um
processo de autodisciplina. Podem ser usadas austeridades de várias espécies, devendo ser
usadas quando isto é absolutamente necessário, apesar de não consistirem em uma parte
essencial do processo. A purificação e controle podem ser exercidos por métodos mais
inteligentes e efetivos do que pela observância de votos rígidos e submetendo os corpos a
desconfortos e sofrimentos desnecessários. Cada aspirante deve usar inteligentemente os
seus próprios métodos individuais.
Quanto ao que diz respeito a "Ishvara-Pranidhãna", que se traduz na auto-entrega a
Deus, na realidade corresponde a um aspecto da devoção e num método efetivo para
desenvolvê-la. Em três artigos anteriores.; (-) já tratei sobre os problemas do
desenvolvimento e da devoção ou o amor a Deus, que já nos podem dar uma ideia, não só
da meta da senda do Amor e do estado de devoção, como, também, sobre os métodos que
devem ser observados a fim de desenvolver este lado da nossa natureza. Todo este
conhecimento precisa ser posto em uso de forma perseverante e séria, a bem de produzir
resultados. Mas requer prática, sinceridade e uma determinação indomável para haver
sucesso, pois a devoção não aparece em nós facilmente. Somos testados e experimentados
até o limite máximo, e isto pode nos levar a contínuos desânimos. Mas quando ela surge,
transforma a nossa vida, enche-nos de alegria e exaltação ao ponto de sentirmos que os
sacrifícios, esforços e sofrimentos pelos quais passamos nada representam quando
comparados com as bênçãos que recebemos e a graça de Deus que desce sobre nós.
Podeis constatar, portanto, que este "sûtra" de cinco palavras possui um alcance
14
muito vasto e estabelece um método muito compreensivo para a nossa preparação, com
vistas aos estágios mais altos da vida iogue. Ele cobre praticamente cada aspecto da nossa
natureza. Se os métodos que nele estão implícitos, em sua tríplice disciplina, forem
seguidos sincera, cuidadosa e entusiasticamente, ele tanto transformará a nossa natureza e
corpos inferiores em um instrumento adequado para o Ser Superior, como abrirá novas
perspectivas de realização, libertará energias e potencialidades que nem suspeitávamos
estarem ocultas dentro de nós.
Se começarmos a praticar essas coisas que aprendemos, a nossa vida imediatamente
se transformará e, então, cessaremos de conjeturar se é possível a prática do "Samidhi", se
somos capazes de desenvolver o amor ao ponto de podermos alcançar algum grau de
união com o Objeto de nossa devoção. Citando novamente o exemplo de um estudante que
tomou a determinação de converter-se em um grande matemático, é pelo fato dele
começar fazendo adições na aritmética comum que se interessará pela matemática,
cessando de preocupar-se com os cálculos integrais e diferenciais, que irá aprender mais
tarde, no devido tempo. Apesar de ter constantemente em pensamento a meta final, ele
não perde o seu tempo e energia pensando sobre coisas que no momento não lhe dizem
respeito. O trabalho no qual está empenhado é tão absorvente e interessante que lhe basta
para o momento.
O trabalho criador, de qualquer espécie, é o que dá alegria de viver. E a transformação
de nossa natureza pelos métodos da Ioga preparatória é um trabalho criador da mais
elevada ordem, mais real e mais dinâmico do que fazer uma estátua ou pintar um quadro.
Estes artistas estão lidando com coisas mortas, ao passo que o homem, quando trabalha
para fazer a imagem do seu Ser Real emergir de dentro de sua natureza inferior, está
lidando com uma coisa viva e Real. Um problema da vida está sendo resolvido. Um quadro
vivo do que seremos no futuro está seu do pintado. Uma nova estátua, representando a
nossa futura perfeição, está sendo cinzelada do mármore bento de nossa natureza inferior.
Esta criação Divina neste trabalho é que transforma a nossa vida em uma canção, a
despeito das perturbações e tribulações pelas quais possamos passar na periferia de nossa
consciência, no mundo externo. Constitui um processo vivo, de um botão que tenta se
abrir em flor, com toda a alegria natural, que sempre está presente em tais processos
naturais de desenvolvimento. Estamos tentando trazer o futuro para o presente. Estamos
nos convertendo naquilo que somos. Não sabemos o que irá ser a estátua, mas Aquele que
é o nosso mais interno Ser o sabe, e sentimos a Sua Mão dirigente ao pegarmos o cinzel e
começarmos a trabalhar no·bloco de mármore da nossa natureza grosseira. Os que são
artistas conhecem a alegria de pintar um quadro ou de escrever um poema. Estão
capacitados a avaliar a satisfação de apresentar uma imagem viva do que poderá ser o
Divino potencialmente oculto dentro de nós. Um quadro é uma coisa morta; uma estátua é
uma coisa morta; mas esta coisa viva que gradualmente começa a emergir de dentro de
nós é um ser Divino, de potencialidades infinitas, que cada vez mais se converte em um
veículo do amor, conhecimento e poder Divinos. A imagem completa poderá ainda estar no
futuro, invisível e desconhecida, mas este trabalho criador em trazê-la à existência é que
transmite alegria e entusiasmo nas lides da Ioga preparatória.
E nesse trabalho, a idade não faz diferença, as circunstâncias, até mesmo a morte,
15
não fazem distinção. O trabalho pode prosseguir continuamente, mesmo após a morte, se
a nossa mente estiver voltada para aquela direção, pois o nosso objetivo ou meta está
dentro de nós e aí sempre permanece onde quer que estejamos. Pois todas essas coisas
externas pertencem ao mundo fenomênico e agora tomamos a direção da Estrela Eterna
de nossa Alma, que está oculta dentro de nós, guiando-nos para Si mesma. É isto o que
significa a Ioga preparatória, potencialmente, para qualquer um que empreender esse
trabalho com afinco.
O segundo capítulo dos "Ioga-Sutras" nos dá tanto uma ideia acerca da natureza da
preparação necessária para começar com a prática avançada da Ioga como delineia, muito
sistemática e logicamente, a filosofia sobre a qual a técnica está baseada. Esta filosofia da
Ioga é atribuída como derivada da filosofia Sãnkhya, um dos seis sistemas principais da
filosofia hindu. Não há dúvida que ela se assemelha muito ao sistema filosófico Sãnkhya.
Contudo, existem certas diferenças fundamentais que não podem ser ignoradas, as quais
têm trazido duvidas a muitos estudantes quanto à existência de alguma verdadeira relação
entre as duas. Quando dois sistemas de filosofia chegam até nós, desde o remoto passado,
e existiram, lado a lado, durante milhares de anos, sem apresentar uma evidência definida
quanto à sua origem, temos muita dificuldade para resolver questões que não são do
interesse somente dos filósofos acadêmicos. Tais questões não são de muita importância
para o aspirante. No que ele está interessado é na técnica prática que arrostou a prova do
tempo e da experimentação, durante milhares de anos, e que pode, por conseguinte, ser
utilizada confiantemente para alcançar o seu objetivo. A filosofia da Ioga proporciona uma
base adequada para essa técnica, e isto é o que importa. A teoria, na qual está baseada
uma ciência experimental, é necessária e importante para correlacionar e integralizar em
um todo as diferenças técnicas que lhe dizem respeito. Mas a verdade ou a validez da
teoria, de maneira alguma afetam a efetividade das técnicas que são utilizadas para efeitos
práticos. Por longo tempo, as leis da eletricidade e os fenômenos elétricos foram usados
para toda a espécie de fins, de maneira muito efetiva. Contudo, a teoria sobre os seu;
fenômenos foi muito incompleta e insatisfatória. Se toda a teoria da eletricidade é agora
considerada como insustentável, em virtude de descobertas que possam ser feitas, toda a
ciência baseada na aplicação das leis da eletricidade e seus fenômenos e;
desenvolvimentos científicos e industriais permanecerá inteiramente não afetada ante
estas novas descobertas, porque essas leis e fenômenos estão baseados em fatos
experimentais e não em conjeturas de qualquer espécie. Tal é o caso da filosofia da Ioga. A
despeito de tudo, constitui uma filosofia magnífica e muito razoável, baseada nas
experiências dos Adeptos. A sua validez, ou qualquer outra coisa não afeta a técnica, ou a
utilidade da Ioga, como uma ciência que desvela os profundos mistérios da vida e descobre
a Realidade dentro de nós.
Procuremos, agora, adquirir uma ideia geral e clara quanto à filosofia, sobre a qual
está baseada a técnica da Ioga de Patanjali. Esta filosofia está exposta no segundo capítulo,
passo por passo, em 26 "sûtras", desde o 3º ao 28º. Não temos aqui a possibilidade de
tratar detalhadamente sobre todos os "sûtras", e só podemos apresentar um esboço
geral das ideias que contêm e as ligações dos elos de razonamento sobre os quais a
filosofia está baseada.
16
A filosofia começa com o problema dos sofrimentos humanos, das limitações e ilusões
que envolvem todos os seres humanos, com muito poucas exceções. O "sûtra" que
condensa este fato patente da vida humana é o II-15:

"Para as pessoas que desenvolveram a discriminação, todo o


sofrimento é proveniente das dores resultantes de alterações,
ansiedades e tendências, assim como consequência dos conflitos
entre as tendências naturais que o homem encontra em sua
natureza e nos pensamentos e desejos que prevalecem em um
determinado período de tempo".

O "sûtra" foi traduzido livremente, a fim de apresentar mais claramente a sua


significação. Algumas pessoas tenderão a considerar esta sua afirmação como algo amplo e
demasiado pessimista, mas requer um exame cuidadoso e profundo para que seja
compreendido quão verdadeira ela é. Todos os grandes Mestres começaram deste fato
básico da vida humana e, portanto, podemos admitir a exatidão da afirmação feita neste
"sûtra".
A pergunta seguinte que surge é esta: Admitindo que existe um grande sofrimento na
vida humana, será possível evitá-lo ou livrarmo-nos dele? A resposta é perfeitamente clara,
inequívoca e enfática. Está dada no "sûtra" II-16:

"O sofrimento que ainda não


chegou, pode e deve ser evitado".

Esta é a espécie de resposta que uma verdadeira filosofia de vida deve dar. Qual é a
utilidade de uma filosofia ou de uma religião que proclama os sofrimentos e as limitações
da vida sem oferecer uma solução real, sem apresentar nenhuma esperança de libertação
destes sofrimentos? Contudo, muitas de nossas filosofias modernas são desta ordem.
Levantam as questões sem respondê-las; oferecem remédios que são meros paliativos ou
que nem remédios são.
Após afirmar que os sofrimentos da vida podem ser evitados ou transcendidos, a
filosofia prossegue analisando a causa do sofrimento. Isto é uma outra prova de sua
profundidade e efetividade. Se estiverdes sofrendo de alguma doença ou mal-estar podeis
atacá-los de duas maneiras: Aplicando paliativos que removerão os efeitos sintomáticos
dolorosos da doença, parcial e temporariamente, ou adotando a atitude mais efetiva e
sensata, indo até a causa da doença e ali eliminá-la. Só desta maneira é possível erradicar
completamente a enfermidade, e para sempre. A filosofia da Ioga adota esta última
atitude. Vai até a causa do sofrimento e limitações humanos e indica um remédio que
remove a causa da doença e, portanto, elimina-a total e finalmente. A análise da causa do
sofrimento humano é dada na teoria dos "kleshas", que formam uma cadeia de causas e
efeitos que possui cinco elos. São chamados de "Avidyã", ou Ignorância Primária; "Asmitã"
ou identificação da Consciência pura, a qual está livre, é Auto-suficiente e Auto-existente
em relação aos atavios, com os quais se envolve quando entra em manifestação. O terceiro
17
e o quarto elos são "Rãga" e “Dvesha", que significam atrações e repulsões de várias
espécies, as quais surgem como consequência desta identificação da Consciência com os
seus veículos e ambiente, e que criam laços subjetivos para prender o indivíduo aos seus
veículos e ambiente. O último elo é o efeito final desta cadeia de causas e efeitos. É
chamada de "Abhinivesha" e significa a aderência instintiva a vida mundana e aos prazeres
do corpo, assim como o medo de sermos privados deles pela morte. Podeis ver, portanto,
que a primeira causa é "Avidyã" , ou ignorância, e o último efeito é a vida humana levada
dentro de limitações e ilusões de várias espécies. Não entraremos em detalhes, mas há um
ponto que pode ser esclarecido antes de prosseguirmos. "Avidyã” não é aquela espécie
comum de ignorância, ou mesmo aquela ignorância usada em sentido filosófico geral. É
um termo técnico, que realmente significa a carência de percepção da nossa natureza Real.
O motivo pelo qual ficamos envolvidos na manifestação foi porque perdemos a percepção
da nossa natureza Real. Assim, portanto, "Avidyã" é a causa instrumental da involução da
Mônada em manifestação. O motivo pelo qual ela fica envolvida na manifestação, ou o
modo como isto aconteceu, constituem, realmente, perguntas derradeiras que estão fora
do domínio do intelecto. Talvez possamos ter uma resposta a estas questões somente
quando recuperarmos a nossa percepção da Realidade na Libertação. Temporariamente,
consideremos como um fato o termos sido envolvidos, sendo necessário e recomendável
que saiamos fora destas condições e limitações indesejáveis nas quais nos encontramos.
É óbvio que esta carência de percepção de nossa verdadeira natureza ou Realidade
constitui a causa real de nossa escravidão subjetiva ou de estarmos envolvidos na
manifestação. O único remédio permanente, portanto, será readquirir esta percepção da
Realidade ou o conhecimento de nossa verdadeira natureza Real. Este é o elo de ligação
seguinte na cadeia de razonamento sobre a qual a filosofia da Ioga está baseada. Chamo
a atenção para o efeito final, em forma de sofrimentos humanos, tem ligação com a
causa Primária na forma de perda de percepção da Realidade; portanto, a única maneira
de serem transcendidos os sofrimentos é readquirindo, permanente e completamente,
essa percepção da . Realidade. Isto consta no "sûtra" II-26:

"A prática de percepção ininterrupta do Real é


a maneira de terminar com "Avidyã".

Não são oferecidos nenhum paliativo, ou soluções temporárias, como fazem a maioria
das filosofias modernas.
A próxima pergunta naturalmente é: Como praticar esta percepção da Realidade? A
resposta é dada no “sûtra" II-28:

"Com a prática. dos competentes exercícios de Ioga.


Conseguindo-se a destruição da impureza, surge a iluminação
espiritual, que se converte em percepção da Realidade".

E isto é completado pelo "sûtra" 29, que recomenda·os oito bem conhecidos
18
exercícios ou práticas da técnica da Ioga.
Condensadamente, esta é a filosofia da Ioga; Mostra realmente como a Mônada foi envolvida
na manifestação com perda de sua natureza Real, o que leva a identificar-se com seus veículos e
com tudo o que está ligado a eles. Esta identificação leva ao desenvolvimento de toda a sorte de
ligações pessoais, liames de atrações e repulsões com as pessoas e as coisas deste mundo. É isto o
que dá origem a toda a espécie de experiências, que são a fonte do sofrimento, efetivo ou
potencial. A filosofia, então, aponta o método de Libertação, o qual, naturalmente, é o inverso de
todo o processo de involução e termina com a Mônada readquirindo a percepção de sua natureza
Real. A Ciência da Ioga nada mais é do que técnica por meio da qual isto pode ser consumado,
sistemática e cientificamente.
A afirmação acima meramente lança os princípios que dizem respeito à involução da Mônada
e a libertação das condições indesejáveis, quando os seus olhos internos começam a abrir e ela
percebe a verdadeira natureza da vida nos planos inferiores e a necessidade e possibilidade de
libertar-se dessas condições. O método efetivo de liberdade e as diferentes técnicas a disposição
do aspirante é uma questão de detalhes que podem ser aprendidos com o estudo minucioso da
Ioga. O aspirante pode fazer um estudo cuidadoso desses métodos e aprender como aplicar esse
conhecimento ao seu caso individual, na melhor forma que possa. O importante é fazer um
empenhado começo, com intenção pura. Quando isto é feito, todas as forcas da Natureza
começam a cooperar e ajudar o aspirante em seu esforço, mesmo se, aparentemente, pareçam
estar bloqueando e dificultando os seus esforços. Isto nada mais é do que a maneira pela qual a
Natureza experimenta o nosso empenho, fazendo aflorar a nossa força e poderes ocultos.
Precisamos aprender a perseverar ante as dificuldades e, se formos pacientes, encontraremos a
senda abrindo-se na nossa frente, com oportunidades inusitadas e inesperadas, chegando até nós
de diferentes maneiras.
Mas ainda há um ponto que gostaria de deixar claro a este respeito. Muitos de nós nos
preocupamos desnecessariamente sobre quando devemos começar ou sobre qual a senda
que devemos seguir. Quanto à pergunta de "Onde devo começar?" a resposta é: começa em
qualquer parte, mas começa imediatamente. A senda que leva à Realidade não é uma
estrada batida, que precisamos encontrar antes de entrar nela com o carro. É um caminho
sem rastro, que se abre dentro de nós, no qual podemos entrar em qualquer ponto de
tempo ou espaço, que deveria ser "Aqui e Agora".
Existe um grande número de equívocos quanto à questão de seguir um determinado
caminho, um dos três caminhos, do conhecimento, da devoção e da ação. Os aspirantes
pensam que precisam seguir um deles, do princípio ao fim, e, assim, preocupam-se
desnecessariamente sobre a qual deles pertencem. O fato é que esses diferentes caminhos
não são rotas diferentes que tomamos para alcançar a nossa meta. Na realidade, não são
caminhos diferentes e separados que levam a um fim comum, apenas são diferentes
espécies de técnicas consignadas para despertar ou desenvolver aspectos diferentes de
nossa natureza Divina.
Evidentemente, a perfeição implica em um desdobramento harmônico e uniforme de
nossa natureza Divina. Não pode haver nenhuma perfeição real definitiva de nossa
natureza Divina se existir um lado assimétrico, uma desarmonia ou deficiência de qualquer
espécie. Assim sendo, cada aspecto de nossa natureza Divina precisa ser desabrochado e
19
precisa estar presente em sua forma desenvolvida, na perfeição final que é alcançada.
Mas, apesar da perfeição final precisar apresentar todos esses aspectos diferentes de
nossa natureza em uma forma desenvolvida, esses diferentes aspectos melhor se
desenvolvem pela concentrado em um determinado aspecto durante certo tempo. São tais
as verdadeiras condições da vida humana, que podemos desenvolver um aspecto em grau
intenso sob um determinado conjunto de circunstâncias. Mas isto não quer dizer que não
devemos desabrochar esses diferentes aspectos de maneira equilibrada e harmônica,
sendo inevitável que os outros aspectos terão um lugar subordinado em nossa vida,
durante certo tempo.
Esta necessidade de concentração sobre um determinado aspecto durante certo
tempo é que tem dado lugar ao equívoco de que somos temperamentalmente adaptados
para trilhar uma determinada senda e que precisamos segui-la se queremos que nossos
esforços sejam bem sucedidos. Na realidade, essas condições diferentes de mente,
emoções e desejos que indicam a nossa adaptação a um assim chamado caminho - "Jnãna,
Bhakti ou Karma" - não passam de fases de nosso desenvolvimento interior e, por isso, não
devemos hesitar em tomar um rumo diferente se sentirmos uma tendência forte para
fazê-lo. Não se trata de uma questão de seguir um determinado caminho, mas de seguir
uma determinada técnica ou, melhor dito, dar uma ênfase especial a uma técnica
determinada durante certo tempo, de acordo com as necessidades do nosso
desenvolvimento interno. O desenvolvimento harmônico não significa um
desenvolvimento ao longo de todas as linhas com a mesma intensidade. Significa que não
permitimos que qualquer aspecto de nossa natureza fique retardado a tal ponto que
comece a afetar o nosso equilíbrio, a nossa eficiência e a impedir o nosso progresso geral.
Este fato de nossa passagem através de fases diferentes de nosso desenvolvimento, e
da adoção de técnicas diferentes em tempos diferentes e que parece dar-nos a impressão
de que estamos trilhando por diferentes caminhos, pode ser ilustrado pelo seguinte
diagrama:

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Podemos começar de qualquer lugar e, após seguir um determinado rumo com toda a
intensidade, trocar de direção, por uma outra linha em uma mesma ou diferente
encarnação. Seguimos essa linha durante algum tempo e mudamos novamente para outra.
Ficamos assim, capacitados a dar ênfase a todos os aspectos, por turnos, e a desenvolvê-los
harmoniosamente. Essa é a maneira pela qual a Natureza procura evitar que não fiquemos
desequilibrados e que, no final, consigamos uma perfeição uniforme.

21
O SISTEMA DE IOGA DE PATANJALI

Existem diferentes sistemas de Ioga no Oriente. Melhor dito, existem diferentes


espécies de técnicas de Ioga, que são empregadas, de diferentes maneiras, visando a meta
do ideal iogue - a Auto-Realização. Algumas destas técnicas são de menor importância e de
alcance limitado. Podem produzir certos resultados exíguos e conduzem o aspirante
somente um pouco além, ao longo do caminho. Outras são de natureza mais fundamental,
e geralmente fazem parte da maioria dos sistemas de Ioga mais importantes. As pessoas
que não estão familiarizadas com essas coisas não podem distinguir as suas diferenças e,
frequentemente, procuram praticar alguns pequenos e limitados exercícios, supondo que
estão praticando a Ciência da Ioga, alimentando a esperança de concretizarem as suas mais
elevadas aspirações por meio deles. Esta é a razão pela qual é necessário um estudo
profundo e cuidadoso da filosofia e da técnica da Ioga, no seu mais amplo sentido, antes de
o estudante praticar a Ioga com toda a seriedade e empenho.
O "SISTEMA DE IOGA DE PATANJALI" é um sistema sintético, que procurou combinar
em um conjunto integral algumas dessas técnicas maiores e menores, a bem de
constituírem um sistema tão efetivo, auto-suficiente e útil quanto possível. E, ao
considerar essas técnicas, apresentou-as dentro de uma perspectiva correta. Quer isto
dizer que, tanto quanto possível, deu importância a uma determinada técnica o sistema,
de acordo com a sua efetividade e ao valor do papel que desempenha para a obtenção do
alvo final. Algumas das técnicas menores, que, pelos seus entusiastas e mal-informados
seguidores, são consideradas como representando a Ioga, são mencionadas apenas em um
ou dois "sûtras", enquanto que outras técnicas, de natureza mais fundamental, são
profusamente estudadas.
Assim sendo, muitos métodos de disciplinar a mente (mãnasha stihiti-nibandhani),
que são recomendados na"prática de um princípio" (ekatattvãbhyãsah), segundo o "sûtra"
I-32, ao serem bem escrutinados, evidenciarão não serem mais do que princípios
subjacentes de sistemas menores de Ioga, os quais são praticados por pequenos grupos,
geralmente ligados a um mestre individual. Patanjali distribuiu generalizadamente esses
sistemas em um simples "sûtras" e dedicou quase uma terça parte do livro à consideração
da técnica do "Samãdhi" (êxtase), que é a técnica mais fundamentalmente essencial e mais
elevada da verdadeira Ioga, e que leva à mais alta meta da Auto-Realização.
De modo geral, pode ser dito que o sistema de Ioga, incorporado nos "Yoga-Sûtras",
consiste de uma integração harmoniosa dos cinco principais sistemas de Ioga que
prevalecem no Oriente "Rãja Yoga", "Jnãna Yoga", Karma Yoga", "Bhakti Yoga" e "Hatha
Yoga". Foram escolhidas as técnicas essenciais desses diferentes sistemas, procurando
combiná-las em um sistema harmonioso, efetivo, progressivo e sistemático, que pudesse
vir de encontro às necessidades de todos os aspirantes em diferentes estados de
desenvolvimento. O seu valor está baseado na sua compreensibilidade e na ênfase dada às
coisas essenciais, com a exclusão de todos os métodos de práticas não essenciais. É por
esta razão que constitui o sistema mais útil e efetivo de Ioga e que sobreviveu às provas do
22
tempo e da experiência.
Da "Bhakti Yoga" foi tomada a técnica da auto-entrega, que é o caminho mais
essencial e mais efetivo de provocar a fusão da consciência entre o amante e o Amado. Da
"Karma·Yoga" foi tomado o princípio de "nishkãma karma", que capacita ao aspirante
ultrapassar o plano dos desejos inferiores e quebrar os liames que o prendem aos planos
inferiores da existência. Foram tiradas da "Hatha Yoga" as práticas de "ãsana",
"prãnãyãma" e "pratyãhãra", que são essenciais para a eliminação das perturbações
causadas na mente pelo corpo físico, adaptadas suas técnicas para os propósitos da Ioga
Superior. Foram tiradas da "Jnãna Yoga" a prática de "viveka" (discriminação) e de
"vairãgya" (não ligação), sobre as quais está essencialmente baseado todo o sistema da
"Jnãna Yoga". A necessidade e importância de "viveka” e "vairãgya” podem ser
constatadas do fato de que, mesmo na mais elevada espécie de “Samadhi" (dharma-
megha-samãdhi), preconizadas no “sûtra” IV - 29, estas duas armas da armadura do iogue
precisam ser usadas.
Mas, como o sistema de Patanjali está, predominante e essencialmente baseado na
"Raja Yoga" (Ioga Real), o “Samãdhi" é a sua técnica mais essencial e importante. Este
êxtase ocorre e é usado, também, em outros sistemas de Ioga, mas é a técnica da “Rãja
Yoga" , "parexcellence”. Em nenhum outro sistema de Ioga o "Samãdhi” é usado tão
sistemática, científica e deliberadamente para ser conseguido um resultado
predeterminado, tal como a expansão . da consciência humana de um nível de realidade
para outro, até que ela entre no fundo do coração, reino da Própria Real idade. Eis porque
foi dada tanta importância ao "Samãdhi" no sistema de Patanjali, acompanhado de tantos
detalhes. Não obstante a natureza transcendental de tal experiência e a impossibilidade de
conhecê-la exceto pela experiência direta, na profundidade de nossas consciências,
Patanjali ressaltou detalhadamente seus vários aspectos e estágios experimentais,
capacitando ao futuro iogue adquirir uma ideia bastante compreensiva acerca da técnica,
mesmo que não possa praticá-la, até que tenha alcançado o estágio necessário de
desenvolvimento mental e espiritual, e adquirido as qualidades precisas para entrar no
reino da Ioga Superior. O aspirante deve tentar a preparação de um sólido amparo teórico
de ordem geral e possuir uma ideia clara acerca da filosofia e da técnica da Ioga, a fim de
evitar a tendência de simplificar demasiadamente os seus problemas, a possibilidade de
perder o rumo e entrar em um beco sem saída.
O sistema de Ioga tratado nos “Yoga-Sûtras" de Patanjali é chamado “ãshtãnga", que
quer dizer: "com oito membros".
A significação comum da palavra "anga" é "membro", uma parte constituinte do
corpo. No caso presente, obviamente significa as oito subdivisões em que a técnica iogue
foi dividida. O número de subdivisões, assim como a natureza das partes constituintes, é
diferente nos também diferentes sistemas de Ioga.
As oito subdivisões da técnica da Ioga estão enumeradas no "sûtra" 29, capítulo II,
como segue:
"autodomínio, observância fixa (para autodisciplina), postura,
regulação e controle de "prãna”, abstração, concentração,
contemplação e êxtase, são as oito subdivisões da técnica iogue."
23
Consideraremos brevemente essas práticas a fim de obter uma ideia geral da técnica
iogue. Para os detalhes, o estudante pode consultar o comentário sobre os "sûtras" mais
importantes. Precisamos levantar uma pergunta, que deve ser respondida antes de
estudar, uma por uma, essas diferentes práticas. Deverão ser considerados como estágios
progressivos na prática da Ioga ou como técnicas independentes que podem ser praticadas
separadamente?
Considerando a própria natureza das práticas, é evidente que existe uma certa
sequência de relação entre elas. Por exemplo, a concentração (dhãranã), a contemplação
(dhyãna) e o êxtase (samadhi) precisam ser praticados nesta ordem, pois são três estágios
progressivos do mesmo processo. Similarmente, o autodomínio (yama); a observância para
a auto disciplina (niyama); a postura (asãna); a regulação e controle de "prãna"
(prãnãyãma); e a abstração (pratyãhãra), também devem vir na mesma ordem, porque a
prática bem sucedida de qualquer uma destas técnicas depende ao menos de um domínio
parcial de técnicas prévias. Por exemplo, não podemos praticar "prãnãyãma'" se não
tivermos praticado "yama-niyama" e adquirido um certo grau de controle sobre as
emoções e desejos. Igualmente, a concentração (dhãrãnã), a contemplação (dhyãna) e
êxtase (samãdhi), não podem ser praticados sem a eliminação, ao menos, dos desejos
comuns, os quais exercem grande pressão sobre a mente. Mas para aquele que não
tenciona passar por uma prática sistemática da Ioga Superior, é possível praticar qualquer
uma das técnicas independentemente, até certo ponto, apesar de que considerar isto
difícil. Em breve compreenderá que precisará aumentar os seus esforços e atender
também à prática dos demais exercícios correlatos. De qualquer forma, consideraremos
essas diferentes técnicas dentro da ordem que foram dadas no referido "sûtra".
Começaremos, portanto, com "yama" e "niyama", que são a base da vida iogue. O seu
objetivo é a formação da devida espécie de caráter e do equilibrado estado mental, que
são condição "sine qua non" para uma séria prática de Ioga. A linha divisória entre "yama"
e "niyama” não está bem definida, porque ambas realmente são para transmutar a
natureza inferior em um instrumento puro, harmônico, calmo e completamente
controlado do Ser Superior. Ambas produzem este resultado em diferentes caminhos, mas
o objetivo é o mesmo. Os dois "sûtras" que numeram as características e estados mentais
que precisam ser desenvolvidos para proverem os vários fundamentos morais, intelectuais
e espirituais para um treinamento iogue, estão transcritos mais abaixo. Em cada um deles,
estão incluídas cinco características ou práticas, e o escopo de "yama" e "niyama" estão
definidos até certo ponto.

"Os votos de autodomínio, chamado "yama", constam de


abstenção da violência, falsidade, roubo, incontinência e da
ganância". (II-30).
"A pureza, o contentamento, a austeridade, o estudo de si
mesmo e a entrega a Deus constituem "niyama", ou as
observâncias fixas vara a autodisciplina." (II-32).

Maiores detalhes sobre as práticas preconizadas por "yama" o estudante pode


24
encontrar consultando qualquer dos comentários sobre os "Yoga-Sûtras". Neste artigo, só
podemos considerar alguns poucos pontos de interesse geral a seu respeito.
Apesar dessas práticas afetarem diferentes características e atitudes, não deve ser
esquecido que a vida humana não pode ser dividida em compartimentos estanques e que
todos os aspectos da nossa natureza estão diretamente interligados, não podendo ser
tratados separadamente, conforme já foi dito antes. Os problemas de nossa mente e
caráter precisam ser tratados conjuntamente, apesar de que, às vezes, podemos dar uma
particular atenção a algum determinado aspecto de nossa natureza, a fim de eliminar certa
fraqueza ou tendência. Isto também quer dizer que, ao tratar de nossa natureza inferior,
não devemos limitar os nossos esforços somente àquelas fraquezas comuns que estão
mencionadas na aqueles dois "sûtras". Por exemplo, não devemos supor que estamos
livres de ter indulgência com a raiva, a inveja etc., só porque essas fraquezas humanas não
estão especificamente mencionadas nos "sûtras" sôbre "yamaniyama". Se assim fizermos,
toda a energia, que encontra expressão em certas enraizadas tendências, abrirá novos
canais e aparecerá como uma nova colheita de tendências indesejáveis que pensávamos
não mais existissem em nós. O fato é que as duas qualidades mentais, chamadas
especificamente "saucha" e "santosa" (pureza e contentamento), em "niyama”, abrangem
todas as demais tendências indesejáveis, que não estão especificamente mencionadas em
“yama”, e se ambas forem praticadas inteligente e sinceramente, estaremos
desenvolvendo uniformemente o estado de mente e caráter corretos e não de maneira
desequilibrada.
O segundo ponto que deve ser mencionado é que nenhuma percepção introspectiva
do ser é necessária para erradicar as tendências indesejáveis acima mencionadas. As
recomendações devem ser executadas sem o razonamento ou análise dos nossos motivos.
Por exemplo, se somos tentados a dizer uma mentira, não devemos debater em nossa
mente se uma determinada circunstância justifica dizer uma inverdade, ou procurar
encontrar quais são as nossas razões para mentir, ou, ainda, procurar perceber o estado de
nossa mente naquele momento, Devemos, simplesmente, pôr de lado todos os nossos
pensamentos ondulantes, dizendo ou fazendo a coisa certa sem discussão. Só é necessária
esta percepção comum de nossas atividades e tendências mentais, e se nos determinamos
a fazer a coisa certa, podemos fazê-lo sem nenhuma dificuldade. Por esta razão é que, no
"sûtra” II-31, Patanjali não deixou nenhuma brecha pela qual possamos escapar. Esses
votos devem ser observados em qualquer circunstância, sem hesitação ou dúvida
interferindo na execução da ação reta, do pensamento certo e da emoção correta. Esta
nossa natureza inferior é uma entidade muito astuta e costuma engendrar toda a espécie
de estratagemas para engenhosamente nos induzir a fazer a coisa errada e a continuar
trilhando maus caminhos. Apresenta às nossas mentes toda a sorte de justificações para
agir errado; reveste-se com mantos de retidão para ocultar motivos e ações essencialmente
falsos; disfarça o ódio em amor e tenta enganar-nos, de inumeráveis modos, se temos o
hábito da hesitação, debatendo ou contemporizando com o mal. É este fenômeno, que
ocorre dentro de nós, aquilo que deu motivo para surgir o mito do demônio, sempre nos
tentando e fazendo pecar. O remédio é definido e muito efetivo. Decida-se, de uma vez por
todas, a fazer somente o que for certo, de acordo com o seu discernimento e em todas as
25
circunstâncias; não transija com o mal ou o erro, sejam quais forem as consequências;
procure firmar-se, durante certo tempo, nas decisões tomadas e, então, verá quão
rapidamente desaparecerá de sua vida a tentação de agir ·mal. Será substituída pela
tendência de fazer o que é direito, que é a maneira mais fácil e natural de viver. A dúvida, a
hesitação e o debate mental não só retardam a ação certa como criam constantes conflitos
internos, que atormentam a vida daqueles que permitem a acomodação com o mal,
mesmo que só uma ou outra vez. Mesmo no mundo externo encontrareis um fenômeno
psicológico muito comum. Os que se comprazem com o mal, sempre são tentados por
outros a fazer coisas más ou erradas, o que não acontece com os demais que a isto se
opõem. Um homem corrupto, habituado ao suborno, sempre encontrará quem o tente a
fazer coisas indesejáveis por dinheiro, ao passo que ninguém procurará tentar um homem
realmente honesto e incorruptível. Existe uma lei moral subjacente regulando a vida em
toda a parte e, no caso dos indivíduos, as suas circunstâncias externas quase sempre
refletem os seus estados mentais interiores e atitudes.
Uma grande vantagem de proceder retamente, de modo automático e sem hesitação,
é que os aspectos mais sutis de nossas más tendências começam a ser percebidos por nós.
Isto é devido ao fato de que a purificação gradativa da mente e·das emoções permite que a
luz de Buddhi filtre-se mais facilmente através da mente e permite-nos ver as coisas mais
claramente e com um senso maior de discriminação. Assim, o percebimento certo de nossa
natureza real e estado mental chega naturalmente e de maneira mais efetiva, ajudando-
nos a erradicar até mesmo as formas mais sutis de nossas más tendências, do que nem nos
apercebíamos antes.
Considerando superficialmente as cinco qualidades enumeradas como "yama", poderá
parecer que elas não representam um código de moral mais elevado. Afinal de contas, a
abstenção de mentir ou de roubar não representa necessariamente um nível muito alto de
moralidade. Mas Patanjali apenas apresentou as formas mais grosseiras das tendências
más, a fim de que qualquer pessoa possa vê-las e removê-las, se nisso tiver empenho. É
pela eliminação das formas mais grosseiras que ficamos apercebidos das mais sutis e
capacitados a eliminá-las mais tarde. Não há outra maneira. Que essas qualidades devem
ser desenvolvidas no mais alto grau e que até as formas mais sutis devem ser erradicadas,
consta claramente dos dez "sûtras", que são dados mais adiante para descrever os
resultados do desenvolvimento destas dez virtudes até o mais elevado estado de perfeição
possível. Nestes dez "sûtras", que abordam os dez elementos de "yama-niyama", vereis não
só o limite que podemos atingir no desenvolvimento dessas virtudes como, também, as
potencialidades maravilhosas que jazem ocultamente nessas coisas comuns. Aqui não
necessitamos entrar nesta questão interessante, mas um estudo cuidadoso do problema
ajudará o estudante a perceber que potencialidades estão ocultas na retidão, e o que
podemos conseguir através do hábito simples, mas invariável, de fazer a coisa certa em
quaisquer circunstâncias, a despeito de quanto possa custar-nos no momento. Uma vez
conseguido isto, corretamente se convertendo em"dharma nisht", constitui uma grande
conquista, pois não só é necessário para ser levada uma vida iogue, como, também,
constitui em grande parte a vida do iogue, tornando a prática da Ioga Superior
extraordinariamente fácil e segura. Esta retidão é que desenvolve a sabedoria e a
26
iluminação espiritual, referidas no "sutra" II-28. "Jnãna-dipith", mencionado neste "sûtra", é
um outro nome para a Luz do Caminho. E esta sabedoria nos confere muitas bênçãos, que
são o fruto da Ioga preliminar: paz, força, libertação do conflito, das preocupações e auto-
suficiência.
Existem outros "sûtras" sobre "yama” e "niyama", mas não há necessidade de estudá-
los aqui. Existe, entretanto, um "sûtra" que é de grande valor prático e que poderemos
examinar antes de prosseguir. É o "sûtra" II-33;

"Quando a mente é perturbada por


pensamentos impróprios, o remédio
é pensar constantemente nos opostos".

Qualquer pessoa que se predispõe a transmutar a sua natureza inferior, não acha que
isto seja fácil. Evidentemente, a principal dificuldade é que, apesar do nosso idealismo, de
nossa determinação em eliminar as tendências indesejáveis, elas continuam perturbando-
nos. O que devemos fazer? A primeira coisa é perceber que todas essas tendências estão
enraizadas na mente, mesmo aquelas que têm expressão puramente física. Toda a ação é
precedida pelo pensamento, quer preso na mente consciente ou na inconsciente. A palavra
inconsciente, em vez de subconsciente, foi usada propositalmente, porque o poder
motivador das boas ações provém das regiões mais elevadas da mente. É óbvio, portanto,
que para erradicar essas tendências, precisamos ir para o domínio da mente e tentar
neutralizá-las ai, em vez de simplesmente lutar para evitar a sua expressão externa. Esta
neutralização de uma tendência indesejável em sua fonte mental é o que este "sûtra"
aconselha. Mas o que significa pensar constantemente nos opostos? Não quer dizer
simplesmente pensar em uma coisa de natureza oposta, mas de procurar ter em cuidadosa
consideração o estabelecimento de um ponto de vista oposto. Assim, se odeia alguém,
procure pensar em suas boas qualidades, do seu ponto de vista, sobre as dificuldades pelas
quais possa estar passando. Ou, se tem inclinação para ceder a qualquer espécie de
indulgência, procure pensar no preço em sofrimento que terá de pagar mais tarde. Este
pensar não é somente uma repetição mecânica de pensamento, mas uma análise
realmente sincera e inteligente de seus hábitos e atitudes. Isto deve ser feito não quando a
tendência está em vias de expressar-se, mas quando estiver em estado mental mais calmo
e em situação de refletir friamente sobre o ponto oposto. Nestas condições, o único
método efetivo e seguro que deve ser adotado, conforme foi acima sugerido, é de parar a
expressão, sem pensar, porque é o que deve ser feito, e já resolvestes fazer só o que é
direito. Não é necessário pormenorizar este assunto interessante e podemos passar, agora,
à prática seguinte da técnica iogue, ou seja a "ãsana".
De todas as práticas ligadas à Ioga, talvez as "ãsanas" (posturas) sejam aquelas com as
quais a maior parte das pessoas estão mais familiarizadas. De fato, para um grande número
delas, a Ioga nada mais é do que "ãsanas", as atividades físicas correlatas, que podem ser
exercitadas para aumentar a sua saúde. No entanto, muito poucos sabem qual é o papel
essencial que a "ãsana” desempenha na vida de um iogue. Não tem outra finalidade, na
Ioga Superior, senão eliminar as perturbações que o corpo físico causa a mente. A mente e
27
o corpo de cada indivíduo estão interligados e as atividades e movimentos irregulares do
corpo provocam constantes perturbações na mente, que precisam ser eliminadas ante; de
poderem ser praticados "dhãranã , "dhyãna” e “samãdhi". Assim, o corpo fica imobilizado
em uma postura durante longo tempo. Constatou-se que, como consequência disto, ele
fica insensível a todas as alterações externas, tais como a audição, frio, etc., as quais são
chamadas de "dvandas”. Então, não produzem perturbações na mente, as quais têm sua
origem em tais variações. Isto também prepara o corpo para os dois exercícios seguintes,
"prãnãyãma" e "pratyãhãra".
A prática da Ioga que se segue, "prãnãyãma", também é muito mal compreendida,
especialmente no Ocidente, onde é equiparada aos exercícios respiratórios feitos com o
objetivo de melhorar a saúde do corpo. O "prãnãyãma", quando corretamente praticado,
não melhora a saúde pela maior inalação de oxigênio e, também, em virtude de seus
efeitos benéficos ao sistema nervoso. Não consiste nisso o propósito da Ioga real. O seu
verdadeiro propósito é adquirir controle consciente completo sobre as correntes de
"prãna" no duplo etérico (prãnamaya kosha) assim o capacitando a dirigi-las para onde for
necessário. Isto só pode ser feito por meio de "kumbhaka", a parada completa da
respiração, feita aos poucos. Quando as correntes de "prãna" são governadas, podem ser
usadas para despertar "kundalini" e estabelecer a ligação da consciência do plano físico
com a dos veículos superiores. É neste ponto que aparecem os perigos do "prãnãyãma" e o
motivo por que nunca deve ser praticado sem a orientação de um mestre competente e
sem a preparação prévia adequada.
Um outro uso de “prãnãyãma" é o de preparar a mente para a prática da
concentração. Geralmente, desconhece-se que "prãna" é o elo de ligação entre um veículo
e a mente que funciona através dele. É por meio do "prãna" que a mente opera sobre um
veículo, o qual pode afetá-la por sua vez. As perturbações das correntes "prãnicas”,
portanto, produzem perturbações na mente. Assim, se podemos controlar o “prãna",
podemos eliminar toda a sorte de perturbações, que podem ser produzidas na mente pelo
veículo.
Pode ser visto, assim, que os desejos e toda a espécie de tendências ocultas na mente
subconsciente não são a única fonte de perturbação para a mente. As irregularidades nos
movimentos de "prãna", no duplo etérico, também são a causa de tais perturbações. Os
primeiros são eliminados por "yama" e "niyama", enquanto os últimos são eliminados por
"prãnayãma". O estudante agora pode ver mais claramente por que os seus esforços para
concentrar a mente em sua meditação diária geralmente não são bem sucedidos. A ciência
da Ioga trata o problema de maneira científica e remove primeiramente todas aquelas
fontes de perturbação, antes de começar com a prática de "dhãranã", dhyãna" e
"samãdhi". Para os efeitos da Ioga, o grau ordinário de concentração, que basta para o
trabalho intelectual, não é suficiente. A intensidade e a profundidade de concentração
precisam ser aumentadas progressivamente, até que passem através do estágio seguinte
de contemplação e terminem no último estágio, o de transe, ou "samãdhi". Para que isto
seja feito com sucesso, todas as outras fontes de perturbação, exceto aquelas que se
originam na própria mente, precisam, primeiramente, serem eliminadas sistematicamente
na prática da Ioga Superior.
28
Chegamos, então, à "pratyãhãra", o quinto constituinte da técnica da Ioga. Consta do
“sûtra” II – 54:

"Pratyãhãra, ou abstração, é como se fosse a limitação


dos sentidos da mente libertando-se dos seus objetos".

O significado de "pratyãhãra" não é geralmente compreendido, e toda a sorte de


interpretações têm sido feitas. O verdadeiro significado de "pratyãhãra" só pode ser
compreendido se a considerarmos como uma prática para cortar completamente todas as
ligações da mente com o mundo externo, que são feitas pelos bem conhecidos órgãos
sensoriais os "jnãnenderiyas”, como são chamados em sânscrito. Todos sabem como
entramos em contato com o mundo externo por meio dos sentidos. As vibrações ou
partículas de espécies diferentes colidem com esses órgãos sensoriais e produzem neles
certas reações, as quais são levadas pelos nervos a certos centros no cérebro. Aí, por um
processo misterioso, os impulsos nervosos são convertidos em sensações. A ciência não
pode ir além delas, mas segundo as pesquisas ocultistas, o “prãna” e certos centros, no
duplo etérico e no corpo astral, também desempenham a sua parte neste processo. Não
temos necessidades aqui, de nos alongar sobre isto. Tudo o que precisamos anotar é que a
junção da mente com os centros nervosos, no cérebro ou nos veículos mais sutis, é que
leva à formação da imagem sensorial à mente. Uma corrente contínua de imagens
sensoriais chega à mente enquanto ela está em contato com o mundo exterior através dos
órgãos dos sentidos. É verdade que a mente não toma conhecimento de todas as vibrações
que colidem com eles. Toda a espécie de vibrações sonoras constantemente batem contra
os ouvidos sem que tomemos conhecimento de todas elas. Sabemos que, quanto mais a
mente está absorvida em uma determinada atividade, tanto menos ela percebe tais
vibrações que, contudo, não deixam de estar constantemente colidindo com os órgãos
sensoriais. Mas esse alheamento do mundo por parte da mente, quando concentrada em
algum objeto, é parcial e involuntário, podendo a mente ser sempre perturbada por um
impacto sensorial suficientemente forte provindo do exterior. O objetivo de "pratyãhãra" é
isolar completa e voluntariamente a mente do mundo exterior, de modo que, sempre que
o iogue pretenda ir para dentro de sua mente e se concentrar em qualquer objeto ou
problema, ele possa voluntariamente isolar-se do mundo externo, como que fechando as
portas dos órgãos sensoriais. Então, ele pode se concentrar no problema sem qualquer
possibilidade de distração ou perturbação provocadas pela atividade dos seus órgãos de
sentidos. Estes órgãos ali estão, mas as sensações, que operam através deles, recolheram-
se para dentro da mente. Devemos lembrar que os sentidos são partes da mente e que são
como tentáculos, que a mente projeta no mundo externo, a fim de obter material sensório
a bem do seu desenvolvimento. Ela criou, vagarosa e laboriosamente, os órgãos dos
sentidos e aperfeiçoou-os como seus instrumentos para este trabalho. Em "pratyãhãra", a
mente recolhe para dentro de si os sentidos, quando o iogue deseja praticar "dhãranã",
"dhyãna" e "samãdhi" sem qualquer espécie de perturbação, que possa vir através dos
canais dos órgãos de sentidos.
29
Quanto ao modus operandi de "pratyãhãra", pode-se notar que, parcialmente,
dependerá do grau de concentração da mente. Se ela estiver suficientemente concentrada,
automaticamente poderá isolar-se do mundo externo. Mas, nos estágios bastante
avançados de Ioga, onde um grau muito alto de concentração é necessário durante
períodos prolongados, é tirada vantagem do fato de os órgãos sensoriais funcionarem pela
mediação de "prãna". Assim, pela manipulação das correntes "prânicas", é possível parar o
funcionamento dos órgãos dos sentidos, tal como é possível fazer parar o funcionamento
de um rádio ou de uma televisão. Este é o motivo pelo qual a prática de "prãnãyama”, que
proporciona um controle consciente sobre as correntes “prânicas", precede a prática de
"pratyãhãra”.
Após o entendimento da significação desse "sûtra" assaz enigmático, podemos então,
passar para os três últimos constituintes da técnica da Ioga, que são chamados de
"antaranga", ou internos, para distingui-los dos cinco precedentes , chamados "bahiranga”,
ou externos.
"Dhãranã”, "dhyãna” e “samãdhi”, que não passam de puros processos mentais,
constituem a técnica real e essência da Ioga, ao passo que as outras cinco práticas, das
quais já tratamos, são subsidiárias. Estas últimas meramente garantem a presença das
necessárias condições para praticar "dhãrãna", "dhyãna" e "samãdhi".
A impressão de que a prática do "samãdhi” é uma realização extremamente difícil ou
quase impossível está baseada em um equívoco. Quando tentamos concentrar a nossa
mente, enfrentando dificuldades e condições desfavoráveis que usualmente se
apresentam, geralmente sentimos que fracassamos em conseguir até mesmo um certo
grau de concentração da mente em meditação. Por isso, naturalmente concluímos que a
obtenção de um alto grau de concentração em "samãdhi" deve ser uma tarefa quase
impossível para o homem comum. Realmente o é, se tentamos fazê-lo sem qualquer
preparação prévia. O mesmo acontece com o estudante de matemática que, de início,
queira atacar os problemas de cálculos diferenciais e integrais. Mas, se as bases foram
corretas sistematicamente lançadas, e tenha conseguido passo a passo, não encontrará
nenhuma dificuldade insuperável para resolver os problemas ao atingir estágios mais
avançados. Da mesma maneira, a prática de "dhãranã", "dhyãna" e "samãdhi" torna-se fácil
após ter sido feita a necessária preparação e existirem as condições requeridas para a sua
prática. A mente, essencialmente, é muito fácil de controlar e manipular quando tenha sido
libertada de todos os estorvos, complexos e pressões que a distorcem e tolhem os seus
movimentos naturais e livres. A finalidade de "bahiranga", ou Ioga externa, é fazer isso
cientificamente. "Yama-niyama" elimina as perturbações ocasionadas pelas emoções e os
desejos. "Ãsana" elimina as perturbações ocasionadas pelo corpo físico grosseiro.
"Prãnãyãma" elimina as perturbações que surgem no "prãnamaya-kosha" (corpo etérico),
e, finalmente, “pratyãhãra" corta a atividade dos órgãos dos sentidos. Agora, então, só a
mente é que passa a operar, mas uma mente já liberta dos obstáculos e pressões
anteriormente referidos. O Iogue, portanto, pode passar à prática de “dhãranãll, "dhyãna" e
"samãdhi" sem qualquer dificuldade extraordinária e obter; pela inibição de modificações
da mente, as realizações que já foram mencionadas em capítulo anterior. Em qualquer
campo da ciência, os mais difíceis resultados são fáceis de obter quando são delineadas e
30
aplicadas as devidas técnicas. O mesmo acontece com a Ciência da Ioga.
Já foi ressaltado que “dhãranã" , "dhyãna" e "samãdhi" constituem os três passos
progressivos do mesmo processo continuado, e que diferem entre si somente em grau de
concentração e da presença de certas condições definidas e bem marcadas, que
distinguem um estágio de concentração do outro. Tudo isto foi profundamente estudado
em detalhe no comentário sobre os "Yoga-Sûtras" e aqui não é possível entrar em mais
pormenores. Mas deve ser frisado, aqui, que a necessidade dessa preparação meticulosa e
completa para praticar "dhãranã", "dhyãna" e "samãdhi" somente aparece quando na
prática da Ioga Superior a mente é submetida a essa disciplina, a fim de que os estados de
consciência mais elevados possam ser atingidos e, derradeiramente, a mente possa ser
completamente transcendida. Isto não quer dizer que não podemos fazer uma meditação
comum para outras finalidades e que deixemos de fazê-lo com a maior efetividade
possível. A meditação pode e deve ser praticada para mudar os nossos hábitos emocionais
e mentais; para aumentar a intensidade da devoção; para obter conhecimento com a
abertura do canal entre a mente inferior e superior, assim como para outros propósitos.
Mas, com tal meditação, não podemos conseguir a intensidade e concentração requeridas
para alcançar os estados mais altos de consciência e, por fim, transcender a mente. Para
isto, precisamos prepará-la sistematicamente, etapa por etapa, conforme prescreve a
"ãshtãnga" Ioga.

31
ALGUNS EQUÍVOCOS SOBRE A IOGA

Com este artigo, gostaria de esclarecer alguns equívocos sobre a Ioga, que são
correntes e geralmente oriundos da demasiada simplificação empregada na solução de
seus problemas. Quando a mente humana, sobre qualquer assunto, não dispõe de
suficiente conhecimento, e quando a faculdade de discernimento não está desenvolvida
convenientemente, a mente sempre tende a encarar com demasiada simplicidade os
problemas correlatos. Eis por que é necessária uma sólida base teórica de conhecimento,
antes de entrarmos no campo prático. Faltando tal conhecimento, vemos fora de sua
perspectiva todos os problemas que lhe dizem respeito, ficando sujeitos a entrar em
atalhos sem saída, a adotar métodos errados, a exercer atividades não essenciais, enfim, a
perder tempo e a incorrer em vários riscos.
Vejamos alguns poucos exemplos dessas supersimplificações da Ioga, com o objetivo
de evitar a criação de equívocos de toda espécie sobre esta ciência sagrada, cuja má
interpretação tem feito com que outras pessoas adotem métodos que, por sua própria
natureza, não produzem os resultados almejados.
Surgiu no Ocidente, nas últimas duas ou três décadas, um grande interesse pela Ioga.
Consequentemente, foram escritos muitos livros, e muitas pessoas, especialmente
indianos, apresentam-se como Iogues e Mestres da Ciência da Ioga. É tudo uma questão de
oferta e procura. Sempre que existe procura de alguma coisa, haverá quem a supre com
artigo tanto genuíno como falso. Nos últimos tempos, foram publicados muitos livros sobre
vários aspectos da Ioga. Pelo seu conteúdo, já podemos fazer uma ideia da espécie de
conhecimento que generalizadamente tem sido transmitido no Ocidente como Ioga, por
pessoas que, ou desconhecem o que seja a Ioga, ou aproveitam-se do seu nome para
explorar o publico. Não é porque essas espécies de práticas, tais como Asanas (posturas) e
exercícios respiratórios, não ajudem as pessoas a levarem uma vida mais equilibrada e
sadia, mas o fato é que, além de não serem a Ioga vulgarizam os ideais e as realidades da
verdadeira vida iogue. As Ãsanas e prãnãyãma são partes da Raja Ioga, porém usadas
meramente para abrir o caminho, a fim de fixar a mente onde a Ioga realmente começa
Uma outra supersimplificação exageram que encontramos quanto à técnica da Ioga é
aquela que a compara com a técnica da Psicanálise. Isto é muito comum, e alguns autores
chegaram ao extremo de praticamente basearem a técnica da Ioga na Psicanálise.
Examinemos isso e vejamos onde está o erro. Esta técnica psicanalítica da Ioga tem por
base a ideia de que o seu objetivo é alcançado silenciando a mente ou levando-a a um
estado de tranquilidade perfeita, fazendo com que os pensamentos presos na mente
subconsciente apareçam gradualmente, até o seu depósito se esgotar e a mente ficar
vazia. E com este vazio ou vácuo, produzido na mente, a Realidade é supostamente
revelada. Esta concepção é obviamente errônea e está baseada num equívoco sobre a
natureza da mente subconsciente. É verdade que quando se procura esvaziar a mente,
durante a meditação, os pensamentos e os desejos reprimidos do subconsciente tendem a
aparecer na mente comparativamente vazia, sendo esta a razão das divagações mentais
32
com toda a espécie de ideias irrevelantes. Também é verdade que, com a libertação de tais
pensamentos, a pressão da mente fica reduzida. Mas isso não pode provocar "chitta-vritti-
nirodha", a inibição completa das modificações da mente, requerido na Ioga. Porque a
mente subconsciente é um vasto depósito, de profundidades incomensuráveis, contendo
as impressões ("Sanskaras”) de todos os estágios evolutivos anteriores. Assim sendo,
se esse processo de meramente esvaziar o subconsciente for levado adiante, continuará
interminavelmente, passando a trazer à tona as tendências atávicas e instintivas dos
nossos estágios selvagem e animal. Essas tendências ou impressões jazem profundamente
sepultadas na nossa mente subconsciente e algumas vezes são trazidas à superfície
quando, em um estado frenético ou de excitação incontrolável, começamos a cometer
atos desumanos ou mostrar outras tendências do estágio animal. Todas essas coisas do
passado remoto passaram para os níveis mais profundos da mente subconsciente e não
devem ser despertadas novamente. Pertencem à nossa evolução passada.
O verdadeiro campo e escopo da técnica psicanalítica é o de remover as distorções e
anormalidades que dizem respeito ao nosso adiantado estágio humano. São essas
distorções e complexos que provocam várias espécies de pressões na nossa psique, que
precisam ser eliminadas para restabelecer a saúde. Isto é feito, na Psicanálise, por meio de
sua conhecida técnica, de caráter realmente positivo. Com isso, as anormalidades são
resolvidas naturalmente e a psique livra-se delas. Mas como existe um estado positivo de
mente para substituir o negativo, isso não leva à produção de um vácuo, que só pode ser
preenchido pelos pensamentos e desejos derivados dos níveis progressivamente inferiores
da mente subconsciente. É esse equívoco o responsável pelo rebaixamento da técnica
iogue ao nível da Psicanálise, fazendo com que alguns escritores ocidentais a confundam
com a Ioga. Mas a semelhança entre ambas é superficial, nada existindo em comum entre
elas.
Como esse assunto é importante, gostaria de me aprofundar um pouco mais sobre
ele. Se levarmos em consideração essa semelhança de um vácuo mental, examinando-a
mais um pouco, constataremos que não poderá haver vácuo na mente se ela estiver aberta
no fundo, em contato com os níveis subconscientes. Não se pode produzir um vácuo em
um recipiente que esteja em comunicação com uma força inexaurível de gás ou de
atmosfera. Portanto, é insustentável a., concepção de que, deixando a mente
subconsciente esvaziar-se relaxadamente na mente consciente, seja possível chegar-se a
um estado da mente ficar vazia e livre de modificações. Contraria, também, as experiências
já obtidas na prática da Ioga. Desta maneira, por sua própria natureza, a mente não pode
chegar a um estado de vacuidade. Para se produzir um vácuo num recipiente, todas as suas
fontes de comunicação precisam ser fortemente fechadas. Só então será possível obter ar
de qualquer fonte ou direção que desejamos, abrindo a válvula ou porta correspondentes.
Eis por que, na meditação iogue, todas as fontes de comunicação com a mente são
cortadas, antes que o "Samadhi” possa ser alcançado com sucesso. Mas não se pode
obstruir a mente subconsciente da consciente assim como se faz no caso de um recipiente
físico, simplesmente fechando-o com uma tampa. A única maneira pela qual a mente pode
ser desligada de qualquer tipo de fonte de suprimento é pela concentração. Quando nos
concentramos intensamente em alguma coisa, desligamos a mente de qualquer outra. Não
33
há outro modo de produzir o vácuo metafórico acima referido. Quando a mente está bem
concentrada em qualquer objeto, fica completamente fechada de todos os lados, exceto de
um, que é o seu próprio centro, o Centro de Consciência. Mas uma espécie de válvula fecha
este Centro e isola os níveis superconscientes da mente que estão além dele, no outro
lado. O que bloqueia esse Centro? Evidentemente, o objeto preso à mente, sobre o qual
ela está concentrada.
Se aquele objeto, chamado a semente de "samprajnata samadhi", for abandonado,
duas coisas ocorrem simultaneamente:
1) Produz-se um verdadeiro vácuo mental na mente, pois ela agora nada contém, uma
vez que o único objeto sobre o qual estava concentrada desapareceu.
2) A passagem para o superconsciente agora ficou aberta, pois era o objeto de
"pratyaya" que estava fechando essa passagem. Assim, a consciência escorrega através
deste ponto ou centro que liga os níveis consciente e superconscientes da mente,
emergindo no plano ou nível superior seguinte. Também podemos dizer que a
superconsciência entra na mente através do centro. Esta é a técnica de "asamparajnata
samadhi".
Entretanto, por que "asamprajnata samadhi" não pode ser praticado sem primeiro ter
sido realizado "samprajnata samadhi"? Ou, em termos menos técnicos, por que não é
possível abandonar o último objeto ou imagem, presos na mente no momento de
meditação, de maneira comum, produzindo o referido vácuo mental? A resposta já foi
dada acima. Porque, na meditação comum, não existe aquele grau de contração que é
requerido para fechar a mente contra quaisquer entradas, exceto no seu próprio centro. Só
no "samprajnata samadhi" é que esse grau de concentração pode ser conseguido. Um
estado mental no qual é permitido permanecer em um relaxamento, ao ponto dos
pensamentos e desejos subconscientes poderem emergir e se descarregar nele, constitui
justamente o oposto desta condição concentrada. Tal condição, por sua própria natureza,
deverá cair, a fim de produzir aquele vácuo de extrema firmeza, o qual é necessário para
que a realidade oculta possa revelar-se. Eis por que a técnica iogue não é uma técnica de
relaxamento, mas da mais estável concentração baseada no poder da vontade.
Do que foi dito, o estudante não deve pensar que o Samadhi é um estado de luta e
tensão, no qual a vontade procura forçar a concentração da mente ou ela tenta resistir à
essa imposição da vontade. Isto daria uma ideia totalmente errada acerca da natureza do
Samadhi. Devemos saber que o verdadeiro exercimento do poder da vontade espiritual não
é um processo que implica em qualquer tipo de tensão ou luta. É calmo, confiante, em
grande paz, sem luta. Os que possuem real poder de vontade espiritual não são aqueles
que estão em luta com suas mentes ou emoções. Tal estado, efetivamente, não mostra a
presença do poder de vontade espiritual, mas a sua ausência. Quando Ãtma, o Governante
Interno, que é a fonte da vontade espiritual, está no comando, tudo dentro de nós se
alinha e submete-se à Sua vontade, tal como todos obedecem, implícita e imediatamente,
ao comando de um Rei. Assim, o estado de concentração produzido no Samadhi, sendo o
resultado do verdadeiro poder da vontade, está inteiramente livre de tensões e lutas,
pressões e resistências. Todas essas pressões já foram·eliminadas durante a prática das
técnicas prévias da Ioga, tais como "yama", “niyama" etc.
34
Uma outra espécie de supersimplificação constata-se na técnica pela qual começamos
a perceber a mente, a fim de descobrir o que está oculto atrás dela. Isto faz com que sejam
ignorados fatores importantes que efetivamente constam do problema e que impedem ao
aspirante alcançar o seu objetivo. Tal técnica parece ser bastante atraente, porque dá a
impressão de que podemos alcançar um elevado grau de realização humana por nosso
próprio esforço, de maneira muito simples e sem qualquer auxílio externo.
Esta técnica começa tendo como base o desenvolvimento da percepção de nossa
mente, suas atividades, tendências, prejuízos, predileções e predisposições, devidos a
prévios condicionamentos. Afirma-se que, quando passamos a ficar REALMENTE
PERCEBIDOS disso, começam a se dissolver, um após o outro, e a mente finalmente se
liberta de todas as tendências às quais está condicionada, adquirindo o estado
completamente liberto de toda a sorte de modificações, o que pode ser chamado de pura
Consciência ou Realidade. A percepção que produz este notável resultado, evidentemente,
não é a percepção comum, que dispomos quando fazemos uma introspecção qualquer.
Constitui um tipo de percepção especial, na qual a mente está livre de pressões e
tendências geradas pelo condicionamento passado. Só este tipo particular de percepção é
que se considera como possuindo a solvente propriedade de dissolver todos os estorvos
que sobrecarregam a mente e traz a Realidade.
A primeira pergunta que podemos fazer é: Quem obtém a percepção? Em outras
palavras, a quem pertence essa faculdade de percebimento? Será a mente? Será que a
mente percebe a si mesma ? Aqui está a primeira brecha na linha de razonamento sobre a
qual o método está baseado. A mente não tem capacidade em si de ficar percebida. Ela
brilha com a luz de Buddhi. É a iluminação de Buddhi que capacita a mente de perceber ou
ficar apercebida de qualquer coisa. Obviamente, portanto, Buddhi é um fator indispensável
no processo. E se o processo depende de Buddhi, a condição do funcionamento de Buddhi
é que determinará o resultado desta tentativa de ficarmos apercebidos de nossa mente, de
suas tendências, atividades etc. Mas sabemos que Buddhi, ou intuição, é extremamente
sensível à condição do meio através do qual opera, ou seja, a mente. A mente pode levar
adiante todas as suas operações comuns, mesmo em condições impuras, desarmônicas e
perturbadas. Mas quando se trata de ver o significado das coisas, de ver suas próprias
faltas, suas tendências, suas distorções e ilusões da vida que a envolvem, ela fica
desamparada, salvo quando a pura luz de Buddhi, vindo através de um veículo puro e
harmônico, tem possibilidade de filtrar-se dentro da mente. Sabemos muito bem como as
pessoas, cujas mentes ficaram tomadas de tendências e atividades más, são extremamente
incapazes de ver de errado em suas próprias vidas e ações, apesar dessas aberrações serem
de baixo caráter, claramente notadas pelos outros.
O que mostra isto? Que, até para começar com esse processo de observar a nossa
mente, necessitamos que ela esteja razoavelmente controlada, pura e harmônica, para
que, através dela mesma, ao menos alguma iluminação de Buddhi possa chegar. A mente
do homem comum estará em tais condições? Em contrário, como poderá mesmo começar
este trabalho, sem falar em completá-lo com sucesso? Ele precisa possuir uma mente
razoavelmente pura, harmônica, tranquila e controlada, antes que tal processo possa
começar. Se isto não ocorrer, como tal espécie de mente pode ser adquirida? “Percebendo
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as tendências da mente”, respondem os que acreditam nessa filosofia e técnica. Será que
não percebem que isto é o mesmo que arguir em círculo? A iluminação de Buddhi só pode
chegar quando a mente é pura, harmonizada e tranquila, e isso só pode acontecer quando
está iluminada pela luz pura de Buddhi.
Assim sendo, como conseguir essa pureza mínima etc., que é requerido mesmo no
início do processo de apercebimento das aberrações de nossa mente? Isto, a tal filosofia
nova não se preocupa em responder. Mas qualquer um pode perceber que essa pureza
mínima, tranquilidade, etc., pode ser conseguida por um simples processo de disciplinar a
mente. Milhares de pessoas o fizeram, e qualquer um pode fazê-lo se se esforçar com
empenho. Esta disciplina preliminar não requer que estejamos apercebidos das condições
de nossa mente. Basta seguir certas instruções que regulam as atividades da mente, das
emoções, dos desejos e o curso das ações. Qualquer um, portanto, pode começar com esse
trabalho e levá-lo até o fim com sucesso, sempre que o quiser e onde estiver. E quando a
mente estiver purificada e tranquila, desta maneira, e a luz pura de Buddhi começar a
brilhar através dela, adquirirá a capacidade de observar as suas próprias aberrações. Só
então a técnica da apercepção pode ser utilizada, como é feito em todos os sistemas de
cultura espiritual e Ioga. Essa técnica de ficar apercebido da mente não é uma exclusividade
dessa nova filosofia. É uma característica essencial de qualquer sistema de cultura
espiritual que venha sendo praticado desde tempos imemoriais. Se não fosse assim, como
os seres humanos comuns com todas as suas fraquezas e imperfeições, poderiam ter se
convertido em santos? A mente de um verdadeiro santo é tão alerta, tão discriminativa,
tão sensitiva, que a mínima ondulação de uma tendência indesejável é imediatamente
percebida e totalmente eliminada, instantaneamente. E essa sensibilidade e alertamento
são desenvolvidos pela autodisciplina constante e prolongada.
Vemos, portanto, que o que está errado nessa filosofia não é a inclusão do
“apercebimento" em sua técnica de Autodisciplina, sem a qual a técnica da apercepção não
pode ser praticada. Quanto ao medo da autodisciplina condicionar a mente, não cabe ao
aspirante julgar se a espécie certa de auto disciplina condiciona uma mente incondicionada,
ou descondiciona, uma mente condicionada por toda a sorte de tendências indesejáveis
que geralmente encontramos num ser humano. O que foi dito basta, também, para
responder àquela questão.
Aqueles que seriamente tentam usar esses métodos aparentemente simples e fáceis,
logo descobrirão que realmente eles abrangem toda a técnica integral da Ioga. Se tentamos
galgar uma montanha até o cume, seguindo um atalho, de acordo com a ciência, teremos
que gastar a mesma quantidade de energia. Se pretendemos ganhar tempo, precisaremos
gastar energia mais aceleradamente. A Natureza não dá nada por nada.

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O QUE A IOGA NÃO É
Pelo Dr. Sampurnanand

O Dr. Sampurnanand, cuja profissão é a de


professor, nos últimos vinte anos foi levado a exercer
uma grande atividade na política. Foi Ministro da
Educação e, depois, Primeiro Ministro de Uttar Pradesh,
antes de tornar-se Governador de Rajas-than, cujo cargo
abandonou recentemente ao aposentar-se. Um
estudante do conhecimento profundo, muito bem
versado na tradição Védica e na Ioga, Sampurnanand
escreveu muitos livros e artigos, principalmente em
Sânscrito e Hindi, sobre Filosofia, Ioga, Astrologia, assim
como sobre Educação e política. É um forte e lúcido
expoente do dharma hindu.

Há algum tempo, o editor desta revista pediu que eu contribuísse com um artigo sôbre
alguns aspectos da Ioga. Não tenho certeza se este será uma resposta própria e adequada
ao seu pedido. Parece-me, contudo, que existe alguma justificação nesta minha tentativa.
Existem tantos equívocos, alguns dos quais parecem ter sido tão deliberadamente criados,
que se tornou muito difícil explicar a Ioga tal como foi compreendida e usada pelos
Mestres, os quais foram os que primeiramente usaram esse termo como uma palavra
corrente na linguagem da disciplina espiritual.
Parte da confusão, talvez, seja devido à própria natureza do assunto. Seja a Ioga o que
for, sem dúvida ela procura sondar os mistérios da vida e da morte, assim como as secretas
regiões do além, a fim de reconciliar a dualidade aparente entre o espírito e a matéria. Em
todos esses campos de pesquisas foram feitas afirmações, que não são fáceis de
comprovar pelo homem comum e pelos métodos das ciências físicas. E a dificuldade é
ressaltada pela franca admissão de que qualquer experiência obtida transcende, tanto o
intelecto como a palavra.
É bem conhecido que certas técnicas servem para desenvolver alguns dos poderes
latentes do homem, como, por exemplo, o Hipnotismo e Percepção Extra Sensorial. Essas
técnicas possuem afinidade com alguns exercícios da Ioga, Os poderes que se manifestam
por meio delas podem ser usados, tanto para propósitos benéficos como maléficos, o que
pode dar à Ioga uma reputação má, com um relação próxima da Magia. Acresce que
ninguém enumerou definitivamente os níveis nos quais a vida funciona. Existem formas de
vida que são normalmente acessíveis à experiência humana, focos elementais de
consciência e energia que podem ser aproveitados, com meios apropriados, para o serviço
e o desserviço do homem. Aqueles que se intrometem nessas coisas são responsáveis por
darem à Ioga aquela atmosfera de medo e incredulidade, que tolda a distinção entre Ioga
e Magia Negra.
Estes são alguns dos fatores que, muito compreensivelmente, criam um grande
37
número de equívocos sobre a Ioga. Alguma confusão também foi originada pela elaboração
introduzida por líderes religiosos bem intencionados. Enquanto, antigamente, a simples
palavra Ioga era suficiente, o assunto agora proliferou em Jnana Ioga, Karma Ioga, Hatha
Ioga e Bhakti Ioga. Com base na analogia dos Vidyas, enumerada em alguns dos
Upanishads, até mesmo algumas das técnicas foram dignificadas como sendo ramos
independentes da Ioga. Tal é o caso da Laya Ioga e Nada Ioga. Dando-se nomes separados
a alguma coisa, podemos ser levados a criar uma volumosa literatura, que pode ou não ser
realmente útil para um estudo proveitoso. Em sua ansiedade de manter a identidade
separada do assunto que estão tratando, existe uma tendência natural, por parte dos
escritores, de exagerar as minúcias, levantando muros que estabelecem uma separação
antes não existente.
De certo modo, talvez essas ocorrências sejam excrescências lamentáveis, porém
naturais. Mas o que realmente é alarmante está no aparecimento de certos
desenvolvimentos recentes que considero como sendo de natureza muito séria. A Ioga
tornou-se tremendamente popular, e essa popularidade parece ser diretamente
proporcional à ignorância geral que existe a seu respeito. A coisa começou quando foi feita
a descoberta de que certas práticas, certas "asanas" e "mudras", assim como um exercício
moderado do controle respiratório, produzem resultados benéficos para a saúde. São
preventivos e, até certo ponto, curativos em certos tipos de desordens psicosomáticas.
Nesse campo, um grande pioneiro foi o falecido Swami Kuvalayananda. A sua atitude
foi rigorosamente científica, e ele nunca valorizou exageradamente as técnicas que
empregava para restabelecer a saúde. E, o que é mais importante, segundo me consta ,ele
nunca afirmou que aquilo quanto ensinava era alguma essência da Ioga. Com razão,
possuía aquele temor típico do cientista, de que aquilo ensinado aos seus numerosos
discípulos pudesse ser mal usado, provocando consequências prejudiciais. Na
correspondência que mantivemos, há alguns anos, sugeri-lhe que os exercícios iogues,
praticados em certo número de instituições como parte de treinamento físico, são o que
poderia ser chamado de natureza estática. O seu uso, como parte do sistema de educação
física dinâmica, poderia ser prejudicial, especialmente para os estudantes femininos. Se
estou bem lembrado, ele concordou comigo a respeito de que, sem uma experimentação
adequada, talvez fosse perigoso adotar os exercícios iogues como parte de um esquema
geral de Educação Física. Em seus livros, conforme era mui to apropriado, ele tratou sobre
os mais elevados aspectos da Ioga. Mas, até onde posso perceber, o que ele escreveu pode
trazer confusão e má interpretação acerca do que a Ioga efetivamente é.
Mas a Ioga de hoje, como já disse, está ficando tremendamente popular e está
pagando o preço de sua popularidade. Apareceu um grande numero de professores de
Ioga e foram criadas instituições para a propagação desta ciência. As vidas de muitos
desses professores de Ioga são, para nós, na Índia, verdadeiros livros abertos. Geralmente
eles tomam o cuidado de deixar rigorosamente de lado o cenário indiano, restringindo-se
às audiências europeias, cuja ingenuidade pode ser facilmente explorada. Muitas pessoas
do Ocidente são vítimas da crença de que é possível encontrar, na Índia, um grande
número de possuidores do profundo conhecimento espiritual através da prática da Ioga,
mas o manto amarelo encobre uma multidão de pecados. Na minha opinião, é gente desta
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espécie que está deliberadamente criando a impressão de que a Ioga é algo simples e fácil
sem exigir quase nenhum sacrifício ou autolimitação. Como exemplo, gostaria de me
referir a um livro que foi recentemente publicado por uma Escola de Ioga, cuja
representante, uma jovem senhora, recentemente excursionou pelo Ocidente, com a
missão de propagar a Ioga naqueles países. Certa vez, tive a oportunidade de alertar
moderadamente de que talvez fosse melhor começar com essa grande missão na própria
Índia, mas, por razões óbvias, meus protestos não foram favoravelmente recebidos.
Gostaria de citar umas poucas sentenças desse livro, cujo nome é "Dinâmica da Ioga":

"Podeis continuar usufruindo o prazer das boas coisas desta


vida e ser um iogue. Tampouco é realmente necessário abandonar
as ambições mundanas ou as aspirações materiais, para levar o
modo de vida iogue." (P. 2)

"Nos laços e ciladas da vida. não podemos nos divorciar da


realidade. As Yamas de Patanjali (abstinências morais) e os Niyamas
(observâncias da conduta do caráter), como são popularmente
interpretados, eram para uma época que passou, e o simples e
adamantino fato é que já não têm mais lugar, se processados
segundo essas interpretações, no nosso mundo de hoje". (P. 4)

Creio que não necessito transcrever nenhum outro parágrafo. De acordo com esse
livro, a Ioga não necessita de "Vairagya” (desapêgo). Dá plena liberdade ao iniciado para
satisfazer seus desejos e ambições mundanos. Nem lhe exige que faça qualquer mudança
nas suas maneiras normais de viver. Chega a afirmar especificamente: "para conseguir isto,
não precisais abandonar nenhuma das vossas maneiras normais de vida (página 1)".
No entanto todos os que foram acatados como Mestres sempre insistiram sobre a
necessidade de Vairagya. Patanjali diz:

"ABHYASA VAIRAGYABHYYAM TANNIRODHAH”


(Este controle é pela prática e pelo desapego)

E sri Krishna também diz em linguagem clara:

"ABHYASENA TU KAUNTEYA VAIRAGYA CHE GRIHYATE".


(O controle da mente é conseguido pela prática e o desapego)

Patanjali claramente declarou que os Yamas são um “Sarvabhawna Mahavrata” que


não admite nenhuma espécie de exceção.
Aquele livro, no entanto, diz que certos cânones básicos, tais como a verdade, não-
violência, desligamento e continência, não precisam ser observados muito literalmente. Sei
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que existe uma ou duas sentenças, aqui e ali, como essa: "Não será preciso, entretanto,
que nos convertamos em escravos de nossos desejos (página 2)". Em primeiro lugar, é
difícil dizer o que significa ser um escravo dos desejos e, segundo, ninguém admitirá,
mesmo para si próprio, que seja um tal escravo. Ele é um conselho piegas, que não exerce
influência em ninguém. Não alimento nenhum desejo de execrar aquela determinada
Escola, de Ioga, mas as declarações feitas naquela sua publicação dão um bom exemplo de
como a Ioga está sendo deliberadamente prostituída para o efeito de propaganda.
Ensinamentos como esses a ninguém elevarão espiritualmente, e, com certeza, empanará
o bom nome da Ioga. Aqueles que se converterem nessa espécie de iogues permanecerão
nos baixos níveis espirituais, onde sempre estiveram , enganando a si próprios ao acreditar
que se converteram em iogues. Algumas das práticas preconizadas no livro, sem a presença
daquelas qualificações morais que são”sine-qua-non" na Ioga, poderão levar à auto-
sugestão e auto-hipnose, que são coisas realmente muito distantes da experiência real de
um verdadeiro iogue. O aumento do número de iogues auto-estilizados que surgirão com
tal propaganda será uma desgraça. A Ioga não e alguma coisa barata. Ela implica no grande
sacrifício do ser inferior. Como disse Kabir, um dos nossos maiores santos medievais:

"Disse Kabir: se soltarmos as rédeas, mesmo um pouco, a


mente se estatelará do céu contra a terra".

Quer me parecer que muitos ocidentais sinceros perquiridores da Verdade, possuem


melhor ideia do que é a Ioga e das implicações de sua prática, do que muitos quantos
viajam para o Ocidente a fim de levar a mensagem da espiritualidade aos ingênuos povos
da Europa e da América. O genuíno perquiridor sente que a prática da Ioga é como tentar a
subida do Caminho da Montanha. Não é um passeio matinal em um jardim florido.

(Traduzido por HAC, do "The Mountain Path" (O Caminho da Montanha), Nº 3, julho


1967)

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