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Latim em pó

A língua é uma coisa esquisita. Não há nada que utilizemos tão intimamente. Nós nos
valemos do idioma até quando dormimos, nos sonhos. A proximidade não impede que
desenvolvamos um enorme rol de ideias pouco esclarecidas sobre ela. As escolas, ainda fiéis ao
modelo da gramática prescricionista, que equipara variantes de menor prestígio da língua a erros,
como 2+2=5, não ajudam a desfazer as impropriedades. O remédio para isso seria a linguística, que
ao menos tenta dar um tratamento científico ao fenômeno da linguagem. O problema é que ela é
muitas vezes impenetrável. Alguns textos técnicos de Noam Chomsky, por exemplo, são
incompreensíveis para o não especialista.
"Latim em pó", de Caetano Galindo, resolve ao menos o problema da impenetrabilidade.
Num livro relativamente curto, gostoso de ler e que não exige nenhum tipo de conhecimento prévio,
o autor conta para o leitor a história do português brasileiro, fazendo interessantes incursões pela
linguística. Uma das ideias recorrentes da obra é a de que a língua muda, ou ainda estaríamos
falando latim, não português. E uma nova variante, quando surge, tende mesmo a ser "percebida
como desvio, como aberração a ser evitada a qualquer custo. Mas o fato incontornável é que muito
do que é hoje tido como refinado, elevado e sofisticado em algum momento foi visto como um
desvio simplório e grosseiro da norma-padrão".
Galindo, que além de linguista é tradutor de mão cheia, dá especial atenção às influências
das línguas africanas e indígenas sobre a variante brasileira do português. Ele não se limita, como
ocorre em outras obras, a trazer listas de palavras com origem nesses idiomas, mas mostra como
eles ainda influenciam nossa forma de falar. Mais, mostra como, em diversas ocasiões, foi o
português que esteve ameaçado de extinção, dada a prevalência da língua geral e do nheengatu, dois
idiomas crioulos baseados no tupi.
Por helio@uol.com.br

Disponível em: Folha de S.Paulo. Acesso 26/02/2023

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