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1 INTRODUGAO E EVOLUGAO HISTORICA DA GESTAO DE PRODUCAO E OPERACOES Caer Entender e ser capaz de explicar 0 escopo da Administracao de Pro- dugio e Operagdes (APO) hoje; Analisar as implicagées estratégicas da APO e como ela pode ajudar as organizagdes a tornarem-se mais competitivas;, Sintetizar como ocorreu a evolugdo e expansio de escopo da APO a0 longo dos iiltimos 250 anos; Explicar que APO refere-se tanto a operagées de manufatura quan- to a operacbes prestadoras de servico; Entender a l6gica do quadro de referéncia basico deste livro, ao qual todos os demais capitulos referir-se-io. 4 Capituto1 1.41 INTRODUGAO © Aeroporto de Congonhas, convenientemente loca- lizado préximo ao centro de Sao Paulo, é hoje o maior aeroporto do Brasil em mimero anual de passageiros. Fundado em 1936, esse aeroporto esta operando com nove empresas aéreas regulares, levando e tra- zendo, em média, aproximadamente, 52 mil passagei- 10s por dia. Possui uma rede comercial com lojas distribuidas entre as alas norte e sul eo saguao central, oferecendo aos usudrios uma série de servigos que incluem lo- jas, lanchonetes, engraxataria, cabeleireiro, joalheiro, livraria, banco, drogaria, cambio, caixas eletrdn locadoras de vefculos, perfumaria e tabacaria. FIGURA 1.1 Aeroporto de Congonhas. © Aeroporto Internacional de Congonhas/Sio Paulo é hoje uma minicidade. A Infraero é a empre- sa responsavel pela gestdo ndo sé do Aeroporto de Congonhas, mas também da maioria dos aeroportos brasileiros. E assim que o site da Infraero () informa sua misao e sua visio: Misséo “Oferecer solucées aeroportudrias inovadoras e sus- tentiveis aproximando pessoas e negécios” Viséo “Sera referéncia brasileira em solugdes aeroportuérias” Valores » Compromisso com os clientes » — Efetividade e competitividade » Valorizagao dos colaboradores Tnovacio, qualidade e seguranga Etica e responsabilidade socioambiental Geragio de resultados Orgulho de ser Infraero Algumas informagies estatisticas sobre 0 Aero- porto de Congonhas impressionam. Sao, em média, 585 movimentagdes por dia (pousos ¢ decolagens), segundo a Infraero, fazendo dele o segundo maior ae- roporto do Brasil, atrés apenas do Aeroporto Interna- ional de Sao Paulo/Guarulhos (). Sio movimentagdes para e de 30 localidades. Imagine gerenciar os recursos (sempre ‘escassos) da Infraero, na gestao operacional de Con- gonhas, para atender as diretrizes colocadas pela sua diretoria corporativa (também presentes no site insti- tucional da empresa): Diretrizes da diretoria da Infraero: » Definir os aeroportos da rede como Centros de Negécios, com autonomia, metas direcionadoras, de sustentabilidade e prémios por desempenho; » Redirecionar a fungo comercial para um melhor aproveitamento das oportunidades comerciais, com especializacio e insergao de parcerias; > Redefinir a atuagio das estruturas direcionadas a0 suporte aos aeroportos; » Tornar a Infraero competitiva, dentro de um mer- cado concorrencial, definindo um novo posicio- ‘namento para os seus negécios; » Definir a Sede da Infraero com papel normativo, fiscal e decisério, otimizando o tempo de resposta para as decisbes estratégicas da Empresa Para pensar uais problemas operacionais enfrentados pela adminis ttagdo do Asroporto de Congonhas vocé considera princi- pais, levando em conta a multiplicidade de atores (emp: 528 comerciais parceiras, empresas aéreas,funcionéries, Prestadores de servgo) dentro do aeroporto que afetam © seu desempenho operacional geral? E como media 0 desempenho operacional de um aeroporto como esse? \océ incliria medidas de satisfagdo dos varios clentes do. | Aeroporto de Congonhas (usuétios, compantias aéreas, concessionaros de lojas, restaurantes @ outros servigos)? Como vocé vé o pete a forragao do protissional adequa- do para trebalhar ne gestdo operacional desse aeroporto? 1.2 CONCEITOS 1.21 GESTAO DE PRODUCAO E OPERACOES Brevemente, a gestao de operagdes ocupa-se da ativida- de de gerenciamento estratégico dos recursos escassos (humanos, tecnolégicos, informacionais e outros), de sua interacao e dos processos que produzem e entregam Introducdo e Evolugio Historica da Gestdo de Produgao e Operagoes. bens e servigos, visando atender a necessidades e/ou desejos de qualidade, tempo e custo de seus clientes. Além disso, deve também compatibilizar este objetivo ‘com as necessidades de eficiéncia no uso dos recursos ‘que os objetivos estratégicos da organizacéo requerem. Toda organizacio, quer vise ela a lucro quer nao, tem dentro de si uma funcio de operagdes, pois gera algum “pacote de valor” para seus clientes, que inclui algum composto de produtos e servigos, mesmo que, dentro da organizagio, a fungio de operagies no te- mha esse nome. Os “clientes” podem ser clientes it ternos - outros setores da empresa, por exemplo -, ou clientes externos ~ usudrios, externos & organizacio, dos bens e servigos produzidos, por exemplo. Observe as diretrizes da diretoria da Infraero, na pé- gina anterior, e vocé terd nogdo muito clara do papel da gestdo estratégica de operagbes de um complexo como o Aeroporto de Congonhas, que se encontra no cerne do atingimento de cada uma delas. Nao por acaso, cada um dos itens a seguir refere-se a uma das partes deste livro: » na ‘Administragio estratégica das operacées” do aeroporto, munca perdendo de vista que, num ambiente cada vez mais competitivo, de clientes € sociedade crescentemente exigentes e concorren- tes cada vez mais competentes, os tomadores de decisdes operacionais (0s gestores de operacies) devem sempre levar em conta seu impacto estraté- gico, tanto para os miltiplos gruposinteressados, como para a lucratividade da operacio, que em ‘iltima andlise impacta a capacidade de reinvesti- mento, Uma deciséo de alteragio de local de esta- cionamento, por exemplo, pode ter impacto néo 6 na conveniéncia dos passageiros, mas também no transito da regio onde esté o aeroporto; uma decisdo de extensao de horérios de funcionamen- to tem impacto nao s6 para os clientes de carga, or exemplo, mas também para os bairros que fi- cam nas rotas de aproximagao; > na gestio de “Produtos € processos” oferecidos 0s clientes, que inclui um composto adequado de bens materiais e servigos gerados e entregues nos niveis adequados de custo, tempo, qualidade € flexibilidade, Imagine conciliar interesses de gru- pos que podem ser bastante heterogéneos, como executivos atarefados, grupos de estudantes em. viagem de turismo e delegagdes de clubes de fu- tebol a caminho da cidade onde jogarao no dia se- guinte, com séquitos de fis évidos por autografos. Além disso, a gestio de processos & necesséria ara garantir que nao haja rupturas nos processos, tanto nos que envolvem os clientes (em linha de frente), como naqueles feitos em retaguarda. Por cexemplo, as andlises necessérias para que proces- sos normais (por exemplo, de check in de passa. ‘geiros e suas bagagens) e de exces (como, por ‘exemplo, o pronto-atendimento a um passageiro ‘que sofreu um ataque cardiaco no saguio) ocor- ram de forma suave e precisa. Além disso, é ne- cessério manter politicas de gestdo dos recursos humanos e sua organizagdo de forma a favorecer a opera e garantir niveis adequados de satisfacao do fancionério para possibilitar a atragao e reten- sao detalentos; no “Projeto e gestao de instalagdes’, onde se dard a operacao de gerado e entrega do pacote de va- lor ao cliente ~ isso inclui o dimensionamento da capacidade necesséria para atender a niveis cres- centes de demanda, 0 arranjo fisico dos recursos e reas dos aeroportos € a localizagao das unidades. Imagine a definiglo de arranjo fisico e o dimen- sionamento dos balcdes de check in, das salas de embarque, dos equipamentos de seguranca, das Jojas, enfim, de todos os subelementos deste gran- de sistema de operagies; no “Planejamento e controle da rede de opera- ces", ou seja, na gestdo da complexa inter-relagao de dezenas de suboperagées que colaboram na geragdo entrega do pacote de valor oferecido aos clientes (sejam essas suboperacbes departa- mentos da propria Infraero ou empresas terceir zadas. O Aeroporto de Congonhas em Sao Paulo, por exemplo, conta com uma rede comercial com. lojas distribuidas entre as alas norte e sul, ofere- cendo aos usuarios uma série de servigos que in- cluem lanchonete, engraxataria, cabeleireiro, joa- Iheiro, livrarias, bancos, drogaria, cimbio, caixas eletrénicos, locadoras de veiculos, tixis aéreos, perfumaria, tabacaria e Correios). Imagine, por exemplo, a complexidade de definir o sequencia- ‘mento das aeronaves que compartilham duas pis- tas principais de pousos ¢ decolagem, incluindo a garantia de que passageiros e suas bagagens serio, transportados com seguranca, pontualidade e presteza, ou de definir os niveis de capacidade das, varias suboperagdes para garantir atendimento de demandas nem sempre previsiveiss za gestio de “Confiabilidade de processos” da ope- ragdo, para garantir que o nivel de geracao e entre- ga do pacote de valor aos clientes tena a confiabi- lidade e a qualidade esperadas, de forma a encarar 6 Capitulo ‘competitivamente clientes crescentemente exigen- tes e concorrentes crescentemente competentes, de forma confivel e segura. A protegio a0 voo eo auxilio & navegagao aérea da Infraero, por exemplo, sio integrados por 15 controles de aproximacao, 17 torres de controle, 71 estagées de telecomuni- cagies, 64 salas de informagées aeronauticas e 68 estagdes de meteorologia que devem ser coordena- dos e devem ser absolutamente confiveis. 12.2 EVOLUGAO HISTORICA DA AREA — ORIGENS Pode-se dizer que a area de gestio de operagdes hoje tem seu escopo bastante bem definido. Faz parte do curriculo da grande maioria das escolas de adminis- traco do mundo inteiro, tanto em nivel de graduagio como de pés-graduacao, stricto ¢ lato sensu, Também & tratada em escolas de engenharia e carreiras correlatas € conta com vasta literatura, Das dezenas de livros- textos disponiveis no mercado que tratam do tema gestiio de operacées, os seguintes tépicos so recorren- tes e presentes na grande maioria deles, ainda que sob titulos ligeiramente diferentes e com organizacao e or- dens de apresentacao também ligeiramente diferentes: » — introdugao a gestao de operagies; » estratégia de operacdes; projeto de produtos e servicos; projeto, selegao e gestdo de processos; projeto e medidas do trabalho; sgestdo de capacidade produtiva; gestio de servicos; localizagao e arranjo fisico de instalagbes; gestdo de qualidade, confiabilidade, risco e susten tabilidade; » — projeto e gestdo de redes de suprimentos, » previsdes; » planejamento, programagao e controle das operagées; » gestio deestoques; 1» gestdo de projetos. ‘Todos esses temas so tratados neste livro. As disci- plinas que tratam de gestdo de operagdes normalmen- te adotam livros-textos ea énfase dada pelo particular instrutor vai depender basicamente dele e da audién- cia. Os contetidos dos cursos, entretanto, raramente fogem desses topicos. Origens da area As origens mais primarias da gestdo de operacbes so Adificeis de rastrear. Operagies, a rigor, sempre tiveram de ser gerenciadas, pois sempre houve organizagées gerando e entregando pacotes de valor a clientes, tenha isso acontecido de forma explicita ou nao. Segundo Wilson (1995), as grandes obras realizadas em tempos passados da humanidade tém maior pro babilidade de ter sido os primeiros tipos de proces- 50 produtivo a requerer técnicas gerenciais para suas ‘operagdes. Grandes projetos foram desenvolvidos na Antiguidade, e, g, a GrandeMuralha da China, as Pi- ramides no Egito, as Estradas no Império Romano ou a construgio das Grandes Catedrais (veja a Figu- ra 1.2), Certamente, uma construgio desta sofistica- do requereu grande esforgo de coordenagio, ja ha muitos séculos. FIGURA 1.2 Catedral (Duomo) de Milgo (Italia) H pouca informagao na literatura sobre métodos gerenciais usados para a gestio desses empreendi mentos, mas aparentemente ndo eram usados mé- todos sistematizados ou especializados. A natureza religiosa e politica dos projetos, a falta de sistemas de contabilidade formais e uma ndo preméncia de tem- o parecem ter sido importantes fatores de alivio para Dressdes por eficiéncia ou eficécia na gestao. Ao longo do tempo, a transformacao dos grandes projetos, quanto a sua natureza, de religiosa e politica para empresarial, fez com que eventualmente a preo- cupacdo com tempo ¢ recursos mais escassos criasse as condigées para o surgimento da preocupagao com a gestio dos projetos (veja 0 Capitulo 9 para um trata- mento contemporiineo do tema). As primeiras mengdes na literatura Uma discussao interessante (provavelmente uma das, primeiras da historia) sobre a gestao de projetos data do século XVI: livro Essay upon projects, por Daniel Defoe (1697). Defoe relata que alguns projetos eram es- poradicamente realizados de forma mais sistematica ja em torno de 1640 e que essa sistematizagao tornou-se Introdusio e Evolugae Histérica da Gestdo de Producio e Operacdes. 7 FIGURA 1.3 Jamies Watt e seu “motor a vapor? mais popular alguns anos mais tarde, mas, “em torno de 1680, a arte e 0 mistério dos projetos passou a de fato espalhar-se pelo mundo” (Defoe, op. cit). A defi- nigdo de “projeto” de Defoe contém elementos que con- tinuam mais vilidos do que talvez devessem, mesmo mais de 300 anos depois: "A construgio da torre de Babel foi de fato um pro- jeto, pois a definigio mais recentemente aceita (em cerca de 1693) de um projeto é, como dito antes, um. vasto empreendimento, grande demais para ser ge. renciado e, portanto, provivel de nio chegat a nada” ‘Ainda em termos de origens da area de gestao de operagdes como se a conhece hoje, muito se fala sobre ‘oséculo XX, comas contribuigdes de Frederick Taylor, Ford, do casal Galbraith ¢ outros que se seguiram. Es- tes foram muito importantes para o desenvolvimento © adogio da chamada “produgio em massa” de forma mais global; com ela, ninguém questiona que a drea de gestio de operagdes progrediu muito. Entretanto, tal- vez a mais relevante contribuicao para que a indiistria € sua gestdo adquirissem as feigies que tém hoje no mundo nao date do século XX, mas do fim do s Jo XVIIL, Foram desenvolvimentos muito anteriores 20 i ram que a indiistria automobilistica americana surgisse como a grande in- diistria influente que se tornou. io do século XX, e perm ‘American System of Manufactures (ASM) Segundo Abernathy e Corcoran (1983), 0 padrio de de- senvolvimento industrial americano em termos de pri- ticas de produgio e estrutura de forga de trabalho, que se cristalizou ao longo de meados do século XIX, criow 1504 BION um modelo sem precedentes ou rivais na gestao in- dustrial de produtos complexos com base tecnolégica. Esse modelo, hoje conhecido na literatura como tema Americano de Manufatura’ (American System of ‘Manufactures ~ ASM), teria entao sido posteriormente adotado pela Gra-Bretanha, Franga, Alemanha e Japao. E interessante descrever as caracteristicas basicas da manufatura inglesa e americana do perfodo ime- diatamente ap6s a Revolugao Americana, culminan do com a Declaragio de Independéncia de 1776.! No mesmo ano de 1776, James Watt (1736-1819) (veja Figura 1.3) vendeu seu primeiro motor a vapor na Inglaterra (instalado inicialmente em fabricas de artefatos de ferro ¢ ago) ¢ disparou a chamada Pri- meira Revolucéo Industrial. Essa revolugio mudou a face da industria, com uma crescente mecanizagio das tarefas anteriormente executadas de forma ma: nual, Avangos tecnolégicos importantes facilitaram a substitui¢ao de mao de obra por capital e permitiram 0 desenvolvimento de economias de escala, tornando interessante o estabelecimento de “unidades fabris" No século XVII, a Inglaterra era a lider do mundo industrial e tecnolégico e estava obtendo progressos revoluciondrios na producio de equipamentos téxteis, méquinas-ferramenta e motores a vapor. Entretanto, "Também em 1726, 0 economista escocés Adam Smith (1723- 1790) proclamou o final do sistema tradicional mercantilista ¢ 0 inicio do moderno capitalism no seu cissico livro A rigueza das ages, no qual artculou os benefcios da dvisto do trabalho. Nao ‘por coincidéncia, Henry Ford, um dos mais vislves propagadores, de sistemas produtivos fundamentados na divsio do trabalho, a linha de montagem mével, mais de 150 anos depois, escreveu um livro evjo penitimo capitulo intitua-se"A riquera das nagoes’ 8 Capttulo esses. progressos estavam bastante distanciados da produgdo em larga escala de produtos complexos. 0 progresso nesses mercados e setores industriais estava sendo prejudicado por fatores como temores dos ar- tesdios independentes quanto a seu papel futuro, tradi- 40, preferéncias dos consumidores por produtos de alta qualidade e personalizacao, e pela necessidade de inovagao na forga de trabalho, nos métodos de gestao € nos equipamentos usados. Intercambialidade de pecas Quando Eli Whitney, entdo jé famoso nos Estados Uni- dos por ter inventado uma maquina revolucionaria de processar algodao (cotton gin) (veja Figura 1.4), entrou em acordo com 0 governo dos Estados Unidos em ju- nho de 1798 para entregar 10.000 mosquetes (uma arma de fogo que lembra um rifle) dois anos depois, a qualidade pobre da manufatura colonial durante a era da Revolugdo de Independéncia ainda estava fresca na memeéria das pessoas. © quartil final do século XVII nos Estados Uni- dos tinha sido dominado por industrias de pequena escala, “caseiras” (cottage industries), mantidas pre dominantemente por artesdos e seus aprendizes que haviam sido treinados e influenciados pelos métodos europeus de producio, frequentemente pouco efi ientes quanto ao uso de materiais e mao de obra. Muito dependente de habilidades tinicas e dos ca prichos temperamentais dos mestres artesdos, a pro: ducdo nao era organizada por fungdes especializadas, ‘mas pela tradigao do artesanato de o trabalhador pro: duzir o produto inteiro manualmente. Nao é surpresa que 0s produtos finais variassem muito em qualidade que imperfeigdes grosseiras fossem comuns. Eli Whitney passou o ano anterior ao inicio de seu contrato com o governo construindo as ferramentas, 08 dispositivos e outros equipamentos de producio, que, tomados em seu conjunto, tornariam possivel um, fluxo ordeiro e integrado de produgao em sua fabrica de mosquetes. Em cada estagao de trabalho, haveria 0 niimero certo de ferramentas, miquinas, componen: tes e pessoas para garantir um fluxo ininterrupto (veja os Capitulos 14 ¢ 15 para um tratamento de fluxos produtivos e sua gestio). Organizando a fabrica para acomodar um processo regular de manufatura e construindo méquinas capa- 2es de trabalhar dentro de limites estreitos de toleran- cias dimens onais, Eli Whitney redefiniu a natureza das tarefas de manufatura. A natureza nao seria mais, de coordenar os esforgos de virtuosos individuais, mas de resolver o problema técnico de organizacio do processo (veja o Capitulo 10 para um tratamento contemporaneo do tema). O contrato de 10.000 rifles entregues em dois anos no péde ser honrado, pois 0 novo sistema requereu. enorme quantidade de ajustes até que funcionasse continuamente. Whitney levou, de fato, quase oito anos para entregar 05 10.000 rifles contratados ini- cialmente. Entretanto, a maioria dos 10,000 foi pro- duzida nos Gltimos dois anos. Em 1811, Whitney ganhou um contrato para entregar mais 15.000 mos- quetes e estes, sim, puderam ser entregues em dois anos. O sistema se aperfeigoava (). IW MeL, UERLAONY FIGURA 1.4 Eli Whitney e seu cotton gin, invento que mudou a face do sul dos EUA pois, aumentando produtividade da industria téxtl, incentivou muito as plantagdes de algodao. Introdugio e Evolugde Histérica da Gestdo de Producio e Operades 9 Enquanto © conceito americano de componentes feitos a maquina, altamente intercambiaveis, baixava os custos de producdo e abria importantes oportunidades para obtengio de economias de escala, os produtores ainda ndo sabiam como equacionar a contradigéo de maior padronizacio para obtengio de ganhos de escala com a necessidade do mercado de maior variedade de produtos. Nas fabricas iniciais que adotaram 0 ASM, otientadas a processo, era dificil e caro introduzir no- ‘vos produtos. De certa forma, a empresa fabricante de maquinas de costura de M. Singer foi pioneira no desenvolvimento de uma organizagio de manufatura flexivel o suficiente para assimilar avangos tecnol6gi- os, enquanto ofereci lade de produtos a custos baixos e qualidade uniforme (veja 0 Capitulo 10 para saber mais sobre a tecnologia de processos produtivos), Com o desenvolvimento tecnolégico, a tendéncia na- tural foi que gradualmente a produgao de partes das ‘méquinas de costura foi sendo terceirizada para as of cinas de fornecedores especializados. Isso nao ocorreu apenas na indiistria de maquinas de costura. No final do século XIX, por exemplo, mesmo produtores tradicionalmente verticalmente integ, dos, como os fabricantes de bicicleta e de carruagens, passaram a depender de fornecedores externos para itens mais tecnologicamente sofisticados. A légica era simples. Fontes de suprimentos externas permitiam a fabricantes pequenos e médios adquirir partes de forma muito mais barata. Houve, entio, uma onda de “terceirizacio’, como a desverticalizagao é hoje cha- ‘mada em algumas instancias (veja o Capitulo 3 para entender mais sobre as decisdes sobre terceirizacao). A répida proliferagio de oficinas especializadas de fornecedores de pecas, moldes, ferramentas etc. aju- dou a preparar o terreno para a primeira geracio de fabricantes de automéveis. Por forca de os fabricantes tradicionais, e g, de carruagens e bicicletas terem desenvolvido a malha de fornecedores capacitados, 6 primeiros fabricantes de automéveis (como, por exemplo, Henry Ford), em sua maioria, eram monta- dores que montavam seus carros, em galpées aluga- os, a partir de componentes fornecidos por terceiros. As grandes ferrovias Outro aspecto importante na evolucdo da gestio de operagdes (e até mesmo da gestio de empreendimen- tos, que nesta época eram conceitos quase intercambi- veis) é o papel que tiveram as ferrovias americanas. Blas praticamente iniciaram 0 desenvolvimento de uma Segunda Revolucdo Industrial, pois eram empre- endimentos de grande porte que requeriam processos complexos de gestio nunca antes necessérios. Para sua construgio © operagio, eram consumidas enormes quantidades de virios ipos de produto, entre eles oa¢o. Em 1868, os Estados Unidos ainda eram um peque- no ator na industria de ago. Em 1872, Andrew Carne- gie (1835-1919) combinou uma inovagao tecnolégica no processo de produzir aco (método Bessemer) com, as técnicas desenvolvidas de contabilizacao e organiza «do aprendidas com J. Edgar Thomson e McCallum no setor ferroviario e obteve em sua usina de ago niveis de integragao e eficiéncia nunca antes obtidos. Foi a pri- meira vez, por exemplo, que o layout (arranjo fisico) fabril (veja 0 Capitulo 13) obedecen ao fluxo produtivo, visando & continuidade ¢ uniformidade. Tornou-se 0 mais eficiente produtor de ago do mundo. ‘Toda esta histéria narrada até agora ocorreu antes do inicio do século XX. Uma hist6ria rica e interessan- te, que sem diivida nos ajuda a compreender melhor © que se segue - 0 nao menos fascinante século XX. 1.2.3 OPERACOES AO LONGO DO SECULO XX Nao foi, portanto, por acaso que uma das grandes con- tribuigdes para a gestao fabril mais sistematizada veio da industria de producao de aco. Era lé que trabalhava ‘um analista chamado Frederick Taylor (1856-1915). Algumas de suas ideias serdo discutidas a seguir, por- que elas foram essenciais para a formagao da gestao de operagées do século XX. Frederick Taylor Coube a Frederick Taylor (veja Figura 1.5), em torno de 1901, 0 pioneirismo no desenvolvimento de té nicas efetivas visando sistematizar 0 estudo e a and- lise do trabalho (o que viria a ser a génese da drea de “estudo de tempos e métodos” - veja o Capitulo 11 ~ que influenciou tremendamente a area de gestio de ‘operages no inicio do século XX). Nesse periodo da historia, as fabricas dedicadas a grandes volumes de producao estavam estabelecendo-se como unidades produtivas que demandavam solugdes que as tornas- sem mais eficientes e gerencidveis, ¢ & nesse ambiente que o trabalho de Taylor floresce. Embora se dé crédito a muitos individuos sobre contribuigdes anteriores para a sistematizago da atividade de gesto de operacées (Adam Smith, Eli Whitney, entre outros), até 0 surgimento das ideias de Frederick Taylor, ninguém tinha sido capaz de gerar uum interesse sustentado ¢ um quadro de referéncia sistematico e robusto o suficiente para que, de forma plaustvel, se pudesse reivindicar paraa “gestdo”o status 10 capitulo 1 de uma disciplina, ou area definida do conhecimento. Foi Taylor quem eloquente e obstinadamente propos 0 uso do que chamava de scientific management (admit nistragdo cientifica) (Taylor, 1971). Foi também Taylor (e seus associados) quem tirou os conceitos do campo de meras ideias e de fato implementou seus principios em um sem-niimero de fabricas. FIGURA 1.5 Frederick Taylor. Era um individuo brilhante para questaes anali- ticas. Ganhou 0 titulo de engenheiro mecinico por correspondéncia enquanto trabathava em tempo in- tegral. Mas o que fez suas contribuigdes serem tao importantes paraa gestaio de operacdes? ‘Taylor era um ativo estudioso das formas de au. ‘mentar a produtividade em processos produtivos. Sua intengao era claramente ligada & eficiéncia: fazer mais produtos com menos recursos. Isso em parte se justi- ficava pelas condicionantes historicas da época: mer- cados afluentes, como 0 norte-americano, requeriam quantidades crescentes de produtos que fossem aces- siveis a uma grande e crescente quantidade de pessoas. Taylor estabeleceu principios que passaram mais tarde a ser conhecidos como principios da adminis- tragdo cientifica. Embora talvez o termo cientifico seja inadequado para descrever a abordagem taylorista, dada a escassa base cientifica de suas anilises, Taylor sistematizou técnicas e principios que, em seu con- junto, contribuiram para um aumento substancial dos niveis de eficiéncia da industria americana do inicio do século XX (veja o Capitulo 11 para maiores discus- ‘ses sobre os principios da Administracio Cientifica). Taylor nao trabalhou sozinho no desenvolvimento da chamada administracao cientifica. Houve outros pioneiros cujo trabalho contribuiu para o desenvolvi- mento da area de gestio de operagGes. Virios foram os seguidores de Taylor que trabalharam para aperfeicoar seus métodos, como Frank Gilbreth, criador dos es- tudos de “tempos e movimentos’, e Henry Gantt, no- tabilizado pelo desenvolvimento, entre outros, dos chamados “gréficos de Gantt’, um método de controle de projetos (veja 0 Capitulo 9). Vocé sabia? No inicio do séoulo XX, a produgéo om larga escala, 0 uso de pecas intercambiave's produzidas por méquinas e a in tegragao vertical ja tinham feito dos Estados Unidos 0 pais dos grandes fabricantes. Produgdas de alto volume eram Ccomuuns nas setores industrais de cigarras, ago, eo, co mid enlatads, sluminio € outros. Entretanto, 8 adaptagéo de motores de combustéo interna a catuagens (criando | (0 entéo chamados horseless vehicles ou “veicuios sem cavalo") propiciou as condigdes para o surgimento de um setor industrial, provavelmente o mas influente no desen- volvimento das técnicas de gestéo de operagdes ao longo | do século XX: 0 setor automobilstico Henry Ford Henry Ford nasceu em Dearborn, em 1863, filho de ‘uma familia de posses limitadas, imigrantes irlandeses. Em 1888, Henry Ford se casaria e iniciaria, no mesmo ‘ano, suas experiéncias noturnas com motores, numa oficina construfda nos fundos de sua casa. Empregou- -se posteriormente na Detroit Edison Company, de Thomas A. Edison, Montou em sua oficina “caseira’ seu primeiro carro, um quadriciclo (veja Figura 1.6), que foi as ruas em 1896, Iniciava-se ai sua trajetdria como produtor de carros. FIGURA 1.6 O quadricicio de Ford Ford alugou entéo um galpao para continuar com seus experimentos. Monto mais alguns carros (0 Arrow e 0 999 ~ com o qual bateu o recorde ame- ricano de velocidade, segundo Maia, 2002) com o Introdugio e Evolugie Histérica da Gestdo de ProducSo e Operagées 11 intuito de participar de corridas. Participou e ganhou. Era o prestigio de que precisava. Em 1903, Ford pro- duzin industrialmente o primeiro carro chamado de Modelo A. Vendeu 1.708 unidades no primeiro ano. Ford modelo “T” Em 1908, ocorreram dois eventos que teriam grande influéncia no progresso da indiistria automobilistica William Durant (anteriormente, um grande fabri- cante de carruagens) formou a General Motors Com- pany (incorporando a Buick, a Olds, no ano seguintea Oakland ea Cadillac e dois anos mais tarde, por aqui- sig@es € troca de ages, incorporou em torno de mais 20 empresas ~ 11 fabricantes de automéveis, o restan- te, de pecas e acessérios)’ e Henry Ford anunciou seu novo “Modelo T” (veja Figura 1.7) Em 1908, enquanto a indistria automobilistica americana produzia apenas 65.000 automéveis por ano, Durant ja previa uma produgio de 1 milhao de carros por ano e Ford ja tinha encontrado um meio de tornar realidade aquela visio: seu “Modelo T” (Sloan Jr, 2001). “Construirei um carro para as grandes massas, fe to com os melhores materiais, pelos melhores homens que puderem ser contratados € seguindo os projetos mais simples que a moderna engenharia puder con- cceber [...] de prego tao baixo que qualquer homem que ganhe um bom salério seja capaz de possuir - ¢ de desfrutar com sua familia a béngao das horas de prazer 10 cantririo dos outros fabricantes de carros, que eram predo- minantemente montadores de pecas compradas de fornecedores, ‘por integragio vertical, Durant ea General Motors em 1910 j pro: cluziam grande parte das pecas usadas em suas montagens. nos grandes espagos abertos da natureza” (declaragéo de Henry Ford no inicio da carreira como produtor de carros [Tedlow, 2002]), (Os americanos gostaram muito do Modelo T (mais de 15 milhdes de unidades foram vendidas de 1908 a 1927, quando foi descontinuado) e do homem que os fabricava. Ford tinha origem simples ¢ fazia questo de diferenciar-se dos ricos banqueiros e seus modos aristocraticos da época. A demanda do Modelo T su- perou seus sonhos mais otimistas. As consequéncias, que vieram desse sucesso alteraram substancialmente 0 mundo no século XX. ‘A forma de fazer automé- veis", disse Ford a um de seus sécios em 1903, “ fa- 2é-los todos iguais, fazé-los sair da fabrica exatamente iguais ~ da mesma maneira que um alfinete é igual a outro alfinete’, A partir de 1913, Ford introduziu outra mudanga de processo que faria com que seus indices de produ- tividade crescessem drasticamente: os produtos a se- rem montados agora fluiriam de estagao de trabalho em estagio de trabalho, indo de encontro aos monta- dores, ao invés do contrério. Estava criada a linha de ‘montagem mével (veja o Capitulo 10). Linha de montagem mével Henry Ford trouxe, em escala nunca antes tentada, para o ambiente industrial, os principios da admi- nistragao cientifica ~ divisio do trabalho, escolha do trabalhador certo para o trabalho, juntando-os com © principio da intercambialidade de pegas produzi- das automatizadamente em enormes quantidades - € acrescentou a estes a ideia de padronizagao dos produtos e de fazer produtos moverem-se enquanto estagbes de trabalho ficavam estiticas. A estratégia absolutamente focalizada de Henry Ford teve grande sucesso, o que representou a possibilidade de a Ford Motor Company tornar-se uma grande corporagao ja nos anos de 1910. Alfred Sloan e a General Motors Co.: diversificagao Voce sabia? Pouca gente imagina que, em 1923, a Ford sozinha j pro- dduzia em tomo de 2 milhées de carros por ano (Sloan Jt. 200!) (0 Brasi, com suas ern torno de 15 montadores, pro- duziu um total aproximado de 2,5 milhdes de carros no ano de 2015) conceito de Henry Ford, de um modelo sem variagdes a0 menor preco do mercado, expresso no Modelo T, dominava o grande mercado ja ha mais 2 Capitulo de uma década. A General Motors, com origem ¢ crescimento por aquisigSes de outras empresas (di- ferentemente da Ford, que cresceu a partir de um niicleo Gnico), tinha nesta época sete linhas de vei- culos: Chevrolet (dois modelos bem diferentes en- tre si), Oakland (antecessor do Pontiac), Olds (mais tarde Oldsmobile), Scripps-Booth, Sheridam, Buick e Cadillac. Nao havia na GM uma politica abrangente de mercado e precos para 0 conjunto de suas linhas ¢ 0 resultado era a concorréncia entre linhas. A Gene- ral Motors notou que necessitava de algo novo para continuar concorrendo. Seria necessirio raciona- lizar custos e organizar a linha de produtos e seus precos, diminuindo as superposigdes. Seus executi- vos acreditavam que nos anos subsequentes, a me- dida que o consumidor americano fosse se tornando mais exigente, a politica de produtos da GM seria vencedora. Do inicio para o meio dos anos 20, de fato, a socie- dade americana passava por alteragdes substanciais. (Os mercados evoluiam e tornavam-se mais sofistica- dos. As pessoas tinham maior poder aquisitivo e, por- tanto, passavam a demandar produtos mais préximos de suas necessidades e desejos especificos. A medida que 0 mercado se torna mais sofisticado, criam-se as condig6es para que Alfred Sloan, entéo recém-empossado como CEO da General Motors, estruture uma politica de segmentagao da oferta de seus veiculos, baseada no principio de que diferen- tes segmentos de mercado estariam dispostos a pagar diferentes precos por diferentes produtos. A resposta do mercado foi muito favordvel, penalizandoa politica fordista tradicional Se a estratégia de Ford teve grande sucesso no ini- cio do século, quando um veiculo semiutilitario como ‘0 Modelo T atendeu a necessidades de pequenos pro- ptietarios rurais muito sensiveis a prego, © ambiente norte-americano de meados dos anos 20, mais sofisti- cado, favoreceu a politica de flexibilizacao de linha de produtos de Alfred Sloan. Aestratégia de Ford sofre um sério baque Quando, algo tardiamente, Ford percebeu a ascensio da politica de Alfred Sloan e da General Motors, de- cidiu alterar sua linha de produtos para produzir 0 segundo “Modelo A” Quase todas as 5.580 pecas do novo “Modelo A de 1927 eram “inteiramente novas” ‘Assim, 0 mecanismo de todas as fabricas da Ford teve de ser reconstruido do zero. Os layouts das fabricas foram modificados, novas instalagées foram constru- {das apressadamente para comportar essas modifica- ges, novas fontes de energia elétrica foram obtidas, incontaveis novas conexdes elétricas foram feitas, melhores correias transportadoras foram instaladas e novas maquinas-ferramenta de projetos totalmente novos foram construidas ou compradas aos milhares. Foi a maior transformagao de uma fabrica na hist6ria da industria norte-americana, Para realizé-la, Ford, 0 homem “obcecado pelo tempo’, que por toda a vida adorara mexer com relégios e que fez fortuna redu- zindo o tempo necessério para montar um automével, teve de fechar as fabricas por seis meses em 1927. Em. termos de negécios, isso foi um desastre. Isso contribuiu muito para que nessa época a Ge- neral Motors ultrapassasse a Ford como lider mundial em produgio de veiculos para nio mais perder esta lideranga, pelo menos até 2008, quando a Toyota lhe tomou a lideranga, ‘Ao mesmo tempo que o mercado mudava, a mao de obra com a qual Taylor lidava, no infcio do século, havia mudado também. ‘A componente social do trabalho Com 0 passar do tempo, as condigées de trabalho preconizadas por Taylor e Ford, em geral repetitivas ¢ tediosas, acabaram por fazer com que os trabalha- dores apresentassem crescentes niveis de absentei mo e até alcoolismo. Estudiosos comegaram a notar que a abordagem exclusivamente técnica dada por Taylor e seu estudo do trabalho talvez fossem ape- nas parciais. Alguma atengdo deveria ser dada para 0s aspectos sociais do trabalho. Surgem as primeiras iniciativas de abordagens hoje chamadas sociotécni- cas. Para isso, a drea de gestio de operagbes recebeu contribuicées significativas de uma importante area do conhecimento: a psicologia aplicada ao trabalho (veja 0s Capitulos 11 ¢ 12 para o desenvolvimento desses temas). Motivagao no trabalho esse periodo datam as primeiras iniciativas das or- ganizagdes de estabelecer caixas de sugestdes, clubes de funcionérios, incentivos diferenciados, muito mais atengio para o ambiente de trabalho e para fatores motivacionais. ‘A década dos anos 30, desde seu inicio, trouxe al- guma turbuléncia para os mercados industriais ame- Ficanos. O ano de 1929 € 0 ano da grande quebra da olsa de valores americana (veja Figura 1.8). Introducdo e Evolugao Histérica da Gestao de Producaoe Operagdes 13, FIGURA 1.8 Depo's da quebra da bolsa de valores americana (1929), as pessoas correm aos bancos para recuperar suas poupangas. ‘A produgio industrial cai e esforgos ainda maio- res sio direcionados para a redugdo de custos em processos produtivos. Muitas unidades produtivas jd trabalhavam em niveis de produgo em massa. A preocupagio com qualidade era crescente. Como a demanda caiu no periodo de recessio, nem todos 6s fabricantes de produtos conseguiriam vender sua produgio total. Isso significa que o cliente ganha im- Portincia no proceso e aspectos como qualidade de produtos, design, variedade e outros passam a ser ‘mais valorizados pelas organizagdes. O tratamento de qualidade dessa época ainda era muito relacionado & inspegdo ao fim da linha. Inspetores treinados eram instruidos para inspecionar os produtos e separar os bons dos defeituosos. Um analista chamado Shewart, trabalhando para a Bell Labs, entretanto, ja desenvol- via, em 1926, estudos para alterar essa visio tradicio- nal da qualidade, de inspecionar produtos ao fim da linha, para uma énfase em monitorar 0 processo de produgao, 0 que passaria a ser conhecido como “con- trole estatistico do processo” (veja 0 Capitulo 6 para a descrigio dessa mudanga de abordagem), Os anos 30 decorrem com certa turbuléncia. Em 1939, eclode a Segunda Grande Guerra Mundial (1GGM). Esforgos sao direcionados pelas empresas manufa tureiras para apoiar seus respectivos paises no esforco de guerra. Areas como a logistica, 0 controle de qu: lidade e os métodos de produgao mais eficientes aca- baram por beneficiar-se desse esforgo. Uma das reas, que mais progrediram na época da II GGM foi a do uso de técnicas de programagio e analise matematica para identificacao de pontos mais favoraveis de opera- Go. Foia origem da pesquisa operacional. Em 1936, um time de cientistas foi criado na Royal Air Force (Forga Aérea Britanica) para analisar como operar 0 recém-criado equipamento “radar”, Era na- tural referir-se ao grupo como estando preocupado ‘com pesquisa sobre como operar 0 equipamento mais que em como projetar o equipamento, dai a designa- ‘¢40 futura da rea de conhecimento como “pesquisa ‘operacional’. Esforgos de usar uma abordagem ‘cien- tifica” para apoiar a tomada de decisio, conforme ja comentado, remontam aos primeiros anos do sé- culo XIX, com as contribuigées de Charles Babbage (1832), ¢ primeiros anos do século XX, com Frederick Taylor e sua “administragao cientifica’, Em torno de 1920, estabeleceu-se @ profissio de “consultor em gestio” nos Estados Unidos, embora esse desenvol- vimento tenha tido menor aceitagdo na Europa que nos Estados Unidos (Keys, 1995), onde a unido en- tre ‘ciéncia” e industria foi largamente baseada em associages de pesquisa patrocinadas pelo governo. impacto positivo da pesquisa operacional durante ‘05 anos de guerra facilitou a migragao do uso das téc- de problemas de guerra para problemas indus- triais e comerciais. nic Desenvolve-se a ymento e controle da producao Outro desenvolvimento interessante que derivou do movimento de estabelecimento no pés-guerra da 1é- ¢gica de pesquisa operacional foi o estabelecimento, de ‘uma ver por todas, de éreas como “planejamento, pro- gramagao e controle de producéo” (veja os Capitulos 16, 18 € 19), “controle de estoques” (veja 0 Capitulo 17), “previsdes” (veja o Capitulo 8) ¢ outras correlatas, acompanhadas mais tarde do surgimento de socieda- des que congregam estudiosos e priticos interessados no tema, como a APICS (originalmente, American Production and Inventory Control Society []), fundada em 1957, por exemplo, € © Council of Logistics Management, atualmente cha- mado Council of Supply Chain Management Profes- sionals (), fundado em 1963 (Johnston, 1999). dep A llogistica ganha impulso A logistica também evoluiu muito durante a Il GGM, porque uma guerra em escala mundial requeria que munigées, alimentos e outros suprimentos, como pe- «as sobressalentes de equipamentos e veiculos de com- bate fossem, de forma eficiente, disponibilizados nas vrias frentes de batalha, em diversas regides do mun- do, onde fossem necessirios. © ano de 1945 marca o fim da II GGM. A guer- 1a praticamente ocorreu na Europa e no Japao. Numa 14 Capitulo situagdo de guerra, os envolvidos nao apenas visam a objetivos militares, mas também industriais de seus inimigos, de onde saem equipamentos e suprimentos. Isso significa que, ao final da II GGM, a capacidade produtiva mundial encontrava-se severamente depri- mida. Ao mesmo tempo, a capacidade de demanda, reprimida por muitos anos durante a guerra, estava Vi vendo um periodo de “bolha de consumo’, Combaten: tes voltavam do fronte com esperanga renovada, Houve 0 fendmeno do baby boom, com grande quantidade de recém-nascidos demandando produtos € servigos em quantidade, além daqueles produtos e servigos reque- ridos pela populagdo em geral para aplacar suas ne- cessidades reprimidas durante 0 periodo de guetta. Desequilibra-se a relagao entre suprimento e demanda. Com isso, cria-se um mercado que favorece os ofer- tantes. E um mercado dito “comprador’: Nessa situacio, normalmente, os clientes deixam de ser tao exigentes, pois o que querem séo produtos ~ nao necessariamente o melhor produto ou de melhor design ou aquele entre- gue mais répida ou confiavelmente, Surgem as condi- ges para uma nova onda de valorizagao dos modelos de produgo em massa, No mundo automobilistico, carros como 0 VW Beetle (o nosso fusca), na Europa, passam a liderar os mercados (veja Figura 1.9). FIGURA 1.9 VW Beetle 1947 ‘As empresas veem nisso uma oportunidade de {ganhar fatias importantes do mercado futuro, Numa situagao como essa, praticamente qualquer produto é vendido, ndo necessitando ser competitivamente su- perior. Em paralelo, acaba de ser desenvolvido grande conjunto de técnicas no esforgo de guerra, que, a rigor, sio subutilizadas (pelo menos nos Estados Unidos), visto ndo serem to necessérias na configuracao do mercado de entdo, Criam-se as condigdes para que um relativamente longo periodo de estagnagao da area de gestio de operagées ocorra no ocidente, pelo menos em termos de novos desenvolvimentos. Nasce 0 Just in Time, na Toyota, no Japao do pés-guerra No Japao, entretanto, esforgos estavam sendo dispa- rados pela indiistria e pela sociedade no sentido da reconstrugio e da retomada da atividade industrial, que seriam as sementes do desenvolvimento do Just in Time (veja 0 Capitulo 20), © Just in Time & uma filosofia de producao desen- volvida na Toyota Motor Co. por um gerente de pro- dugéo chamado Tahiichi Ohno (veja Figura 1.10). FIGURA 1.10 Tahiichi Ohno, Atribui-se a ele parcela considerdvel de contribui- 40 a0 milagre industrial japonés, que levou o Japao a deixar de ser em 1945 um paisarrasado por uma guerra da qual saiu derrotado para tornar-se uma das maiores poténcias industriais do mundo, apenas trés décadas depois. Nao é surpresa que o sistema revolu- cionario japonés tenha nascido e florescido na indis- tria automobilistica. Isso de certa forma foi deliberado pelo poderoso MITI (Ministery for International Trade and Industry ~ ou Ministério de Comércio Exterior € Indiistria), que definiu muito claramente as politicas industriais do Japao no pés-guerra e em cujo centro estava a indistria automobilistica Embora o sistema Just in Time tenha se populari- zado tremendamente a partir dos anos 70, principal- mente depois da primeira crise do petréleo (1973), suas origens remontam aos anos 40, apés o final da If GGM. Se 0s Estados Unidos, como pais ganhador de uma guerra que nao aconteceu em seu territério e con- sequentemente preservou sua indiistria, comegaram a viver talvez seu periodo de maior afluéncia, 0 Japao, como pais perdedor, saia da II GGM com o moral de seu povo baixo e escasser severissima de recursos. Em 15 de agosto de 1945, o Japio perdeu a guer- ra; essa data, entretanto, também marcou um reini cio para a Toyota, A Toyota era uma empresa que 16 Capitulo industriais incontestes. Essa afluéncia pode ter causa- do certo grau de complacéncia, como sugere Skinner (1969), eessa complacéncia sé foi desafiada seriamen- te do meio para o fim dos anos 60, quando, baseado nos programas de reconstrugio da Europa (e. ¢., pla- 1no Marshall) e do Japao, empresas dessas regides, que or escassez.e necessidade haviam melhorado muito suas capacidades e habilidades produtivas, passaram a desafiar a lideranga das empresas americanas. Os anos 50, os primeiros anos da computacio, trouxeram grande esperanca também para a érea de planejamento e controle de producéo, ja que, mesmo com os desenvolvimentos de teorias como de gestio de estoques nos anos 30, os problemas complexos de programagao de atividades em fabricas jé tremenda- mente complexas esbarravam fortemente na limitagio da capacidade de tratamento de informagées. Com os primeiros computadores, surgiram as primeiras apli cagbes, que eram voltadas a registrar os estoques de produtos e componentes usando 0 corpo de conheci- mentos recém-desenvolvido sobre controle e gestio de estoques, agora jé considerada uma érea do conheci- mento (sob nomes como gestdo cientifica de estoques ou gestao estatistica de estoques — veja o Capitulo 17), inclusive contando com suas associagbes, como a APICS (http://www. apics.org>), fundada em 1957. Nos anos 60, 0 mundo encontra-se com sua capa- cidade de produgao, em grande parte, recuperada, ¢ a otha de demanda reprimida durante a guerra havia sido atendida. Mais do que reequilibrar suprimento e consumo, investimentos adicionais fizeram com que a capacidade produtiva mundial passasse a superar substancialmente a capacidade de 0 mundo consu- mir produtos. O JIT continua a desenvolver-se ainda ‘como vantagem competitiva quase exclusiva das mon- tadoras de veiculos japoneses, conforme visto na secio anterior. Numa situacdo como essa, cria-se um merca- do que passa a favorecer 0 demandante. O cliente vé- -se na situagao de poder escolher entre varias ofertas concorrentes, j4 que nem todos os ofertantes conse- guiriam colocar seus produtos. Competitividade passa a ser uma palavra cada ver.mais constante no vocabu- lirio do gestor de operacées. Isso fica dramaticamente claro para a indtistria ocidental, particularmente para americana, no inicio dos anos 70. As indistrias japonesas destacam-se nos mercados mundiais esse periodo, de fato alavancada pelo esforgo de reconstrugéo do periodo pés-guerra e pela crise do petréleo de 1973, a industria japonesa ganha niveis de competitividade sem precedentes em sua histdria, em mercados com lideres tradicionais bem estabele- cidos: automéveis, motocicletas, aparelhos elétricos ¢ outros. Para surpresa geral dos gestores ocidentais, 05 produtos japoneses apresentam niveis superiores de desempenho aos dos concorrentes ocidentais em prego e qualidade, Em certo momento, em 1973, a indistria automobilistica japonesa domina em torno de 20% do mercado doméstico americano (auxiliada adicionalmente pelo primeiro choque do petréleo, que faz os pregos de combustiveis subirem, favore- cendo os pequenos, compactos e econdmicos carros Japoneses). O resultado, para a sociedade americana, foi logo sentido. Fabricas foram fechadas e milhares de pessoas perderam seus empregos. Dispararam-se, nes- sa época, virios movimentos de contrarreagio, tanto ras empresas quanto na academia americana, Marcos dessa tendéncia foram dois artigos escritos pelo aca- démico americano Wickham Skinner, da Universidade de Harvard. Wickham Skinner e 0 nascimento da “estratégia de manufatura” primeiro deles, datado de 1969, era intitulado “Ma- nufatura: 0 elo que falta na estratégia corporativa” (Skinner, 1969). Skinner procura ustificar alguns mo- tivos que estariam levando a indiistria automobilisti- cca (e em geral) americana a perder competitividade. © argumento principal é de que o tratamento dado ao setor de manufatura na indstria americana era exces- sivamente reativo e operacional. A manufatura, entre- tanto, mereceria, pela propria natureza das decisoes nela envolvidas, um tratamento estratégico. Em primeiro lugar, a manufatura envolveria a maioria do investimento em capital financeiro ¢ hu- ‘mano das organizagdes, ¢ as decisies referentes a ela eram muito impactantes na geracao de resultados. Em segundo lugar, Skinner argumenta que a maioria das decisdes em operagoes inclui, via de re- gra, recursos fisicos. Esses recursos fisicos tém, por natureza, inércia, Essa inércia refere-se ao tempo que decorre entre 0 momento da tomada de decisio ¢ 0 momento em que essa decisio toma efeito, Para as decisdes de hoje serem bem tomadas, devem neces- sariamente ser apoiadas por uma boa visdo de futuro — e esse futuro deve ser de longo prazo para muitas dessas decisies. Em terceiro lugar, Skinner argumenta que as de- cisdes de operagdes, uma ver tomando efeito, sio normalmente dificeis e caras de serem revertidas, ¢ deverdo, em geral, permanecer exercendo influéncia 18 capitulo origens do tratamento explicito de operagbes de ser- vigo no inicio da década de 70 em diante, significative corpo de conhecimentos especificos de operagies de servicos e das atividades que os diferenciam das opera- ‘gGes de manufatura foi desenvolvido. Desde 0 inicio dos anos 70, de fato, tem havido ‘uma quase unanimidade de que servigos so no mini- ‘mo to importantes quanto processos de manufatura para a maioria das economias. Além disso, tem fica- do crescentemente claro que os servigos sao cada vez ‘mais relevantes, como arma competitiva, mesmo para operacdes de manufatura, visto que, com a evolucio tecnolégica cada vez mais largamente disponivel dos produtos, & cada vez mais dificil para uma empresa diferenciar-se com base nas caracteristicas intrinsecas de seus produtos fisicos. De certa forma, é surpreendente que tenha levado tanto tempo para que os livros de gestio de operagbes tenham comecado a incorporar mais fortemente essa mentalidade. Até meados dos anos 90, a maioria dos livros-texto de gestio de operagdes mais prometia do que entregava uma abordagem equilibrada entre ma- nnufatura e servigos. Os primeiros livros-texto de ges- tao de operagies que colocaram alguma énfase nos setores nao manufatureiros datam do inicio dos anos 70 e alguns passaram a adotar o titulo Operations Ma- agement, para distingui-los dos tradicionais, mais voltados a gestdo de produgdes fabris. Nao entregam 0 que prometem, entretanto, ainda focalizando bastante operagies fabris, Wild (1977), em seu livro Concepts of operations management, talvez tenha sido um dos primeiros a de fato apresentar uma abordagem equi- librada. Nao pode, no entanto, ser considerado um livro-texto. Vocé sabia? Os anos 80 foram, por exceléncia, os anos do reinado da. | subérea, dentro da gestéo de operagdes, de “qualidede’ no Ocidente. As empresas ocidentais passaram a perce. ber que, muito em breve, a qualidade seria condicao de ppermanéncia (e no mais vantagem competitva) nos mer ccedos mundiais. Varias abordagens forem desenvolvidas, talvez ideradas pela ideia geral de TOM (Total Quality Ma- rnagement) e secundadas por abordagens com base em certficagdes como @ ISO $000 (macanismo de certtica (40 de sistemas de qualidade), Nos meados dos anos 80, surge um desenvolvimen- to importante da drea de gestdo de operagdes ~ as chamadas redes de suprimentos. Note como os quase 200 anos de desenvolvimento de técnicas de gestio de operagSesnarradasaté agora foram com raras excegies voltados para melhorias de desempenho dentro das empresas. Ocupavam-se de melhorar os desempenhos de operacées em particular. Quando, entretanto, se passa a ter uma perspectiva mais ampla, nota-se que as ‘operacées individuais nao esto isoladas. Trabalham ara operagdes-clientes e ha operagdes-fornecedoras ‘que para elas trabalham. Na verdade, esse encadeamento de relacionamentos fornecedor-cliente entre operagdes oferece outra forma de ver as operacdes: estas seriam nés das redes de ope- ragdes e essas redes deveriam entio ter suas operagoes gerenciadas de forma sistémica o suficiente para evitar subotimizagdes locais. Surge a érea de “Gestdo de redes de suprimento” (veja o Capitulo 3 para uma completa discussio sobre este tema). O racional por trés desse desenvolvimento pode ser 0 fato de que exatamente (08 quase 200 anos de desenvolvimento nas técnicas de _gestao dos “nés” (operacées individuais das empresas) fizeram com que 0s custos marginais das melhorias in- crementais de desempenho dentro dos nés atingissem patamares bastante elevados, devido ao efeito da “lei dos retornos decrescentes’ Segundo esse principio, aplicado as operagbes, os retornos obtidos por recursos/esforgos adicionais colo- cados na gestio de uma operagao sio decrescentes, ou seja, quanto mais esforgo jd colocado, para um mesmo esforgo adicional, um retorno menor sera obtido. Por outro lado, cresce, no inicio dos anos 90, a consciéncia de que o bom desempenho de um né da rede esté atrelado ao bom desempenho de outros nés dentro da rede a que pertence. Como por 90 anos os desenvolvimentos de técnicas visando a melhoria de desempenho nas ligagdes entre os nds nao receberam atengio substancial, a lei de retornos decrescentes néo havia “agido” substancialmente sobre as ligagGes (flu- 0s entre nés). Isso fazia com que os custos marginais cde methorias incrementais nas ligagbes (entre os nés) ainda se encontrassem em patamares relativamente -modestos. Isso talvez ajude a explicar a avalanche de in- teresse que as técnicas de gestdo de redes de suprimen- to ganharam nos anos 80 ¢ 90, tanto na academia como nas empresas (Corréa e Caon, 2002). Trata-se, de certa forma, de uma extensio da ideia de maior integracao entre nds, trazida pelos sistemas integrados de gestao MRPIVERP (veja o Capitulo 18), mas agora integrando 1nés externos, ou seja, outras empresas da rede. Como tratar a gestio de operagdes considerando que as crescentes pressbes da legislagao ¢ da sociedade organizada (governo, ONGs) aliadas trajetéria de crescimento do consumo e uso de recursos néo renovaveis requerem que na gestao de operagoes se mantenham sempre em vista ndo apenas o obje- tivo de maximizagao da prosperidade econdmica (lucro) da organizagao, mas também da sustenta- Dilidade ambiental do planeta e da responsabilida- de social (pessoas e comunidades). 1.25 PAPELESTRATEGICO DA AREA DE GESTAO DE OPERAGOES HOJE O papel estratégico da rea de operacées est hoje bastante estabelecido nos altos escalées de uma maio- ria de empresas. E frequente a existéncia de Vice-pre- sidentes de Operagdes, ou em empresas estrangeiras (principalmente americanas), COOs (Chief Opera- tions Officer - ou “executivo principal de operacdes”). Entretanto, e paradoxalmente, no nivel das unidades de operagdes propriamente dito, a tomada de deci- ‘sdes em muitas empresas ainda nao obedece a uma consideracao mais sistémica de impactos nos resulta- dos globais da organizacao. Isso talvez ocorra porque as légicas baseadas num mundo do inicio do sécu- Jo XX, em que predominava a produgdo em massa ¢ em que os principios tayloristas tiveram por muito tempo tanto sucesso, arraigaram-se e perpetuaram- -se por tradigao oral e pelas rotinas organizacionais, acabaram por se transformar num paradigma dificil de ser alterado. Cumpre aos profissionais de gestio de operagoes do século XXI alterar esse quadro, para que de fato a érea de operagdes dentro das organiza- ges possa dar sua maxima contribuigdo ao atingi- mento de seus objetivos estratégicos. 1.26 QUADRO GERAL DE REFERENCIA PARA GESTAO ESTRATEGICA DE PRODUCAO EOPERACOES Gestio de operagées foi definida, no inicio deste ca- pitulo, como a atividade de gerenciamento estratégico dos recursos escassos (humanos, tecnoldgicos, infor- macionais e outros), de sua interacao e dos processos que produzem e entregam produtos e servigos visando atender a necessidades e/ou desejos de qualidade, tem- po e custo de seus clientes. Além disso, deve também ‘compatibilizar esse objetivo com as necessidades de eficiéncia no uso dos recursos que os objetivos estraté- ‘gicos da organizagio requerem. Fica clara a relagao entre a gestdo de recursos e os resultados gerados para os varios grupos de interesse: a Introdugdo e Evolugso Histérica da Gestdo de Producto e Operacbes 23 prépria operacao (cujos “recursos e competéncias” so Constantemente afetados pelas experiéncias de “apren- dizado” pelas quais a operagio passa quando atua), aqueles que compram os bens e servigos produzidos (0s “mercados visados” pela operacio), aqueles que investiram recursos na expectativa de retornos sobre seu investimento (0 “negécio” em que a operacéo se Recursos ¢ competéncias + Estratégia de operages + Redes de operagdes + Pacotes de valor + Medidas de desempenho * Oualdade total + Etca, sustentabiidade e seguranga + Produtos e processos + Instalagdes + Planejamento e controle do operagdes + Controle estatistico do processo e confiablidade Ambiente insere), aqueles membros da comunidade onde se in- sere a operagio, que podem ver seus interesses afetados pela atuagéo da operagio e outros (0 “ambiente” onde se insere a operacio). Os resultados alcangados pela operagio sio, entdo, vistos de virios pontos de vista, ou de acordo com varias visbes, e afetam vérios grupos de feresses, conforme ilustrado na Figura 1.12, Visdo Negécio Visio Ambiente Visio Aprendizado Visdo Mercado FIGURA 1.12 Resultados da atuacao da operagio e grupos afetados. Mas como a operagao auxilia em obter esses re- sultados? Por meio do desempenho operacional que presenta, em termos de critérios como a “qualidade” de seus produtos em suas varias dimensées, o “custo” que incorre em produzir e entregar seus produtos, a “flexibilidade” com a qual atende as necessidades de seus clientes, a “velocidade” com a qual atende a seus clientes e a “confiabilidade” com a qual faz tudo isso. Veja a Figura 1.13. Como nem todos 0s critérios de desempenho sio igualmente valorizados por todos os clientes, é im- Portante, para que uma eficaz gestio estratégica da operagao (dos seus recursos e competéncias) ocorra, ‘que sejam cuidadosamente analisados os aspectos que sio priorizados pelos mercados visados. Além disso, outros grupos de interesse também devem ser levados ‘em conta na gestdo estratégica de operagdes: o ambien- te coloca tanto restrigdes (legais, quanto a niveis de oluigo, por exemplo) quanto oportunidades (como oportunidades de aprendizado e melhoria oferecidas pela comunidade académica e de pesquisa); o neg or meio de suas estratégias, define diretrizes para a Bestdo estratégica da operacio e a influencia. Veja uma representacio dessas influéncias na Figura 1.14. 24 Capitulo Recursos ¢ competéncias + Estratégia de operagdes + Redes de operacdes, + Pacotes de valor + Medidas de desempenho + Qualidade total + tic, sustontaiidade @ seguranga + Produtos e processos + Instalagdes + Planejamento e controle de operactes + Controle estatstico do processo e confiabilidade Ambiente Mercados visados ae FIGURA 1.13 Resultados para varios grupos de interesse sao obtidos pela operagdo por meio de seu desempenho ‘operacional em varios critérios. IntrodusBo e Evolugdo Historica da Gestdo de Producio e Operagbes 25 Recursos e competéncias + Esratégia de operagées + Redes de operagdes, + Pacotes de valor + Medidas de desempenho + Qualidae total + tia, sustentabilidade seguranga + Produtos e processos + Instalagdes + Planejamentoe controle de operagbies + Controle estatstico do processo confiabilidade + Qualidade Custos Alexibilidade Visa Aprendizado Velocidade d+ Confiabilidade FIGURA 1.14 Influéncias, sobre 2 gestéo estratégica da operagao, de alguns grupos de interesse Finalmente, para completar nosso quadro geral de referéncia, a ser seguido ao longo do livro, nao se pode esquecer de que, num ambiente competitivo, nao basta ser “bom” no que se faz ~ & necessario ser suficientemente “melhor que a concorréncia” no que se faz para merecer a preferéncia dos mercados visa- dos. Em outras palavras, é necessério que, constan- temente, a operacio compare seu desempenho com aquele dos melhores concorrentes (uma pratica tam- bém chamada benchmarking), para que possa mais adequadamente nortear sua gestio estratégica. Nio se pode esquecer, também, de que as caracteristicas dos recursos e 0s niveis de competéncia da opera- do podem e devem exercer influéncia nas definigdes estratégicas do negécio. Isso porque, muitas vezes, competéncias desenvolvidas pela opera¢o podem oferecer & organizacéo oportunidades importantes de explorar novos mercados ou oferecer novas modali- dades de produtos para seus clientes. Veja na Figura 1.15 0 quadro completo, considerando esses dois dil- timos aspectos. 26 Capitulo Recursos e competéncias + Estratégia de operagdes + Redes de operagées + Pacotes de valor + Medidas de desempenho + Qualidade total + Etica, sustentabilidade @ seguranga + Produtos ¢ provessos + Instalagdes + Planeamento e controle de operagaes + Controle estatistico do processo e confiabilidade FIGURA 1.15 Quadro de referéncia completo para “gestao estratégica de operagdes’ que o guia para o restante do live. Este quadro de referéncia é uma espécie de “mapa de influéncias” relevante para a gestdo estratégica de operagdes € & levado em conta em todas as partes deste livro, Em cada etapa do desenvolvimento dos conceitos ¢ das técnicas, faremos referéncia ao qua- dro de referéncia, de modo que o leitor sempre saiba onde a técnica ou 0 conceito especifico de que se esta tratando esta no quadro geral. 13 ESTUDODECASO GE: fabricante, prestadora de servicos ou ambas? AGE Turbinas é uma das maiores fabricantes mundiais de motores para avides. Ela se redefiniu recentemente como uma fornecedora de “servicos de empuxo’, pois notou que as linhas aéreas, suas clientes, néo precisam possuir as turbinas, necessitam do empuxo para exe- cutar sua atividade-fim: levar pontual, segura e con- fortavelmente seus passageiros dentro da fuselagem de um avido a seu destino, Em vez de ter especialistas em motores, combustio, fluidodinamica e outras especia- lidades que nao tém nada a ver com sua atividade-fim, preferem despender esse esforgo atendendo bem a seus clientes. Pense agora nas mudangas que essa di presentou para a GE Turbinas. Ela agora assina um io re- contrato de nivel de servigo com suas clientes, por exemplo, garantindo 99,9% de disponibilidade de em- uxo para suas aeronaves - isso significa tomar para si a responsabilidade pela manutencio, gestio de esto- ques de pegas sobressalentes, até pelo financiamento Introdusio e Evolugdo Hist6rica da Gestdo de Produgio e Operagées 27 (pela GE Financial Services) dos clientes. Isso signifi- ‘ca que no pacote de valor entregue pela GE (em que anteriormente predominava o bem fisico ~ turbina) acresceram-se muitos elementos de servicos que tém, ‘com suas particularidades, de ser gerados e entregues, € pata isso 0s recursos e os processos que os geram tem de ter suas operacdes gerenciadas! Quais implicagées essa mudanga trouxe para as operagées da GE Turbinas? Pense em empresas sobre as quais vocé tem al- gum conhecimento. Quais oportunidades, como esta da GE Turbinas (acrescentar pacotes de servigo mais ricos ao bem fisico fornecido), essas empresas pode- riam tentar explorar? E quais vantagens e desafios esse tipo de movimento traz para as empresas? 14 RESUMO >» Agestao de operacdes ocupa-se do gerenciamento dos recursos produtivos da organizagao, de sua in- teracio e dosprocessos que produzem e entregam bens e servicos, visando atender as necessidades de seus clientes. » A étea de gestdo de operagdes como a conhecemos hoje comecou a se desenvolver na Primeira Revo- lugdo Industrial, mas teve seu maior progresso du- ante o século XX, com 0 advento da produgio em ‘massa de carros, com as técnicas desenvolvidas na Segunda Grande Guerra e com as mudancas de mercado nos anos que se seguiram. » Ha cinco principais critérios competitivos cujo de- sempenho estratégico s6 pode ser alterado substan- Imente por intermédio da gestdo de operagées: + Qualidade + Custo + Flexibilidade + Velocidade + Confiabilidade » Houve trés expansées de escopo da area de gestio de operagdes durante o século XX: + de unicamente operacional, passa a ser enca- rada como estratégica (isso requereu integra- <0 com outras funcées da empresa); + deter foco exclusivamente em produtos fisicos para incorporar a consideracio de servicos; * de considerar como unidade de anilise ape- nas a unidade produtiva para considerar “re- des” de unidades produtivas (incluindo for- necedores ¢ clientes) ou, em outras palavras, redes de suprimento, 15 EXERCICIOS Por que, embora tenhamos uma evolugio de qua- se 250 anos na rea geral de gestao de operagbes, 4 gestdo estratégica de operagdes s6 passou a set uma preocupagio mais explicita no final dos anos 19602 2. Descreva ¢ justifique as trés “expansées de esco- po” da drea de gestdo de operacées: deoperacional Para estratégica, de operacées fabris para também incluir operagdes de servico ¢ de operagées em unidades para operagdes em redes de unidades de operacio. 3. Quaisas diferencas entre a gestdo de operacdes ea estratégia de operagbes? 1.6 ATIVIDADES PARA SALA DE AULA 1. Por que consideramos que a gestao de operagées, da forma como a vemos hoje, comecou sua gran: de evolugao com a Primeira Revolugio Industrial? Isso quer dizer que antes desse periodo nao havia ‘operacdes que requeriam gestao? scuta © papel das “crises” pelas quais paises € empresas passam (como as guerras, por exemplo) na evolugio da gestio de operagbes. 1.7 BIBLIOGRAFIA E LEITURA ADICIONAL RECOMENDADA ABERNATHY, WJ; CORCORAN, J. E. Relearning from the old masters: lessons of the american system. of manufacturing, Journal of Operations Management, \.3,n84, p, 155-167, Aug. 1983, BABBAGE, C. 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