Você está na página 1de 18
GEOUSP Espaco © Tempo, Séo Paulo, N° 21, pp. 15-31, 2007, GENTRIFICAGAO, A FRONTEIRA E A REESTRUTURAGAO DO ESPACO URBANO Neil Smith’ Traduso: Daniel de Mello Sanfeli RESUMO: 0 Neste ensalo, o autor procura explicar 0 processo da gentrficagéo, situando o fendmeno no quadro mais amplo do desenvolvimento desigual da economia capitalista, Coloce em evidéncia, nesse sentido, a articulacao das diferentes escalas, as mudancas sociais recentes e os ciclos econémicos, fatores que atuam na determinacio da natureza, da forma assumida e dos limites do processo. Por fim, 0 autor identifica tendéncias e obstéculos associades ao desdobramento futuro da gentrificacéo. PALAVRAS-CHAVE: gentrificacdo; fronteira; desenvolvimento desigual ABSTRACT: In this essay the author tries to explain the process of gentrification, situating the phenomenon in the broader scope of the uneven development in the space economy of capitalism. In this sense, he puts in evidence the articulation of different scales, the recent social changes, and the economic cycles; factors which act upon the determination of nature, the assumed form, and the limits of the process. Finally, the author identifies tendencies and obstacles associated with the unfolding future of gentrification. KEY WORDS: gentrification; frontier; uneven development. Em seu ensalo seminal “The significance of the frontier in American history”, escrito em 1893, Frederick Jackson Turner (1958) escreve © desenvolvimento americano exibiu no apenas um avanco sobre uma linha unica, mas um retorno a condicées primitivas em uma linha de fronteira que avanca continuamente, @ um novo desenvolvimento para aquela rea. O desenvolvimento social americano tem reiniciade continuamente na fronteira... Neste avanco, a fronteira € 0 limite externo deste movimento ~ 0 ponto de encontro entre a barbarie e a civilzacdo...O mundo selvagem tem sido perpassado por linhas de civilizaco que S80 cada vez mais numerosas. Para Turner, 2 expansao da fronteira © © recuo da natureza virgem e da barbarie foram uma tentativa de criar um espaco habitdvel a partir de uma natureza hostil e nao cooperativa Isto compreendeu nao apenas um proceso de expanséo espacial e 2 progressiva dominagso do mundo fisico. © desenvolvimento da fronteira sem divida realizou Isto, mas para Turner este desenvolvimento também fol a experiéncia central que definiu a singularidade da identidade nacional americana. Em cada avanco do limite externo realizado por ploneiros robustos, nao apenas novas terras eram acrescentadas, mas Novo sangue era inserido nas veias do ideal democratico americano. Cada nova onda em direcdo ao oeste, na conquista da natureza, devolve para leste ondas de retorno no sentido sMasvande em Geograa Humana pela FC 16 - GEOUSP - Espaco e Tempo, So Paulo, NO 21, 2007 SMITH N. da democratizacéo na natureza humana. Durante 9 século XX a imagem do lugar selvagem e da fronteira foi aplicada menos as planicies, montanhas e florestas do Oeste, ais as cidades do pals todo, mas especialmente aquelas do Leste. Como parte da experiéncia da suburbanizacéo, a cidade americana velo a ser vista, pela classe média branca, como um lugar selvagem; a cidade era, e ainda € para muitos, 0 habitat da morbidade social e do crime, do perigo € da desordem (Warner, 1972). De fato, estes eram medos manifestados, durante 0 anos 50 € 60, por tedricos urbanos que punham em evidéncia a “influ&ncia maléfica” e 2 “decadéncia” urbana, “o mal-estar social” na rea central, a “patologia” da vida urbana; em resumo, 2 “cidade Infernal” (Banfield, 1968). A cidade se tora um lugar selvagem, ou pior, uma selva (Long, 1971; Sternlieb, 1971; ver também Castells, 1976a). Mais ainda do que nos noticiarios © na teoria social, este tema € recorrente em produgdes hollywoodianas do género “selva urbana’, desde Amor, sublime amor e King Kong até Warriors ~ os seivagens da noite. © anti-urbanismo tem sido uma teoria dominante na cultura americana. Em um padréo andlogo & experiéncia original da conguista do Oeste selvagem, os Ultimos 20 anos assistiram a um deslocamento do medo em direcdo 20 romantismo e uma progresséo da Imagem urbana de lugar selvagem para a idéia de fronteira. Cotton Mather € os puritanos da Nova Inglaterra no século XIX temiam a floresta como (0 mal impenetravel, uma perigosa selva, mas com a progressiva dominagéo da floresta € sua transformacdo através do trabalho humano, a imagem mais suave de fronteira - de Tuer - torna-se uma sucessora obvi desta imagem de floresta do mal de Mather. Existe um otimismo uma perspectiva de expansao associada & “fronteira”; a barbarie dé lugar @ fronteira quando a conquista esté em curso. Portanto, nna cidade americana do século XX, a imagem da selva urbana foi substituida por aquela da fronteira urbana, Esta transformagso pode ser identificada nas origens da renovacdo urbana (ver especialmente Abrams, 1965), mas se Intensificou nas ultimas duas’décadas, quando fa restauracso de habitacées unifamillares virou moda na esteira da renovacao urbana. Na linguagem da gentrificacéo, o apelo a imagem de frontelra é exato: pioneiros urbanos, proprietérios urbanos e caubéis urbanos so 0s Novos herdis foleléricos da fronteira urbana, Assim como Turner reconheceu a existéncla dos natives, mas os inclulu do lado selvagem, a Imagem contemporénea da fronteira urbana Implicitamente trata os atuals moradores da area central como um elemento natural do melo fisico a que pertencem Partanto, o termo “pioneiro urbano” é téo arrogante’ quanto a nocéo original de “pioneiro’, visto gue ele transmite a idéia de uma cidade que ainda no 4 socialmente habitada; assim como os americanos natives, a classe trabalhadora urbana de hoje 4 vista como menos do que social, como uma simples parte do meio fisico, Turner foi explicito 2 esse respeito quando definiu a fronteira como "o ponto de encontro entre a barbarie e a civilizago” e, embora 0 vocabuldrio contemporaneo da frontelra aplicado & gentrificacao seja raramente tdo explicito, ele trata a populacdo das dreas centrais da mesma maneira (Stratton, 1977). 0s paralelos véo mais longe. Para Turner, © avango geogréfico da linha de fronteira em direcdo 20 oeste ¢ associado @ construgéo do espirito nacional. Uma esperanga espiritual expressa-se também no discurso entusidstico que apresenta a gentrificagao como a ponta- de-langa de um renascimento urbano americano; no cendrio mais extremo, espera- '5€ gue 5 novos pioneiros facam pelo espirito nacional 0 mesmo que os antigos fizeram: conduzir-nos a. um nove mundo no qual os problemas do mundo velho séo deixados para tras. Nas palavras de uma publicacdo do governo federal, 0 apelo da gentrificagado a fistéria envolve 2 “necessidade psicolégica de experimentar novamente os éxitos do pasado em virtude das decepgdes dos anos recentes - a guerra do Vietnam, 0 caso Watergate, a crise de energia, @ inflacao, as altas taxas de juros, Gentrificagio, a fronteira e 2 reestruturaggo do espaco urbano, pp. 15 - etc” (Advisory Council on Historic Preservation, 1980:9). Ninguém, até o momento, propés qué James Rouse (0 investidor americano responsavel por muitos visiveis shoppings, centros comercials, mercados e galerias para turistas) fosse visto como 0 John Wayne? da gentrificag8o, mas a proposta estaria em harmonia com’ muito da atual Imagem retérica da gentrificagao. Por fim, ¢ esta € 2 concluséo importante, 2 imagem de fronteira serve para racionalizar e legitimar um processo de conquista, tanto no caso do Oeste americano nos séculos XVIII e XIX quanto no caso das areas centrais das cidades do século XX. A imagem se apéla em muitos mitos, mas também tem uma base parcial na realidade. Parte da mitologia j4 foi sugerida, mas antes de prosseguir para examinar 2 base realista da imagem de fronteira, gostaria de discutir um aspecto da mitologia da fronteira ainda nao considerado: 0 nacionalismo. (© processo de gentrificagéo com 0 qual estamos preocupados, aqui, € essencialmente internacional. Ele esta ocorrendo na América do Norte e em grande parte da Europa ocidental, assim como na Australia e na Nova Zelandia, ou seja, nas cidades da malor parte do mundo capitalista ccidental avancado. Apesar disto, em nenhum lugar 0 proceso € t#o pouco compreendide quanto nos Estados Unidos, onde © nacionalismo americano presente na ideologia de fronteira incitou um entendimento provinciano da gentrificagao. A experiéncia original de fronteira anterior a0 século XX no foi restrita aos Estados Unidos, mas sim exportada para o mundo todo; da mesma forma, embora ndo esteja em nenhum lugar tao enraizada como esté nos Estados Unidos, 2 ideologia de fronteira também surge em outros locais associada a gentrificagao. A influéncia internacional da experiéneia americana anterior de fronteira € repetida no caso do panorama urbano do século Xx; a imagem de gentrficacao €, 80 mesmo tempd, cosmopalita @ paroquial, geral e local. E geral em Imagem, mas geralmente diferente nos detalhes. Por estas razées, a critica da Imagem de fronteira nfo nos obriga a repetir o nacionalismo de Turner, € no 7 deve ser vista como uma base nacionalista para a discusséo da gentrificacao. A experiéncia australiana da fronteira, por exemple, certamente fol diferente da americana, mas também fol responsavel (Juntamente com 2 importacdo da cultura americana) por produzir uma forte ideologia da fronteira. & @ propria fronteira americana era téo intensamente real para Imigrantes potencials da Escandinavia ou Irlanda, quanto o era para Imigrantes franceses ou britanicos que viviam em Baltimore ou Boston. Entretanto, como em toda ideologia, hé um embasamento real, ainda que parcial € distorcido, para o tratamento da gentrificacdo como uma nova fronteira urbana. Nesta idéia de fronteira, vé-se uma combinacdo evocativa das dimensées econémica € espacial do desenvolvimento. A poténcia da imagem de fronteira depende da sutileza presente nesta combinacéo do econémico com o espacial. No século XIX, a expansdo da fronteira geografica nos EUA e em outros lugares foi também uma expans&o econémica do capital. Contudo, 0 individualismo social fixado e incorporado 3 Idéta de fronteira ¢, em um aspecto importante, um mito; a linha de fronteira de Turner fol expandida em direcgo oeste menos por pioneiros € proprietarios individuals do que por bancos, estradas de ferro, o Estado e outros especuladores, e esses, por sua vez, venderam suas terras (com lucro) para empresas e familias (ver, por exemplo, Swierenga, 1968). Nesse periodo, @ expanséo econémica foi realizada em parte por meio da expansdo geografica absoluta, ou seja, a expanséo da economia significou a expansao da arena geografica na qual 2 economia operava. Hoje, 0 vinculo entre © desenvolvimento econémico € geogréfico persiste, conferindo imagem de fronteira sua atualidade, mas a forma deste vinculo € bem diferente. No que diz respeito @ base espacial, a expanséo econémica ocorre hoje nao por meio da expansao geogréfica absoluta, mas pela diferenciacéo interna do espago geogrdfico (N. Smith, 1982). A produgao atual do espaco ou do 18 - GEOUSP - Espaco 2 Tempo, So Paulo, NO 21, 2007 SMITH N. desenvolvimento geogréfico é, portanto, um processo acentuadamente desigual. A gentrificago, 2 renovaggo urbana € o mals amplo e complexo processo de reestruturacao urbana so todos parte da diferenciacao do espago geografico na escala urbana; ¢, embora estes processos tenham sua origem em um periode anterior 4 atual crise econémica mundial, sua fungéo hoje é reservar uma pequena parte do substrato geografico para um futuro periodo de expansao (Smith, 1984). E assim como no caso da fronteira original, a mitologia afirma ser a gentrificaggo um processo liderado por pioneires € proprietarios individuals cufo suor, ousadia e visdo estdo preparando o caminho para aqueles, entre nés, que séo mais temerosos. Mas mesmo que ignoremos a renovacéo urbana e 0 redesenvolvimento comercial, administrative ¢ recreacional que vem ocorrendo, e concentremos-nos apenas na reabilitacao residencial, € patente o fato de que, onde quer que os “pioneiros urbanos” se aventurem, os bancos, as incorporadoras, 0 Estado e outros atores econémicos coletivos geralmente chegam antes. Neste sentido, Parece ser mais apropriado ver a James Rouse Company nao como o John Wayne, mas como a Wells Fargo” da gentrificacgo. Na midia, a gentrificagso tem sido apresentada como 0 maior simbolo do amplo proceso de renovacao urbana que vem ‘ocorrendo. Sua importéncia simbélica ultrapassa fem muito sua importéncia real; € uma pequena parte, embora muito visivel, de um processo muito mais amplo. O verdadelro proceso de gentrificacao presta-se a tal abuso cultural da mesma forma que ocorreu com a fronteira original. Quaisquer que sejam as reais forcas econémicas, socials e politicas que pavimentam © caminho para a gentrificacdo, quaisquer que sejam os bancos e imobiliarias, governos e emprelteiros que estao por tras do proceso, 0 Fato € que @ gentrificagao aparece, a primeira vista, @ especialmente nos EVA, como um maravilhoso testemunho dos valores do individualismo, da familia, da oportunidade ‘econémica e da dignidade do trabalho ( ganho pelo suor). Aparentemente, a0 menos, a gentrificagdo pode ser tocada de forma 2 executar alguns dos acordes mais ressonantes de nosso piano ideolégico. 14 em 1961, Jean Gottman néo apenas percebeu a existéncia de configuracdes urbanas em transformacéo, mas também falou em uma linguagem receptiva a ideologia emergente, quando afirmou que a “fronteira da economia americana ¢, nos dias de hoje, urbana e suburbana, em vez de uma fronteira periférica 4s dreas civiizadas” (Gottman, 1961: 78). Com duas importantes condicdes, que se tornaram mais visiveis nas ditimas duas décadas, este insight é correto. Em primeiro lugar, a fronteira urbana é, antes de mais nada, uma fronteira no sentido econémico. As transformacdes politicas, sociais e culturais nas areas centrais s#o amide intensas e sao certamente importantes no que diz respeito & experiéncia imediata da vida cotidiana, mas elas estéo associadas 20 desenvolvimento de uma fronteira econémica. Em segundo lugar, a fronteira urbana é, hoje, apenas uma dentre varias fronteiras existentes, visto que 2 diferenciagao interna do espaco geografico ‘ocorre em diferentes escalas. No contexto da atual crise econémica global, é evidente que tanto o capital Internacional quanto aquele de origem americana se defrontam com uma “fronteira” global que abrange a assim chamada fronteira urbana. Este vinculo entre diferentes escalas e a importancia do desenvolvimento urbano para a recuperacdo nacional e internacional ficaram claramente evidentes no linguajar entusidstico usado por apoladores das Zonas Empresariais [Enterprise zone] urbanzs, uma idéia surgida nas administragdes Reagan ¢ Thatcher. Para citar apenas um apologista, Stuart Butler (um economista britanico que trabalha para um grupo americano de direlta, 2 Heritage Foundation Pode-se sustentar que pelo menos parte do problema com 0 qual se defrontam muitas reas urbanas hoje reside no fracasso em aplicar 9 mecanismo explicade por Turner (0 continuo desenvolvimento e renovacao locais de idéias) Gentrificagio, a fronteira e 2 reestruturaggo do espaco urbano, pp. 15 - para 2 “fronteire” das éreas urbanas central As cidades esto enfrentando mudancas fundamentals, ¢, no entanto, as medidas utilzadas para lidar com estas mudencas s8o ordenadas, na sua maforia, por governos distantes. 16s falhamos em avaliar que podem cexistir oportunidades nas proprias cidades, e nds escrupulosamente evitamos conceder, as forcas locais, 2 chance de aproveita-las. Os proponentes da Zona Empresarial visam proporcionar um ambiente onde 0 processo de fronteira possa ser colocado em pratica na propria cidade, (Butler, 1981: 3) A observacéo circunspecta de Gottmann € outros abriu espago, vinte anos mais tarde, para a adocdo escancarada da “fronteira urbana” como 0 nticleo de um programa politico € econdémico de reestruturacdo urbana de acordo com os interesses do capital. A linha de fronteira hoje possul uma definiggo essencialmente econdmica - como a fronteira da lucratividade - mas adquire uma expressao geografica bastante acentuada em diferentes escalas espaciais. Isto 6, basicamente, o que a fronteira do século XX (sie)" e a assim chamada fronteira urbana tém em comum. Na realidade, ambas estéo assocladas @ acumulacdo € expanséo do capital Mas enquanto a fronteira do século XIX representou a realizacdo de uma expansdo geografica absoluta como a principal expresso espacial da acumulaggo de capital, a gentrificagéo © a renovacéo urbana representam 0 exemplo mals desenvolvido da rediferenciacdo do espace. geografico com vistas a0 mesmo resultado. E possivel que, para compreender 0 presente, o que seja necessario hoje € a substituigao de uma falsa historia por uma geografia verdadeira. Arreestruturagao do espaco urbano E importante compreender a dimensdo atual da gentrificaggo de modo a entender a natureza e a import&ncia real do proceso de reestruturacdo. Se por gentrificacao 19 entendermos, estritamente, 2 renovacéo residencial em bairros da classe trabalhadora, entdo, nos Estados Unidos (onde este processo é, provavelmente, mais intenso), ela aparece claramente no nivel dos distrites censitarios, mas no ainda em estatisticas metropolitanas (Chall, 1984; Schaffer e Smith, 1964). Para um certo nlimero de cidades, nivel de renda, aluguéls outros indicadores do censo de 1980 oferecem evidéncias claras de gentrificacéo nas areas centrais. Entretanto, 0 processo ainda nao se tornou suficientemente importante a ponto de reverter, ou ao menos obstar de forma considerével, as tendéncias atuais de suburbanizacdo residencial. Embora seja um padréo empirico interessante, de forma isolada este processo dificilmente significa uma transformacdo de maior alcance nos padrées de desenvolvimento urbano. Se, contudo, afastarmos a ideologia estreita promovida pela Gentrificagao, e vermos 0 processo a partir de algumas mudancas urbanas mais amplas, embora menos visiveis; se, em outras palavras, examinarmos 0 impuiso do proceso, e nao dados empiricos estaticos, surge, ent#o, um padréo coerente de uma reestruturaggo urbana multe mais significative. Antes de examinar as tendéncias exates que estio conduzindo a um processo de reestruturado, & importante observar que a questéo da escala espacial é fundamental em qualquer explicacio relevante. Podemos afirmar que a reestruturacao da economia espacial urbana é um produto do desenvolvimento desigual do capitalismo ou da operagéo de um rent gap; que ela € 0 resultado de uma economia de servigos em processo de desenvolvimento ou de mudancas nas preferéncias por estilos de vida; que esta reestruturagso ¢ resultado da suburbanizagso do capital ou da desvalorizacéo do capital Investido no ambiente construido, Obviamente, reestruturacao € um resultado, em alguma medida, de todas estas forcas, mas afirmar isto acrescenta muito pouco. Estes processos ocorrem em escalas espaciais diferentes e, embora tentativas anteriores de explicacdo tenderam a se fixar a uma ou outra destas forgas, elas podem, na verdade, néo ser 20 - GEOUSP - Espaco e Tempo, So Paulo, NO 21, 2007 mutuamente excludentes. Autores que tentaram incorporer mais de uma destas forcas geralmente se contentaram em listé-las como fatores. Esta verséo da “anélise de fatores” é, contudo, bastante desprovida de ambiga0. Todo © problema da explicacgo reside néo em identificar fatores, mas em compreender a importéncia relativa e a relacéo estabelecida entre os assim chamados “fatores”. Em parte, trata-se de uma questao de escala, Mas existe uma segunda questéo de escala concernente aos niveis de generalidade. Aceitamos, aqui, que @ reestruturac3o do ‘espaco urbano é geral, mas de forma alguma universal. Que significa'cizer isto? Significa, em primeiro lugar, que a reestruturagso do espaco urbano ngo é, estritamente falando, um fendmeno novo, Todo o processo de crescimento € desenvolvimento urbano consiste em um constante arranjo, _estruturago_e reestruturagao do espaco urbano. O que novo, hoje, € 2 intensidade em que esta reestruturacdo do espaco se apresenta como um componente Imediato de uma ampla reestruturacao sociale econémica das ‘economias capitalistas avancadas. Determinado ambiente construido expressa uma organizagzo especifica da produgéo © reprodugao, do consumo e da circulaggo, e conforme esta ‘organizagéo se modifica, também se modifica a configuracao do ambiente construido. A cidade dos pedestres, afirma-se, no é a cidade do automével, mas de forma ainda mais significativa, talvez, a cidade do pequeno artesanato nao € a metrépole do capital multinacional. A reestruturagdo geografica_ da economia espacial € sempre desigual; portanto, 3 reestruturagdo urbana em uma regigo da economia nacional ou internacional pode nao ser acompanhada, tanto em qualidade ou quantidade, natureza ou intensidade, por uma reestruturacdo em outra regigo. Isto é Imediatamente evidente na comparacdo entre partes desenvolvidas © subdesenvolvidas da economia mundial. A estrutura bésica da maioria das cidades do Terceiro Mundo e os processos SMITH N. ‘em operacdo s#o muito diferentes da realidade na Europa, Oceania ou América do Norte. Mas, igualmente, no interior das economias desenvolvidas, ha fortes disparidades regionals. Se Baltimore e Los Angeles esto ambas experimentando répidas transformacdes em suas economias espaciais, também se pode afirmar que existem tantas diferencas quanto similaridades entre elas. Outras cidades, como Gary, em Indiana, podem estar sofrendo um declinio inexoravel e minima reestruturacdo (no lugar disso, uma continua deterioragéo). Em resumo, hd sobreposicao de arranjos regionals @ internacionais que complicam as configuraées urbanas. Embora déem énfase as causas gerals a0 pano de fundo da reestruturagao urbana contemporanea, as explanacdes oferecidas so poderdo ter éxito na medida em que comecem a esclarecer @ diversidade das formas urbanas que resultam do proceso, assim como totals excegdes @ regra aparente. Isto, de novo, requer néo uma "andlise fatorial” (uma lista dos fatores), mas uma explanaggo Integrada; devemos esclarecer no apenas a localizacéo, mas também a temporalidade desta profunda transformagao urbana. Mas talvez a distincao mais basica que surgira é aquela entre as tendéncias que s80_predominantemente yesponsaveis pel ocorréncia da reestruturacéo urbana e aquelas responsavels pela forma que © processo assume Os mals importantes processos responsdveis pela origem e pela forma da reestruturacéo urbana podem, talvez, ser resumidos nos seguintes itens: (2) _a suburbanizago e 0 surgimento de Um diferencial de renda (rent gap); (b) a desindustrializagao das economias capitalistas avancadas e 0 crescimento do emprego no setor de servicos; (©) __ a centralizagao espacial e simultnea descentralizacao do capital; (¢) 2 queda na taxa de movimentos ciclicos do capital; (e) lucro e os as mudangas demograficas e nos Gentrificagio, a fronteira e 2 reestruturaggo do espaco urbano, pp. 15 - 24 Padroes de consumo. Em conjunto, estas transformacées e processos podem proporcionar uma primeira aproximacéo de uma explicaggo integrada das diferentes facetas da gentrificacdo e da reestruturacao urbana Suburbanizacdo e o surgimento do rent gap A explanagdo do desenvolvimento da suburbanizagao @ mals complexa do que comumente se supde, e uma alternativa revisionista as explicacdes _tradicionais, baseadas no transporte esté comecando a surgir (Walker, 1978, 1981). 0 objetivo aqui néo € fornecer uma ‘descri¢éo minuciosa da suburbanizacao, mas sintetizar algumas das conclusées mals importantes. © processo de suburbanizacao representa uma simultane centralizacdo & descentralizagéo do capital e da atividade humana no espaco geografico. Em uma escala nacional, a suburbanizacao ¢ a expanséo para além das areas centrais, e este processo deve ser entendido, de forma geral, como um produto necessario da centralizacao do capital. E 0 crescimento dos vilarejos em cidades ¢ das cidades em metropoles. Na escala urbana, no entanto, da Perspectiva do centro urban, a suburbanizacao € um processo de descentralizacao. E produto ngo do impulso elementar em direco 4 centralizagfo, mas do Impulso em diregdo a uma elevada taxa de lucro. A taxa de lucro varia conforme a localizacao, e na escala urbana como tal, 0 Indicador econémico que diferencia um local do outro € a renda da terra, Muitas outras forgas estiveram envolvidas na suburbanizacao do capital, mas a disponibilidade de terras mais, baratas na periferia (menor renda da terra) foi primordial para o proceso todo. Nao havia nenhuma necessidade natural de @ expanséo da atividade econémica tomar a forma do desenvolvimento suburbano; nao havia nenhum Impedimento técnico que impossibilitasse um movimento do capital moderna de larga escala para o interior rural, ou impedindo que este capital redesenvolvesse a cidade industrial que herdou, mas, em vez disto, a expansio do capital’ conduziu a um proceso de suburbanizacao. Isto, em parte, tem relagzo com (0 Impeto & centralizagao (ver abalxo), mas, dada ‘a economia da centralizacdo, € a estrutura da renda da terra que determinou a expansao da atividade econémica para as areas suburbanas. © movimento do capital que leva a0 desenvolvimento de atividades industriais, comerciais, residenciais e recreacionais nas areas suburbanas resulta em uma mudanca reciproca dos nivels de renda da terra nas areas centrais e nas areas suburbanas. Enquanto o preco da terra nas areas suburbanas eleva-se com a proliferacdo de novas construcdes, 0 preco relativo da terra nas areas centrais cai Cada vez menores quantidades de capital s80 canalizadas para a manutengdo e restauragdo dos edificios localizados na area central. Isto resulta naquilo que denominamos um diferencial (rent gap) entre a atual renda da terra capitalizada pelo uso presente (deteriorado) e a renda da terra potencial que poderia ser capitalizada pelo "mais elevado e melhor” uso da terra (ou, ao menos, comparativamente "mals elevado e melhor” uso), em virtude da sua localizaggo centralizada, Esta suburbanizagso ocorre paralelamente 2 mudangas estruturais nas economias avangadas. Alguns dos outros processos que examinaremos s80 mais limitados em abrangéncia; 0 que é digno de nota no que diz respeito a0 rent gap é sua quase onipresenca. A maior parte das cidades no mundo capitalista avancado experimentou tal fendmeno, em malor ou menor intensidade. Onde 0 proceso € desobstruido para trilhar seu caminho em nome do livre mercado, ele leva a um abandono substancial das propriedades localizadas nas reas centrais. Esta desvalorizacéo do capital investido no ambiente construido afeta as propriedades de todos os géneros: comercial e industrial, bem como residencial. Diferentes intensidades e formas de envolvimento do Estado conferem ao processo caracteristicas muito diferentes em diversas economias, € 0 abandono (a conclusdo légica 22 - GEOUSP - Espaco e Tempo, So Paulo, NO 21, 2007 do processo) € mais marcante nos EUA, onde o envolvimento do Estado tem sido menos consistente e mais esporddico. Em um nivel mais basico, € 0 deslocamento do capital para a construgo de paisagens suburbanas e o consequente surgimento de um rent gap o que cria a opertunidade econémica para a reestruturacso das dreas urbanas centrais. A desvalorizacso da area central cria a oportunidade para a revalorizagao desta parte “subdesenvolvida” do ‘espago urbano, A realizacéo efetiva do proceso © 2 determinacéo de sua forma especifica Incluem os outros itens listados acima. Desindustrializacao e o crescimento da ‘economia terciaria” Associado & desvalorizaggo do capital investido nas areas centrais esta o enfraquecimento de certos setores econémicos usos do solo em comparagao com outros. Isto @ resultado, essenciaimente, de amplas transformagées na estrutura econdmica, AS economias capitalistas avancadas (@ grande excecgo sendo 0 Japéo), em particular, tém experimentado um inicio. de uma desindustrializacao, a0 passo que houve uma paralela (ainda que parcial) industrializagso de certas economias do Terceiro Mundo. & partir dos anos 1960, a maloria das economias industriais tiveram reducao na proporgéo de trabalhadores empregados nos _setores industriais (Blackaby, 1978; Harris, 1980, 1983; Bluestone and Harrison, 1982). Mas multas 4reas urbanas comegaram a sofrer os efeitos da desindustrializacao muito antes das ultimas duas décadas. Assim, 0 crescimento da indistria, em escala nacional, desde a 11 Guerra Mundial, foi bastante assimétrico entre as regides. Enquanto em algumas regides, tals como a Midlands Ocidental e 0 sudoeste da Inglaterra, ou como muitos dos estados do sul € sudoeste dos EUA, houve um rapido crescimento da industria moderna, outras regides sofreram um desinvestimento relativo do capital investido na industria. Na escala SMITH N. urbana 0 processo se mostra ainda mais marcante; a maior parte da expansao da capacidade industrial durante 0 boom do pés- guerra nao se instalou nas areas mais centrais, das cidades, 0 lugar tradicional da industria segundo o modelo de Chicago de estrutura urbana, mas se localizou em dreas suburbanas @ periféricas. © resultado disto fol um periodo de desinvestimento sistematico na producao industrial urbana que data, no caso de algumas cidades britanicas, mesmo de antes da I Guerra Mundial (Lenman, 1977). E isto ocorreu apesar de ter havido um aumento na producgo Industrial global da economia do Reino Unido, mesmo depois da II Guerra. A conseqdéncia desta desindustrializagao € 0 crescimento do emprego em outros setores da economia, especialmente daquelas ocupagées que tém sido definidas, imprecisamente, como ¢e colarinho branco ou de servicos. No interior destas categorias amplas, muitos tipos de empregos diferentes festao incluidos: desde empregos em escritorios, servigos de comunicagio e varejo até carreiras profissionais, de gestéo e de pesquisa. No Ambito deste movimento abrangente em direcéo ‘a um crescimento da forca de trabalho no setor de services, portanto, existem tendéncias multo diversificadas, cada qual com expressées espacials especificas, como veremos mais adiante. Por si 56, 0s processos de desindustrializagio e crescimento do emprego nos servicos nao explicam, de modo algum, a reestruturag3o dos centros urbanos. Na verdade, esses processos ajudam a explicar, em primero lugar, os tipos de estoques de edificios @ usos do solo envolvidos no desenvolvimento do rent gap e, em segundo lugar, 0s novos usos do solo que devem surgir quando houver a oportunidade para o redesenvolvimento. Portanto, embora a énfase da midia tem sido nna gentrificacdo recente © na renovacdo de habitaces da classe trabalhadora, também ‘ocorreu consideravel transformacgo de uso em antigas éreas Industrials. Isto no comecou com 2 conversio de antigos armazéns industrials em fines lofts; multo mais significative fol a anterior atividade de renovagio urbana que, embora Gentrificagio, a fronteira e 2 reestruturaggo do espaco urbano, pp. 15 - 23 certamente se tratasse de um processo de remocdo de cortigos, também foi a remogéo de estruturas industriais obsoletas (isto significando também desvalorizadas), tals como fabricas, depésitos e ancoradouros, locals onde muitos dos moradores dos cortigos haviam, um dia, trabalhado. Embora a desvalorizaco do capital 2 0 surgimento do rent gap expliquem a possibilidade do reinvestimento na rea central, ao redor da qual areas gentrificadas ‘esto se desenvolvendo, e embora as transformacées econémicas ena estrutura de empregos indiquem os tipos de atividade que provavelmente se desenvolverdo a partir ceste Felnvestimento, ainda persiste a questéo de saber por que razéo o crescente numero de empregos no setor de servicos esté, pelo menos em parte, sendo concentrado nas areas centrais. A existéncia do rent gap € apenas uma explicaao parcial; existe, afinal, terras baratas disponiveis em outros locals, por toda a periferia rural Centralizagao espacial e descentralizagéo do capital Com © surgimento do modo capitalista de produgdo, aquilo que até entio havia sido contingente desaparece, € desconsiderado, ou entao € convertido em uma necessidade. A acumulaggo da riqueza havia sido uma contingéncia no sentido de que, por mais que fosse um objetivo dos individuos, nao era, nas sociedades pré-capitalistas, uma regra social geral da qual a sobrevivéncia da sociedade dependia. Com 0 advento do capitalismo, 2 acumulagao de capital se converte em necessidade social exatamente desta maneira. Marx (1967 edn, vol. 2, cap, 25) demonstrou que uma certa concentragée social e centralizagso do capital eram, ao mesmo tempo, um pré- requisito e um produto da acumulagéo de capital. Em resumo, isto significa dizer que proporcées progressivamente maiores de capital séo controladas por um numero cada vez menor de capitalistas. A centralizago social € realizada apenas através da produgao de ordenamentos geograticos especificos, mas os arranjos espaciais resultantes sao complexos. Basicamente, a centralizacdo do capital conduz a uma dialética’ da centralizacdo ¢ descentralizacéo espacial (N. Smith, 1982). Se a expansdo do capital no século XIX ¢ a manifestacao mais clara do ultimo processo (da descentralizacao), 0 desenvolvimento das metrépoles € 0 produto mais visivel da centralizagéo espacial. A centralizacéo do capital ocorre em algumas escalas, contudo, diferentes da escala urbana. Ela ocorre na escala do chéo da fabrica € na escala dos capitals nacionals em uma economia global, e em cada escala existem mecanismos bastante especificos que engendram o proceso. Na escala urbana, as teorias tradicionais deram énfase as “economias de aglomeracao”. A expansao do capital compreende uma progressiva divisao do trabalho, também em diferentes escalas, e, portanto, um numero cada vez maior’ de atividades separadas devem ser combinadas a fim de prover as mercadorias e servicos necessérios. Quanto menor for a distncia entre estas diferentes atividades, menor serd 0 custo € 0 tempo da produgao e do transporte. Inserida neste contexto da acumulagéo de capital, esta explicagao € essencialmente correta no que concerne a centralizacao original do capital em “aglomeracées” urbanas. Em um interessante insight, Walker (1981: 388) observa que 4 medida que o capitalismo se desenvolveu, as ‘economias de aglomeracao diminutram; elas S30 uma forca historicamente contingente. Mas elas sao, em parte, substituidas por economias (organizacionais) de escala com 2 concentracao do capital, de modo que gigantescos nés de atividade ainda estruturam a paisagem urbana. A idéia central aqui é que tals forcas como as economias de aglomeracdo sao historicamente contingentes. Vista da perspectiva do centro da cidade, 2 suburbanizagéo da industria representa um 24 - GEOUSP - Espaco 2 Tempo, So Paulo, NO 21, 2007 claro enfraquecimento das economias de aglomeracao, e ela fol facilitada (¢ néo “causada”) por avangos nos meios de transporte. Vista da perspectiva da economia nacional, contudo, a suburbanizacdo da industria representou uma aglomeracéo de gigantescas (e nao t8o gigantescas) instalagdes industrials 20 redor dos centros urbanos consolidados, e fol, portanto, uma reafirmacao (nesta escala) do’ funcionamento das’ economias de aglomeracao, ainda que enfraquecidas. O que Walker percebe, entretanto, é real; as economias de aglomeracgo operam de forma diferente hoje, com claras consequéncias espacial. A mals obvia destas consequéncias diz respeito as répidas transformacoes nas configuragées locacionais associadas 3 expanséo do emprego no setor de servicos” © problema, no que tange ao emprego nos servigos, € que uma forte tendéncia para a centralizaggo se combina com uma iguaimente forte, ou até mais forte, tendéncia a descentralizaggo: 0 movimento dos escritérios outros empregos de servicos para os subrbios. Como podem estas tendéncias aparentemente opostas coexistir? Como podem a suburbanizacéo e a aglomeracdo ser coexistentes? A explicacgo para este aparente paradoxo reside na consideragao de duas questées inter-relacionadas. A primeira é a relagdo entre espaco e tempo vis-a-vis as diferentes formas de capital © a segunda diz respeito divisao do trabalho no interior dos assim chamados setores de servicos. & um cliché, hoje, sugerir que a revolugo nas tecnologias de comunicacao levara ‘a uma descentralizaggo espacial dos escritérios. Esta aniquilacdo do espaco pelo tempo, como dizia Marx, de fato levou'a uma enorme suburbanizagdo dos empregos nos servicos, seguindo a suburbanizacao industrial. Com o uso do computador nos escritérios, este movimento continua, Mas, em consonéncia com a ideologia da sociedade sem classes que embasou @ nocéo de colarinho branco, este movimento € geralmente tratado como a suburbanizacao de todo € qualquer tipo de SMITH N. trabalho em escritérios, desde altos cargos executives até digitadores. Contudo, quanto mais 0 movimento de suburbanizacgo se desenvolve, mais fica claro que esta nogao ¢ incorreta.' Deste modo, a_ simultinea centralizacdo © descentralizagio das atividades de escritorios € a expresso espacial da divisao do trabalho no Interior da chamada economia de servicos. Geralmente, as atividades de escritérios que sdo descentralizadas 580 os sistemas e operacdes mals rotineiras associadas 2 administracdo, organizacéo e gestéo das atividades governamentals e corporativas. Estas representam os “back offices”, as “fabricas de papel’, ou, mais precisamente, as “fabricas de comunicaggo Muito menos comum é a suburbanizaggo de centros decisérios como sedes de empresas @ de orgaos governamentais. O boom dos escritérios experimentado por muitas cidades no mundo capitalista avancado nos ultimos 15 anos parece ter sido deste tipo; trata-se da continua centralizacéo espacial dos centros decisérios mals importantes, assim como de uma miriade de servicos auxiliares a estas atividades: assessoria Juridica, servigos de publicidade, hotéis € centros de’ conferéncias, editoras, escritérios de arquitetura, bancos & servicos financelros e multos outros servicos relacionados aos negécios. HA excesies a esta regra, e uma das mais dbvias ¢ Stamford, em Connecticut, que atralu multas novas sedes de corporacées. Contudo, Stamford nao é, de forma alguma, um caso comum. €, a0 contrério, singular, justamente por ter atraido a descentralizacao de atividades administrativas @ profissionais auxiliares fundamentals 3s sedes corporativas. © resultado € menos um proceso de descentralizago do que uma recentralizacgo de fungdes executivas em Stamford. Se Isto fortalece a tendéncia a uma "metrépole multi- modal” (Muller, 1976) resta ainda a ser observado. A questo que fica, entdo, é saber por que razo, com a descentralizacdo de fabricas Industriais e de comunicagéo, continua ‘ocorrendo a centralizacdo de nucleos decisérios, Gentrificagio, a fronteira e 2 reestruturaggo do espaco urbano, pp. 15 - como sedes de empresas. As explicagdes tradicionais punham em evidéncia a Importéncia do contato face a face. No entanto, embora a explicacao baseada na necessidade do contato visual comece a identificar as questdes relevantes, ainda muito genérica. Esta explicagdo tende a evocar um certo sentimentalismo em relagdo 20 contato visual, mas podemos ter certeza de que nenhum sentimentalismo pode explicar concentraggo de arranha-céus nos distritos centrais de negéclos (CBDs) contemporaneos. Por tras deste sentimentalismo encontra-se uma justificativa mais utilitéria para o contato Pessoal, € Isso envolve as diferentes formas de administragéo do tempo nos diferentes setores da produgio e circulacao total do capital. Resumidamente, na fabrica Industrial e nas fabricas de comunicagao, o sistema em si (seja © maquindrio, seja 2 agenda administrativa) determina os ritmos didrios, semianais e mensais do processo de trabalho. Mudancas significativas nesta estabilidade de longo prazo advém ou de decistes externas ou de rupturas internas periédicas como greves, falhas mecénicas ou falhas de sistema. A regularidade temporal destes sistemas de producae e administragao, além do fato de dependerem de qualificagées prontamente disponiveis na forca de trabalho € de facilidades de transporte comunicacéo com atividades auxiliares, torna a suburbanizacgo uma deciséo racional. Estas atividades tém pouco @ ganhar ao se instelarem nas areas centrais e, com os elevados alugueis, teriam muito a perder. Mas 0 ritmo temporal da administracao superior da economia e de suas diversas unidades corporativas néo é estavel e regular desta maneira, para o desgosto dos administradores e executivos. Alteragoes nas taxas de juros e nos precos das agtes, acordos financeiros, negociacdes trabalhistas © socorros financeiros (bailouts), transacdes internacionais no mercado de cfmbio e no mercado de ouro, contratos comerciais, 0 comportamento imprevisivel dos governos e dos competidores = todas estas atividades podem exigir uma répida resposta por parte dos gestores de 25 empresas, @ Iss0, por sua vez, exige um contato préximo € imediato com uma’ série de sistemas de apoio profissionais e administrativos, assim como com empresas concorrentes. Nesse setor, e de formas multiplas, 0 cliché “tempo é dinheiro” realiza-se de forma intensa (sobre 2 relacao tempo e juros, ver Harvey, 1982:258). Menos comumente enunciada € a conseqdéncla de que o espaco também € dinheiro: a proximidade espacial reduz os tempos de decisdo quando o sistema de cecisdo ¢ suficientemente irregular @ ponto de néo poder ser reduzido & légica de rotina do computador. © regime temporal anarquico da tomada de decisdes financeiras na sociedade capitalista requer uma certa centralizacao espacial, N20 se trata apenas do fato de que os executivos se sintam mais seguros quando enlatados como sardinhas em arranha-céus repletos de parceiros e concorrentes. Na verdade, eles estdo mais seguros na medida em que a répida tomada de decisées requer contato direto, informagao @ negociacdo, Quanto mais a economia mostra-se propensa a crises, e, portanto, @ administragso de crises de curto prazo, mais se pode esperar das sedes de empresas uma busca por seguranca espacial. Juntamente com a expanséo per se do setor como movimento ciclico do capital investido no ambiente construido, esta resposta espacial 2 irregularidade temporal e financeira ajuda 2 explicar 0 recente boom na construgéo de escritérios nas areas centrais. *Colarinho branco” € um conceito visivelmente “cactico” (Sayer, 1982) com dois componentes distintos, cada qual possuindo uma expresso espacial Enquanto que na cidade pré-capitalista foram as necessidades da troca mercantil que ditaram 0 movimento de centralizaco espacial, @ na cidade industrial capitalista fol a aglomeracao do capital produtivo, na cidade capltalista avangada so os ditames financeiros € administrativos que perpetuam a tendéncia centralizacao. Isto ajuda 2 explicar por que certas atividades chamadas de servigos so centralizadas outras s4o suburbanizadas, € por que a reestruturacao das areas centrals assume esta forma corporativa/profissional. 26 - GEOUSP - Espaco e Tempo, So Paulo, NO 21, 2007 Aqueda da taxa de lucro eo movimento ciclico do capital Tendo em vista, entéo, a natureza espacial do proceso, como podemos explicar 0 momento especifico desta reestruturacao urbana? Esta questéo depende do momento histérico do rent gap e do retorno espacial do capital para a area central. Longe de serem acontecimentos fortuitos, esses eventos sdo parte integrante do ritmo mais amplo da acumulagao de capital. &m um nivel mais abstrato, 0 rent gap resulta da dialética dos padrées espaciais © temporais do investimento de capital; mais concretamente, € 0 produto espacial dos processos complementares de valorizacéo e desvalorizagao. ‘A acumulagéo de capital néo ocorre de forma linear; trata-se de um processo ciclico formado por periodos de expansdo e periodos de crise. O rent gap se desenvolve durante um longo periodo de expanséo econémica, mas uma expansdo que se dé em outro lugar. Portanto, 2 valorizacéo do capital na construcso dos subUrblos do pés-guerra ocorreu paralelamente ‘& desvalorizacéo do capital investido nas areas centrais. Mas a acumulagéo de capital durante este periodo de crescimento leva a uma queda na taxa de lucro que comeca nos setores industrials, e que conduz, em ultima instancia, 4s crises (Marx, 1967 edn, vol. III), Como um meio de afastar a crise, 30 menos temporariamente, 0 capital € retirado da esfera industrial e, como mostrou Harvey (1978, 1982), ha uma tendéncia ao capital ser deslocado para a produgéo do ambiente construido, onde as taxas de lucro permanecem mais altas e onde é possivel, através da especulagéo, @ apropriacgo de renda da terra, apesar de nada ser produzido, Duas coisas se unem, entio: no final de um periodo de expansao no qual 0 rent gap surge @ ria a oportunidade para o reinvestimento, ha uma tendéncia simulténea do capital em buscar uma saida no ambiente construido. A remogao de corticos e os projetos de renovago urbana em muitas cidades ocidentais SMITH N. no periodo posterior a I Guerra Mundial foram iniclados e conduzidos pelo Estado e, embora no sem relaggo om o sumgin ento deent 2a, eles n&o podem ser explicados de forma adequada apenas nestes termos econémicos. Contudo, a funcdo da renovacao urbana foi preparar 0 caminho para a futura reestruturacgo gue surgiria nos anos 60 e se tornaria mais visivel nos anos 70. Em termos econémicos, 0 Estado absorveu os riscos inicials associados a gentrificagdo, como no caso da Society Hill, na Philadelphia, que era um projeto de renovacéo urbana propriamente dito. O Estado também revelou a0 capital privade a possibilidade de reestruturaggo em larga escala das areas centrais, pavimentando o caminho para investimentos futuros de capital. © momento desta reestruturacdo espacial, portanto, esta intlmamente relacionado & reestruturacdo econémica que corre durante as crises econémicas, como aquelas que @ economia mundial experimentou 2 pattir do inicio dos anos 1970. Uma economia reestruturada compreende um amblente construido reestruturado. Mas no ha transicéo gradual para uma economia reestruturada; a ditima crise econdmica encontrou solucso somente apés uma destruicgo gigantesca de capital na If Guerra Mundial, feprésentando uma desvalorizacdo cataclismica de capital e uma destruicgo que antecede uma reestruturacdo do espaco urbano. Hoje, 50 anos mals tarde, nos defrontamos novamente com a mesma ameaca Mudangas demograficas e padrées de consumo © envelhecimento da geragdo baby- boom, 0 elevado numero de mulheres construindo carreira, a proliferacao de familias com uma ou duas pessoas e @ popularidade do estilo de vida “solteiro urban” séo comumente considerados como os fatores que estdo por tras da gentrificagéo. Em harmonia com a ideologia de fronteira, 0 processo € visto aqui como © resultado de escolhas individuals. Mas na verdade, esta explicacdo nao é suficiente. Estamos assistingo a uma reestruturacgo Gentrificagio, a fronteira e 2 reestruturaggo do espaco urbano, pp. 15 - 2 urbana muito mais ampla em abrangéncia do que a reabilitaggo residencial, e é dificil ver como estas explicagdes poderiam ser, na melhor das hipoteses, mais do que parciais. Enquanto estas explicagdes podem ser apenas concebivels no caso da St. Katherine's Dock, em Londres, elas so Irrelevantes para compreender o boom de escritérios € @ renovagio das docas. No entanto, tudo isto estd associado. As mudancas nos padrées demograficos e nas preferéncias de estilo de vida nao sao completamente irrelevantes, mas € crucial que entendamos 0 que estas transformagées podem e 0 que elas nao podem explicar. A importancia das__questdes demograficas e de estilo de vida parece ser fundamental na determinacdo da forma superficial assumida pela reestruturacéo, em vez de explicar a ocorréncia da transformacao urbana. Em vista do movimento do capital em dirego as areas centrais, ea énfase nas fungdes executivas, __profissionais, administrativas € de gestao, assim como outras atividades auxiliares, as mudangas demograficas de estilo de vida podem auxiliar a explicar por que ocorre a proliferacdo de cafés chiques em vez de Harry Johnsons, de butiques de roupas de grife e gourmet shops requintados em vez de mini-mercados, de placas da American Express em vez de placas “aceitamos apenas dinheiro”. Como suger Jager (1986), 2 arquitetura das habitacdes gentrificadas € também um produto de uma cultura de classe especifica e de um conjunto de estilos de vida Portanto, alguns dos projetos de gentrificacéo mals recentes e menos elitizados, especialmente aqueles envolvendo novas construgdes, esto comegando a reproduzir as plores habitagées suburbanas do tipo calxa de fésforos, levando a uma suburbanizagéo social e estética da cidade. Sharon Zukin (1982a, 1982b) oferece uma ilustragao excelente desta questéo em sua andlise do desenvolvimento da habitacéo em lofts no SoHo e em toda a area da Lower Manhattan, Sob o Lower Manhattan Plan, inspirado em Rockfeller e idealizado nos anos 1960, os antigos armazéns, ancoradouros & moradias de trabalhadores nesta area seriam demolidos em beneficio dos usuals modos de construcéo centralizados, verticalizados, financeirizados e de alta tecnologia. A luta exitosa contra 0 redesenvolvimento fol travada em nome da "preservacdo histérica e das artes” e, em 1971, em decisio extraordindria, 0 SoHo foi considerado, no zoneamento, como’ “distrito de artistas”, Entretanto, como’ aponta Zukin, isso ndo representa uma vitéria da cultura (muito menos da “preferéncia do consumidor”) sobre o capital. Na verdade, ela representou uma estratégia alternativa (envolvendo diferentes fracoes de capital) para a “recapitalizaggo” da Lower Manhattan: revalorizacdo pela preservacio, em vez de por meio de nova construcgo, s@ tornou um “compromisso historico” nas’ areas centrais: ‘Na Lower Manhattan a luta para legalizar a moradia em lofts para artistes apenas antecipou, em alguma medida, uma resposta conjuntural & crise nos modos tradicionais do mercado imobiliério. Na verdade, a ampliacao do mercado de lofts depois de 1973 proveu uma base para a acumulacao de capital entre novos, ainda que pequenos, investidores. Desde 1973, obviamente, grandes incorporadoras passaram a se envolver nesta area, Enquanto que antes cooperativas de lofts ram espontaneamente criadas por grupos de residentes interessados, hoje as, incorporadoras renovam e adaptam um edificio @ em seguida colocam-no no mercado, id acabado, como “cooperativa” (Co-op)°. E, evidentemente, cada vez menos moradores do SoHo sao artistas, apesar do zoneamento que ainda persiste. A questéo aqui € que mesmo o SoHo, um dos simbolos mais vividos da expressao artistica na paisagem da gentrificagdo, deve a sua existéncia as mais basicas’ forcas econémicas (ver também Stevens, 1982). A concentragdo de artistas no SoHo, hoje, é mals uma fachada do que a causa da popularidade 28 - GEOUSP - Espaco e Tempo, So Paulo, NO 21, 2007 da area, Isto fica evidente na exploracao do simbolismo artistico da area na publicidade Imobiliéria agressiva Direcdo e limites da reestruturagao urbana Se a reestruturacao que se Iniciou prosseguir em sua atual direcio, ento podemos esperar mudangas significativas na estrutura urbana, Por mais preciso que o modelo de Chicago da estrutura urbana tenha sido, existe um consenso de que ele nso é mais pertinente. 0 desenvolvimento urbano superou 0 modelo. A conclusdo légica da atual reestruturagdo, que permanece hoje incipiente, seria um centro urbano dominado por funcées executivas financeiras e administrativas de alto nivel, habitagées para a classe média e classe média alta, € um complexo de hotéis, restaurantes, cinemas, lojas e espacos de cultura oferecendo lazer a esta populacgo. Em resumo, poderiamos esperar a criagdo de uma drea de recreacao burguesa, a Manhattanizagao social da area central para combinar com a Manhattanizaggo arquiteténica que prenunciou a estrutura de empregos em transformacao. A provavel consequéncia disto é um deslocamento Substancial da classe trabalhadora para os suburbios mais antigos e para a periferia urbana. Isto ndo pode ser entendido, como seguldamente 0 , como um Indicio de que o proceso de suburbanizagdo esté se encaminhando para um fim. Ao contrario, a agitagéo, durante os anos 1970, em torno do assim | chamado “crescimento _n&o- metropolitano” nos EUA representa menos uma reverséo dos padrées de urbanizacao estabelecidos (Berry, 1976; Beale, 1977) do que um prosseguimento da expanséo metropolitana multo para além dos limites estatisticos estabelecides (Abu-Lughod, 1982). Ndo hé muito sentido em supor que a suburbanizaco nao ser mais ampla do que nunca, caso venha a ocorrer um outro periodo de forte expansao econémica, Também néo deve ser vista, esta configuracao, como uma exclusao absoluta da SMITH N. classe trabalhadora das areas centrais. Assim como firmes enclaves de habitagdes de classe média alta subsistiram nas areas centrais amplamente habitadas_ pela classe trabalhadoras durante os anos 1960 € 1970, enclaves de comunidades da classe trabalhadora também permanecerao. De fato, estas comunidades tergo sua fungdo na medida em que 05 equipamentos ¢ 0s servicos da area de recreaggo burguesa requerem uma populacdo trabalnadora. A comparaggo ~ e 0 contraste - com a Africa do Sul instrutiva a este respeito (Western, 1981). A alternativa oposta (de que as areas centrais prosseguiriam em seu declinio absolute em direcéo a um abandono amplo) pode ser vitvel nes Estados Units. E ebé, de fato, uma possibilidade para algumas cidades nos EUA. Na medida em que a reestruturacdo do centro depende de uma continua concentragéo € recentralizacao de funcées econdmicas de controle, pode-se esperar que isto ocorra com intensidade em centros nacionais e regionais. Mas a situaco é menos evidente no caso de cidades industriais menores, como Gary, em Indiana, onde as fungées | administrativas e financeiras associadas as industrias da cidade estéo localizadas em outro lugar. Detroit fornece um exemple ainda mais significativo, porque a suburbanizacao dos escritérios atingiu néo ‘apenas os “back offices’, mas muitas das sedes corporativas, e 05 consideraveis esforgos de recentralizacdo, através do Renaissance Center inspirado em Ford, ainda néo atrairam quantia substancial de capital para o centro de Detrott, Nao ha, também, muito sentido em duvidar de que a répida desvalorizagdo do capital investido no ambiente construido das reas centrais prosseguiré, apesar do inicio de um reinvestimento. Na atual crise econémica, com altas taxas de juros, no séo apenas as Novas construcdes que s#o adversamente tadas. As mesmas forcas provocam uma redug&o do capital investido na manutengo € reparo dos edificios existentes, e a conseqlente desvalorizacao levara a uma expansao do "vale Gentrificagio, a fronteira e 2 reestruturaggo do espaco urbano, pp. 15 - 29 do valor da terra”* dos edificios fisicamente deteriorados; a extensio espacial na qual o rent gap opera 6, entéo, estendida. Portanto, 2 reestruturagao do espago urbano conduz a uma simulténea, assim como subseauente, decadénci @ __redesenvalvimento, desvalorizacdo € revalorizacéo. Em concluséo, salientamos que 2 reestruturagéo do espago urbano € parte de uma evolucéo mais ampla da economia capitalista contempordnea. Assim sendo, no atual contexto de uma crise econémica que se aprofunda, nossas conclusdes © especulages devem ser provisérias. £ bem possivel que a atual crise econémica resultaré em forcas politicas e econémicas, instituigdes e modos de controle muito diferentes, e isto poderia muito bem resultar em padrées de crescimento urbano muito civersificados. Em particular, pus énfase aqui no pano de fundo econémico da reestruturacao, em vez de tentar examinar as “coalizées politicas para o crescimento” (Mollenkopt, 1978, 1983) que executam planos de redesenvolvimento especificos. Isto foi, em parte, uma escolha de escala; nao importa o quao geral seja 0 processo, as experiéncias locais diferem enormemente. Além disso, a énfase na légica da acumulaggo € no seu papel na reestruturacdo urbana de forma alguma pressupée uma adesdo flloséfica a uma abordagem fundada na “légica do capital’, a0 invés de uma abordagem que coloque em ‘evidéncia a luta de classes, Como uma dicotomia filoséfica, esta questo é falsa; mas como uma dialética historica, ela é tudo. A verdade lamentével € que os niveis comparativamente baixos das lutas da classe trabalhadora desde a Guerra Fria (com excecdo daquelas durante o fim dos anos 1960, e em grande parte da Europa no inicio dos anos 1970) significaram que o capital teve, em boa medida, méos livres na estruturacgo_e reestruturagdo do espaco urbano. Isto nao invalida 0 papel da luta de classes; significa que, com poucas excegdes, se tratou de uma luta to desequilibrada que a classe capitalista foi, em geral, capaz de levar a batalha a cabo por meio de suas estratégias econémicas de Investimento de capital. O Investimento de capital € a primeira arma de batalha no arsenal da classe dominante. Uma excecdo importante & hegemonia completa do capital diz respeito ao papel dos governos social-democratas na Europa em fornecer habitagéo publica, as lutas contra a privatizaggo da habitacdo e as revoltas em varias cidades européias em torno da questo da habitagéo no inicio dos anos 80. Estas questées nao s#o abordadas aqui, e isto € uma omissao importante. O que esta experiéncia sugere, contude, é uma progresséo no nosso entendimento da fronteira urbana. A selva urbana produzida pelo movimento ciclico do capital e sua desvalorizacdo se tornaram, do ponto de vista do capital, novas fronteiras urbanas da lucratividade, A gentrificacso € uma fronteira na qual fortunas s8o criadas. Do ponto de vista dos moradores da classe trabalhadora € de suas comunidades, contudo, a fronteira urbana € mais diretamente politica do que econémica. Ameacados de serem desalojados pelo avanco da fronteira da lucratividade, a questo para eles é lutar pelo estabelecimento de uma fronteira politica por trés dz qual moradores da classe trabalhadora possam retomar 0 controle de seus lares: existem dois lados em qualquer fronteira, A tarefa mais ampla é de organizar 0 avango da fronteira politica, € como em qualquer fronteira, seja a de Turner ou a urbana, ha periodos de calmaria e de agitagéo neste processo. Agradecimentos Peter Marcuse, Damaris Rose ¢ Bob Beauregard fizeram vallosos comentérios sobre 95 primeiros esbogos deste trabalho. Também gostaria de agradecer aos membros de um seminério na Harvard University que ofereceram comentérlos, ¢ membros dos departamentos de Geografia em Rutgers e Ohio State que auxiliaram a aprimorar os argumentos. 30 - GEOUSP - Espaco e Tempo, So Paulo, NO 21, 2007 SMITH N. Notas Fonte: Smith, N. Gentrification, the Frontier, and the Restructuring of Urban Space. In: Readings in Urban Theory edited by Susan S. Fainstein and Scott Campbell (Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1996) 2 John Wayne 1907-1979) fol ator de cinema e fez fmaen fines de LT. 2A Wells Fargo é ume instituic3o financeira estadunidense que esteve envolvida com a “corrida pelo ouro” na California, durante o século XIX (naquela époce atuava, além do ramo financeiro propriamente dito, no ramo de transporte, principalmente administrando linhas férreas). A institulgo conserva o mesmo name (eum poder imenso) 2té hoje, depols ce méltiplas aquisigBes e fustes. W.7- *Agul provavel que o autor queira se referir & fronteira do século XIX, como aparece ao longo do texto, © no do século XX. N-T. +0 autor utilza 2 expressdo "white-collar economy”, literalmente “economia de colarinho branco", Por se trater de uma expresso de uso Incomum no portugués, preferimos traduzir por “economia ferciéria”. NT. * Original “white-collar employment”. NT: vexpressio j8 utilizada no vocabulario dos negécios ara se referir as fungdes mals ratineiras ce administracao na diviszo da trabalho no interior das empresas. NT. "Co-op", em inglés, desiana um apartamento ‘adquirida em regime de cooperative, em multos casos em edificios de padrao elevado (o morador se toma membro da cooperativa proprietéria do edificio). N.7. * No original “land value valley", 1.7. Bibliografia Abrams, C. 1965. The city is the Frontier. New York: Harper & Row. Abu-Lughod, J. 1982. The myth of Demetropolitanization. Paper presented at the Symposimum on Social Change, University of Cincinnati. Advisory Council on Historic Preservation 1980. Report to the President and the Congress of the United States. Washington, DC: Government Printing Office. Anderson, 1. 1983. Geography as ideology and the politics of crisis: the Enterprise Zones experiment. In: Redundant Spaces in Cities and Regions?, J. Anderson and R. Hudson (eds.), 313-50. London: Academic Press. Banfield, E. C, 1968, The unheavenly city: The nature and future of our urban crisis. Boston: Little and Brown. Beale, C. 1977. The recent shift of the United Sates population to non-metropolitan areas, 1970-75. International Regional Science Review 2 (2), 113-22. Berry, B. J. L. 1976, The counterurbanization Process: urban America since 1970. In Urbanization and Counterurbanization, B. Berry (ed.), 17-30. Urban Affairs Annual Review, vol. Il. Beverly Hills: Sage Publications. Blackaby, F. (ed.) 1978. De-industrialization. London: Heinemann. Bluestone, B. and B. Harrison 1982. The Deindustrialization of America: Plant closing, community abandonment, and the dismantling of basic Industry. New York: Basic Books, Butler, S. 1981. Enterprise Zones: Greenlining the inner cities. New York: Universe Books. Castells, M. 1976a. The wild city. Kapitalistate 4- 5 (Summer), 2-30. Chall, D. 1984." Neighborhood changes in New York City during the 1970s. Quarterly Review of the Federal Reserve Bank of New York, Winter 1983-84, 38-48, Gottmann, J. 1961. Megalopolis, The urbanized notheastern seabord of the United States. New York: Twentieth Century Fund, Harris, N. 1980. Deindustrialization. International Socialism 7, 72-81 Harris, N. 1983. OF Bread and Guns: The world economy jn crisis. Harmondsworth: Penguin. Gentrificagio, a fronteira e 2 reestruturaggo do espaco urbano, pp. 15 - 31 Harvey, D. 1978. The urban process under capitalism: a framework for analysis International Journal of Urban and Regional Research 2 (1), 100-34 Harvey, D. 1982. The Limits to Capital. Oxford Basil Blackwell. Jager, M. 1986, Class definition and the esthetics of gentrification: Victoriana in Melbourne. tn Gentrification of the City, N. Smith and P. Williams (eds), 78-91. Boston, London and Sydney: Allen & Unwin. Lenman, B. 1977. An Economic History of Modern Scotland, 1660-1976, Hamden, Conn. Archon Books. Long 1971. The city as reservation. Public Interest 25, 22-38, Marx, K. 1967 edn. Capital (3 volumes). New York: International Publishers. Mollenkopt, 3. H. 1978. The postwar politics of urban development. In Marxism and the Metropolis: New perspectives in urban political economy, W. K, Tabb and L. Sawyers (eds), 117-52, New York: Oxford University Press, Mullet, P. 1976. The outer city. Resource Paper 75-2. Association of American Geographers, Washington, DC. Sayer, A. 1982. Explanation in economic geography abstraction _versus generalization. Progress in Human Geography & (March), 68-88. Schaffer, R. and N. Smith 1984. The gentrification of Harlem, Paper presented at the annual conference of the American Association for the Advancement of Science, May 27. Smith, N. 1982. Gentrification and uneven development. Economic Geography 58 (2) (April), 139-155. Sternlieb, G. 1974. The city as sandbox. Public Interest 25, 14-21. Stevens, £, 1962, Baltimore renovates, rebuilds and revitalizes. Art News 81 (8), 94-7 Stratton, 3. 1977. Pioneering in’ the Urban Wilderness. New York: Urizen Books. Swierenga, R. 1968. Pioneers and Profits: Land speculation on the Iowa frontier. Ames, Towa Towa State University Press. Tumer, F. J, 1958 edn. The Frontier in American History. New York: Holt, Rinehart & Winston, Wald, M. 1984, Back offices disperse from downtowns, New York Times (May 13). walker, R. A. 1978, The transformation of urban structure in the nineteenth century and the beginnings of suburbanization. In Urbanization and Conflict in Market Societies, K. R, Cox (ed.), 165-211. London: Muthuen. warner, S. B. 1972. The Urban Wilderness: A history of the American city. New York: Harper & Row. Western, J. 1981. Outcast Cape Town. London: George Allen & Unwin. Zukin, S. 1982a. Loft living as “historical compromise” in the urban core: the New York experience. International Journal of Urban and Regional Research 6 (2), 256-67. Zukin, S. 1982b. Loft Living: culture and capital in urban change, Baltimore: Johns Hopkins University Press, Trabalho enviado em fevereiro de 2007 Trabalho aceito em marco de 2007

Você também pode gostar