Você está na página 1de 20
FUNDAGCAO SANTO ANDRE - FSA PROF: EDIMAR MAX WEBER “ ETICA PROTESTANTE E O ESPIRITO DO CAPITALISMO” Nome: Cecilia M.P Santos Nes? — Everton Moreno N°28 x Luiza M. de Santi Neo4g UC Mariana Spanghero Ne4s of Vinicius Morandi N°50 OA MAX WEBER Vida Economista, socidlogo e fildsofo alem4o, nasceu em Erfurt, Turingia, em 21 de abril de 1864 e morreu em Munique a 14 de junho de 1930, Seu pai, grande industrial t&xtil na Alemanha ocidental, pertenceu ao partido liberal-conservador; sua m&e era de familia de professores liberais e humanistas. Aos dois anos de idade, ficou doente - muito doente, sem duvida, embora possamos duvidar do diagnéstico de meningite - ¢ tomou-se o alvo particular do melancélico desvelo de sua mae. Em 1869, a familia mudou para o bairro berlinense de Charlottenburg L Weber ai freqlentou a escola, recebeu uma educagao ortodoxo predominantemente classica Weber estudou direito nas universidades de Heidelberg, Gottingen e Berlim, adquirindo competéncia profissional em histéria, economia e filosofia. Em 1893, iniciou, em Berlim, sua carreira universitaria como docente de economia politica. No ano seguinte, foi nomeado professor de economia na universidade de Freiburg im Breisgau; em 1895, professor catedratico em Heidelberg. Influenciado na mocidade pelo filésofo Wilhelm Dilthey, manteve depois contato permanente com Alfred Weber (seu irmao), com o historiador Eberhard Gotheim, com o filésofo Wilhelm Windelband, com o historiador literario Friedrich Gundoif, com Werner Sombart, Ferdinand Ténnies, Robert Michels, Georg Simmel e Georg Lukacs. Trés geragées da elite intelectual alem participavam das reuniées em casa de Max e Marianne Weber, em Heidelberg Em 1884, estava em Estrasburgo como suboficial da reserva. Em’ 1884-85, encontramo-lo a estudar em Berlim, no ano letivo seguinte em Gottingen. (No sistema universitario alemao nada havia de incomum nessa movimentac&o de lugar.) Depois de deixar Gottingen, Max Weber passou mais trés anos numa posi¢ao secundaria de advocacia em Berlim, preparando sua tese de doutorado e voltando a Estrasburgo como oficial da reserva por um breve periodo (também serviu em Posen nessa qualidade). Doutorou-se como uma tese sobre a Histéria dos Empérios Medievais, em 1889, Era agora um "assessor" nos tribunais de primeira instancia de Berlim. Em 1891, qualificou-se como professor universitario com uma tese sobre o Significado da Historia Agraria Romana para o Direito Puiblico e Privado. (Foi ao examinar essa tese que o grande historiador Theodor Mommsen disse: "Quando estiver prestes a baixar a sepultura, o estimadissimo Max Weber ser 0 Unico a quem poderia dizer: - Meu filho, eis a minha langa, que ficou pesada demais para o meu braco.") Em 1892, ocupava um cargo de assistente na Faculdade de Direito de Berlim e casou, nesse mesmo ano, com sua prima em segundo grau do lado paterno. Em 1894, a Universidade de Freiburg-im-Breisgau conferiu-Ihe uma catedra de Economia Politica. Em 1897, sucedeu em Heidelberg ao economista Knies. viajou pela Europa - Inglaterra, Escécia, Bélgica, Itélia - e nos Estados Unidos.Da multiplicidade desses contatos nasceu o grande trabalho “Die Protestantisch Ethik um der Gesit des Kapitalismus” (‘A Etica Protestante e 0 Espirito do Capitalismo"), primeiro exemplo de um estudo interdisciplinar, no caso, de uma sintese de pesquisas de histéria econémica e de historia da religido. Esse trabalho, que até hoje a obra mais famosa de Weber, saiu entre 1904 e 1905 no Archiv fur Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (Arquivo de Sociologia e de Politica Social), revista cuja diregdo tinha assumido, junto com Sombart, em 1903. Seus trabalhos, nessa época, tém, muitas vezes, veemente tendéncia politica: combateu o latifindio na Alemanha oriental dos Junkers, predizendo-thes catastrofe parecida com a do império romano; também combateu a burocracia prussiana e 0 semi-absolutismo do imperador Guilherme Il. Durante a guerra de 1914 - 1918, fez apaixonada oposicao jornalistica ao governo imperial, citando as adverténcias dos profetas do Velho Testamento e trabalhou em administragao hospitalar. Em 1918, retomou, depois de longa pausa, as atividades docentes, ministrando na universidade de Viena um curso de “critica positiva da concepcao materialista da historia’, onde expés idéias a respeito de vinculagdes entre a sociologia das religiGes mundiais e as organizagées pollticas e econémicas. No ano seguinte, ocupou catedra na universidade de Munique, exercendo forte influéncia na redacdo da constituicdo da repiblica de Weimar. Uma grande carreira politica parecia abrir-se-the, quando a morte o surpreendeu. Viveu como um erudito de interesses enciclopédicos e como grande burgués, mantendo o habito dos sal6es intelectuais. Sua projec4o no pensamento sociolégico reflete a tradigzo acumulada pela filosofia © pelas ciéncias alemas do fim do século XIX, 0 que permitia a produgao académica uma base s6lida. Cumpre mencionar, a Max Weber, trés vinculacdo de ordem académica e politica. Uma delas era com a Evangelischse-Soziale Verein (Unido Social Evangélica), organismo protestante que representava uma reacdo a sociedade industrial e urbana, em seus primérdios, semelhantes a que 0 Socialismo Cristéo e seus sucessos na Inglaterra e, ainda mais de perto, o Movimento do Evangelho Social, nos Estados Unidos, também caracterizaram. Em seus pontos de vista, a Unido concordava com atitudes de Helene Weber e dos Baumgartens. Era uma tentativa de tornar a fé ¢ a caridade relevantes para uma sociedade transformada, mediante a administragao e a previdéncia sociais. Max Weber era sécio fundador desde 1890 e, através dessa filiacao, associo-se ao politico e publicista Friedrich Naumann. Mais antiga ¢ ilustre (datava de 1872) era a Verein fur Sozialpolitik ( Unido Social-Politica), uma das mais importantes de todas as sociedades eruditas na histéria das ciéncias sociais. Em seus primeiros tempos, a Unido Social-Politica propés idéias avangadas sobre politica social mas, depois de 1881 @ com as provisées de Bismarck no campo do seguro social, passou a interessar-se menos pela propaganda e mais com pesquisa e o debate entre académicos. Durante quase toda o periodo em que Weber foi seu membro (1888-1920), a figura dominava da Uniao chamava-se Gustav Schmoller, responsdvel pelo fato de a agremiacdo ter-se desviado da Economia técnica e teérica para se concentrar em questdes da sociedade, através da historia social e econdmica. A Unido foi um estimulo as pesquisas de Weber e uma plataforma para as suas opini6es e polémicas. Seria absurdo considerar a Unido n&o-politica, depois de sua mudanga de orientago politica em 1881, pois as suas pesquisas nao se orientavam pela ciéncia desinteressada, por problemas decorrentes do desenvolvimento interno das ciéncias sociais, mas sempre por questées de escolha, alarma ou decisdo publica. Nao pretendo dizer que isso se fizesse, de algum modo, através de op¢do e interesse inconscientes; era algo direto e deliberado, Em terceiro lugar, havia a vinculagao ao Partido Liberal Nacional. Embora nacional, sem diivida, © liberalismo dessa agremiago talvez n&o fosse reconhecido em qualquer outro pais da Europa. Era o partido do pai Weber, que foi membro tanto da Dieta prussiana como do Parlamento imperial ou Reichstag. Quer na religido, quer na politica, Max Weber sempre foi ambiguo. Apesar de toda a sua preocupagao com as questées de fé e caridade cristas, considerava-se, como ele préprio disse, 'religiosamente desafinado”. A respeito dos partidos politicos, era positivamente instavel e pressente-se que isso ndo se devia apenas ao desejo de manter uma objetividade académica e equilibrada. Suas duvidas sobre os liberais nacionais so evidentes mesmo quando Weber nao contava mais de vinte e trés anos. Entretanto, manifestou constantemente atitudes proprias dos nacionalista liberais em relagao aos problemas da politica alemao, pelo que, por exemplo, péde apoiar - e, no entanto, criticar ambiguamente - a aceitagao pelo Partido Liberal Nacional das leis anti-socialista de Bismarck. Até na stbbita libertagao da derrota, a partir de 1918-20, subsistiram as atitudes ambiguas, se bem que ele pareca estar agora, por fim, politicamente engajado como homem e cidad&o. Quem o desejar poderé atribuir boa parte dos fiertes politicos de Weber - menos uma questdo de adultério que de adulteragao - as dificuldades reais de seu tempo e lugar, somadas aos escrijpulos de um espirito sutilmente cOnscio de todos os fios e pressdes que constituem a rede da politica. Parecem-me, se atentarmos para todas aquelas matérias em que Weber foi claro e coerente. que isso é fazer-Ihe demasiada justica. E cumpre lembrar. € claro, que uma parte dessa culpa nao cabe realmente a Weber mas aquelas autores que, desde a sua morte, tém trabalhado para fazer dele um mestre modemo n&o 86 de pensamento e cultura mas também de atitudes e a¢o politica 10 e Capitalismo: Marx e Weber - Os Ensaios Reunidos sobre a Sociologia da Religiao, dos quais fazem parte os estudos que Weber intitulou A Etica Protestante e o Espirito do Capitalismo, representam, em forma extremamente sedutora, uma das tentativas mais importantes, em toda a hist6ria das ciéncias sociais e historicas, de chegar-se a uma teoria critica da mudanga e do desenvolvimento. E trata-se de teoria que acentua, 20 menos em "primeira instancia" (como Weber vai dizer), nao o desenvolvimento das forcas produtivas, porém as conseqléncias da légica intema de fatores culturais, idéias, atitudes ou valores. E verdade que, salvo se ndo se faz questo de cair no mais grosseiro dos materialismos, tem-se de admitir, qualquer que venha a ser a diregao da causalidade, que ao desenvolvimento das forgas produtivas corresponde algum tipo de representagdo, ainda que ingénua, na consciéncia dos homens atores de processos econémicos. Ha, portanto, uma mediagdo cultural e ideacional, que 6 licito estudar, mesmo dentro da mais materialista das perspectivas. 3. Mas néo se quer aqui insinuar, por exemplo, que Weber fosse um refinadissimo materialista dialético. Nao ha conciliagéo possivel ou magica transposi¢ao de clave entre, de um lado, a teoria da religiéo, esbogada por Karl Marx no primeiro capitulé 'O Capital-e, do outro, 0 segundo capitulo, "O Espirito do Capitalismo", de A Etica Protestante e o Espirito do Capitalismo. 4, Para o primeit © mundo religioso 6 apenas o reflexo do mundo real. E para uma sociedade baseada na produgdo de mercadorias, na qual os produtores, em geral, entram em relagéo uns com os outros tratando seus produtos como mercadorias e valores e assim reduzindo seu trabalho individual privado a medida do trabalho humano homogéneo - para uma tal sociedade o cristianismo, com seu culto do homem abstrato, mais especialmente em seus desenvolvimentos burgueses, Protestantismo, deismo, efc., 6 a forma de religido mais adequada. 5, Para Weber, que parecia ter em mente exatamente esta tiltima citagdo, O espirito do capitalismo (no sentido que Ihe conferimos) estava presente antes do desenvolvimento do capitalismo [...] A questéo das forcas motivadoras da expansdo do capitalismo moderno nao 6, em primeira instancia, uma questéo de origem das somas de capital disponiveis para uso capitalistico. Mas, principalmente, do desenvolvimento do espirito do capitalismo. Onde este aparece e é capaz de desenvolver-se, produz seu proprio capital e seu suprimento monetério como meios para seus fins, é no o inverso. 6. Note-se nao ter sido Weber o primeiro a postular uma correlacao entre desenvolvimento capitalista e protestantismo. O proprio Marx (conforme a citag&o extraida d'O Capital) ja o tinha feito. E, com finalidades certamente diversas das de Karl Marx, esse postulado constituia, e ainda constitui, lugar- ‘comum da apologética protestante. 7. Usos de Weber a Esquerda e a Direita - Existem, por assim dizer, usos de ‘esquerda" e de "direita" da sociologia histérica de Weber. O primeiro, encontrado em socidlogos do desenvolvimento como S.N. Eisenstadt, David McClelland, Everett Hagen e outros, influenciados sem duvida por Talcott Parsons, consiste em contrapor 0 modelo de relacdes sociais e econémicas, derivado dos Ensaios Reunidos sobre a Sociologia da Religido, & situago que se presume existir em areas subdesenvolvidas. HA uma espécie de apelo implicito & conversdo nessa sociologia do desenvolvimento. Nao mais, bem entendido, ao Calvinismo ortodoxo. Mas a verses secularizadas do seu ethos. uso “direitista’ de Weber é 0 que se faz contra o materialismo histérico. Os socidlogos do desenvolvimento sabem aliés atacar & direita e & esquerda e os mesmos que utilizam A Etica Protestante e o Espirito do Capitalismo, dentro dos principios da apologética pés-protestante, contra as trevas do subdesenvolvimento, também a apresentam como modelo de refutacao do primado histérico das forgas produtivas. Ao leitor convém estar consciente de tanto uso e contra-uso. Este artigo pretende ser apenas de introdugao e esclarecimento, sem procurar apoiar ou contradizer. Ler e entender Weber, independentemente do juizo final a que sobre ele se chegue, faz parte do minimo que se pode esperar de um cientista social. Trata-se aqui de elucidar seu vocabulario e esclarecer seu processo metodolégico implicito. 8. Temas e Capitulos - A Etica Protestante e o Espirito do Capitalismo acha- se dividida em trés segdes. A primeira compreende a/"Introdugdo”, que é alias introdugao ou "observacées preliminares" (Vorbemerkungen) a todo o conjunto dos Ensaios Reunidos sobre a Sociologia da Religiéo. Segue-se "O Problema", com capitulos iniciais sobre "Filiagdo Religiosa e Estratificago Social” e "O Espirito do Capitalismo’, contendo uma apresentagao geral do problema da natureza e origem do moderno capitalismo; ja neles Weber sugere a hipdtese da conexao genética entre Protestantismo e capitalismo. No Litimo capitulo desta segunda seedo, "A Concepgao da Vocacao em Lutero”, Weber inicia uma ampla digressao sobre as atitudes para com 0 mundo e a idéia de vocacao das principais igrejas e seitas protestantes, que prossegue no capitulo "Fundamentos Religiosos do Ascetismo Laico" da ultima segao, denominado "A Etica Vocacional do Protestantismo Ascético", 0 qual capitulo, em algumas tradugSes, inclusive na brasileira, aparece com subtitulos sobre "O Calvinismo", ‘0 Metodismo" e "As Seitas Batistas". O_tiltimo capitulo, Ascese ¢ 0 Espirito do Capitalismo", faz figura de concluséo, que ra verdade ja vem apresentada no decorrer de todo o livro. Pois as repetigées se apresentam numerosas nesta obra e o esquema de segdes e de capitulos nao se deve entender que implique em compartimentos estanques. Embora com esta ressalva, nestas notas o mais possivel seguiremos a ordem sugerida pelo proprio livro. 9. Racionalidade e Ocidente - Na "Introdugao", Weber trata do cardter racional da civilizagao ocidental: "Somente na civilizagao ocidental apareceram fenémenos universais dotados (como queremos crer) de um desenvolvimento universal em seu valor e significado” 10. Tal validade universal prende-se a racionalizacdo, a organizacdo sistematica. € metédica, das diversas manifestacdes culturais. Filosofia, Teologia, Astronomia, Geometria, ciéncias naturais e Medicina; Historiografia, Direito, Musica, Arquitetura, Educagdo, Administracéo e Politica constituem objeto de seis pardgrafos muito eruditos. Ao que nosso autor acrescenta: O mesmo ocorre com a forga mais significativa de nossa vida modema: o capitalismo. 11. Weber cuida de esclarecer que 0 capitalismo a que se refere em nada se confunde com a simples gandncia: O impulso para o ganho, a Ansia do Iucro, do lucro monetério 0 mais alto possivel, no tem nada a ver em si com o capitalismo. Esse impulso existiu @ existe entre garcons, médicos, artistas, prostitutas, funciondrios corruptos, soldados, ladres, cruzados, jogadores e mendigos - ou seja em “all sorts and conditions of men", em todas as épocas e em todos os paises da Terra, onde quer que, de alguma forma, se apresentou ou se apresenta uma condi¢éo objetiva para isso. A superagéo dessa nogdéo ingénua de capitalismo pertence ao ensino do jardim da infancia da histéria da cultura. O desejo de ganho ilimitado nao se identifica nem um pouco com o capitalismo, muito menos com o espirito do capitalismo. 12. O capitalismo moderno, objeto exclusive de sua andlise, tem como caracteristica fundamental ser todo ele penetrado pela racionalizacéo, que vai manifestar-se na continua ateng&o prestada ao calculo de rentabilidade dos fatores de produgo, incluindo a organizacdo racional do trabalho livre, que a0 menos virtualmente, implica na burocratizagéo da empresa e na adogao de técnicas o mais possivel racionais de contabilidade: ‘@ organizacao racional moderna da empresa capitalista nao teria sido possivel sem [..] a separag&o entre a administragdo doméstica e a empresa, que hoje invade completamente a vida econdmica, e - estreitamente associado a esse primeiro fendmeno - com a contabilidade ou tratamento racional da escrita. 13. O capitalismo weberiano vai, portanto, distanciar-se da atitude tradicional e universal relativa 4 simples aquisitividade, assim como vai diferenciar-se essencialmente da simples especulacdo, que ndo se baseia na racionalidade, mas no oportunismo, isto é, vai diferenciar-se daquele capitalismo de empresérios isolados, de especuladores em larga escala, de colonizadores; boa parte do capitalismo financeiro, mesmo em tempo de paz, mas principalmente na exploracéo das guerras, ainda possui essas caracteristicas nos modernos paises ocidentais e uma parte, mas apenas uma parte do grande comércio internacional - hoje como sempre - ainda esta preso a elas. 14. Dizer que © capitalismo moderno resulta do espirito do capitalismo, anterior ao desenvolvimento de suas forcas produtivas materiais, equivale a dizer que condigées materiais objetivas teréo importancia apenas secundaria. Para Weber, a tarefa essencial consiste em apreender ou compreender a conexéo entre o espirito do capitalismo e a forca espiritual, a ética ou 0 ethos, que 0 possa ter gerado. 15. Dai sua investigagao sobre as grandes religides: O racionalismo econémico, embora dependa parcialmente da técnica e do Direito racional, 6 ao mesmo tempo determinado pela capacidade e disposicao dos homens em adotarem certos tipos de conduta racional. Onde elas foram obstruidas por obstéculos espirituais, 0 desenvolvimento de uma conduta econémica também tem encontrado uma séria resisténcia interna. Ora, as forgas magicas e religiosas, os ideais éticos de dever delas decorrentes, sempre estiveram entre os mais importantes elementos formativos da conduta. E com elas que se ocupam os estudos aqui reunidos. 16. O texto da "Introdugao" de Weber lembra as Li¢des sobre a Filosofia da Historia, de Hegel. Para ambos autores, cujas posigées filosdficas e metodolégicas aparentemente no se confundiriam, a histéria do Ocidente se caracteriza pela ascens4o da racionalidade, o motor da Histéria encontrando- se em forcas espirituais. Mas para Weber isto se confirmaria por constatacdes sociolégicas. e histéricas, enquanto Hegel pareceria mais acentuar gontemplacao intelectual das virtualidades da Idéia. | 17/Esquema Metodolégico: Compreensao e Afiliagdo Religiosa - A Etica Protestante e o Espirito do Capitalismo representa apenas um dos engaios (ou conjunto de ensaios) de Weber sobre as relagées entre feligiéo’e ethos econémico. Seus estudos a respeito de seitas protestantes, ‘Confucionismo e ~Taoismo, Hinduismo e Budismo e Judaismo antigo, tudo isto ornamentado com muitas notas e "consideragées intermediarias”, também gozam de grande fama entre os estudiosos das religiGes e do desenvolvimento. Neles 0 método da compreensao é levado ao auge. A argumentacdo se baseia essencialmente em conexées de sentido endo em correlagées estatisticas de qualquer espécie. Os fenémenos observades séo a tal ponto amplos, ou a tal ponto individualizados, que nao se prestam a aplicagao de técnicas quantitativas de investigag&o. De fato, fenémenos como “Protestantismo ascético", "espirito do capitalismo", "Taoismo", "dharma" (0 dever, ou retidéo, especifico a cada categoria social, no Hinduismo), exigem tratamento metodolégico bastante peculiar. Interessa fundamentalmente a Weber a compreensdo das notas caracteristicas de cada uma dessas individualidades, isto 6, o seu tipo ideal. 18. Poder-se-ia argumentar que, ao tipo ideal, Weber teria chegado através de um processo indutivo que, explicita ou implicitamente, partiu de ocorréncias em pequenos grupos ou individuos. Consideragdes dessa ordem, porém, esto ausentes de A Etica Protestante e o Espirito do Capitalismo, cujo capitulo |, “Filiagdo Religiosa e Estratificagéo Social", no qual é feito grande uso de estatisticas oficiais e outros dados numéricos, s6 aparentemente contradiz 0 ponto de vista aqui expresso. Sua funcéo é acima de tudo ilustrar e exemplificar. Nenhuma compreensdo sera possivel, apesar de toda a massa de ocorréncias, sem que © fundamento da diferenca de atitude seja no essencial buscado no caracter intrinseco e constante [...] das religiGes. Trata-se antes de tudo de investigar quais sejam ou tenham sido o elementos do cardter das religibes que tenham operado, ou em parte ainda operem, na diregdo que ja se delineou. 19. Ou sem que "seja encontrada uma afinidade essencial entre certas caracteristicas do velho espirito protestante e a moderna cultura capitalistica”. 20. Se quiséssemos simplificar a argumentagao de Weber, reduzindo-a a uma espécie de silogismo, teriamos 0 seguinte resultado. Os comportamentos econémicos dependem de sistemas éticos-religiosos. Portanto o capitalismo moderno depende da ética de alguma religido. Ora, esta, como se pode concluir a partir de conexées de sentido, nao é o Confucionismo, o Hinduismo, 0 Judaismo, nem o Islamismo. E 0 Cristianismo. Mas nao 0 Catolicismo. Sobra (fazendo abstragdo das igrejas orientais, a que Weber nem se digna aludir) o Protestantismo e, dentro deste, sempre tendo a compreensao dos sentidos com método, as variedades ascéticas. As estatisticas sobre estudantes, ou sobre a distribuicéo da riqueza, em Baden, na Baviera, na Alsdcia-Lorena ou na Hungria (Areas de filiagdo religiosa tipicamente mista), corroboram o método da compreensdo, mas nao o substituem. 24, O Espirito do Capitalismo: A Etica do Trabalho - No capitulo Il, intitulado C12 Espirito do Cepitaismo", Weber retoma temas ja tratados na "Introducdo. O apitalismo moderno nada teria a ver com avareza, cobiga ou qualquer paix4o: AA finalidade suprema [summum bonum] desta ética, a obtencao de mais e mais dinheiro, combinada com o estrito afastamento de todo gozo da vida, 6, acima de tudo, destituida de qualquer caréter eudemonista, pois & pensada como uma finalidade em si, chegando a parecer algo de superior & felicidade ou & utilidade do individuo. 22. Porém, neste contexto, ainda mais importante do que a descriga dos grandes rasgos do espirito do capitalismo, & a formulacao da tese segundo a qual a ética, necessariamente coligada a religia, é anterior ao desenvolvimento material do capitalismo. O texto é taxativo. Weber se refere com desprezo "a doutrina do mais ingénuo materialismo histérico, de que tais idéias se originam come reflexo ou como superestruturas de situagdes econémicas" (p.34) 23. Suas incurs6es histéricas parecem garantir que, ao menos no que diz respeito ao Nordeste dos Estados Unidos, durante os séculos XVII e XVIII, "a relagaccausal 6, certamente, a inversa daquela sugerida pelo ponto de vista materialist” 24. E nosso autor se sente autorizado a afirmar que “querer falar aqui do ‘reflexo' das relag6es 'materiais' sobre a 'superestruturas ideolégica’ seria pura insensatez" (p.49br) 25. Insensatez que se comprovaria pela verificac&o de que no centro do desenvolvimento capitalista do mundo de entéo, a Florenga dos séculos XIV e XV - mercado de dinheiro e de capital de todas as grandes poténcias - era considerado como moralmente criticdvel 0 que, nas retrégradas circunstancias pequeno-burguesas da Pensilvania do século XVIll, onde a economia se via ameacada, pela simples falta de dinheiro, a regredir ao estagio primitive de troca, onde dificilmente havia um sinal de grande empresa, onde mal podiam ser encontrados os primérdios de um sistema bancério, era visto como constituindo um estilo de vida, néo $6 louvavel, mas recomendado. 26. O que existiaindo existia em Florenca e existia na Pensilvania era o espirito do capitalismo, descrito por Weber, no decorrer do capitulo, como a idéia do dever de um individuo com relacdo ao aumento de seu capital, que 6 tomado como fim em si mesmo. [...] No & uma simples técnica de vida, mas sim uma ética peculiar. [..] Esta & a esséncia do problema. [...] Um ethos. Esta é a qualidade que nos interessa. 27. O espirito do capitalismo corresponderia, enfim, & consciéncia ou mesmo a angustia de bem realizar 0 dever profissional ou, dito de maneira ainda mais simples, ao que também se denomina "ética do trabalho", ou seja: Esta idéia peculiar do dever profissional, to familiar a nds hoje em dia, nas na realidade to pouco evidente, que é a mais caracteristica da ética social da cultura capitalista e, em certo sentido, sua base fundamental. E uma obrigacSo que 0 individuo deve sentir e realmente sente, com relacao ao contetido de sua atividade profissional, no importando no que ela consiste e, particularmente, se aflora como uma utilizacdo de seus poderes pessoais ou apenas de suas possessées materiais (como "capital’) (p.33br). 28. Trata-se, portanto, de investigar de que espirito é filha aquela forma concreta de pensamento e de vida "racionais", a partir da qual se desenvolveu a idéia de profissa0 e de devotamento ao trabalho profissional - tao irracional desde o ponto de vista puramente.eudemonista do interesse pessoal - que apesar de tudo foi continua a ser um dos elementos caracteristicos de nossa cultura capitalista (fr80). 29. Penetramos agora no capitulo "A Concepeao de Vocagao de Lutero; Tarefa da Investigacdo". Weber ai sugere uma de suas teses fundamentais. E a Reforma que se deve a valorizacéo do trabalho, profisso ou vocagao intramundana. E justamente ai se estabelece uma dos rasgos distintivos basicos entre Protestantismo e Catolicismo. Mas antes mesmo de prosseguir, convém que nos entendamos sobre o sentido de alguns termos, Um deles é ascese, que vai, a partir deste momento, desempenhar papel cada vez mais importante no contexto da EPEC. 30. Ora, ‘ascesé significa (para empregar palavras muito afins as do préprio Weber) nada mais do que recusa ou rejeicéo do mundo. Recusa ou rejeicao, isto é, do gozo do mundo, ou, noutras palavras (dando agora a essa expresso um sentido préximo ao que possui em Freud), do principio de prazer como regra de vida. No contexto religioso, ascese (em alemao "askese”, do grego “askesis", exercicio, esforgo, subida) significa pois a recusa a uma vida simplesmente "natural", que seguisse as inclinagdes espontaneas do individuo, denominadas "alegria de viver", "gozo espontaneo da vida", "eudemonismo" “hedonismo" na obra que aqui se analisa. 31. Desde 0 periodo mais antigo da histéria do Cristianismo - na verdade, desde a pregagdo do Cristo e de Sao Paulo - considerou-se o principio do prazer (expresso, repita-se, utilizada, nestas notas, no sentido muito amplo que Ihe confere Freud) como incompativel com a salvagao, sem nem falar em santificagao. Estamos diante de um dos dogmas fundamentais tanto do Catolicismo, como de praticamente todas as grandes denominagdes protestantes: o ser humano possuiria inclinagdes desequilibradas, indignas de confianga, sujeitas a corruc&o e ao erro. O pecado de Adao, o pecado original da raca humana, seria responsdvel por to precéria situagéio. Mas a Addo se contrapée Jesus. A graga de Cristo remedeia o desequilibrio. Portanto 0 cristéo tendera, e isto na razéo direta do nivel de suas aspiragdes religiosas, a comportar-se de modo ascético, rompendo com o principio do prazer indiscriminado, inimigo da vida cristo. O carater ascético do Cristianismo tem se exprimido sob diversas formas histéricas. A vida do monge, o monaquismo, surge no século IV, em quase sincronia com a conversao do Império Romano a0 Cristianismo. A expresso "padres do deserto", aplicada aos primeiros monges, traduz uma das notas essenciais dessa forma de ascese: a recusa dos papéis sociais normais e quotidianos, a fuga do mundo, Os monges s&o a principio anacoretas ou eremitas, isto 6, solitarios. Mas 0 aparecimento de cenobitas ou solitérios nao tarda. Dai nascem os mosteiros, as abadias, os conventos. No Ocidente, o monaquismo recebe sua codificagéo (ou “racionalizaco") praticamente definitiva, com a Regra de Sao Bento, no século z ¢ 32. 0 Catolicismo,‘pelo menos desde o principio da Idade Média, encara a vida monfstica, a-ascese extramundana, como um tipo, na verdade como o tipo de vida ideal, 0 mais seguro para os aspirantes a santidade ou mesmo a salvagao. Os votos monasticos, pobreza, castidade, obediéncia, dariam acesso aum "estado de perfeicao", em tese preferivel ao casamento ou, em geral, as atividades intramundanas. Mas, ainda-em terreno catdlico, convém observar que certas concepgées radicais de’ascese, levando, entre outras coisas, & condenagao total do sexo, mesmo~no casamento, a um exclusive vegetarianismo, etc., tem sido sistematicamente condenadas como heréticas. Vivendo no mundo, casando-se, gerindo seu patriménio, cumprindo seus deveres de estado, © fiel comum poderd salvar-se, embora sem o "virtuosismo" e a seguranga do monge. O monaquismo € aconselhado, mas importam as disposigdes pessoais de cada um; nao é indispensavel a salvacao. 33, Mas no se pode dispensar um minimo de ascese (se é que ainda se trata de ascese propriamente e weberianamente dita), se nao se quer viver em "estado de pecado” e correr o risco da eterna condenag&o. A doutrina catélica dos sacramentos facilitaria a vida do comum dos figis. Weber se refere ao "ciclo essencialmente humano dos catélicos: pecado, arrependimento, relaxamento, Novo pecado". Isto 6, a Igreja nao hesita em reconciliar pecadores e em reiterar ‘a absolvigéo. A recepcéo dos sacramentos pareceria substituir 0 esforgo ascético. A tradicéo catdlica tem salientado a diferenga entre preceifos ou mandamentos, obrigatérios para todos, e conselhos, para usos mais restritos. Viver pobremente se recomenda, como seguro caminho de salvag&o, mas n&o se impée. Cria-se deste modo uma religido de massa, para o comum dos figis, contraposta a religio de elite dos monges e assemelhados. 34, Voltando agora a Lutero, notemos 0 fato capital de que a Reforma, desde o principio, rompeu com a concepeao catdlica e medieval do ascetismo. No dizer de Weber, Incondicionalmente nova era a conviceéo de que o cumprimento do dever, no 4mbito das ocupagées ("Berufe") intramundanas, fosse 0 contetido supremo que jamais pudesse ser assumido pela atividade moral do homem. Assim foi que, inevitavelmente, a atividade quotidiana adquiriu um significado religioso € dai deriva 0 sentido da vocacéo ("Beruf"), que é a expresso do dogma, comum a todas as denominagdes protestantes, que rejeita a distincdo catdlica entre preceitos e conselhos. O unico meio de viver de uma maneira agradavel a Deus néo esta na superago da moral da vida intramundana pela ascese mondstica, mas exclusivamente no cumprimento, dentro do mundo, dos deveres correspondentes & posicéio que a existéncia impée ao individuo dentro da sociedade, deveres que se tornam assim a sua vocagéo ("Beruf") (fr90).. 35. Em outras palavras, o Protestantismo, em todas ou praticamente todas as suas variedades, rejeita as idéias catdlicas de um sacerdécio especial dentro da Igreja e de uma vida monastica separada da vida do comum dos ficis portanto do mundo. Ascetismo, se ainda houver, tera de ser, necessariamente, intramundano. 36. Mas a posicao de Weber, com relacao a Lutero, apresenta ambigtiidades e beira a contradi¢éo. Por um lado, Lutero teria sido o primeiro ndo apenas a pregar a vocagao, isto 6, a ética do trabalho, profiss4o, ou ocupacao dentro do mundo, mas também o primeiro a empregar, em sua traduco da Biblia, a palavra vocac&o ("Beruf') no sentido de tarefa ordenada por Deus ("eine religioese Vorstellung: die einer von Gott gesteliten Aufgabe"). 37. Muito embora, como ele reitera, "essa qualificagao ética da vida profissional intramundana, tenha sido uma das conseqléncias mais importantes da Reforma e da aco de Lutero em particular" a verdade é que, desde o ponto de vista da formag&o do espirito do capitalismo, Weber faz severas restrig6es ao Reformador. Certo é a ele que se deve a intramundanizagao da ascese, pois, para ainda citar Weber, "o efeito da Reforma, como tal, em contraste com a concepoao catélica, foi aumentar a énfase moral e a premiagdo religiosa do trabalho profissional intramundano”. 38. Isto posto, a idéia de vocagao, em Lutero, permaneceria meio medieval Faltava-the aquele radicalismo na rejeigéo do mundo, que representa o tipo ideal do ascetismo. De tal modo que, ainda de acordo com Weber, Lutero ndo chega a estabelecer uma concepgéio fundamentalmente nova do relacionamento, pelo menos de um relacionamento que se apolasse em principios fundamentais, entre a ocupacao profissional e os principios religiosos. [..] Para ele a nog&o de vocagéo permanece em sua forma tradicional. O homem esta obrigado a aceitar a sua vocagéio como se esta Ihe adviesse de um decreto divino ao qual deve conformar-se. Tendéncia que predomina sobre a outra nogo, também presente, de que a atividade profissional é a tarefa, ou methor dito, a tarefa por exceléncia, a missdo atribuida por Deus ao homem (br57). 39. SO um pequeno matiz de significado parece separar essas duas tendéncias, do qual decorreriam consequéncias importantissimas para o destino do mundo. A primeira consiste na aceitago conformista do decreto divino, com a execugdo rotineira do trabalho profissional. A segunda, implicando que na atividade profissional se ache a missdo por exceléncia do cristo, levara @ racionalizagao da atividade e ao aumento constante de sua produtividade. Mais adiante, Weber dira que na raiz da atitude luterana mais conservadora estaria um imperfeito expurgo dos meios magicos da salvagdio. "O catdlico e mesmo o luterano” possuiriam acesso a sacramentos capazes de “reparar horas de fraqueza e de irreflexo" (br81), pois "Lutero nao desejava eliminar os uitimos vestigios da magia sacramental" (br178). 40. A grande forca espiritual do capitalismo moderno nao se encontra entéo no Luteranismo. "Sera ento preferivel", continua nosso autor, considerar como mais decisivas as formas de protestantismo nas quais seja ‘mais facil perceber o relacionamento entre vida pratica e espiritualidade [...] E 0 que alids j4 destacamos a propésito do papel desempenhado pelo calvinismo e pelas seitas protestantes no desenvolvimento do capitalismo. 41. Mas esta tarefa fica reservada para o capitulo seguinte. Trata-se aqui de encerrar as consideragées sobre a concepdo de vocagéo em Lutero, o que nosso autor, ao que parece querendo agradar a gregos ¢ troianos ¢ prevenir objegdes, ndo faz sem diversas consideragdes tedrico-metodologicas. Uma primeira diz respeito ao proprio carater da obra dos Reformadores. Pois Esses homens de modo algum foram os fundadores de sociedades de "cultura ética” nem os paladinos de reformas humanitérias ou de programas culturais. A salvagdo das almas - e 86 a salvac&o das almas - constituiu 0 eixo de suas vidas e de suas realizagées. Os resultados éticos, as manifestag6es praticas de suas doutrinas, nada mais foram que as conseqUéncias de motivos puramente religiosos [...] consequéncias muitas vezes muito afastadas de seus propdsitos e as vezes mesmo em contradicao com eles (fr102). 42, E sera que estamos aqui diante de uma concepeo "idealista” da historia? Weber parece pedir calma. Por um lado, diz ele, devemos nos desfazer da concepeao de que "a Reforma possa ser deduzida, enquanto ‘historicamente necessaria’, a partir de transformagSes econémicas" (fr103). Por outro lado, Esta fora de questo sustentar a tese, t8o absurda e t&0 dogmatica, segunda a qual o “espirito do capitalismo" (sempre no sentido provisdrio que atribuimos ao termo) decorre apenas da Reforma, chegando-se as vezes ao ponto de afirmar que o capitalismo, enquanto sistema econémico, é sua criacdo. Para refutar essa argumentacdo, basta pensar que determinadas formas de organizagao capitalista so bastante mais antigas do que a Reforma. Muito ao contrério, nossa Unica preocupacéo consiste em avaliar em que medida as influéncias religiosas contribufram, qualitativamente, para a formacao de um tal espirito e, quantitativamente, para sua expanséo através do mundo; trata-se de definir que aspectos coneretos da civilizagdo capitalista decorreram da Reforma. Diante do complicado intercruzamento de influéncias reciprocas entre bases materiais, formas de organizagao social e politica e dos conteddos espirituais da Reforma em suas diferentes fases, é forgoso comegar pela pesquisa das possiveis “afinidades eletivas" entre formas de crenca religiosa e ética profissional. Ao mesmo tempo, deveremos elucidar, na medica do possivel, de que maneira e em que direcdo o movimento religioso, em decorréncia dessas afinidades eletivas, influenciou o desenvolvimento da civilizagéo material. S6 quando esse ponto for esclarecido com suficiente precisdo, 6 que poderemos tentar avaliar a parte que cabe aos motivos religiosos e a que se deve atribuir a outros motivos na génese da civilizago contemporénea (fr103-4) 43. A longa citagdo se justifica por tratar-se de uma das passagens mais decisivas e controvertidas sobre a metodologia de proprio Weber. Depreende- se do texto e do seu contexto que, para nosso autor, a Reforma n4o é causa Unica do capitalism moderno, nem do seu "espirito". Sem ser tinica & entretanto fator fundamental e indispensdvel, é causa sine qua non e da Reforma procedem os rasgos essenciais do capitalismo ¢ mesmo, a este estreitamente associada, do que hoje em dia se denomina "modernidade”. Tendo dito tudo isso, o Professor Weber - com ele tantos de seus discipulos e comentadores contemporaneos - dé a impressao de que ficaria ofendido, se se dissesse que atribui primazia aos fatores ideacionais ou religiosos no desenvolvimento da "civilizag3o". 44, Génese da Ascese Intramundana: Predestinagéo e Angustia - Chegamos agora a segunda parte do livro, "A Etica Profissional do Capitalismo Ascético" e, nela, ao seu primeiro capitulo, "Fundamentos Religiosos do Ascetismo Leigo". E, sem mais delongas, abordemos outro coneeito central da obra de Weber: predestinacao. Ora, diz nosso autor, "sendo pouco provavel que essa doutrina seja hoje em dia familiar aos homens cultos, o melhor é recorrermos a autoridade da Confissdo de Westminster de 1647". E esta, numa formulago lapidar, entre outras coisas diz o seguinte: Capitulo III (sobre os decretos eternos de Deus), no.3: Por decreto de Deus @ para manifestacdo de sua gléria, certos homens so predestinados a vida eterna, certo outros so preordenados morte eterna. 45. Predestinacéo entéo significa que Deus, sem nenhuma consideracdo anterior do merecimento da criatura, destinou infalivelmente alguns homens & salvagao, enquanto outros, por causa exclusiva da maldade deles, desde toda eternidade Deus sabe que iro para o inferno. Com os primeiros, 0 Senhor manifesta misericérdia. Com os outros, exerce justica. A predestinagdo é portanto qualquer coisa de infinitamente simples e a0 mesmo tempo de infinitamente complicado. 46. E 0 que tém a ver essas elucubragées teoldgicas, perguntaraé um homem culto contemporaneo, com o problema da génese do capitalismo ou de seu espirito? Para comecarmos a perceber essa possivel relago, devemos pensar em primeiro lugar que a salvagao da alma concebia-se como a questo decisiva para 0 homem do “ancien régime", isto 6 0 homem da pré- modernidade. anterior a Revolugdo Francesa, & Revolucdo Industrial, a secularizacdo que ainda em nossos dias parece acentuar-se. 47. Embora a predestinagao esteja longe de ser um dogma exclusivo do Calvinismo, neste ela parece assumir uma centralidade que nao possui noutras formas de religido, estando nele - bem como em certas seitas puritanas, sobre as quais se falara adiante - associada a um processo radical do que aqui denominaremos dessacramentalizagao. Voltemo-nos, mais uma vez, para o texto da EPEC: Em sua patética desumanidade, esse pensamento marcou o estado de espirito de toda uma gerac&o que se entregou a sua grandiosa coeréncia, gerando, em cada individuo, 0 sentimento de uma inaudita solid&o interior. Naquilo que, para um contemporéneo da Reforma, era a questéo decisiva de sua vida: a eterna felicidade [...] ninguém podia ajudé-lo. Nenhum pregador, pois 0 eleito sé em seu proprio espirito podia entender a palavra de Deus. Nenhum sacramento, pois embora os sacramentos houvessem sido ordenados por Deus para aumentar sua gléria, devendo assim ser escrupulosamente observados, nao eram meios de obtencao da graca, mas apenas manifestacdes exteriores da fé. Nenhuma igreja, pois embora se afirmasse que “fora da lgreja n&o ha salvacdo", no sentido de que aqueles que se mantivessem fora da Igreja nunca poderiam fazer parte do grupo dos eleitos, a Igreja visivel incluia condenados entre seus membros. [...] Finalmente, nem mesmo Deus. Porque mesmo Cristo morrera apenas pelos eleitos. Isto, a aboliggo completa da salvacSo pela Igreja e pelos sacramentos (que o Luferanismo n&o tinha levado até as titimas consequéncias), constitui a diferenca radical, decisiva, do Calvinismo com relago ao Catolicismo (bt72). 48. Chegamos aqui a uma passagem fundamental de toda a obra de Max Weber. E que aqui se exprime o que hd de mais fino e sutil em sua filosofia da histéria, que ele concebe como a passagem da magia a racionalidade da ascese intramundana, ou a racionalidade pura e simples, ao menos em seu bergo associada ao ascetismo puritano. E a superagao da ago que podemos chamar ora magica, ora afetiva, ou ainda rotineira ou tradicional, que, sob o impulso da energia religiosa (e néo de qualquer fator material ou infra~ estrutural), dé lugar a ago racional. Assim chega a seu ponto final o grandioso processo de evolucio que domina toda a histéria do Ocidente, sendo da humanidade como um todo. Ou, no dizer de nosso autor, Assim, na histéria das religibes, chega a seu ponto final 0 vasto processo de desencantamento do mundo que comegara com as profecias do Judaismo antigo @ que, em concerto com o pensamento cientifico grego, rejeita todos ‘os meios magicos de chegar a salvac4o como supersticoes @ sacrilégios (fr117; it163), 49. Porém tratemos mais em detalhe da ligagdo entre predestinagao e ética do trabalho, a qual, como j& sabemos, nao 6 mais que a propria ascese intramundana vista por outro Angulo. Notemos em primeiro lugar 0 cuidado com a gloria de Deus, que também representa ponto central do Calvinismo. Como diz Weber, O servigo exclusivo da gloria de Deus encontra sua primeira expresso no cumprimento das tarefas profissionais exigidas pela lei da natureza. [...] O trabalho a servigo do bem comum exalta a gléria de Deus e é portanto por Ele desejado. 50. Além do que o trabalho incessante "dissipa a duvida religiosa © da a certeza da grava’’ Pois a 16 verdadeira, a "fé eficaz", "deve ser comprovada por seus resultados objetivos". Atingimos assim outra nogao weberiana fundamental para a compreensdo, do ascetismo nao apenas calvinista, mas também, como logo veremos, das seitas batistas. Trata-se da comprovacao (ou ainda prova, verificagao, constatac4o, em alemao "Bewaehrung'), que corresponde a concepcao das boas obras néo como causa, mas como sinal ou, como diramos em certa terminologia metodolégica, "indicadores', do estado de graca ‘Ao mesmo tempo que as boas obras sao absolutamente intiteis como meio de obter a salvagéo - 0 eleito sendo uma simples criatura, tudo que ele possa fazer fica infinitamente distante do que Deus exige - elas séo também indispensaveis como sinal de eleigo. Séo meio técnico ndo propriamente de adquirir a salvacéo, mas da libertacdo da angustia da salvacéo (fr132) 51. A énfase nos resultados objetivos da fé, junto com a recusa de todo prazer 0u gozo esponténeo e com o abandono de todo sentimento, leva a racionalizaco geral da vida do individuo: A conduta moral do homem meédio foi assim despojada de seu caréter nao planejado assistematico e sujeita, como um todo, a um método consistente. [...] Somente uma reflexao continua poderia obter vitoria sobre 0 estado de natureza. O cogito, ergo sum de Descartes foi adotado pelos puritanos com essa reinterpretacao ética. Foi essa racionalizacao que deu & 6 reformada sua tendéncia ética peculiar (br82) 52. Ai se encontra, para Weber, a origem do desenvolvimento capitalista. Ai, nessa ascese intramundana que racionaliza, que enfeixa num todo sistemético todos os comportamentos e todas as agdes do individuo. Af e, no que ha de fundamental, somente ai, apesar dos varios outros fatores acessérios ou até indispensaveis (tais como a invengdo, sem diivida anterior & Reforma, da contabilidade racional). Weber, em todo o resto da longa - e, por que nao dizer, tediosa e rebarbativa - secdo dedicada ao Calvinismo do capitulo sobre os "Fundamentos Religiosos do Ascetismo Laico’, insiste muito no caréter racional sistematico do ascetismo calvinista, ou, noutras palavras, em seu carater plenamente racional, que vem a opor-se, segundo ele, ao carater mais magico- sacramental do Catolicismo e, até certo ponto, do proprio Luteranismo. O desencantamento do mundb - a eliminac&o da magia enquanto técnica de salvago - ndo foi levado tao longe pelo catolicismo como pelo puritanismo. O cat6lico (e em certa medida 0 luterano, pois Lutero no quis eliminar até o Liltimo vestigio a magia sacramental) tinha a seu dispor a absolvicéo de sua Igreja para compensar sua propria imperfeicdo [...] que proporcionava alivio para a monstruosa tensdo a qual o seu destino condenava o calvinista, sem evasdo possivel nem a minima atenuagdo. [...] O Deus do calvinismo requeria nao boas obras isoladas, mas uma vida inteira de boas obras coordenadas em sistema. Nao havia lugar para 0 vai-e-vem catolico € verdadeiramente humano entre pecado, arrependimento, peniténcia, absolvicao, seguidos outra vez de pecado (fr134). 53. A partir de um determinado ponto do capitulo, a comprovagao - "Bewaehrung’ - torna-se cada vez mais importante, ofuscando a predestinago, @ isto néo sem riscos de contradizer as longas e laboriosas digress6es de nosso autor sobre as sutilezas da teologia calvinista. Ougamo-lo: A consequéncia do método a que Calvino, diferentemente de Lutero, obrigou os fiéis, foi a cristianizag&o da vida inteira da pessoa. Para bem compreendermos a atuagao do Calvinismo, néo devemos perder de vista 0 efeito decisivo desse método sobre a vida pratica. De um lado constatamos que, justamente, s6 esse elemento era capaz de exercer uma tal influéncia; de outro lado, varias outras denominagées [além do Calvinismo] podiam atuar no mesmo sentido, com a condig&o de que suas motivagées éticas se assemelhassem num ponto decisivo: a doutrina da comprovacao. 54. A predestinagao, afinal, vem a ser dispensdvel na cadeia de raciocinios que liga a ética protestante a ética do trabalho. E 0 capitulo sobre os "Fundamentos Religiosos da Ascese Intramundana" ndo termina sem copiosas consideragdes sobre trés outras variedades de Protestantismo, que Weber, em diferentes medidas, também considera ascéticas. A expressao "Pietismo" designa um conjunto de movimentos religiosos, de origem ora luterana, ora calvinista, tendo em comum constituirem espécies de aristocracias dentro das igrejas. Reagem contra a religiéo de massa, a favor de igrejinhas ("ecclesiolae") de crentes conscientes das exigéncias de sua fé. Podem comparar-se a movimentos cat6licos atuais, do tipo da Ago Catdlica ou dos "Focolan’”. 55. Simplesmente como reagéo 4 massificagdo da f6, 0 Pietismo traz nova énfase as idéias de vocagdo e ascese. Mas, Weber nao mostra muita simpatia pelos movimentos que se enquadram sob essa denominagdo. Pois tendem também a substituir a anguistia da salvagdo - fonte da racionalizagao radical da atividade intramundana - pelo sentimento do estado de graca. Ora, o sentimento, as efusdes misticas, na medida justamente em que tomam o lugar da ascese racionalizadora, eqtiivalem a pratica sacramental e representam virtual retorno & magia. 56. De modo geral, pode-se dizer que o Pietismo foi mais favoravel ao espirito do capitalismo do que 0 Luteranismo, porém menos do que © Calvinismo. O mesmo vale para o Metodismo, cujo defeito, em termos weberianos, esté na provocagdo metédica do sentimento da salvag4io, quase como os pentecostais provocam, por muitos canticos e oragdes, a visita do Espirito Santo. Ora, tudo 0 que se manifesta pelo sentimento escapa a pureza da razo. Toda a sociologia de Weber 0 que mais é, afinal de contas, do que a historia do dominio cada vez maior da razéio, expresso em formas de acéo livres de qualquer sentimentalismo ou sensualidade? 57. A andlise das soitas batistas, cujo protétipo séo 0s Quakers surpreende, pois Weber prefere desconhecer todos os seus aspectos “afetivos" para concentrar-se no fato de seguirem o padréo da “believer's church" [...] comunidade de pessoas crentes e redimidas, e somente destas; em outras palavras, ndo uma igreja, mas uma "seita’ (br102), 0 que implicava que Cada comunidade batista pretendesse ser uma igreja "pura", isto 6, que exigisse de seus membros uma conduta irrepreensivel. [...] Sé um individuo que vivesse de acordo com sua consciéncia podia se considerar como regenerado |...) Neste sentido, as "boas obras” eram causa sine qua non. 58. A predestinagao podia ser rejeitada pelos batistas, como de fato foi. Nao assim porém o carater especificamente metddico, isto é, racional, da atividade do fiel no mundo. Weber, sobre essas seitas, é praticamente to otimista quanto sobre o Calvinismo mais estrito. A comprovagao da graga pelos éxitos ascéticos néo é menor entre os batistas do que entre os calvinistas. O que significa que se situam no mesmo plano de desenvolvimento histérico: As seitas batistas, junto com os predestinacionistas - especialmente os calvinistas estritos - desenvolveram a mais radical desvalorizacéo de todos os sacramentos como meios de salvacao e realizaram assim, até as Ultimas conseqdéncias, o desencantamento religioso do mundo (br101). 59. Vamos ainda exprimir, com as préprias palavras de Weber, a conclusao geral do capitulo: Decisiva para nossas consideragées foi a concepgao do estado de graga religioso, comum a todas as denominagdes, como um estado que libera 0 homem da condena¢&o que incide sobre 0 mundo. Mas a posse desse estado nao podia ser garantida por meios magico-sacramentais de qualquer espécie, pelo alivio da confisséo ou por obras pias isoladas, porém apenas pela comprovacéo, derivada de uma forma de existéncia, de um comportamento especifico e peculiar, sem nenhuma contestacao diferente do estilo de vida do homem “natural”. Dai derivava, para o individuo, a motivagao para o controle metédico do seu estado de graca, aplicado & diregao de sua vida, a qual ficava assim impregnada pela atitude ascética. [..] Essa racionalizagéo da direcéo da vida (Lebensfiihrung) dentro do mundo, por causa do outro mundo, foi consequéncia da concepedo da profissao do Protestantismo ascético (br108-9). 60. Ascese, Acumulagao, Paix4o - No ultimo capitulo da EPEC, "A Ascese e © Espirito do Capitalismo", Weber, além de voltar a temas ja extensamente tratados no decorrer do livro e que, de um ponto vista puramente metodolégico, deviam ter sido esgotados nos capitulos anteriores, parece também perguntar- se que nexo, finalmente, sera que existe entre ascese e espirito do capitalismo. Se faltar esse nexo, todo livro ruiré, por falta de conseqiiéncia entre as premissas @ a concluséo. Argumentemos assim. Admitida a importancia da vocago intramundana, isto é, da ética do trabalho, no Protestantismo; admitida a posigao central da ascese intramundana nas igrejas e seitas de inspiracao calvinista e batista; admitido tudo isso, sera que dai se segue o espirito do capitalismo modemo? Ele todo? Em parte? Nada dele? 61. Vejamos 0 que diz Weber: O ascetismo intramundano do Protestantismo - com essa expressdo & que podemos resumir 0 que dissemos até agora - opunha-se poderosamente ao espontaneo gozo das riquezas € restringia 0 consumo, especialmente o consumo de luxo. Em compensacao, libertava psicologicamente a aquisic¢o de bens das inibigdes da ética tradicional, rompendo os grilhes que aprisionavam a ansia de lucro, com 0 que néo apenas a legalizou, como também a considerou (no sentido aqui exposto) como diretamente desejada por Deus. [...] E, 0 que foi ainda mais importante: a valorizacdo religiosa do trabalho vocacional_intramundano, infatigavel, constante e sistemético, como 0 mais alto instrumento de ascese e, a0 mesmo tempo, como a prova mais segura, mais evidente de regeneracao e de fé verdadeira, constituiu a mais forte alavanca que se possa imaginar da expanséo dessa concepgao de vida que aqui denominamos espirito do capitalismo. A combinagao dessa restrigéo do consumo com a irrestrita procura de riqueza, tem um resultado pratico evidente: o capital se forma através da compulsdo ética a poupanca. 62. Este capitulo, e portanto 0 livro, n&o termina porém sem ainda duas espécies de consideragées. Uma delas se refere ao j4 nosso conhecido receio de Weber com relagdo aos patrulheiros ideoldgicos de sua época. Assim 6 que em seu Ultimo paragrafo, nosso autor, com seu coquetismo habitual, pergunta se Seré necessério protestar que nosso projeto ndo foi absolutamente o de substituir uma interpretagéo causal exclusivamente materialista por uma interpretagéo espiritualista da civilizagdo e da histéria que ndo seria menos unilateral? Ambas pertencem ao dominio do possivel; mas na medida em que no se limitem ao trabalho preparatério e em que pretendam trazer conclusées, tanto uma como outra prejudicam a verdade histérica. 63. Mas a historia verdadeira é que apesar de todos os seus desmentidos e restrigdes, Weber nao deixou de tirar as suas conclusées. Pois, no decorrer do capitulo, nao faltam, somando-se ao que jé foi citado, passagens como as que se transcrevem em seguida: A medida que se foi estendendo a influéncia da concep¢ao de vida puritana - e isto, naturalmente, é muito mais importante do que o simples fomento da acumulago do capital - ela favoreceu 0 desenvolvimento de uma vida econémica racional e burguesa. Era esta a sua mais importante e, acima de tudo, a sua nica orientacao coerente, tendo assim representado o berco do moderno homo ceconomicus. [...) Um dos elementos fundamentais do espirito do capitalismo moderno, e néo apenas dele, mas da propria modernidade ["sondern der modernen Kultur"), a saber, a conduta racional fundada sobre a idéia de vocagao, nasceu do espirito da ascese cristéo - foi isto que nosso estudo quis demonstrar. 64. Outra série de consideragées diz respeito ao que, para usar uma expressao em moda no final do século XX, chamariamos de o fim da historia. Lembremo-nos que para Weber 0 sentido da histéria, o que perpassa praticamente todos os seus escritos, est na passagem da ago tradicional, ou rotineira, ou afetiva, ou emocional, ou magica (tudo isso para Weber acaba dando no mesmo) a ago racional, 4 pureza do conceit, que existe em si ¢ para si na apreensao e desenvolvimento metddico de suas virtualidades. O que entao podera acontecer depois deste estdgio? E isto tanto mais porque, como ele diz, "o cuidado com os bens exteriores, que, segundo a opiniéo de Baxter, devia pesar nas costas dos santos como um leve manto que se podia a qualquer instante retirar, esse manto a fatalidade transformou num jaula de aco". E, 0 que 6 ainda mais grave, representando inclusive 0 equivalente weberiano da alienacdo marxista ‘Ao mesmo tempo em que a ascese pretendia transformar 0 mundo, sobre ele desenvolvendo toda a sua influéncia, os bens deste mundo adquiriam sobre os homens um poder crescente e inelutavel, poder tal que nunca antes havia sido conhecido. Hoje em dia o espirito do ascetismo religioso escapou da jaula? Definitivamente? Ninguém sabe... 65. Mas se a ascese religiosa e 0 cuidado com os bens deste mundo puderam divorciar-se na proporeéo mesma em que pareciam unir-se tao intimamente, torna-se licito também perguntar se 0 espirito do capitalismo, ou, simplesmente © capitalismo, alguma vez precisou da ajuda desse ascese... 66. E como se passasse diretamente de Marx as teorias do fim da historia e da pos-modernidade, como se Lénin e o socialismo real - que Weber, evidentemente, conhece sé em seus principios - nao tivessem afinal passado de um paréntese sem o menor significado histérico (a nao ser que as alusdes fiquem no plano da alegoria), Max Weber, sem se comprometer com a tese que alguns Ihe querem atribuir sobre um eventual reencantamento do mundo, declara que, efetivamente, Ninguém ainda sabe quem, no futuro, habitaré na jaula nem se, no fim desse gigantesco processo, apareceréo profetas inteiramente novos ou sé ocorreré um poderoso renascimento de pensamentos e ideais antigos ou se, no caso em que nada disso acontega - dominaré uma petrificacéo mecanica, enfeitada por uma espécie de vaidade convulsiva. 67. Referindo-se aparentemente a Werner Sombart, Weber falava, na "Introduc&o", da "nocdo ingénua de capitalismo", que o acreditaria baseado no "impulso para o ganho, a ansia do lucro, do lucro monetério o mais alto possivel”, 0 que, continua, "ndo tem nada a ver em si com o capitalismo". Isso de tal modo que "a superagao dessa nogdo ingénua de capitalismo" pertenceria "ao ensino do jardim da infancia da histéria da cultural". A paixao é assim excluida da historia, em proveito da razdo pura 68. Cabe aqui perguntar se o préprio Weber o que fez nao foi substituir uma nogao ingénua, a que, pertencente ao jardim da infancia, faz derivar o capitalismo da simples ansia de lucro, por outra néo menos ingénua, pertencente & Escola Dominical, que o faz derivar da simples ética do trabalho, presumivelmente associada @ ascese intramundana, isto 6, a rejeicéo do mundo dentro do mundo, das igrejas reformadas. 69. Certo, estas notas para a leitura de A Etica Protestante e 0 Espirito do Capitalismo nao pretendem, como jé se disse, apoiar ou refutar. O que se teve em vista foi néo mais do que seguir a légica da argumentagao de Weber. Feito isto, pode-se questionar se, para que uma ética desse origem ao capitalismo moderno, bastaria que ela encarasse com simpatia a vocacdo, o trabalho, a ascese dentro do mundo. Tal ética deveria no apenas premiar éxitos ascéticos no mundo, mas éxitos diretamente econémicos, considerando os negécios como arena privilegiada da ascese. 70. Weber, 6 bem verdade, considera que 0 capitalismo so indiretamente foi conseqiiéncia da “ética protestante". Ja vimos como para ele "Os resultados culturais da reforma foram em boa parte conseqiiéncias imprevistas, nao desejadas, muitas vezes divergentes e opostas ao que os reformadores desejavam." (br60-1). Citagdes desse teor poderiam ser multiplicadas. Mas mesmo com essa ressalva, continua dificil entender como 0 capitalismo pode originar-se de uma ética que considera a acumulagao como algo de torpe - sem que nesse ponto haja desacordos substanciais entre catdlicos e protestantes Na realidade, a ética da vocagéo ou do trabalho jamais quis dizer, no pensamento de qualquer um dos grandes reformadores ou de seus discipulos, devotamento & acumulagao do capital. Como assinala outro grande autor, R. H. Tawney, que se ocupou com esta questo Qualquer compromisso entre a Igreja e a idolatria da riqueza, que 6 a verdadeira religio das sociedades capitalistas, 6 t&0 impossivel quanto foi coneiliar a Igreja com a idolatria do Estado no Império Romano. 71. A origem do capitalismo tem de ser buscada noutro lugar. Os ensaios de sociologia religiosa de Max Weber aparecem como um grandioso fracasso. Tao grandioso quanto sua erudica0, ou seus sutilissimos raciocinios, a cuja sedug&o s6 com dificuldade se resiste; ou quanto a sua pretensdo de ter descoberto 0 segredo da "forca mais significativa de nossa vida moderna: o capitalismo. 72. Considerando que, na origem do capitalismo “a relagdo causal é certamente, a inversa daquela sugerida pelo ponto de vista materialista’, Weber parece incidir na mesma falta de que acusa a "doutrina do mais ingénuo materialismo historico, de que tais idéias se originam como um reflexo ou como superestruturas de situages econémicas" (p34). 73. E n&o haveremos de voltar ao mais ingénuo materialismo histérico, se considerarmos que tudo bem pensado, parece bem mais realista do que a de Weber a posigao daqueles autores que, enumerando as conseqiiéncias do processo de acumulaco, salientam como esta Afogou os fervores sagrados do éxtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burgués nas aguas geladas do cdlculo egoista. [..] Dissolvem-se as relagdes sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepgées e de idéias secularmente veneradas; as relag6es que as substituem tornam-se antiquadas antes de se ossificar. Tudo 0 que era sagrado é profanado. Bibliografia © " Biografia de Max Weber” * www. Suigeneris.pro.briweber * www.yahoo.com. briciencialciencias_humana/sociologia © gestor.adm.ufrgr.briadp/max.htm * www.midiaindependente.org ° Livro “Etica protestante e o Espirito do Capitalismo”

Você também pode gostar