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48 COMO AS SOCIEDADES RE “8DAM j “ora social contempordnea so muta vers exicadas porno tatarem, ou eariruvos rataom de forma snadegu, malanga sock, eu procurre oes deus a ; moos tects mines oraiosrencaprcede ty Ceriménias comemorativas de forma aequadaapermanncia sical. Foi com ese fim quedeaquet come acs de anseréneia de immportancia crt eriménis common corporis. Como vimis esles oso deforma slguma 0 neo ies da memria comuna, pois a produgio de historias naratvas no s8 una aetiviade sia para a nossa crac. dhs tegdes humana, mas tabém uma earacterstin de | toda a meméria social. Abordei, contudo, as ceriménias comemorativas ¢ as 1 | priticas corporais em particular, porque é 0 estudo destas, segundo pretendo Drovar, que nos permite ver que as imagens do passado e 0 conbecimento ‘ecordado do passaco sio transmititos ¢ conservados por performances (mais Entre a tomada do poder, em Janeiro de 1933, es deflagracao da guetta, em ou mens) rit Setembro de 1939, 0s sibiitos do Terceiro Reich foram constantemene Jembrados do Partido Nacional Socialist eda su ideologia por uma sie de cetiménias comemorativas.O nimero, a sequence a estutura performativa dlestes festivais assumiram rapidamente uma forma candniea e mantiveram ess forma alé ao desaparecimento do Terciro Reich, Oimpacte desta sequen, ia canéniea rcét-inventada invadiv todas as esters vida, relacionando-se 65 festivas do Reich com as feslas do ealendiro cristo de forma muito parecida aqueta como este itm fora recionadocom as celehraghessxzonais da era pag. A liturgia calendatizadn do Partido Nacional Saciaista era regulamentada ¢ total." Pe 22 O ano ltirgico comegava a 30 de Janciro, como aniversirio da tomada de eee 4 tiyepoder por Hitler, em 1933. Todos os anos, nesse dia, o diseurso de Filer 30 Reichstag, transmitido pela radio, presenteava "1 Nagio™ com um teagan {laguito que fizera com 0 poder que Ihe havia sido confiado. A pracissio des archotes do dia 30 de Janciro de 1933 repetia-seanualmente.terminandov dia com uma ceriménia, difundida peta ridio em tous as esquinas, na gual os jovens de 18 anos, que tivessem demonsirado qualidades de lideranga na Juventude Hitleriana prestavam juramento como membros efctivos do Par. tide. Todos os anos, no dia 24 de Fevereiro, um ceriminia exclusivamente para a “velha guards" comemorava a fundagio do Patido, 0 programa "imutivel” em 25 pontes, na Hobrahaes, em 1920. 0 Hole Marge cra um dia de luo nacional, aloptado da Republica de Weimar e dedicado 3 1 Solve osritusisNacionl-Socaisti. verH.T Barden, The Nuremberg Party alley, (929-39 (Londres, 1967}. P Stem, ier: The Fuhrer and the Peone Lames, 1975}: Vir i ‘Magic wal Manipulation, Ideologischer Kulbund poltsche eligi des Natunnleaimn | Gotingen, 1971). 0 COMO AS SOCIEDADES RECORDAM smeméria dos mortes da Grande Guerra, No éltimo domingo de eada més de Margo, os jovens de 14 anos aderiam & Juventude Hitleriana num rito de passagem cujo centro, numa analogia clara com a profissio de (6 em Cristo Uo Crisma, cra juramento de fidelidade ao Fabret.O aniversério do Fairer, a 20 de Abril, ra celebrado com uma parada da Wehrmacht na porta de Brandebut- {40,0 festival nacional do povo germvinieo, que se realizava a | de Maio, send oviginariamente ueva festa dos tabalhadores, foi despojado das sus implica- «Ges inlernacionalistas ¢ reintespretado como uma celebragio_da. Volksge meinschaft germinca. A21 de Junho, o solsticio de Verdo era celebrado com piradas das SS e dauventude Hitlriana. No prinefpio de Setembro, 0 Panido exibia o sew poder no Reich spartitag. De 1927 a 1938, este comicio, que dlurava uma semana, teve lugar em Nuremberga, reunindo meio milhio de participantes, em médi, c atingindo um recorde de 950 mil em 1938. No inicio die Outubro, a antiga tradigio do Festival das Colheitas foi transformada num stival Nacional-Socialista do campesinatoalemio. _ Nenhum festivalestava dotado de uma forga de culto mais poderosa do que ‘Zyuele que comemorava o Putsch 0 rigue" de 1923.0 seutema rao sacrifieio, alta e a vitiid fin tes" do Nacional- Socialismo. Os sobreviventes do Putsch, condecoradas com a "Ordem do Sangue", encontrayam-se para a reunigo tradicional na Burgesbraukeller de Munique, no dia 8 de Novembro, para ali ouvitem a alocugio comemorativa de Hitler dedicadaaos "dezasseis matires do movimento Nacional-Socialist’. No dia seguinte, cs "antigos combatentes” marchavam do Burgerbraukeller para. Feldheranhale,repetindo ritualmente a marcha de 1923, a0 longo de um caminho assinalado por archotes a arder, acompanhados de uma mis fncbre, do dobre dos sinos e da recitagao lenta dos nomes de todos os que taviam sido mortes, desde 1919, a0 servigo do Partido, Estas ceriménias atingiram 0 aparato maximo em 1935. Nesse ano, os cadveres exumados das dezasseis “testemunhas de sangue" foram colocados no Felherinhalle, na véspera do dia das comemoragdes, ¢ transferidos, a 9 de Novembro, em procissio solene, para o recém-construido Ehrentempel, na Konigplatz. © caminho era assinslado por duzentas e quarenta colunas, cada uma delas com © nome de um des "caidos pelo movimento". A medida que a cabeca da procissio passava yor cada coluna, 0 nome de um dos mottos era proclamado. Quando 8 procissio chegou ao Feldherenhalle soaram dezasseis tires de ccanhio, umm por eada um dos dezasseiseaidos de 1923. Enquanto os eaixses cram colocados em catruagens para serfm transportados para o Ehrentempel, Hitler depos uma coroa de flores no monumento aos mortos. No Ehrentempel, os nomes dis devasseis ".estemunhas de says" foram evacados, um por um, CCERIMONIAS COMEMORATIVAS SI € 0 coro da Juventude Hitleriana respondeu a chamada de cada nome com 0 Brito "Presente!". Apés cada grito soaram trés tiros em saudagio. Esta come- ‘moracio cra uma representacio pagi da Paixto, apresentada num.vocabulério peidido de empréstimo a religiao,_ ‘A narrativa relata acontecimentos historicos — mas acontecimentos hist6- ‘cos transfigurados pela mitificagio que os transformou em substineias inal- teraveis e imutiveis. O conteddo dos mits é repres. io estando sujeito a qualquer espécie de mudanga. O mito ensina que a historia nfo 6 um | jogo de forcas contingents. As constantes fundamentais sioa lula, 0 sactificio ea vit6ria As virtues cardeais do Nacional-Socialismo consubstanciadas, por assim dizer, nas dezasseis "testemunhas de sangue”, sio a obediéncia incon ional, a confianga absoluta © a preparagao para 0 sacrificio até & morte. O fiasco politico de 1923 nio ¢, deste modo, reinterpretado e representado nem como uma derrota, nem como fit ¢ sem sentido. O destino mortal daqueles ue nele tombaram deve ser interpretado nio como uma morte sem sentido, mas como uma morte sacrificial. Deve ser entendido como um acontecimento sagrado, que aponta em frente, para um outro acontecimento sagrado, 0 de 30 de Janeiro de 1933, pois atomada do poder nio ¢ interpretada como um mero éxito politico, tal como o pulse de 1923 nio 0 & como um mero fracasso politico. Nenhum deles pertence & esfera das coisas mundanas. O acontecimen- to "sagrado" do putsch prefigurava a vitéria, enquanto 0 acontecimento "sa- srado" da tomada do poder dava, por fim, forma real ao conteido da revelacio, 0 "Reich". Entre os dois acontecimentos.estabeleceu-se uma _concordincia nftica. A data crucial recorrente desta narrativa mitica € 0 9 de Novembro. Esta narrativa era mais do que o contar de uma histia, encenado, Era um rito estabelecido ¢ representado. A sua nao era inequivocamente contada no pretérito, mas no tempo de um presente metal sico, Subestimarfamos o poder comemorativo do rito, minimizariamos 0 seu oder mneménico, se disséssemos que ele recordava acontecimentos miticos 205 paritipanies. Deveriamos antes dizer que o acontecimento sagrado de 1923 era re-apresentado; os que participavam no rito davam-Ihe uma forma cerimonialmente corporizada. A realidade transfigurada do.mito era re-apFe= senlada uma e ovtra vez, quando aqueles que tomavam parte no calto se tornavam, por assim dizer, conlemporancos do acontecimento mitico. Todos | 0 anos, a marcha historica de 1923 repetia-se, Todos os anos, soavam os dezasseis ttos, repetindo os dezasscisdisparos mortais de 1923. Todos os anos, as bandeiras eram agitadas, no como simbolos que se reportassem a um acontecimento acabado, mas como reliquias consubstancis desse mesmo “acon'*imento, Acima de tudo, era através de actos representados mum lugar tado como era um culto 5 COMO AS SOCIEDADES RECORDAM sazfado que a ilusio do tempe mundano era suspensa. No Feldherrnhalle ddava-se, todos os anos, uma forma presente a estrutura mitica. Neste local a liferenga temporal era negada ¢ a existéncia da mesma realidade, "verdadcira” aanualmiente desvendada, Oreyime Nacional-Socialista ora re Aconteeinientas da natureza dos que foryp ats referenciados fazem parte, claramente de um fensmeno mais vasto 0 da acgio ritual Exste um desacor. do substancial quanto & forma como a paves ttl Ueveta er ullizada, mas consdero que una das definigGesmassucintasefuncionas nossa dispose E agucla que Lakes propoe, sugcrindo que emipreguemos o termesituaDpara designar "a actividad oriemtads por normas, com earacter simbilico, que chama a_atengio dos seus partisipantes para objectos de pensamento € de .Ste5_pensim_ ler um significado especial.” As premissas contidas nesta definigio podem ser reveladas através de tds proposigoes intertgadas, cada uma das quais se pose enunciar mais facilmente sob uma forma negitiva @ GimmaaT TARE verdade que sao actos com mais de expressivo do que de instrumental, no sentido em que ou nao sao dition ata um fi esnecitien, ose si, como no caso doe rion de fetlidade, conseguem alcangar seu objetivo estratégico, Mas os tlas sb, sto scion expressivos em virtue da sua cepularidade notiria, Sio actos fonmalizados ¢ tendon a se esilizado,estereatipados e reptitives. Dada serem deliberada mente esllizados, aio esta suits A variagio espont ou, pelo menos, 0 dentro de estritos limites. Nao se realizam sob uma compulvio interior momentinea, mas sio deliberadamente celebrados 2S Lakes, “Political Ritual and Si especialente 3p 20 Integration", Sociology, 9 (1975), pp. 280-38, CERIMONIAS COMEMORATIVAS 33 para simbolizar sentimentos. Liberia, na verdad, s mas este no € 0 seu objective central Os stos.nio-sio-meramente algo de formal, Exprimimos vulgormente a nossa pereeptio do seu formalismo falando de ais actos como *meramente™ rituals, ou como forms "varias ¢ pomo-losfrequentementc em contrastecom aetos e declarages 38 quais nos referimos como "sinceras* ou “autemicas" Mas isto € enganador, pois aqueles que celebram os ritos senlem gue estes 50 obrigatérios, mesmo que nio incondicionalacut, send a interferénela com actos dotados de valor ritual sempre sentida como uma injaria intolerével infligida por uma pessoa, ou grupo, a outro. Podernos achar que as crengas que ra pessoa qualquer considera sapradas Sio puramente fantésticas, mas nuunea pode pedir-se de nimo leve que a sua expresso efectiva seja violada E, inversamente, as pessoas resistem i obrigagio de fazer lowvores a um conjunto de ritos albeios, incompativeis com a sua pripria visio da "verdade", Limentos expressivos, Ze porque encenar um site-¢ sempre..num certo sentido, estar de acordo com \ set significado. Obrigar os patrotas a insultar a sua bandeira, ou forgar os pagios a receber 0 baptismo, é violenti-los. © feito dos ri i lmitado 8 ceriménia ritual, & verdade que os rituoistendem a reaizaase em lugares eSpecinis, em datas estabclecdas. E€ tum facto que muitos rites assinalam momentos d> inicio e €crm, tanto em ceriménias nas alturas criticas da vida dos individu por exemplo o nascimento, a puberdade, o casamento ¢a morte —como também nas cetimé= nias recorrentes do calendirio. Mas 0 que quer que os ritos demonsttem, impregna também o comportamento © a mentalilade nao rituais. Embora {elimitados no tempo e no espace, os rilos sio também, por assim dizer, 2910398. Considera-se que fazem sentido, porque tEm significado telativa. mente a-um.conjvnto.de-outras.acgGes,ndo-rilvais, para {oda vida de uma comunidade, Os ritos tém a capacidade de conferir valor e sentido a vida dagueles que os executam.* ‘Todos 0 tos sio repetitivos ea repetici subedtende, aulomaticamente, a continuidade com o passado. Mas existe uma classe distintiva de ritos que tém ‘um caricter calendarizado explicitamente virado para 0 passado. Os festvais nacional-socialistas pertencem a este tipo. E facil pensar em mais exemplos. Assim, em muitas culturas, os Festvais sio realizados como a comemoragio dde mitos que thes estio associadas e conse a tecordagio de um acontecimento 3. Sobre os ritos teem significa para alm da casio em que sho praticatos, ver C. Geez, "Religion ax a Cultural System", nD. Cutler (cL) The Religions Sination (Nova longue, 1968), pp. 639-87 or COMO AS SOCIEDADES RECORDAM, “que se pensa ter tido lugar numa dala hist6rica determinada, ou num qualquer passido mitico; existem cerimoniais recorrentes no calendstio, como o Dia de ‘Ano Novo ¢ 0s aniversirias; as festas dos santos cristos comemoram-se em certos dias do ano; no Cenotifio, celebram-se ceriménias de recordacan; as bbandeiras sio colocadas a meia-haste; pOem-se flores nas sepulturas; €€ tem, aetualmente, mais de uma centena de embaixadas, em todas as capitais| mundiais mais importantes, cada uma com, pelo menos, uma celebracio nacional para a qual os funciondrios devem ser convidados, todos os anos. Algumas destas comemoragbes sao eelebradas de bom-grado, outras $89 um fardo ¢ outras no provocam mais do que um bocejo moderadamente emocio- nado, Mas a caracteristica que todas tm em comum, © que as afasa da categoria mais geral dos rts, & que cam apenas a continuidade com ‘o passado, mas reivindicam explicitamente essa mesma continuidade. E muitas Udelas, nas quais desejo agora fixara atengdo, fazem-no através da reencenagso ritual de uma narrativa de acontecimentos que se julga terem tido Tugar nur tempo passado, de modo suficientemente elaborado para inclufrem a perfo~ mance de sequéncias mais ou menos invariéveis de actos e declaragées for- Em nenhum outro dominio € esta pretensio, de comemorar uma série aanierior de acontecimentos fundadores sob a forma de um rito, mais ampla- mente expressa do que nas grandes religides mundiais. Uma tal preten nelas constantemente presente . A esséncia da identidade judaica € estabelecida pela referéncia a uma sucessio de acontecimentos histéricos. Os dois liveos mais populares na vida judaica, 0 Antigo Testamento ¢ livre judaico de oragées, narram ¢ celebram esta sucesso, O Antigo Testamento ¢, em particular, as Seus livros histéricas, revela uma identidade constituida pelas ctapas de uma narrativa histor.ca: a vida de Abraio ¢ a sua migragio para 0 Egipto, o éxodo das tribos judaicas do Egipto, a revelagio da Lei no Monte Sinai, a entrada dos judeus na Terra Prometida ¢ as aventuras subsequentes sob o dominio dos juizes ¢ dos teis. 0 livra de oragies, tal como o Antigo Testamento, exprime as ideais religiosos. éticas Uo Judaismo c reflecte, simultaneamente, a vida do judeu enqzanto memo de um grupo hist6rico particutar. Embora os seus elementos basicos permanceem idénticos através da Diéspora, os pormenores do livea de oragies trazem, em quase todos os paises, a marca das condigdes locais a que a ‘comunidade judaica esta sujeits, Tanto no Antigo Testamento como no livro io ests Je uragies, a “recardgio” tarna-se um terme tGenico através do qual se cexpressin ao pracesso pelo qual os judeus praticantes Lembram e recuperam, fa sus sla presente, os principais acontecimentos formativos da histéria da CERIMONIAS COMEMORATIVAS 55 sua comunidade, Em nenhum outro lugar esta teologia da meméria € mais Pronunciada do que no Deutersnimo. A prova de que a nova geragao de Israel permanece ligada a tradigi ado dda sua hist6ria redentora, reside numa forma de vida em que recordar € tornar © passado presente, & formar uma solidariedade com os antepassados. Essa prova deverd ser feita nas demonstragies do culto, Isract celebra os festivais ppara recordar. O que se recorda é a narrativa histGrica de uma comunidade, A Pascoa, um dos festivais mais importantes do ano judaico, é explicitamente hist6rica, lembrando todos os anos a0 povo o acontecimento central da antiga hist6ria judaica, o éxodo do Egipto tal como € contado no Exodus 12.0 Seder (a ceia ritual da Pascoa judaica) recorda anualmente aos judcus praticantes 0 ‘momento mais formativo na vida da sua comunidade, o momento em que essa comunidade foi redimida do cativeiro ¢ transformada num pov livre, € embra-thes esse momento sob a forma de uma celebragio doméstica, na qual ‘uma parte proeminente do culto cabe & crianga, As graces permanecem unidas na hist6ria através do culto. Também aos festivais das colheitas de Shievuoth © Sukkoth tem sido dada uma referencia hist6riea: 0 primeiro comemora a revelagio da Lei, no Monte Sinai, ¢ 0 segundo alude ao Exodo. Dois festivais menores sio explicitamente hist6ricos, mantendo presentes acontecimentos relembradas anualmente: o Purim, que comemora s aconte- cimentos narrados no Livro de Ester © o Hanukka, que celebra a historia da purificacao do Templo. O proprio Sabbath € apresentado, no Pentateuco, em termos parcialmente hist6ricos, como comemoracao tanto da criacao do mundo como do éxodo. Ao conservar o Sabbath sagrado, Israel recorda ¢ participa na hist6ria redentora da sua comunidade.* © Cristianismo permanece vinculado & sua origem historica prdpria, Tem a sua origem num momento hist6rico definido e em todas as ocasides sub- sequentes da sua histéria reporta-se explicita e elaboradamente a esse momen- to, O Cristianismo inicia-se com uma sucessio tnica de acontecimentos na historia ¢, sobretudo, com o acontecimento central da crucificagio, Nao hi diividas de relevo acerca da historicidade da crucificagao ¢ da data em que ela teve lugar. O Cristianismo nio é, portanto, nem a exposigio de uma doutrina 0 mossica, que o Israel do presente ndo foi sey 4 Sobre a litargiajudaiea, ver B.S. Childs, Memory and Tradition a sacl (Londres, 1962) 1 Elbogen, Der jadische Goutesdiens i seiner geschicilichen Enowicklurg (Hikesheim, 1962), NIN. Glazer (ed), The Passover Heggadol (Nova lorque, 1969), AZ. Kelson. Jewish Linurgy ands Developmen (Nova longue, 1967} B. Lewis, History: Romembered, Recorded, Invented (Princeton, 1973), pp.47-48;. Mowinckl, Religion und kults(Gottinge, 1953), 4 Pedersan, fae, ts Life and Cultare(Oxtord, 1940); 3 Petuchowsk, Contributions 0 the ‘Scienifi Study of the Jewish Liergy (Nova longue, 1970), 56 COMO AS SOCIEDADES RECORDAM pitulagio de um mito, Ensina que a revelagio divina assumiut uma forma hist6rica, que Deus interveio na historia da humanidade © sue a vacagdo do cristo ¢ recordar e comemorar a histria dessa intervengao. © period de tempo evocado pelos Evangelhos ¢ reeordado na liturgia nao &, como nas religides arcaicas, um tempo mitico, nao se devendo pens coniceimentos recapitulados anus lveimentos que ocorreram “no inici ente, no calendtio sagrado, como acon- + “in illo tempore”. Os acontecimentos tiveramy lugar numa histiria dativel e num perfodo historico elaramente defic nido, © periado em que Péncio Pitatos era governador da Judeia, Es aconiecimentos © esse periodo so comemorados anualmente nas festay de Sexta-feira Sunta © da Pisco, Todo 0 ano cristio se articula em redor deste Petiodo pascal, que recapitula © reencena, na sequéncia das ceriménias ¢ no conteiido das oragdes, as varias ctapas da Paixdo. Hé uma periodicidade Semanal incluida neste ciclo anual, pois a Missa, na qual os lis paticipam, comentora, todas os Domingos, a Ultima Ceia, Na verdade, nao existe oragao, nem acto de devogio, que nao tome como referéncia, directa ou indirectamen, {0 Cristo histérico, A narrativa historiea chega aos pormenores mais dimi, Fulos. O facto da crucificagio encontra-se simbolizado em cada sinal dx crus ste &. em si proprio, uma comemoragio condensada, uma narraliva consubs. tanciada, uma evocagio Uo facto histérico central e da eren da Cristandade.® A Tundagio do Istio como religido & uma sequéncia de acontecimentos histiricos ainda mais explicitamente definida do que succde com o Judaismo 0 0 Cristianismo: 0 fundador do Istio tomnou-se soberano enquanto era vivo, overnou uma comunidade e comandou exércitos. E verdade que importantes motivagies para o desenvolvimento de wt ritual historicamente referenciado, Dresentes no Judaismo e no Cristianismo, se encontravam ausentes no Islamis, ‘nwo. Fallava a vida de Maomé a ambiguidade simbética, o estimulo hermensia, flea, como sueeds na Ultima Ceia ou no Bxodo, onde os dois niveis de sinc eeigiosa ¢terrena, do tempo sagrado e do profano, parecem mista fare ¢ apelar a0 reordenamento ritual pelos erentes vindouros, A histéria da ‘comunidad drabe nao podia ser explorada como um rico veio de acontecimen. ws-ou de estidios digas de comemoracdo religiosa, dado tet-se desenvolvid religiosa fuleral “tues murs cra vet O. Cac, The Mistery of Christian Worship (dB. Neunkeuser {inten 14521 F Cath hari Sacrifice and he Reformation (Onto, 1969) ¥. Mea {inser Fulton and Tulsi. M. Nisehy eT. Rainborogh, Landes, toon tla the Chan ead te Catia te Spirit ofthe Lita (eb Lane. Lore 11.8 linens. Loic he Fneuerang —Ruckblickand Ausblk (Kevaleer, 1) Henares te bie of te Wd (IK Wistone, Lote 6) CCERIMONIAS COMEMORATIVAS 7 ‘apidamente uma comunidade mugulmana organizada apenas uma década depois de Maomé ter comegado a preg, Além disso, ausGncia de uma clase clerical restingiu desenvolvimento da lituega islamica, tanto em extensio como em pormenor, ¢levou a que as manifestagies exteriores da religiéo iskimica conservassem uma nota dominante de simplicidade. Em consequén- cia, 0 calendério istimico s6 continha, inicialmente, dois festivais: a Peregri- nagio, com a festa que celebra a sua conclusio bem-sucedida, e o Jejum do Ramadio, coma festa que assinalao fim do periodo de abstinéncia, Mas ambos 6 festivaistém, pelo menos, alguma referénciahistrica ostensiva, A Peregri- ago anual a Meca contém algo de alusio histérica: evoca a meméria de Maomé, assim como a de Abraio, a quem é atribuida, no Corio, a fundagio o santuatio e a instituigio da peregrinagao. Todo o muculmano ¢ obrigado a fazer a viagem aos lugares sagrados uma vez na vida e a tomar parte naqueles actos cerimoniais num dado momento e segundo um dada sequéncia. Contu- do, embora 0s teélogos tenhiam dedicado muita atengio & definigao da "capa cidade" para fazer a Peregrinagao e 3s condigbes que isentam o crente da obrigagio de a realizar, na pratica, a decisio de ir ov no a Meca € mais ou ‘menos deixada a0 individuo, ¢ em nenhuma época ters side possivel que mais do que uma pequena fraccio da comunidade mugulmana nela tenha participa- do. Mas enquanto a obrigacao de fazer a Peregrinagio 56 pode, na realidad, ter sido cumprida por um pequeno nimero de muculmanos, a obrigagio de sjuar durante o més do Ramadso influencia profundamente a vida de todos oS crentes. O jejum veio a ser olhado por muitos como o acto religioso mais importante © € observado até pelos muculmanos que negligenciam as suas cages diérias. Eo Ramadao (oj escothido devido as suas eferéncias histri- c1s explicitas: foi neste més, o quinto do ano mugulmano, que 0 Corio foi ceaviado a terra como um guia para o povo.* Nas religides mundiais, mas também nos ritos de muitos povos sem eseita e «em diversos rituais politicos modemos, existe pois uma gama de ceiménias «qe partitham certascatacteristicas comuns: nao se limilam 4 sugertacont lecom,o-passado, em yirtude do seu grau elevado de formalismo ¢ ; elo contrrio, um des sus tagos caracteristico € 2 reivindicagso 6 Sobre os festvais muulmanos, ver GE. von Gnunebaum, Mulammadan Festivals (Nova lorque, 1951) €B. Lewis, istry: Remembered, Recorded, Invented (ince, 1975) p49 AN 38 COMO AS SOCIEDADES RECORDAM explicita de comemorarem unna tal eontinuidade. Nao poderemos ads infer, entio, a partir deste facto, que essas ceriménias comemorativas desempenharm tum papel significative na con da meméria comunitéria? Tem expressado muitas vézes expt ito desta inferéncia e esse cepticis- mo assumiu yeralmente uma de trés formas possiveis. ‘A primeira lina de argumentagio, a que chamarei a posigio psi tica, comitnaperpesivade qu onportament ile somprenemslor como uma forma de repr cenunciado sistematicamente indirect 5, cdificado no simbolidmo do sto, we conflitos que esse rito disfarca e, nessa medida, nega. O processo prim que se considera explicar © processe secundirio da representacio simbs sti localizado na hist6ria de vida do individuo, embora as interpretacbes psicanaliticas particulares do ritual possam variar, conforme a fase edipiana ou pré-cdipiana da inffincia, ou outro qualquer processo conflitual, seja, ot ‘io, tomada como a génest de tais representagbes. Aquilo que todas essas interpretagdes tém em comum é descodificarem o texto ritual como tendo uma carga de conflito ¢ estando, por isso, de certo modo, carregado de estraté de nogagio. E possivel interpretar os rituais psicanaliticamente como representagées simbélicas, explicando essas represeatagSes em termos da hist6ria de vida do individuo. Assim, o entendimento que Freud tem do ritual é baseado na suposta analogia entre a ontogénese ea filogénese, sendo o terreno da alegada analogia proporcionado peto seu ponto de vista de que a luta edipiana entre filhos e pais, ‘no contexto da autoridade patriarcal, processo primério,’ Nesta base, Freud ¢ levado a especular que na historia de vida da espécie humana terd existido ‘outrora uma horda primitiva constituida por um pai poderoso, os seus filhos lum grupo de fémeas 3s quais 0 pai tinha acesso exclusive: que os filhos, ressentindo-se da sua dominacao, 0 mataram; que, depois, reconheceram que ‘oamavam, para além de o odiarem, ficando dominados pelo remorso; ¢ que, ‘com reparacio, restauraram a imagem do pai sob a forma substitutiva do animal tolémico, Segundo esta interp:etacao, arefeicdo totémica que repetiam todos os anos devia, entio, ser vista como a tepeticao solene, niio do acto de parricidio em si, mas da forma dle encarar esse acto, que aqueles que o haviam cometido vieram posteriormente a adplat. ‘um regresso da meméria 7 Vee. re Tem and Tahun, in Standard Eatin, vol. XIU (4 3 Strachey, com A. Fred ssw po A Stachey © A Tyson, Landes, 1953-66), Sobre a interpelagiofreudiana do tua. ver P_ Riceur. "Poychounalysis an the Movement of Contemporary Culture, ia Rains € WM. Sullivan (eds, aterprsative Social Science (Beskeley, 1979), pp. 301-9 CERIMONIAS COMEMORATIVAS, 2” reprimia, no qual representavam © superavam 0 acto origingrio. Repre- senlavam a sua ambivaléncia para com 0 pai venerando e devorando silt reamente o animal totémico e superavam essa ambivalénca identificando-se om 0 animal que comiam, A refeigio folémica deve ser entendida como um acto de representacosimbica, no sentido em que se tratava de uma epetgto @ de uma comemoracio dest feito ctiminoso e memorivel. Sem nos exigir gue accitemos a ontoogin feudiana na globalidade, ou que aceitemos a sua projecgio na histria de vida da humanidade, Richard Wollheim prope uma explicacao psicanaltica alterativa do ritual como representagio cosiicas.” ‘amecando por observar que muitos ros exigem unia morte, geralmente 3 de m animal, embora por vezes também a morte real ou simulada de um ser hhumano, sugere que las actos sio invariaveimente “exericios de negaglo” € como tal pertencen a “patologia do ritual”, O ritual negs, ¢ aqueles que 0 executam negam, a realidade da agressio como impulso humano, Adenegagio 6 eita colocando “entre paresis" o seu sentido. O fim para o qual a agressio como impulso se dirige inerentemente, a desirigdo de uma vida, ¢ isolado ‘Uma ver isolado, este fim 6 recomendado como algo que deveria sr repeido ‘uma e outta vez, mas sempre, em cada repetigio, « motivo pelo qual a vide deve ser trada deve estar o mais afatado possvel dh agressio — deve ser em home da piedade, da decéncia ou da teveréncia pein autoridade, Aquilo que dl sadismo"ceste fim apenas se pode conctetizar, el camo os ritos no cenirio alterativo de Freud, pla represemagio quasetextaleodifcada ‘Umma segunda lina de argunentagio, aque chamarci a posi sociolgica, consiste na opiniio de que 0 comportamento riwsl se compreende_ melhor forma der i xual. Este tipo de leituradesenvol- faizando as formas como o ritual funciona para comunicar valores los no int «para reduzir a dissengio interna, Segundo Este panto de vista, aguilo que os rituais nos dizem é como so consttuidos a estabilidade eo equilibrio sciais, Mostram-nos com.o ethos. de-uma cultura © a sensibilidade moldada por esse ethas, quando soletrados para o exterior, ‘io articulados no simbolsmo de algo parecido com ui testo colecivosinica Podem encontrat-e mulls variantesinfluenles desta Tink Ginlerprelacdo. Segundo Durkincim, o rtval “epreseata”aealidade social torandoa ints givel, mesmo que oconieido cognitivo do ito estjacodificado sob uma forma metafrica esimbdlica, Neste sentido, podemos cosiderar os rituss reli 08, por exemplo, como sistemas de ideas nos quas "os individuos repre- 8 RWollheim, The Sheep and the Ceremony (Came, 17%). 81s) sok 1 | ov COMO AS SOCIEDADES RECORDAM ‘entam para si proprios « sociedad de que sio membros e as relagbes obscuras mas ftimas que tem com csta".” Esta ileia — que resulta do realee ide componente fortemente cognitiva da explicagéo de Durkheim — de que os {los podem set intespretados como represealagies simbdlicasc, este sentido, como possuind eoatedido cognitive, pole ser simullancanente alargada 6 ‘moditicada, Pode ser alargada se consideraemos que o simbolismo ds rituaig Politicos representa conceitos particulares Jaquilo que é uma sociedade e de como la funciona." E pode ser modificadase considerarmos quc esses rituals politics operam.no Ambite de contextospoltcas em que o poderé distribuido de moda sistematicamente desigual, 0 que 29s permite interpeiar os tia como algo que possibilita um conirolo cogntivo na medida em que proporeio. 28 na versio oficial da esifutura politica através de representagdes sino Sas por exemplo, do "Imps", da *Constiuigio’, da *Repilblica’, ov. da 'Nagio*." Esses rituais podem lerse como uma especie de texto volective Simblico, Mas a possibilidade de interpreta os ritos como formas de repre. sentagio simbéiliea pode ser levada ainda mais longe se, com Bakhtin, inter- bretarmos o Carnaval e, mals particulatmerte, as festividaes popu {loresceram durante o Renascimento, come represenlagies antecipatoriag = Segundo esta explidacio, as inversoes da ordem hierirquica caractetistieas Jo ‘stnaval alo devem continuar a ser interpre-adas como uma forma encoberta (ie realirmar a bicrarquia, mas, pelo contri, como um mecanismo de liber, [Aso social, no qual o expediente da represertagio simbolica éutlizado como Havana, © Carnaval & assim visto como vin acto em que "as pessoa ‘ganizam “a sua maneira", como uma colectvidade onde os membros indi ‘vais se tormam pavteinsepardvel da massa humana, de tal forma que "as Pessous" se apercebem da sua unidade coxporal sensual-materal, Pode enti dlzerse que as formas populares-festivas, ao permiirem a aglutinagao de um ‘al corpo colectivo, oferecem as pessoas uma representaci simbolica nao des “alegoriaspresenes, mis da utopia, imagemde um estado futuro no qual em onthe Te lomenary Farms of eligions feu... Swain, Loads, 19S) .228 1 ata etenn do estado dsimbotsn asa polis, ver ShifseM, Yong "tg emit Craton Seilogeat Review. ws 1 (1953), pp. 63-8, L. Wane The {neato the Dea: A Sd ofthe Symbolic Life ofAmerican (New Haven, 1999) 41 a 9 uv octal politic com cote eo Sie iv, ver N. Birnbaum, “Monarchs and eh Aol o Person Sls and Mi You’ Sociological Review: ns 3 (1055), Fee akan “Cemters Kings and Charisma: Refecions on the Sytem af bower” atte N- Cloke), Calne ants Creators, Essays iu Honus of Ednced che 2277. pp. 150-71 S. Lukes, "Pole! tol and Socal nian vere EDS) pp, SRM FEM Itt, ae aa hi 4 (,bowolsy, Cambridge, Mas, 1968), pp. 196-272, CERIMONIAS COMEMORATIVAS ol gar a "vit6ria da abundéncia material de todo o povo.alberdade, a igualdade © fraternidade", Os rites do Carnaval tepresentam ¢ prefiguram os direitos do pove. Como forma de intespretat os rites, esta argumeniacao afercee-nee lume espécie diferente de codificagéo simbsica, em que aquilo que de outro ‘modo seria calado ¢ indizivel 6 expresso © a dimensio do tempo futuro € mplicitamente revelada. Como interpretagio da acco ritual, perience, todo: via, a0 mesmo género que o seu correspondente durkheimiano, o de repre. sentagio simbélica numa espécie de texto colectivo Uma terceiea linha de argumentago, a qual chamarei a posigio histrca, consiste no parecer de que os ritos nav se podem comprcender de forme satisfatGria apenas em termos da sua estratera interna, pois todos os ritvate ‘io importa quo venerévelseja a ancestralidade que Ins €atribuids, tem de ser inventados em alguma altura e, durante o periodo histérico em que pertia. necem vivos, 0 seu significado € susceptivel de mudanga. Usta eaplicacio Jevou 8 tentativa de redescobrir o significado dos cerimoniaisreenquadrando, 85 no seu contexto histérico. Segundo este ponto de vist, situar um ite no seu contexto nao constitu um mero passo suilir, mas um ingrediente exon, ial a0 acto da sua interprtagio. Investigar o contexto de um rito nd ¢extadae apenas informagao adicional x seu respeito, mas sm colocarmo-nes em po io de obter maior compreensio do seu significado do que ayucls que sora fcessivel a “alguém que 0 iatcrpretasse como um texto simbulive inks Pendente”." Seguinda esta tinha de pensamento, muitos historladores tem “demonstrado que, se quisermos redescobriro significado dos ritusisds realeza no inicio do periodo modetno, temos de relacioni-los inteligivelmeate com ae citcunstincias em que foram realizados,'* Outros historiadores, especializados tum perodo posterior, mostraram que sempre qu as inttugbes Sova, para as quai as “velhas" tradigdes foram concebidas, comesaiia ruirsobo impacte de um Papa evoTUGEO soctal, fem lugar uma lavengao iniedfats + mite 13 Para una claboragéo desta posigio, ver D. Cannadine, "The Context, Performance amd Meaning of Rita the Brisish Monarchy andthe “Invention of Taito’ c 830 1977, ink, Hobsbawm eT. Range (ed), The Invention of Traton (Cambri, 1983) pp. 10164, especialmente 1048 4 Tara 0s estos do ritual polio no inicio da Idade Moder, ve, ete outros S.Aagh, Spectacle, Pageantry and Early Tudor Policy (Oxlord, 1969) DM. Bergeron, Eglsh Ce Pageant 1958-1642 (Lones, 1971), Burke, Popular Caltre in Early Maden Boop (Londres, 1978) R.B. Giesey, The Royal Funcral Ceremony in Renaissance France Gener, 1960); E: Muit, Civic Ritual in Renaissance Venice (Princeton, 1981) Orgel, The Ilene, o Power: Political Thaer in the English Renasonce (Berkeley. 1915. & Sheng, Splendour at Court: RenuissanceSpeciacle and Hsin (Londte, 1913), F. A Waea Te Valois Tapestries (Londres, 1989), 62 COMO AS SOCIEDADES RECORDAM Titundida de novos rituais." A invengio do ritual acaba por ser simultanea- ‘mente um problema geral e um fenémeno de interesse particular nas socieda- des pis-tradicion Deste modo, & agora muito claro que, no perfodo modetno, as cles nacio- nis inventaranrituais que reclamama continuidade com um passado hist6rico de massas e construin- ‘do novos e=pagOS Titus, Ilo & verdade tanto para a Europa como para o into a Terceira Republica como a Alemanha de Guilherme investiram capital simblico em tradigées inventadas."” Em Franga, 0 Dia da Bastilha tomou-se uma data hist6rica em 1880 e, na Alemanha, a Guerra Franco-Prussiana fornou-se um aconteeimento histérico no seu vigésimo-quin- to aniversirio, quando se instituiu uma ccriménia comemorativa, em 1896. ‘Ambas comemoravam os actos fundadores do novo regime, diferindo apenas, ra maneira como © mito da fundagio era interpretado. Nos dois casos, 0 contexto dos ritos demonstta a sua funcio ideoldgica. Em Franga, a burguesia republicana modcrada inventou um rito como parte da sua estratégia para afastar a ameuga de inimigos politicos & esquerda. Conseguiram-no através de uum reafirmagio anual da Franga como a nacao de 1789, na qual os simbolos dda bandeita tricolor ¢ da Marselhesa e a referéncia i Liberdade, a Igualdade © 4 Fraternidade, lembrassem aos cidadios da Terceira Repiblica o facto alega- 1S Pasa os esto do ital poltcn na Made Modesns, ver em especial, E, Hobsbawn € Ranger (eds), The Invention of Tradition (Cambridge, 1983); ver também M. Agulhon, Esquisse poor une acolo de a épubliqe:Vallegorie civigue feminine", Annales, 28 (978) pp, S34 Asuthon, Marieane ino Batle: Republican tmagery and Syeaboism in France 1789-1880 (iJ Lay Cambridge, 1981) Re Bocoek, Rita in IndasrialSociery (lundies, 1974), G, Kern, From Art to Theatre (Chicago, 1944); C. Lane, The Bites of Ruder: Ritual tv fadusral Society the Soviet Case (Cambridge, 1981}; G. L. Mosse, “Caeuarism, Cicuses and Monuments’, Journal of Contemporary Hisors. 6 (1971), pp 167-82, G. 1. Mosse, Mass Politi and the Pola Liturgy of Nationalism, in E. Kamen ed). Nuinatism: the Nature and Evolution ofan Ideal (Lonites, 1976), pp. 39-54; M, Nowak, Clnaing ur King (Nova lorgue, 1978} C. Reatck, "Festivals and Potties: The Michelet Cenconial of 1898, i W. Laqueur e G. L. Mosse (eds) Historians in Poitics {Hanes 9174, pp. 597H; C Rearich, "estvals in Mixlern France: the Experience ofthe Uhird Kepab ii" onrnat of Contemporary History, 12 (1977), pp. 435-60; R, Samson, "La tite ue Jeanne d’Ate en 18%: eontoverse et célebration’, Rese d'Histoire Moderne et Contemprrune, 20(09T3), pp. $4463; L. Warner, The Living andthe Dead: a Stady ofthe Seon aff Americans (New Heaven, 195). 1 Sue nsengi alg a Tercota Replica ena Alena do Kaiser Guilherme, ver Fr Thuwhawrn, oMass-Poucing Tadions: Ewope, 1870-1914", in B, Hobsbawm © T Manet vas Tle dnventon of radii (Cambridge, 1983), pp, 263-207, especialmente a seauntey co 27 esoeuntes eT. Nipperey, "Nationale und Nationadenkma in Fours hunt an I Het. Historiche 2etchyft, 208 (1968), 529-8. CERIMONIAS COMEMORATIVAS 6 damente unticador da pertenga & nagio francesa, Na Alemanha, 0 regime de Guilherme it inventou ceriménias como parte da sua estratésia para garanit, 4 um povo que no possufa qualquer definigio politica anterior a 1871, que auferia, na verdad, de uma identidade nacional. Conseguiram-no através da celebragio da unificacao ismarckiana da Alemanha, como nica experiéncia nacional partthada por todos os cidadaos do novo império. Em Gpocas mais recentes, duas celebragdes teinventaram ritualmente a histria antiga, no Médio Oriente.” Uma foi a comemoragao da herGica defesa e queda dle Masada, na revota judaica contea 0s romanos, no ano 66 da era crista. A outta fo a celebracio, inaugurada pelo Xé do Io, dos 2500 anos da fundacio do estado e da monarquia petsas por Ciro, 0 Grande. Ambos os cultos, 0 de Masada e 0 de Ciro, eportamse a temas hé muito esquecidos e, na verdade, desconhecidos entre os povos respectives, no dizendo a tad coisa alguma sobre Masada eno tendo os persas preservado qualquer registo de Ciro. Em ambos os casos, a meméria foi recuperada a partir de fontes exteriores,recebeu patroenio politico ¢ foi transformada no foco das fesivi- ddades nacionais. Em Israel, os ossos encontrados nas rufnas de Masada foram de novo solenemente inumados, com unta cerimeénia militar No Irdo, organi- zaram-se cetimSnias unio sepultura de Ciro. O cult de Masada destinava-se ‘a restaurara dimensio poltco-miltarocult da identidade judaica. O culto de Ciro tinha como fim deamatizar a transformagao dos persas, de uma comani- dade religiosa com uma identidade centrada no Isio, numa nagio Secular com uma identidade centrada no Irdo, Ambos os conjuntos de ritos inventados celebravam o heroismo nacioral. (0s tipos de explicagdo que acabei de passat em revista © aos quai, por uma questio de clareza, chamei explicagio psicoldgica, socioldgica e histrica da accio ritual, procuram, todos eles, penetrar além do propésito significado ostensivos dos ritos, com o objectivo de aingirem 0 propésit € significado *eaia” que se diz jazerem sob a superficie. E isto dof se PRUEFERTOS tet um bom motivo para pensar que 0s Filuas, que sio seftados como sendo explicitamente comemorativos, tim na verdade a impor tancia, como meios de transmissio da memoria social, que os. set Banicipantes reivindicam para eles, Essa questio pode abordar-se melhor Segundo penso, em duas elapas: considerando, em primeizo lugar, as caracie- ristcas da forma ritual que as ceriménias comemorativas tém em comumn com tutros acts ituais de tipo duradouro e considerando, depois, ascaracterfsticas 17 Ver B, Lemis, History: Remembered, Recorded, Invented (Pinceton, 1975), pp. 341, 64 COMO AS SOCIEDADES RECORDAM Fe eaadamonstar ae, 40 procuranmos comprecndet as eratriscas {ue a8 cerimniascomemoratvas tm em conumy eee dos, estamos sujeitas a ser cmb Imaioria das tnterp Proce tle om forma do ual pretende asin pane Cimenenasmbeoule ss Tarceiicn que dininasen eee ee time one a tid un tp pacar poemenses can dewatrey Satiea de muta da macnn auosatipraee liad ea impotinea, em muta cute, cue coe alta explicate como rvcapinde mare ee roa inlerass rotopcis. A nos compeensas ds ean emorativas enconta, assim, obsticulos em dois camper Considetemos agora a primeira diticuldade: a fendéncia para focalizar a inte auo S0bte © conteido € nio sobre a forme do ritual Os trés métodes de commen fae 40 ritual que acabei de descrever patilham a pr Shmwe. Todos explicam ottval como uma forma ce epresentacao simbilica, Talos procuram comprecnder a "questao" weal que esti "por detris" do holism ritual, através de um acto de wadugae Belo qual o texto codificado do ral € descodificado para outralinguager Quando nes centramos no cote sinib6tico Ocul do ritual orientanec atencio para as caracteristi- de ae fats Pattha.com algumas ouras maneiras de aniean © significado aa forma estrutrada,particularmente os mites ca Sonhos. Todavia, esta Gnfase nas caracteris cmbora seja muitas vezes esclarecedora, nada ¢ sobre as, VanSteristicas que identficam o ritual. Volta ma larde, a este tépico, Nsiamos, primeiramente, a analogiaevidente caine ito e, depois, em que ®XPECIOS 0 mito © 6 Ftual divergem. Tanto 0 ital como o mito podem set vstos de forma bastante apropriada, seins aay imbilios coletivos. B, nesta base, podemee sugerir que as cullen is deveriun consitrar-se exemplifieativas ve ‘ipo de valores ultras que so também expressos muites vere 108 enunciados elaborados 114s chamams mitos — que exemplificam estes valores por um outro meio, CERIMONIAS Cor 1ORATIVAS, 65 Sul-americanos se reere constantemtente ao contrste ene a carne cruae a venetian iad, por um lado, © a0 contraste entre os vegetss frescos ¢ 0 yetats Pods, por outro, Carne erua, carne cozinhads, vegetais frescos e elnino urs: $8 coisas concretas; poxém, quando apruyreiee oe forma a Sefinis um padrao, como aconicee em muitos mito indice Am auelenmero limitado decategoras permite sustentars ates abstracta de um ich observa que cultural © um Pois pode exprimir-se {aio Pot palavras— cru, cozinhado, fresco, padre —-eces exposta soba forma de uma narrativa mitica, como expressar de diferente, Tova uma veg que comecemos a considerar a forma do ritual como distinta da forma do mites” capa ces 2 SEE GHC 0 Fil nio € apenas uma munca tea ee anna Hm que cers cots 56 prem se cee do ritual, — pret nn, 8 9 iva eo mito dtr esutualmene, pam 108 Tease fundamen. Un mio pode ser nara por an ees por acc aad dvertinento porum pastes cone nan Recta ansangst 2 Iores implies, camo um conjunte de seen -1o.Aquilo que. ecitagsode urn ‘ve exon Ueum rua fa esecalncag Actors do ritual eaqulo que ester esto ia Jo uni elemento de invarincircounicnd ‘contra presente no mito.” Tan Riualstion in Man in Relation to Conca and Soca Development, in J (1905, See Mhesphica Transaction fh Rye ay ‘ol. 251 (1900), em especial pp. 405-6, \ | | \ | \ i | \ alo L an. 66 COMO AS SOCIEDADES RECORDAM sta diferenga estrutural € evidente na forma como alguns dos mitos primi- tivos da cultura ocidental tém side remodelados e reinterpretados. As adapta- sacs do mito na forma dramatica, e vs possiveis imites colocados 2 uma tal farefa, foram objecto de um debate animado nas sitimas décadas do século XIX. Nessa 6poca expressava-se muitas vezes a opinio de que:o material que proporeionava o tem de grandes obras dramaticas ou trdgicas seria ratado de Viriay manciras até que um geande dramaturgo encontrasse, Finalmente, a forma completa © defintiva para esse material mitico, que ficaria entio espotado. Defendia-se, deste modo, que tinham sido feitas muitas eadaptagoes idramiticas do mito de Don Juan, até este ter recebido a materializagao perfeita nna Gpera de Mozart, O mesmo julgamento foi aplicado as versbes dramatieas inais antigas do mito de Fausto, até este ter recebido a forma definitiva no Fausto de Goethe, Por isso, prosseguia esta argumentagio, nao valia a pena depois de Mozart, ou um outro ‘a demonstrar que ‘objective apenas era alcangado trocesso constitu, na verdae, uma histria de enterpretagdes, um processo a readaptagoessubstanciise variadas até ser dada uma forma dfinitva 20 material miico £ possvelconccber uma varnciacriativaacrescida, que io se enquae inaism eaguetna do tpo aca referido: uma pré-histra das interpretages die éfmalmente suplantada por uma iterpretago definitiva, Tanto no caso diomito de Don huan como no do mito de Fausto, pode ser apropiado fala-se se nolegbes para o trabalho de readaptagio do material mitico que eram impereta epretiminares € de uma solugao mas tarda edefinitva, Mas o tno de Orestes Electra no pode str austado a um tal padi, Neste ca, 0 vresmno material mito € 2 mesma situago tgicabisica so restruturados Ghamaticamente pelos és grandes autores da wagédia gtegae, mais tarde, oamente oh uma forma modern, pelo maior de todos os dramatorgos «+ grodrnus, ex Hanlet,Deparames com vérias representagies dramitcas do tresmo matetial mien, bastante diferéntes unas das ouras. Mesmo se dexar- Tow de Indo. versio de Euripides, dado o estgtuto de autria desta tr sido fonts caus por viros critics, incluindo Aristtees ficam ainda és pogas Mine contam chic ax maiores de todas a8 tragédias, mas entre #s quais € 11 Ver KA. Rappaport, “The Otwious Aspests of Ritual", Cambridge Anthropology, 21974), (CERIMONIAS COMEMORATIVAS or Jmpossivel eseolher uma inica€ proclamar que essa representa, em compara ‘Gio com as outras, a aduptagio definitiva do material mitco. 'A adaptacio draméica do mito por Esquilo © S6foctes gera, a partir do mesmo material, significados fundamentalmente diferentes. Esquilo leva ao extremo o elemento trigico do conflito existente ao mito, mostrando o acto de ratricfdio como necessirio © horrendo em igual medida, Neste aspecto, iverge dos tratamentos posticos anteriores do mito feitos por Siménides, Estesicore e Pindaro, Nests, o assassin de uni: nvie, is ordens de um deus, cra representado como um acto her6ieo, ou, pelo menos, 8 obrigacao do filho reclamar vinganga sobre a sua mie recebia maior énfase que o horror do seu matricidio. Esquilo leva-nos a ver 0 horror do acta. Mostra Orestes encurralado pela logica de uma ordem social vingativa, eujns modos de funcionamento implicam necessariamente os deveres que Ihe sic exigidos. A proclamagio da sua inocéncia, na parte final da tilogia, s6 s2 tora possivel através do éstabelecimento de um tribunal publicamente re2onhecido como competente para emitir um veredicto sempre que surgissem disputas sobre a vinganga & reconhecido, portanto, como uma forma de ordem cuja Igica substitu 0s todos de funcionamento do sistema da vingaaga de sangue. Mas Esquilo representa igualmente o matriidio perpetrado por Orestes como inteiramente necessiri, no contexto em que tinha de ser execstado. Na sua readaptagio do mito, tudo € feito para mostrar que © malricdio perpetrado por Orestes & objectivamente necessirio e que tudo se combina, assim, para 0 evar a esse acto: a ordem do deus ¢ a5 ameagas do que sucederia se essa ordem fosse ignorada; a compreensto de Orestes, como herdiro legitimo, da condigio em aque se encontra o scv reino; as exorlagées do eero, que incitam ima e irma aexecutara vinganga quando eles vacilam; o comportamento de Clitemnestra, que procura fugira logica da desforra; ea recordacio vivida que os fils tém da desonra infligida ao pai pela sua esposa e assassina, Esquilo reconfigura 0 mito de forma a representar © acto do maticdio simultaneamente como necessrio ¢ horrivel © elemento de nocessidade horrivel desaparece da versio de Sofécles Enquanto em Esquilo @ ordem para exigi vinganga ¢iniciada por um deus, ¢ acompanhada de ameagas no caso de nfo ser executada, no drama de Sofces, Orestes conta como viajou até Delfos para perguntar ao orsculo como deveria. -vingar a morte do seu pai. Asorientagbes do deus quant forma como. acto devia ser realizado sio uma resposta & prépric pergunta de Orestes, © essa pergunta ja pressupde a decisio de executar ¢ feito. Enquanto em fsquilo Electra cedo descobre vestigios da presenga do irmio regressado, 0 reconhe- cimento mituo de irmio irma se segue pouca depois e, subsequentemente, | “ COMO AS SOCIEDADES RECORDAM 2 dol lanciam eagem em conjunto, em Sofécles, na altura em que Orestes rearessa do exlio a maior parte da acgio ja decorteu, O drama center ce langamente em Electra, Durante a maior parte da acgao, ela emcee ns intimamente x8, Nao ree qualquer ordem divin para exceutaravingooss sure asus mie, Comega a duvidar de que 0 seu irma0 regresse do celine tala sabe da orentacéo que Apoto Ihe havis dado, O coro avisan que na vale a pena procurar tomar medidas contra aqueles que detem apenas odes ne pals, que a suas queinas no servem de nada ao seu pa 6 Ie podene fazer mal a ele E tambés avisada, pela sua irma Crisotemis, para devise cans Obras emboreesivesse lnge de set meee hens iepeetcte Hual, num vocabalrio secular. Entre 1870 e 1914, particular. aril (0 Grande Enbuste”,aqilo aque o autor hams "wre | teas eases SeFOpEUS assistram a um lrescimento de rts inventados, bima trigico-cémica por um grupo de pessoas Jubileus reais, o Dia da Bastlha ea Internacional, os Jogos Olinmsicos, a Final sic daca sconkecendo bem as pisalas que sepuiam, | -—_-dasTagase- Volt Free ane Procuram restaurar, sob nova forma, a Mann fala do estilo e da estrutura de uma vide individual, evocada aqui como | __eelebragao do recortente exemplar. Eessas celebragbes nio se confinaram a0 inenle deFinido e menos exclusive do que o eonecbemus noma nente, como, se fosse, por assim dizer, € seus Irmdos & a ideia m entificagio, de como seguir conscientemente guts de outrém. Para o professor de José, Eliczes fempo € anulado ‘nando todos os Eliczers do passado se reinem para Configurar o Eliezer do | | Foca esto aul Ge este chega a falar, na primeira pessow, do Elcoce que | mir prance " Paredasccesisesemascescidaiorsncharoten eat ga } ts Forma de enearar a padro da vida de um individuo ndoGimediatamente | pee eens 208 clades, como nas sleigbes, pemanccem isocndas 4 SINICEANS! pata n6s. Quando pensamos 20s elementos de vida ie uum prllfeas se Sree Novas; 20 mesmo tempo, novos tipos de cihunieguter mnlonne caine pcan sh ees 177 a como nas ofciis, pesiste elaboragio de um idioma tear de daeven, Sf Munn “eu ti ute". Liwe-Ponen ia Meisel (d.), Freud (Englewood ane yan ‘aginagio 0 forte sentido da imitagéo como identificagio mitica Mann evoca de forma tio poderosa, Continua, todavia, a prodicis © a dar ® (COMO AS SOCIEDADES RECORDAM forma a um desejn de comunidade — 0 desejo de repetir conscientemente 0 pussado, de encontrar sentido na recorténcia celebrada. Accelebragio da recorréneia nao é monopslio das sociedades tradicio- _nais. Mas a celebragiig da recorréncia ¢um.mecanismo.de compensagio. JO capitalismo, segundo a famosa frase de Marx, arrasa toda a imobili-] dade social, toda a limitagio ancestral ¢ restrigio feudal. E os ritos J | engl pecorseaen TaVETIadOS, por mais envolvidos que estejam, muitas vezes, no proprio processo de modernizagio que 0 capitalismo prossegue, sio medidas paliativas, fachadas que se erguem para ocultar as implicagoes totais, desta imensa operagio de limpeza 3 escala mundial. Os ritos recém-in- ventados brotam sao imediatamente formalizados, sublinhando a frac- tura histérica global. E por isso que os ritos inventados, que envolvem, ries de normas ¢ de procedimentos estabelecidos, tais como os ritos E ton deste Ble snimadacd a pe # de coroagio modernos, se caracterizam pela sua inflexibilidade. Em + ee eotue virtude desta inflexibilidade processual, considera-se que representam, | aur gomo nenhuns cutros, a ideia do imutavel, perante uma sociedade de Fs Sse acto institucionalizada. Q seu intento é securizante, 0 estado de | espirito nostalgico. Portanto, nao é a experiéncia da imitagao recapitu- Jativa, da identificagio mitica, mas a exibigio de uma estrutura formal, juilo que conslitui a matca mais evidente de Tais ris: Nas condigies da modernidade, a eelebra ia nfo pode ser ‘ snais Jo que uma eslatégia de eompensagio, porque © préprio principio da modernidade negaa idea da vida como uma estrutura de recorrénciacelebrada, Recusa-se a dar crédito a ideia de que a vida de um individuo, ou de uma comunidade, possi ou deva obler © seu merecimento de actos de recordagio realizados couscientemente, do revives do protoipica, Embora 9 processo de modernizacio dé origem a rtuais inventados como mecanismos compensa Ws, Kgiea da modeinizagio corti as condig&es que tornam os actos de teencenagio ritual, de imitagio recapitulativa, imaginativamente possiveis © persuasivos, pois esséncia da modemnidade & 0 desenvolvimento econémico, wd transforiazio da tociedade precipitads pela emergtncin do mercado pitalsta mundial, Aacumulagio do capital, a expansio incessante do modelo dh mercadoria através do mercido, exige o revolucionar constante da produ «in, 4 tansformagio incessunte do inovador em obsoleto. As roupas que as jess vestem ss mxiquinas com que trabatham, os trabalhiadores que fazem = mianutengin dasniquinas, os barros onde habitam — tudo &construido hoje pus set demolidy amanhi, para ser substituido ou reciclado, A destuig rnteneinial e tepid do ambiente constr € essencial para a acumulagio | CCERIMONIAS COMEMORATIVAS 9 do capital. B essencialé tambéma transformagio de todos os sinais de coesio «em modas de vestudrio, de linguagem e de pratica que mudem rapidamente, A temporalidade do mercado ¢ das mercadorias que nele circulam gera uma fay vivéncia do tempo como se este fosse quantitalivo ¢ fuisse numa nica dmee# ‘irecedo, uma viveneia em que cada momento € diferente do out em virtude do que vem a seguir ese situa numa sucesso cronologica de velho € novo, de Antes ¢ depois. A temporalidade do mercado nega, assim, « possibilidade da ‘coexisténcia de tempos qualitativamente distinguiveis — um tempo profano ¢ tum tempo sagrado, nenhum deles redutivel a0 outro." O funcionamento deste sistema provoca uma maciga retraccio da credibtidade atributda 3 po: dade da existéncia de formas de vida que sejam exemplares por serem proto- tipicas. A Wégica do capital tendea negar a capacidade de se continuar naginar a vida como uma estrutura de recorréncia exemplar. eee “Quando, por Gatro lado, a vida de todos os dias € encarada como uma jjenbse+ estrutura de recorréncias exemplares, a persuasividade imaginativa de tal 4+ percepcio € obtida através daquilo que podemos chamar uma retérica da reencenagdo. Esta retorica funciona através do emptego de, pelo menos, ts ‘modes discerniveis de sticulagio: podemos chamar-Ihes reencenagao ale darizada, verbs) e-gestual.? 9) / “Acclebragao da recorrenciatorna-se possivel, no primeir caso, pela epe- Gb tigdo observada pelo calenddrio. Os ealendétios permitem justapor cstrutura do tempo profano uma outra estrutura, qualitativamente distinta da primeira € inredutivel a esta, em que os acontecimentos mais notéveis do tempo sagrado ‘fo reunidos coordenados.”” Cada dia é, deste mode, localizével em duas ordens de tempo bastante diferentes: existe 0 dia em que taisc ais aconteci rmentos tém lugar, no mundo, e 0 dia em que se celebra a meméria deste ou daquele momento de uma histéria sagrada ou mitica, Embora a coexisténcia estas duas ordens temporais atravesse todo 0 ciclo do calendério, ese cielo 235 Ver S, Zakin, "Ten Years of the New Urban Sociology", Theory and Society, 9 (1980), pp. 575-601. 36 Para uma investiga da experiénca da modeaidade que eve estascaraceristicss, ver M. Berman, All thai Sold Melts into Air (Nova Yorgue, 1982), € © debate deste vo in F Anderson, "Maemity and Revolution, New Left Review, 148 (1984), pp. 96-113. 37 Sobre areptiio calendarzada, ver H, Hubert eM. Mauss, "La reprsentation dy terms dans Jn religion e la magi’, Mélonges d'Histoire des Religions (Pais, 1909), pp. 189-229: M. Blade, The Mih of Eternal Return (Nova longue, 1954); Eliade, The Sacred and the Profene {Nova Torque, 1959); Fine, Myth and Realty (Nova lore, 1963); R. Cail, "Homme fr fe secre (Pais, 1950}, G, Duméril, "Temps et myes". Recherches Philosophiques, 5 (1935-6), pp. 235-51; R. Marchal, "Le retour etal, Archives Philosophiques, 3 (1925), pp. 55-9 | | | 3H ow ne a w ol? COMO AS SOCIEDADES RECORDAM Pontos especitis em que a actividade de recapitulagio se {orna no foco especial da atengao da comunidade. O Ano Nova € celebrado na ‘maior parte das religides por ceriménias onde se faz referencia a um mito Cosmogénico. Em todo © mundo semita, em particular, 0s cerimoniais do Ano Novo sio notavetmente parecides.' Em todos estes sistemas, encontramos a Fars ideiabésica de um retorno anual aocaos, seguido de uma novacriagao. Em todos, estéexpressa a concepgio do fim e do principio de um periods temporal, baseada na observagio de ritmos biocésmicos e celebrada numa Sucessio de putificagées periddicas — peniténcias, jejuns, confissdes dos Decados — come preparagio para a regeneracio periddica da vida. Em todos, & encenacio ritual de combats entre dois grupos de actores, a presenga dos morles ¢ dis salurnas, dé expressio ao sentimento de que o fim do ano velho se aglets do ano nove sio,simultaneamente, uma repetigio anva ea repetigag Gf un momento primordial —o momento miico da passagem do cacs pata 0 Cosmos: Cada Ano Novo ¢ interpretado como uma repeticio catendarizada do jag cosmogénico.O cenério de Ano Novo de uma criagao repetida € particu, [Brmente expicity em todas as eulturas do Médio Oriente, na Babilénie eno Esiplo, em Israel ¢ no Ifo. Mas a Cristandade também nunca vonsideron s Sequéneia material do ciclo natural a ndo ser como o padria ¢ 6 simbole de ‘uma ordem oculla— s6 que a énfase destoca-se, neste esquema, do protétipo a tiagio para o da salvagio, Deste modo, uma das preocupagoes eontras de Cristianismo primitive era a determinacio da data da Pascoa, a festa que Pewpctia anuaimente por um lado, a Piscoa judaica e o sactifiio pascal, e Por outro, osacrificio do Calvério ea Ressurreicao de Cristo.” Consideravacee parative due esta festa fosse cclebrada exaciamente ao mesmo ponto tem, Pal do ciclo ancal que os acontecimentos que repetia. Nesta com neutres ‘cisioes a certezs de que os acontecimentos particulates se inseriam mann hirstura eccapitulativa beneficiava de uma espécie de efeito de eco relative. ‘mente & ordem observada de uma sequéncia césmica, Os calendrios sermitem fazer a distingio entre um tempo consttuido por Siicaes cue sio quanttativamente equivalents e um tempo composto por unidades que sio quaitativamente idénticas. Para compreendermos s eelctnn Sig Somemorativa precisamos de ter presente esa distingdo entre equivaléne “enti, Anocio de empo nos rites comemorativos nio a de quantidade A.J Wensinch, “The Semiie New ‘Year and the Origin of Eschaolgy" Acta Oriental, (Laan, 1923), pp. 15K 99. = WIL Hubett eM. Mans. “La repésesation du tm 7 rs a religion ta mage’, Melange 4 Mletcare des Relisgoms Waris, 1M), n. 206, " “ ligadas a estes peri CERIMONIAS COMEMORATIVAS 81 ura simples. As parcelas de tempo nio sio concebidas como indefinidamen- te dvisiveis em unidades sucessivas, numa sequéncia linear ircversivel. Pelo conttiio, 0s intervalos que estéo enquadrados por certas datas eriticas que ‘ocupam anualmente a mesma posigio relativa no calendaio, io considerades como qualitativamente semethantes. A homogeneidade dests fases é demons. trada pelo facto dea semethanga cronolégica implicar ov permit a repeigao dlas mesmas acces. As mesmas encenagies eas mesma represcntagdes etio, Tiuais, de al maneira que se pode fazer Com que aregam ser a reproducio exacta umas das owiras. Os mesmos rilos maxieos OU TETIBIOSOS SAO TEVAIOS A CAO has Mesmas CHCURSLANCias | Aemporais, isto é, 20s pontos simetricamente idénicos de um sistema, seja ele qual for, que divide o tempo. As mesmas festas sio celebradas nas mesmas datas, Em cada festividade periédica os participantes como que se enconiram, deste modo, no ‘mesmo tempo: 0 mesmo que se manifestara nas fesividades do ano anterior, 11 do século anterior, ou de cinco séculos ards, Estes inlervalos crticos sis ‘organizados de forma a parccerem e serem vividos como qualitativamente {dénticos, Pela sua prépria natureza, o tempo ritual é,portanto,indefinidamen. 'e repetivel ~ t * Aret6rica da reencenacio também esté eodificada na repaticao verbal, Nas ceriménias do Judaismo, do Crisianismo ¢ do Isla0, do Budismo e do Hin. duismo, pronunciam-se palavras sagradas na lingua de um texto Sagrado oficial. Em consequéacia, a maori das religies mundiais€ mareada por ume disjungio entre uma linguagem profana "O Latim, na Igreja -aidlica, 0 Hebreu, para os judess, o Sinscrto védieo, para us hindus eo Arabe, para os muculmanos, so linguas sagradas,cuja diferenca da linguagem vulgar deve ser acentusds. No interior desta rea comum de pressuposigae ha lugar para alguma variagio, no que diz respeilo a naturoza da sutosidade auribufda a lingua sagrada e aos graus da sua exclusividade linguistice, Uma Posigdo extrema & representada pelos muculmanos, para quem 0 Condo 96 ¢ tz no Arabe original, ¢ pelos judeus, para quem a Palavra de Deus é em Hebreu, Encontra-se uma posigio mais flexivel no Cristianismo, que nunca ndicou que qualquer parte da Biblia fsse originalmente eseritaem Latim, Me Todavia, na pritica, © Latim havia suplantado © Grego como lingua de)#*", adoragiio desde finais do século IIL. A partir de entao foi considerado como a lingua sagrads da igreja ocidental . até 1967, a Igreja CatSlica manteve-se fi 1) 40 ponto de vista de que 0s rtas religiosos deviam ser proferidos na lingua de Titurgia latina, Mas a fractura entre uma lingua de recitagdo sagrada e uma 40 Ver. J. Tambiah, "The Magical Power af Words, Man, 3 (1968), pp 175-208 E18 fo oh ee pte is 82 COMO AS SOCIEDADES RECORDAM. lingua profana menos formal nao se confina as religides mundiais. Muitos povos sem eserita, como os Trobriands cos Kachin, que recitama sua mitologia religiosa em sagas, fazem-no numa forma de linguagem arcaica dificilmente compreensivel para as pessoas que falam o idioma contemporaneo, Nas sociedades sem escrita, assim como nas que a possuem, as linguagens sagradas contém uma componente arcaica, quer sob a forma de uma lingua totalmente diferente, quer preservando parcialmente um outro idioma. Esta componente arcaica perdura desde que 0s ritos se reportem a um periodo de revelagao € insistam na autoridade de textos veridicos, transmitides de forma adequada -ytanto por Via oral como escrita, A questio de se os que pasticipam no rito comprcendem as palavras é, portant, secundaria ena se considera que afeete 4 eficdcia do ritual. O que interessa € que os ritos devem manifestar 0 dom das linguas. A recitagéo dos evangelhos © salmos, de oragoes e de sagas, tem 0 mesmo valor ritual — como elocugdes repetiveis — que uma genuflexao ou uma oferenda, um gesto de béngo, ou uma danga cerimonial. Faz parte da cesséncia das elocugdes sagradas 0 facto de deverem ter sido submetidas a uo minimo de modificagbes desde asia origem. A sua elicdcia reside na repeticio x ‘Quando tem lugar como parte daquilo a que chamei a setérica da reencena- io, @ repetigio verbal possui uma caracteristica distintiva, a qual pode ser aprendida comparando estes modos de repetigio verbal com outros exemplos de repetigio apatentemente total. Hé um certo tipo de repetigio com 0 qual «estamos familiarizados, quando, pela segunda vez, ou porvérias vezes, vermos tum filme, ouvimos uma miésica gravada, ou lems um trabalho de literatura. ‘A tepeticgao de tais obras, as quais nio wecessitam, no ambito da pr6pria obra, da mediacio de intéspretes, € em grande medida andloga a repetigéo de palavras nas representagbesteatrais, por exemplo, onde a mediagio desses Inrpretes € necessia, pois, tal Como a represeniagao repetida da mesma eka, por weIOReS UTTeenTese em alturas diferentes, acentua a natureza espe- cifica de cada representagio e-nos.chama a atengio para as diferengas entre as ZepsgnlagGe, asim tambéon, ainda que de una forma qualtativamente diferente, a percepcio "repetida” do mesmo texto disco, ou filme, desvenda o > desenvolvimento da consciéncia do observador ¢ faz salientar diferencas a cal Ieitura- Neses casos a repetigao total és6 aparente. Porém, encontramos (2 aidan feniieno diferente quando, por exemplo, descobrimos que em algomas ‘day suas partes a liturgia erst repete textos que anunciam uma narrativa de solvayia. como um acontecimento vindouro, ou como um acontecimente que jt ocorreu na vida de Jesus Cristo, A relagdo entre as ocorrénciasisoladas de ‘epetigin verbal &, neste €as0, diferente daquela que se aplica a uma obra de CERIMONIAS COMEMORATIVAS 83 arte cujas representagbes isoladas podem ser repetidas. Por outro lado, a relagio entre os acontecimentos particulares do rito e 0 seu acto fundador nao tem paralclo na rclagio entre as representacdes particulares da obra de arte © a sua primeira representacao. A recpcoungiewechaléaqui_um tipo especial de actualizagio, sendo no seu aspecto sacramental que a inguagem Lirica mostra a-sua mais evidente qualidade de acuaizacio. Ao repeir as palavras {que Jesus Crist fer, dando novamente a palavras que Cristo usou a mesma cfcécia que Cristo Ines dera,conferindo de novo a essa palavas 0 poder de realizatem 0 sew significado, Exist, em primeto luga<¢BToRaT RIE _-prififinmpela qual Cristo confrin a ertas palavras poder para que cumpris- rate ignifcad. Esai aicionimente agile que potemeachanar smeeIsbeatise secundiba ou sacramental em vide da qual oc bray reat ener no content da oto do cinon, hese Suposamentea testi a un perforating pra, No ecosmogin ‘verbal deste tipo corporizimos nfo a tepeticdo total, mas. ideia da renetigao toe oe cones ao Adenoma comin in Svateinens om jogo na presenca representada dos mortos. Entre os Luapala, os ancifos usam a primeira pessoa do singular ‘quando falam dos seus antepassados mortos, e esta idemtificagao através da forma de dizer atinge © auge da corporizacao com a possessio, durante a qual © individuo anciio deixa de existir, por assim dizer, e € substituldo por “outro”.*' Entre 0s indios Yuma do Colorado, os actores imitam os gestos feitos hersicos dos antepassados ulilizando mscaras que fepresentam esses anlepassados.e, deste modo, os identficant com sks. E evocadi-a presenca activa de seres do periods primordial da criagio, pois pensa-se que s6 cles possuem a qualidade mégica que pode conferir ao rito a eficicia desejada, Caillois sublinha o alcance cognitivo dessa repetigio gestual quando comenta ue, nestes exemplos, nose pode fazer uma distingio inequivaca entee "a base mitica da ceriménia ¢ @ prépria ceriménia’.” Daryll Forde, por sua vez, mostrou a consequéncia de um tal fenémeno no caso dos Yuma, onde os seus informadores confundiam constantemente 0 rito, ue estavam acostumados a celebrar, com o acto pelo qual os seus antepassados o finham supostamente 41M, Bloch, “Symbols, Song, Dance and Features of Anicultion", Archives Europtonnes de Sociologi, 15 (1974), pp. 77-8 42.R.Caillois, Alan Play and Games (eM. Brash, Landes, 1962), p. 1083. cdo Nas rituais arcaieos, especialmente, esicf* ce purer Choy prntaabbaneea | | eosaparseei* Usa uma 1 ag | SS wi ete ci Tiundo invisivel. Enquanto dura esse contacto directo, a individualidade de | Ban % a | nae ra COMO AS SOCIEDADES RECORDAM incira de conservar 0 espirito do falecido rei entre os seus sibditos, de uma forma representativa, Apds a sua morte nomeava-se um médium, ou mandur, ¢ nele o espirito do rei falecido Fazia a sya morada. Este médium reproduzia nio 86 0 aspecto exacto, mas também a fala ¢ os gestos do rei falecido. Nos lis tesponsiveis pelo fornecimento de manduras, as caracteristicas de cada fei 'na altura da morte eram transmitidas oral © mimeticamente, para que, Sempre que um mandura motresse, outro do mesmo cla assumisse 0 lugar e espirito do rei nunca ficasse sem representante, Este representante nfo desem., Penhava continuamente o papel do rei fatecido, mas, de tempos em tempos, 0 médium ficava possuido e personificava o rei em todos os pormenotes.“* De forma mais geral, em quase todas as dangas cerimoniais os mascarados Fepresentam "espiritos’, isto é, na maioria dos casos, as almas dos morioe 4 "epresentar" deve ser aqui entendida no 1 fa wecer_aquilo que Fa €i€r Contacto directo eimediato comos seres instituido originariamente.” Também no reino do Uganda se encontrou uma Seu sentido elimol | actor ¢ 4 do espirito que representa sio uma s6, Enquanto os actores ¢ 0: tigarinos usarem essas Mascaras, ¢ pelo facto de estas Ihes cobrirem os {Pslos, mio sio apenas representantes dos mortos,"tornan-se" nos antepassa, | dos que essas miscaras retratam — "tornam-se” "de facto, temporariamente, | os morose nos seus antepassados. Nessesrtuais atcaicos a repetigio westual cneena a ideia da bi-presenga, Os habitantes do outro mundo podem reaparceer YY neste mundo sem abandonarem o seu, desde que se saiba como cham los A lela de representagio como re-apresentacao, como fazendo reaparecer aduilo que desupareceu, no esti confinada aos ritos dos povos sem eserita, Exprime-se também em comemoragées que noutros aspectos divergem na ehtulura € no tom, como o festival Muharram dos xiitas ¢ a liturgia do Catolicismo: ambos teencenam uma narrativa sagrada através de repetigoes estuas, no primeira caso através da orquestragio de um luto frenético, no pckundo alravés de uma lenta corcografia de sequéncia calma e ordenade. 0 festival Muharram dos xiitas reencena a ocasiio em que Hussain ¢ os tous hmtens, membros “da familia do Profeta, foram atacadose mortos na planieie de Kerbela, no ano de 680." Os xiitas mantém o aniversirio de Kerbela no {8D Ford, The iloseaphy ofthe ama Indians (Berkeley, 1931), Meh Cane Crowds aad Pomer (tC. Stewart, Landes, 1962), p, 313-14 SEER Panties andthe Supernatural (LA, Clare Nova lq, 1973, reine Ye Stem tear nas, sr Cane, Cds and Powers, FB CERIMONIAS COMEMORATIVAS 85 Aécimo dia — Ashura —do més de Muharram, Choram o destino de Hussain tiuma reencenagio figurativa. Durante os primeitos nove dias desse més, os funcionérios vestem-se de negro ou de cinzento eos soldados e 0s conduteace de mulas andam com as camisas pendentese de peito ni, que é considered um sinal de grande pesar. Vagueiam em grupos pelas ruas, fetindo-se a st préprios com espadas, arrastando corventes e execulando dangas frendticas, No décimo dia do Muharram, o festival culmina numa procssio gigantesea coneebida como um cortejofunerivio para reencenaro funeral de Husain, © Seu caixao & earregndo por vito homens e lanqueado de ambos os lados por homens que levam estandartes. Atsis do caixio seguem sessenta homens ensanguentados entoando um cdntico guerrero. Atcisdeles, segue ainda um etupo batendo rtmicamente-com paus uns contra os outios. Ador qu intligem 8 si prOprios representa figurativamente a dor de Hussain. € difetimaginar lum conjunto de ritos mais afastados deste do que os da lturgia catliea, catacterizada, como 6 por um tom de calma solenidade. Contudo, também es.) gira em redor do facto de a lturgia nao ser um enunciado proposicional, mas 4A sim uma acgéo sagrada, Estas acgdes transmitem convicgio inconporendo- O lugar privilegindo nao € 0 pilpito, mas sim o altar. No pilpito, 4 narrative sagrada recebe um comentario. No aay, a substaneia da sarrativa é vomunt cada pelos sinaisfisicos que a contém, Os rtos sio tecides a parti ds slut | as eserituras e muitos gestos ltérgicos reproduzem aqueles que siv mencio, rnados na Biblia." O comer do pio, na Comunhio; a imersio na Agua, no baptism; a imposigao das méos, na confirmacao ¢ na ordenagios o sinal da ctuz— todos estes gestas slo repetigdes figurativas. Estes movimentos rituais conservam: enguaato a existéncafisica épuramenteefémera, os yess rituals ‘mantém-se idénticos. Onde quer que sejam repetidos, referem-sea uma nara tivabibicac, ainda mais especiticamente, a Jerusalém da Péscoa: a liurgia Por assim dizer, permanente rlembrar dessa stuagao temporal, Aqulo que “aqui testemunhamos nao é 0 abandono da ideia da bi-presenga, Antes pelo contrério, a mimese gestalé, por assim dizer, traduzida de um modo realista era. um modo sible, Un pa dercencenagao-mimelce siti outa Nas paginas anteriores, analisei as caracteristicas que as ceriménias come- ‘morativas 1ém em comum com outros riluais de tipo extensivo e claborado, Nesta anilise, abordei o ritual nao como um tipo de representagio simbélica, ‘mas como uma espécie de performatividade, e, para esse efeito, pus em 47 Sobre 0 gest itis ea refer biblica, ver J. Danilo, The Bible and the Liturgy (ondees, 1955),

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