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Justiça Federal da 1ª Região

PJe - Processo Judicial Eletrônico

26/04/2023

Número: 1025941-17.2021.4.01.3400
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL
Órgão julgador: 26ª Vara Federal de Juizado Especial Cível da SJDF
Última distribuição : 06/05/2021
Valor da causa: R$ 66.000,00
Assuntos: Auxílio-Doença Previdenciário
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
ANTONIO SERGIO LIMA DE SOUZA (AUTOR)
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (REU)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
15868 20/04/2023 17:21 Sentença Tipo A Sentença Tipo A
53363
PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciária do Distrito Federal
26ª Vara Federal de Juizado Especial Cível da SJDF

SENTENÇA TIPO "A"


PROCESSO: 1025941-17.2021.4.01.3400
CLASSE: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)
POLO ATIVO: ANTONIO SERGIO LIMA DE SOUZA
POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL

SENTENÇA

Dispensado o relatório formal, nos termos do artigo art. 38 da Lei 9.099/95, c/c o art. 1º da Lei
10.259/01.

Registre-se que o presente processo encontra-se na situação de excepcionalidade, nos termos


do inciso IX, § 2º do art. 12 do NCPC, tendo em vista que o seu objeto versa sobre direito
fundamental de segunda geração de caráter alimentar.

Cuida-se, na espécie, de pedido concessão/restabelecimento de auxílio por incapacidade


temporária c/c conversão em aposentadoria por incapacidade permanente.

A tutela de urgência foi concedida em 06/12/2021, determinando o restabelecimento do auxílio


por incapacidade temporária NB 632.557.860-4.

O INSS apresentou contestação, pugnando pela improcedência do pleito autoral.

FUNDAMENTAÇÃO

O auxílio por incapacidade temporária é o benefício previdenciário de pagamento sucessivo,


substitutivo do salário-de-contribuição ou do rendimento do trabalhador, devido ao segurado que
se encontra totalmente incapacitado para o exercício de suas atividades habituais por mais de 15
(quinze) dias, com possibilidade de recuperação.

A aposentadoria por incapacidade permanente, disciplinada nos arts. 42 a 47 da Lei nº 8.213/91 e


43 a 50 do Decreto nº 3.048/99 consiste em benefício substitutivo do salário-de-contribuição ou
do rendimento do trabalhador, devido ao segurado que se encontra totalmente incapacitado para
o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência e seja insuscetível de reabilitação.

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O auxílio por incapacidade temporária e a aposentadoria por incapacidade permanente são
espécies do gênero benefícios por incapacidade e a única diferença é de grau e não de índole
ontológica. Assim, a única diferença entre ambos os benefícios diz respeito ao grau da
incapacidade.

São requisitos para a concessão de auxílio por incapacidade temporária ou aposentadoria por
incapacidade permanente: a incapacidade para o trabalho, a qualidade de segurado e a carência
exigida.

No caso concreto, em relação à incapacidade, o laudo pericial juntado aos autos em


25/03/2022 concluiu pela incapacidade PARCIAL, MULTIPROFISSIONAL E PERMANENTE da
parte autora. A data de início da incapacidade foi fixada em 04/04/2019.

Embora a incapacidade de que cogita o laudo pericial seja de natureza parcial para determinadas
atividades, tenho que é preciso agregar outros elementos a tal veredicto médico, como a
profissão habitual, o grau de escolaridade, o nível de qualificação profissional, as reais
possibilidades de reabilitação a curto ou médio prazo para exercer outra ocupação profissional e
outros dados socioeconômicos relevantes que possam repercutir no tipo de benefício a ser
judicialmente outorgado, principalmente quando se tratar de incapacidade parcial.

A esse respeito, convém invocar o teor do enunciado da Súmula 47 da TNU, nestes termos:

“Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as
condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por
invalidez”

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência é pacífica a respeito do tema, vale


dizer, na apreciação da incapacidade parcial para fins de aposentadoria por incapacidade
permanente, o magistrado deverá agregar à limitação física ou psíquica outros fatores
sócioeconômico-culturais.

Com efeito, veja-se o teor do seguinte aresto:

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BASE DE


INCIDÊNCIA DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA
111/STJ. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO
PELA INCAPACIDADE PARCIAL DO SEGURADO. NÃO VINCULAÇÃO.
CIRCUNSTÂNCIA SÓCIO-ECONÔMICA, PROFISSIONAL E CULTURAL
FAVORÁVEL À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL DO INSS
PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 3. Para a concessão de aposentadoria por invalidez
devem ser considerados outros aspectos relevantes, além dos elencados no art.42 da
Lei 8.213/91, tais como, a condição sócio-econômica, profissional e cultural do
segurado. 4. Embora tenha o laudo pericial concluído pela incapacidade parcial do
segurado, o Magistrado não fica vinculado à prova pericial, podendo decidir contrário a
ela quando houver nos autos outros elementos que assim o convençam, como no
presente caso. 5. Em face das limitações impostas pela moléstia incapacitante,
avançada idade e baixo grau de escolaridade, seria utopia defender a inserção da
segurada no concorrido mercado de trabalho, para iniciar uma nova atividade
profissional, motivo pelo qual faz jus à concessão de aposentadoria por invalidez. (...)
(AgRg no REsp 1000210/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,
QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 18/10/2010).

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Sem delongas, no caso concreto constata-se que a situação da parte autora comporta as
condições pessoais, sociais e culturais imprescindíveis à outorga da aposentadoria por
incapacidade permanente. Se não, vejamos:

1) A parte autora é portadora de: a) sequela de fratura ao nível do punho (CID 10


T92.2); b) artrose pós-traumática de punho direito (CID 10: M19.1). Essa condição torna
plenamente inviável o exercício da função declarada de cozinheiro.

2) A parte autora tem 53 anos (na data de prolação desta sentença);

3) A parte autora possui baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto);

4) A parte autora está desprovida de qualificação profissional e as suas funções são


precárias e exigem esforço físico;

5) A parte autora tem baixo grau de elegibilidade para reabilitação profissional,


estando plenamente inviabilizada de regressar ao mercado de trabalho.

Curiosamente, o INSS sistematicamente recorre de sentenças em que pública e notoriamente as


pessoas dos recorridos não conseguirão obter êxito no contexto da política de reabilitação
profissional do Estado, pois serão enquadradas como inelegíveis para o mercado de trabalho. A
irracionalidade do sistema político-previdenciária é tão manifesta que se recorre dessas
sentenças a um custo altíssimo para o Estado e, ao depois caso o INSS consiga cassar
provimentos jurisdicionais, já na esfera da reabilitação profissional serão tais pessoas declaradas
inelegíveis e, conforme o caso, serão aposentadas por incapacidade permanente (!!??). Isso, no
mínimo, configura um atentado à necessidade de maior probidade com a coisa pública.

Tal fato está registrado nos anais do Encontro Científico sobre Perícias Médicas da Seguridade
Social realizado no ano de 2017 na Justiça Federal do Distrito Federal, conforme noticio no livro
de minha autoria “Os Benefícios por Incapacidade e das Pessoas com Deficiência em Juízo e os
Direitos Humanos em ação”, Ed. Fontenele, São Paulo, 2ª. Edição, p. 104, nestes termos:

“No item 3.5.2, ao tecer reflexões sobre a incapacidade laborativa social, citamos dois
especialistas e profissionais atuantes na Diretoria de Saúde do Trabalhador que
ministraram palestra no Encontro Científico sobre Perícias Médicas da Seguridade
Social realizado na Justiça Federal do Distrito Federal.

Cuidam-se da médica Drª Juliana de Andrade e do Procurador Federal Dr. José da


Costa Filho, os quais abordaram diversas questões interessantes sobre a reabilitação
profissional, a começar da questão relativa aos segurados elegíveis e dos inelegíveis
para fins de direcionamento para o programa de reabilitação profissional ou para
concessão de aposentadoria por invalidez.

Vimos que os beneficiários inelegíveis figuram pessoas de idade avançada, de baixa


escolaridade e de nenhuma ou reduzida qualificação profissional. Esses segurados,
visto que não terão possibilidade concreta de serem reinseridos no mercado de
trabalho, serão aposentados por invalidez.”

De outro turno, também considero preenchidos os requisitos da qualidade de segurado e da


carência, conforme CNIS acostados aos autos (ID 530720890, págs. 14-27), que demonstra a

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fruição de auxílio por incapacidade temporária no período compreendido entre 09/05/2020 a
27/01/2021.

Preenchidos os requisitos legais, faz jus a parte autora à concessão do benefício de


aposentadoria por incapacidade permanente.

Considerando a DII estimada pelo perito judicial (04/04/2019), fixo a DIB da aposentadoria
judicialmente reconhecida por ocasião da DCB do auxílio por incapacidade temporária NB
632.557.860-4 (27/01/2021), tal como pleiteado na inicial.

No tocante ao cumprimento do requisito para o adicional de 25% em sua aposentadoria por


incapacidade permanente, fica indeferido o acréscimo previsto no art. 45 da Lei n. 8.213/91, uma
vez que o autor não exige acompanhamento permanente de outra pessoa, conforme as
conclusões do laudo judicial.

DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM DO ARTIGO 26, §§ 2º


e 5º DA EC 103, de 13/11/2019

Neste ponto da sentença, faz-se necessário declarar a inconstitucionalidade do artigo 26, §§ 2º e


5º da EC 103/2019, de 13/11/2019.

Inicialmente, sigo a linha de compreensão consistente do colega de Juizado Especial Federal da


cidade de Ourinhos/SP, o Juiz Federal Mauro Spalding, que proclamou, incidenter tantum, a
inconstitucionalidade do artigo 26, §§ 2º e 5º da EC 103/2019, nos termos seguintes (processo n.
0002554-62.2019.4.03.6363, publicado em 05/11/2020):

Trata-se de embargos de declaração opostos pelo INSS sob o argumento de que


haveria contradição na sentença de homologação de acordo, por ter constado que a
RMI da aposentadoria por incapacidade permanente seria apurada com base no
auxílio-doença originalmente concedido (majorando-se de 91% para 100% do salário
de benefício), sendo que a proposta de acordo previa o cálculo da RMI conforme
apurado pelo INSS, o que implicaria incidência do regime jurídico instituído pela EC nº
103/2019 (reduzindo-se o valor de 91% para 60% do salário de benefício).

Embargos improvidos por falta de contradição, omissão ou obscuridade, afinal, a


insurgência do autor não recai sobre vícios intrínsecos do julgado, mas sim apenas
demonstram seu inconformismo com o teor da fundamentação da sentença.

O art. 26, §§ 2º e 5º, da EC nº 103/2019 alterou a regra de cálculo da RMI da


aposentadoria por incapacidade permanente ("aposentadoria por invalidez") até que
Lei discipline o cálculo dos benefícios do RGPS. Impôs valor correspondente a 60%
da média aritmética simples dos salários de contribuição no PBC, limitada ao valor
máximo do salário de contribuição do RGPS, com acréscimo de 2% para cada ano de
contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição para segurados homens
ou 15 anos de contribuição para seguradas mulheres. Foi expressamente
excepcionada da incidência dessa limitação as aposentadorias que decorrerem de
acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho (art. 26, § 3º,
inciso II, da EC 103/2019), mantendo-se para estas o valor da RMI em 100% da média
aritmética simples dos salários de contribuição no PBC. Ocorre que a aludida Emenda
Constitucional não alterou a RMI do benefício de auxílio-doença, que continua sendo
de 91% do salário de benefício, limitado à média aritmética simples dos últimos 12

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salários-de-contribuição, nos termos dos arts. 61 e 29, § 10, da LBPS.

Com isso, instalou-se no regime jurídico previdenciário brasileiro uma esdrúxula


incongruência, pois o segurado acometido por uma incapacidade mais severa faz jus a
um salário de benefício 31% menor que o acometido por uma incapacidade mais
branda. A falta de consonância da regra do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC nº 103/2019 com
o regramento dos benefícios por incapacidade é tamanha que, por força de sua
incidência, até mesmo o titular de aposentadoria por invalidez com o acréscimo de
25% previsto no art. 45 da Lei 8.213/91 percebe um salário-de-benefício inferior ao do
titular de auxílio-doença previdenciário que, por princípio, tem uma incapacidade de
menor grau limitante.

Essa regra não faz o menor sentido. Estabelece que um segurado em gozo de auxílio-
doença receba remuneração bem superior a um segurado aposentado por invalidez. É
surreal! Imagine-se um segurado em gozo de auxílio-doença que tenha um
agravamento em sua incapacidade e passe a fazer jus à conversão do benefício em
aposentadoria por invalidez. Pela nova regra da EC nº 103/2019, ele teria uma
redução no valor da remuneração na ordem de mais de 30% no valor do benefício, e
não um acréscimo como deveria ser por uma questão de lógica e justiça. Um
verdadeiro despautério!

A situação gerada pela EC 103/2019 no ordenamento previdenciário nacional pode ser


diagnosticada, segundo a doutrina de Norberto Bobbio (Teoria do Ordenamento
Jurídico. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2014, pp. 92-93), como uma antinomia imprópria,
especificamente a chamada “antinomia de valoração”, caracterizada, não pela
incompatibilidade normativa, mas sim pela injustiça e, consequentemente, pela
violação à isonomia. Não se verifica um tratamento isonômico o tratamento díspar
dado pelo Estado através da Previdência Social, favorecendo financeiramente um
segurado acometido de uma incapacidade parcial ou temporária em detrimendo
daquele acometido de uma limitação funcional total e definitiva.

A injustiça da norma do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/2019 consubstancia-se na


contrariedade ao princípio da razoabilidade, o qual limita a atuação do Estado na
produção de normas jurídicas e encontra fundamento na garantia do “ substantive due
process of law” (art. 5º, LIV, da CF). Segundo a doutrina do Ministro Luís Roberto
Barroso (Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 217), tal princípio
exige uma relação racional e proporcional entre motivos, meios e fins visados pelo
Legislador (razoabilidade interna), bem como a aferição da compatibilidade com
valores expressos e implícitos do Texto Constitucional (razoabilidade externa). No que
concerne especificamente ao regime jurídico previdenciário brasileiro, os fins que
devem ser buscados pelo Legislador constam expressamente do parágrafo único do
art. 194 da CF, que arrola os objetivos da organização da Seguridade Nacional, dentre
os quais a seletividade na prestação dos benefícios e serviços (inciso III) e a
irredutibilidade do valor dos benefícios (inciso IV). A seletividade na prestação dos
benefícios e serviços refere-se à necessária seleção dos riscos sociais a serem
cobertos pelo sistema de seguridade social, visando à garantia do mínimo vital
suficiente para a sobrevivência com dignidade. Com o advento do art. 26, §§ 2º e 5º,
da EC 103/2019, a proteção à contingência da incapacidade laborativa ficou
flagrantemente insuficiente, especialmente no que concerne à incapacidade
permanente, dada a redução drástica da RMI do benefício previdenciário,
contrariando, assim, o princípio da seletividade. Nota-se também uma patente
incompatibilidade entre a regra do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/2019 e o fim previsto
no art. 194, inciso IV, da CF, já que ela implica uma evidente redução do salário-

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debenefício nos casos em que ocorre a conversão do benefício previdenciário de
auxílio-doença em aposentadoria por incapacidade permanente.

A par disso, o Ministro Barroso (op. cit, p. 234) salienta uma íntima relação do princípio
da razoabilidade com o princípio da isonomia, servindo o primeiro como parâmetro
para aferir se o fundamento da diferenciação é aceitável e se o fim visado pela
desigualdade é legítimo. Sob essa perspectiva, não há racionalidade na
desequiparação estabelecida pelo art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/2019, pois confere ao
segurado acometido por uma incapacidade mais severa um benefício flagrantemente
inferior àquele concedido ao acometido por uma incapacidade mais branda, ou seja,
ao invés de tratar desigualmente os desiguais a fim de gerar uma isonomia material, a
norma em questão desarrazoadamente agrava ainda mais a desigualdade. Trata-se,
assim, de desequiparação arbitrária, caprichosa, aleatória, sem qualquer adequação
entre meio e fim, razão pela qual se mostra juridicamente intolerável.

Além do mais, é inconteste a contrariedade ao art. 1º, inciso III, da CF, tendo em vista
que os direitos fundamentais referidos nesta decisão são reputados densificações do
princípio da dignidade da pessoa humana que é, segundo a doutrina e a
jurisprudência nacionais, o valor-fonte da ordem político-jurídica brasileira.

Uma vez constatadas tais incompatibilidades com o Texto Constitucional, a única


maneira de solucionar a supramencionada “antinomia de valoração” é o
reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC 103/2019. Tem-
se, portanto, uma Emenda Constitucional flagrantemente inconstitucional (consoante
aborda com propriedade Jairo Lima, em "Emendas Constitucionais Inconstitucionais,
ed. Lumen Iuris, 2019). Inconstitucional por afronta ao princípio da isonomia (art. 5º,
CF/88), da seletividade e da irredutibilidade do valor dos benefícios (art. 195, CF/88),
da proporcionalidade e da razoabilidade, tudo permeado pelo valor máximo e de
densidade axiológica mais importante da dignidade da pessoa humana.

Ante a lacuna gerada pela declaração incidental da inconstitucionalidade do art. 26, §§


2º e 5º, da EC 103/2019, o valor do benefício previdenciário de aposentadoria por
incapacidade permanente deve corresponder a 100% do salário-de-benefício, tal como
estipulado na regra então vigente antes da alteração (art. 29 e § 5º da Lei nº
8.213/91), de sorte que a decisão embargada está correta, pois consonante com o
presente entendimento, nenhum vício nela havendo a merecer correção pela estreita
via dos embargos declaratórios.

Em suma, este juízo entende pela inconstitucionalidade do art. 26, §§ 2º e 5º, da EC


nº 103/2019, ante a violação aos princípios da razoabilidade, da seletividade na
prestação dos benefícios, da irredutibilidade do valor dos benefícios e da isonomia,
todos subsumidos ao princípio máximo da dignidade da pessoa humana. Como
consequência, supre a resultante lacuna normativa com a aplicação da regra então
vigente para cálculo das aposentadorias por invalidez antes da alteração trazida pela
referida EC nº 103/2019, qual seja, a do art. 29 e § 5º da LBPS.

Portanto, verifica-se que, em verdade, o INSS pretende a reforma do julgado, e não


sanar eventuais vícios intrínsecos da sentença que, embora coesa e clara, não
correspondeu integralmente aos seus anseios.

Entretanto, encerrado o provimento jurisdicional, é vedado ao juízo alterar a sentença


já proferida.

POSTO ISTO, conheço dos embargos (pela sua tempestividade), mas a eles nego

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provimento.

À guisa de agregar outros fundamentos que conduzam à plena inconstitucionalidade dos


dispositivos constitucionais mencionados, artigo 26, caput e §§ 2º e 5º da EC 103/2019, por ferir o
princípio do devido processo legal em seu sentido material, vale dizer, por configurar norma
material injusta, o que entra em linha de confronto com o objetivo fundamental da República
Federativa do Brasil no sentido de construir uma sociedade livre, justa e solidária, nos termos do
inciso III do Art. 3º da Constituição Federal de 1988.

Não se pode considerar livre uma sociedade cujas instituições se omitem e outras tantas
estimulam (imprensa, mercado, Estados estrangeiros, instituições financeiras, especialmente as
que negociam a previdência complementar etc) em detrimento dos trabalhadores em geral do
país e dos demais segurados no contexto da aprovação da Reforma da Previdência, a qual não
deu oportunidade real e insofismável para ouvir as várias organizações representativas de seus
interesses perante o Regime Geral de Previdência Social desse imenso e desigual país.

Não se pode considerar justa a sociedade que amesquinha e legitima a vergonhosa reforma da
Previdência Social neste país, sem uma discussão mais ampla com os setores interessados,
tanto que consagraram uma norma de iniquidade surreal, típica de um Parlamento e de um
Executivo subservientes ao mercado, às imposições de países centrais do liberalismo desmedido
e aos interesses de instituições financeiras nacionais e estrangeiras, pois nem se deram ao
trabalho de que a aposentadoria por incapacidade permanente ficaria com o valor menor do que o
auxílio por incapacidade temporária em mais de 1/3 de sua renda ou, conforme a decisão do Juiz
Federal Mauro Spalding, mesmo que incidisse sobre tal benefício por incapacidade permanente o
adicional de 25% nos termos do artigo 45 da Lei 8.213/91, ainda assim o benefício permanente e
definitivo ficaria com a renda menor do que o benefício temporário, o que é totalmente
inconcebível num Estado de Direito Democrático.

Enfim, não se pode considerar solidária a sociedade que consagra um benefício por incapacidade
permanente aos segurados mais vulneráveis do país, em decorrência de um acidente, lesão ou
doença incapacitante ou altamente estigmatizante plenamente imprevisível, com uma renda
vergonhosa e bem menor do que a de outros benefícios menos gravosos, conforme já abordado
nessa fundamentação. O princípio da solidariedade é um dos principais postulados que norteiam
a Seguridade Social na República Federativa do Brasil.

Mas há outras injustiças grosseiras nessa parte da reforma da previdência. Se não, vejamos:

A renda da aposentadoria por incapacidade permanente calculada em 60% do salário de


benefício ficaria muito próxima do valor do auxílio-acidente, que é uma renda permanente com
fundamento na mera redução de capacidade laborativa.

É dizer, a aposentadoria por incapacidade permanente, que inviabiliza o exercício de qualquer


outra atividade profissional formal por parte do segurado, ficaria com a uma renda um pouco
maior do que auxílio-acidente, que equivale a 50% do salário de benefício, que pode ser
cumulado com os rendimentos do trabalho, nos termos do artigo 86 da Lei 8.213/91.

Mas o principal fundamento para a declaração de inconstitucionalidade do artigo 26, caput e §§ 2º


e 5º da EC 103/2019, a meu sentir, repousa na quebra de um critério previdenciário elementar,
qual seja, um benefício não programado como a aposentadoria por incapacidade permanente não
pode receber o mesmo tratamento jurídico-previdenciário de um benefício programado, tal como
uma aposentadoria por tempo de contribuição.

Se o tempo de contribuição, em média, é de 35 a 40 anos para se alcançar uma aposentadoria

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por tempo de contribuição integral, o mesmo tratamento está sendo dispensado para um
benefício não programado, causado por um infortúnio cuja essência é a sua imprevisibilidade e a
retirada do poder de trabalho do segurado, porquanto, pela regra do artigo 26, caput e §§ 2º e 5º
da EC 103/2019, a integralização dos 100% do salário de benefício em prol da aposentadoria por
incapacidade permanente (2% por ano contributivo a partir de 15 ou 20 anos de tempo de
contribuição, a depender de algumas circunstâncias) só ocorreria com 35 a 40 anos de tempo de
contribuição, conforme o caso, sendo, praticamente, a mesma regra para o benefício programado
de aposentadoria por tempo de contribuição.

Essa inconstitucionalidade do artigo 26, caput e §§ 2º e 5º da EC 103/2019 também repousaria,


assim, na quebra dos princípios da isonomia e da proporcionalidade entre segurados em situação
totalmente diversa e merecedora de tratamento jurídico adequado em cada situação em função
de suas peculiaridades fáticas e normativas. E isso tem razões tão óbvias que não precisa ser
citados nessa sentença tratados de direito constitucional para não se tornar uma decisão
rebarbativa, redundante, cansativa, pois aquilo que é claro não precisa de um abismo de
fundamentação exageradamente explicativa, o que acabaria por enfraquecer a sua verdade, ao
contrário daqueles que fazem questão de tornar prolixo e carregado de excesso de inutilidades
argumentativas aquilo que, em essência, é de simples compreensão.

Em consequência da inconstitucionalidade ora declarada incidenter tantum do artigo 26,


caput e §§ 2º e 5º da EC 103/2019, a aposentadoria por incapacidade permanente da parte
autora deverá ser calculada conforme as regras anteriores da Lei 8.213/91 e do Decreto
3048/1999, garantindo-lhe a renda correspondente a 100% do salário de benefício.

No mais, a tutela de urgência deve ser estendida para a aposentadoria por incapacidade
permanente, diante da manutenção dos pressupostos que autorizaram a sua anterior concessão
no decorrer do processo.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, reconheço de ofício e incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 26, §


2º, III, e § 5º da EC n. 103/2019, nos termos da fundamentação supra, julgo PARCIALMENTE
PROCEDENTE o pedido inicial, confirmando os efeitos da tutela anteriormente deferida, e
condeno o réu:

(a) no cumprimento da obrigação de fazer consistente na concessão do benefício de


aposentadoria por incapacidade permanente, com DIP na data da prolação desta
sentença (20/04/2023). Determino que a RMI seja calculada administrativamente pelo
INSS, observando-se os reflexos do reconhecimento incidental da
inconstitucionalidade do art. 26, § 2º, III, e § 5º da EC n. 103/201, nos termos da
fundamentação acima exposta.

(b) no cumprimento da obrigação de pagar os valores retroativos desde a DIB


(27/01/2021), descontados eventuais parcelas de auxílio por incapacidade
temporária ou de outras modalidades de benefícios previdenciários ou assistenciais
inacumuláveis com a aposentadoria por incapacidade permanente, salvo auxílio
emergencial porquanto o seu credor é ente estatal diverso do INSS, corrigidos a partir
dos parâmetros delineados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº
870.947/SE e pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Resp nº
1.495.146/MG;

(c) no cumprimento do item (a) de forma imediata, no prazo improrrogável de 45

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(quarenta e cinco) dias, porquanto a parte autora demonstra os requisitos
necessários à extensão da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional para o
beneficio de aposentadoria por incapacidade permanente.

Fica arbitrada a multa de R$250,00 (duzentos e cinquenta reais) por dia, em caso de
descumprimento do item (c) a partir do 46º dia útil, independentemente de nova intimação.

Sem custas e sem honorários (art. 55 da Lei nº 9.099/95).

Deferida a gratuidade da justiça.

Interposto recurso, vista à parte contrária para, no prazo de 10 (dez) dias, ofertar contrarrazões.

Transitada em julgado, expeça-se requisição de pagamento.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.

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