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BLUESROBERTCRUMB
BLUESROBERTCRUMB
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INTRODUÇÃO
1
Trabalho solicitado pela professora Drª Natally Vieira Dias em sua disciplina Tópicos em História Política
II: A música na experiência histórica dos negros nos Estados Unidos, do Programa de Pós-Graduação em
História da UEM, semestre de 2020.1. Entregue no dia 28 de julho de 2020.
estadunidense, que segundo o autor “ilustra igualmente o imaginário do antigo blues do
interior” (CRUMB, 2004, p. 99). Usando o desenvolvimento do gênero musical afro-
americano como background narrativo, a fonte também oferece um panorama das
mudanças histórico-sociais que estavam ocorrendo na época, como o começo de um
mercado fonográfico de música negra no sul dos EUA voltado para a população negra e
a maneira como o Blues está atrelado à memória do povo negro através das work-songs
e dos spirituals.
Em paralelo, a conexão entre Crumb (2004) e a música estadunidense dentro da
História em Quadrinhos, Blues é representada em um compilado de diversas histórias do
autor que trata do tema, nas quais ele desenvolve sua crítica. Contudo, para tratar da
representação feita pelo autor a figura do bluesman, vamos nos atentar somente a história
sobre a vida de Charley Patton, em que é possível perceber como o autor desenvolve a
própria história do Blues como um gênero emergente no Deep South, ao mesmo tempo
em que conta a história de Patton até sua morte.
2
Algo como “indo para onde o sul cruza a ferrovia”. A ferrovia de Yazoo e Mississipi Valley eram
comumente chamadas de “dog”. A explicação mais comum era porque o material foi pintado de amarelo
acompanhando-se na guitarra com a música mais estranha que já ouvira em toda minha
vida” (MASSIN, 1997, p. 1081). Aquele teria sido o primeiro blues que Handy ouviu e,
nove anos mais tarde, The Memphis Blues foi lançada como a primeira partitura do
gênero.
No entanto, a conexão entre o Blues e os afro-americanos é maior se fizermos um
retrospecto pela história da colonização e uso de mão-de-obra de negros até o fim da
Guerra de Secessão, na segunda metade do século XIX. Incorporando um conceito de
resistência ao debate, segundo Marcos Pinheiro (2011), a cultura afro-americana tem no
blues uma linha condutora da música negra como uma resistência contra a opressão de
seus senhores, uma vez que eram privados do lazer. Esses escravos, então, teriam
encontrado na música uma ferramenta de convivência coletiva, usando-a durante o árduo
trabalho nas lavouras de algodão em que “canções eram entoadas para cadenciar o seu
ritmo ou simplesmente para amenizá-la” (PINHEIRO, 2011, p. 7). Segundo Pinheiro
(2011), essas canções chamadas field hollers eram cantadas pelos negros para deixar o
trabalho menos maçante.
Acerca da denominação “Blues”, Pinheiro (2011) afirma que há interpretações e
hipóteses que sondam a origem do termo. Para alguns, o autor explica que diferente das
lavouras, a origem do termo seria encontrada em manifestações religiosas afro-
americanas em cânticos gospels conhecidos como spirituals. Há também a versões
ligadas a etimologia da palavra, argumentando que a palavra blues estaria ligada à
alucinação provocada pela abstinência de álcool.
No começo do século 19, aliás, a palavra blues estava ligada às alucinações
provocadas pelo delirium tremens, a síndrome de abstinência de álcool. Daí
para ter seu significado associado à sensação de infelicidade, foi um pulo. Nos
anos 1860, a professora negra Charlotte Forten, que dava aula para escravos na
Carolina do Sul, registrou em seu diário: “voltei para casa com os blues”. E
completava: “joguei-me na cama e lamentei minha sorte” (MINUANO, 2017).
com as iniciais “Y.D” (Yazoo Delta), denominando-a como Yellow Dog. Where the Southern Cross the
Dog – Moorhead, 2014. Disponível em: < http://msbluestrail.org/blues-trail-markers/where-the-southern-
crosses-the-dog> . Acesso em: 27. Jul de 2020.
Foi, no entanto, apenas a partir de 1912 que o Blues como um gênero musical pode ter
sua origem traçada com mais detalhes.
Como mencionado, a primeira partitura de uma música de blues foi publicada na
mesma data por W. C. Handy e foi intitulada The Memphis Blues e marca o início do
gênero nos EUA. No entanto, segundo Pinheiro (2011) foi somente com St. Louis Blues,
composto em 1914, também por Handy que se configurou como a música mais popular
do gênero. Há outros fatores para a popularização do Blues e sua difusão pelos Estados
Unidos: Pinheiro (2011) afirma que o êxodo de populações afro-americanas para os
estados do norte ajudou na popularização e no intercâmbio com novas tecnologias de
gravação. Não obstante, o autor coloca a “crise econômica, as pragas do algodão, os
acidentes naturais e o desenvolvimento dos meios de transporte” (PINHEIRO, 2011, p.
10) como fatores que justificaram o êxodo de populações para outras regiões do país.
Para André Felipe de Albuquerque Espínola (2016), a ressignificação das letras e
o fato de o blues conter bastante improvisação em suas performances, “configuram
características profundamente arraigadas na habilidade existente na transmissão oral, das
comunidades de negros analfabetos e semianalfabetos do sul rural dos Estados Unidos”
(ESPÍNOLA, A. F. A, 2016, p. 4), sendo assim um importante canal de investigação de
processos sociais.
Crumb (2004) aponta que a música de Patton passou a ser objeto de admiração
pelos setores da classe média branca dos Estados Unidos, assim como sua história que foi
relegada à pesquisa por acadêmicos brancos. Essa prática teria sido vista com muita ironia
por Patton, já que segundo o autor, o músico nunca teve muito contato com brancos e eles
não ouviram “o tipo cru de blues que ele tocava” (CRUMB, 2004, p. 13). Paralelamente,
Markos Paulo de Souza (2019) afirma que Patton foi o primeiro artista negro gravado a
citar em suas canções pessoas brancas em suas letras, fazendo tal coisa em um ambiente
extremamente hostil para pessoas negras. Contudo, a música de Patton, mais
especialmente o velho blues, teria deixado uma marca especialmente nos negros,
lembrando-lhes de um passado opressivo que prefeririam esquecer (remontando ao
período da escravidão, ainda vivo na memória dos negros da época, corroborado pela
segregação).
Em uma entrevista em 1979, a Sra. Keith Dockery (retratada por Crumb no
quadrinho), diz que não ligava muito para o blues na época [em referência à música de
Patton]: “Nenhum de nós deu muita atenção a essa coisa de blues até poucos anos atrás...
nunca ouvimos essas pessoas cantar. Nunca fomos do tipo de fazendeiros que
convidavam seus empregados para vir a festas e cantar” (CRUMB, 2004, p. 13). Nesse
trecho final, é possível notar que a Sra. Dockery fala de um passado ainda recente, dez
anos após o fim da segregação, um período ainda pior no início do século, no qual os
negros ainda trabalhavam nas fazendas – restritos a seus lugares, ou seja, longe do patrão
e focados no trabalho duro. Um período em que a música de Patton floresceu.
Um ponto interessante que merece ser observado é a maneira como Crump (2004)
descreve a ação do pai de Patton para com sua música. Segundo o autor, o pai do músico
era um homem muito religioso e, por isso, não gostou de saber sobre seu filho estar
tocando “aquela música pecaminosa” (CRUMB, 2004, p. 13), assim como dizendo
“nenhum filho meu vai tocar música em lugares onde se reúnem putas e cafetões
(CRUMB, 2004, p. 13). Muitos músicos e cantores negros nos EUA possuem uma
trajetória (inclusive musical) marcada pelo universo religioso nas igrejas negras, que
sempre estimularem a musicalidade como um traço característico da religiosidade nos
negros, desde o período escravista.
Figura 3. O cristão devoto. Fonte: CRUMB, 2004, p. 13.
Segundo David Evans (2007), Charley Patton recebeu uma educação religiosa e
conhecia a bíblia muito bem, “seu pai Bill Patton era um ancião da igreja na fazenda
Dockery e criou seus filhos de maneira rígida. Sem dúvidas o jovem Charley foi criado
para frequentar a escola dominical, vem como os cultos regulares de pregação” (SACRÉ,
Robert; EVANS, David, 2018, p. 82)3
Apesar da rigidez com que tratava Patton, seu pai acabou por presenteá-lo com
um violão e passou a seguir Henry Sloan por anos, de modo que via sua família cada vez
menos. Para Evans, Patton não considerava sua carreira musical um mero hobby, mas sim
seu ganha pão. Com a fama, Crumb (2004) afirma que o músico passou a adotar “hábitos
dos vagabundos da meia noite, bebendo e vivendo às custas das mulheres que
trabalhavam nas cozinhas de gente branca” (CRUMB, 2004, 14) e intercalava sua vida
entre a bebedeira e o arrependimento e, nesse último, aproximava-se da religião e se
colocava a pregar o evangelho. Era conhecido como “pavio curto”, se metendo em brigas
e agressões contra suas parceiras ocasionais, principalmente quando bebia.
Segundo Crumb (2004), a maioria das músicas de Patton, gravados por volta de
1929 eram celebrações à vida turbulenta e ostentação de suas aventuras sexuais, um traço
característico dos primórdios do blues, do qual era cantado por “vagabundos” e sobre
3
His father Bill Patton was an elder of the church on Dockery Farms and raised his children in a strict
manner. Undoubtedly the young Charley was made to attend Sunday school as well as the regular preaching
services (EVANS, David. 2018, p 82) [tradução nossa].
bebedeiras e mulheres. As letras, apesar de serem quase todas sobre diversão, não eram o
principal nas músicas de Patton, que contavam com um instrumental de ritmo dançante,
do qual era característico do músico, muito conhecido na região por animar festas e cantar
em bares até tarde da noite.
Como background, Crumb (2004) faz questão de contar a história de Robert
Johnson, famoso bluesman do Delta do Mississipi. Após ficar um tempo fora aprendendo
a tocar, Johnson retorna para casa e diz ao irmão que teria vendido a alma ao diabo.
Interessante, contudo, é notar duas coisas: 1) Crumb (2004), ao contar sobre Johnson,
corrobora para a narrativa acerca da mística envolta da história sobre a venda da alma ao
diabo, uma mística recorrente na história do Rock; 2) dá a entender que Patton é um ponto
de convergência entre todos os bluesmen famosos do Deep South.
Após recuperar-se de uma depressão, em 1934 Charley foi procurado por W. R.
Callaway da American Record Corporation para gravar novos discos. Por volta da década
de 1930, Crumb afirma que a saúde de Patton ficou seriamente debilitada e, ao que tudo
indica, seu estilo de vida de alcoolismo e vício em fumo começou a afetá-lo. Segundo o
autor, “Patton se encontrava em péssimo estado. Estava fraco, sem folego e tinha perdido
boa parte de sua força performática” (CRUMB, 2004, p. 20).
A partir de 1930, o músico passou a viver com uma mulher chamada Bertha Lee
e seu relacionamento foi repleto de brigas e abuso de álcool. O casal permaneceu junto e
cantaram na última sessão de gravação de Patton, em janeiro de 1934 em que gravaram
Poor me e Oh death.
Don’t the moon look pretty shinin’ down
Through the tree?
Oh, I can see Bertha Lee,
Lord, but she can’t see me4.
Em uma música melancólica, com a voz fraca e um instrumental simples, poor me
se caracteriza como uma canção de despedida, na qual Crumb sugere que Patton podia
ver sua amada de longe, como um fantasma que a observa. Já em Oh Death, Patton
claramente escreve como se estivesse pressentindo sua morte.
Oh hush
Oh hush, somebody is calling me (x3)
4
“Olha como a lua é bonita, brilhando através das arvores/ Posso ver Bertha Lee, deus, mas ela não pode
me ver” (CRUMB, 2004, p. 21).
Lord I know
Lord I know my time ain’t long5.
De todo modo, Patton faleceu semanas após essa última gravação. Segundo
Crumb (2004), Patton passou uma semana em seu leito de morte recitando deu sermão
favorito, falecendo no dia 28 de abril de 1934. De acordo com Evans (2018) o certificado
de morte de Charley Patton atribuía a ocupação de “agricultor”, justamente a profissão
que o músico mais odiava. Segundo o autor, sua morte passou desapercebida pela
imprensa local e nacional
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
5
“Oh shhh, oh shh alguém está me chamando/ deus eu sei, deus eu sei, meu tempo não é longo” CRUMB,
2004, p. 21.
CRUMB, R. Blues / R. Crumb ; (tradução Daniel Galera ; preparação de texto Eduardo
Okubaru e Leonardo Manduca ; letras Lilian Mistunaga) .—São Paulo : Conrad Editora
do Brasil, 2004.
DANNER, Alexander; MAZUR, Dan. Quadrinhos: História moderna de uma arte global
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https://www.jazzinamerica.org/pdf/1/Dockery%20Farms.pdf ; Acesso em: 27 de Jul. de
2020.
ESPÍNOLA, A. F. A.. Uma discussão de classe e uma história social do blues no sul dos
Estados Unidos?. Espacialidades, v. 9, p. 278-314, 2016.
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www.jstor.org/stable/20487579 . Acessado: 24 Mar. 2021.
HOBSBAWM, Eric. História Social do Jazz. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1990.
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PINHEIRO, Marcos Sorrilha. Manifestação e inserção sociocultural do negro no início
do século XX. Outros Tempos, UEMA, vol. 8, nº 12, 2011, p. 221-238.
SACRÉ, Robert. Charley Patton: voice of the Mississipi Delta / [Edited by] Robert Sacré
; foreword by William Ferris, 2018.
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p. 350-363; 383-403 (Tópicos: “El Blues” e “La era del Jazz”).
SOUZA, Markos Paulo de. O que o homem semeia, isso mesmo colherá: a Fazenda
Dockery na encruzilhada da história do blues. 2019. 47 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Bacharelado em História) – Universidade de Brasília, Brasília, 2019.
Where the Southern Cross the Dog – Moorhead, 2014. Disponível em: <
http://msbluestrail.org/blues-trail-markers/where-the-southern-crosses-the-dog> .
Acesso em: 27. Jul de 2020.