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= 3| As cidades_ pré-coloniais! Tentativa,; ‘~~ de defini¢ao e periodizagao* Por Catherine Coquery-Vidrovitch ‘Abordaremos aqui nfo apenas a hist6ria das cidades, mas também a histofia-da urbanizagao, que implica um processo simultancamente/es=? igo nasceu da necessidade de uma reflexao apro- buindante e rica de ideias, sobretudo mas no apenas anglo- , no dominio da histéria e sociologia urbanas. Mui uidade as metrépoles industriis, passando pelas cidades medievais € (0 centros modernos do capitalismo comercial. Em contrapartida, 0b trabalhos da historia nance acai PaO * Comunicagtoapresentada durante as jomadas de estudo nis da cidade em A fos implicita, esta 0 pressuposto de que o tinico modelo urbano «perfei- to» € o modelo de refertncia ocidental. 1 — Tentativa de definicao ‘A primeira exigdncia€, evidentemente, defini aquito de que estamos 1 falar; definir 0 que entendemos por urbanismo dévia, ao mesmo tem- ponder & questfo seguinte, muito naturalmente posta pe- tendendo-se que a presenca de varios pelo menos, sento de diferentes graus, justifica que se fale em cidade. ymente a questo em ‘Urbanization in Nigeria, Nova porque o process de urbanizagdo variouinfnitamente segundo os lugs. res e as Epocas. ‘A definigdo €, a meu ver, pelo menos unidimensional. Ea refere-se cestritamente ao espago. Actescentarci uma outra dimensto, que do dominio cultural, das ciéncias sociais em geral e da historia em parti- | cularsweidade Gum centro, um lugar de concentrardo nfo s de populs- £ um polo de atracgo ¢ de dis, jores: desde quando existe o fendmeno urbano em Africae, * Mas definir a cidade como um polo de atraceao nao é sul c!. Btam ideologico € o seu projecto arquitectural por ynaram-se o protétipo para uma quantidade de comunidades sa- ‘éncia de formas: as pbs-revolugdo indus i evidente que © modelo de urbanizagéo do tereiro-mundo africano no desenrolar do séc. XX: eda necessariamente anilogo ao saido da Inglater- ture in Precolonial African, Journal of 267 tos autores que querem, pelo des perfeitamente estranhas uma & , opor radicalmente duas entida- (ra: a cidade pre-industrial de um lado e a cidade contemporinea do outro”. Dito isto, uma definigko to geral do fendmeno urbano arrisca-se a no ter eficdcia operatoria, e & necessirio completar a abordagem com uma definigto de critérios de urbanizagao. Estabelegamos, em primeiro lugar, aquilo que as cidades no preci- sam de ser: — Como acontece na Europa, 0 Pode have lonizagdo. Grandes aldeias, muito compacias, puderam const- ihiese e ser eapazes de se defenderem eficazmente em caso de Ideias fortificadas, aldeias-ilhas; 0 «Pais dos Rios» no Congo, suma zona anfibiaalagada por todos os ados, foi assim povoado por grandes aldsas de pescadores ~ os primeios abser- adores, no fim do sfc. XIX, atebut que fornecia a madeira para os pi sobretudo escravos, ea parte de baixo tecelagem, ce eram exclusivas: vatura e reequilibr cexcitadas pelas disputas de grupos tripetas feitas de coesao cultural elinguistica («étnica») de grupo, fundada sobre os com o virar do século num: doenga do sono) além do que foi Stanley, Br odlemos erer que se ratava s6 de aldeias. = io Lunda —Shaba Ocidental — ro curopeu em 1847, ¢ Zimbabwe, do imptrio medi andonad de 1450), W. G. L. Randle’ prope quatro ei dquinzena de anos Pot grande aldeia, antes do uso gener te critério da arquitectura monumental & provavelmente sal, sendo a cidade o centro dos poderes, simbolizados pelo seu vurbanismo. 4° — A mancira como os habitantes desse aglomerado se alimentam: ‘verse efectivamente que nio se pode escapar a Urbanism, op. ct 269 ¥ _— Finalmente, a existéncia de um artesanato especializado, associa- {do mais ao local de residéncia do que ao parentesco. Efectiva- ‘mente, na cidade nfo se pode escapar a divisio ¢ especializacao te na adopetio da eserita (que permite transcrever ¢ tran do) e da ciéncia aritmé \dispensivel 4 medida do peso, do tempo e do espaco (como se os camponeses da era pré-cientifica ndo tivessem sa- bido medir nada disso). Identifica weidade» e «eivilizagao», define est como «o agregado de Braudel, ele privilegi riador ‘Com efeito, um so sen to de que na cidade, que, em contrapartida, era excepcional no mund@ rural antigo, mesmo ). Pode-se exprimir a mesma ideia de uma maneira mais ino eiterio de acessibilidade: uma verda- deira sociedade urb vouGlade aber wa eer, oe pea te e implica comércio, mercados ¢ troca de uma produeao ndo agricola {artesanal) pelos alimentos necessirios & populaao. Mais do que critérios, convém falar de(condigbes necessérias & urba- nizagto, isto &, a essa especializagto de fungbes. Devem considerar-se pelo menos t — A possibilidade de um aumento da produgo agricola susceptivel de alimentar os especialistas nfo agricolas. tuma situago relativamente esti outro lado, exercendo 0 poder, € capaz de impor a circulacao de alimentos. rich e Mégalopoli: A. Toynbee, Les vies do Payot, 197, p. 19. Sobre o concsito de acessibidade: Mortr 270 {A dimensio econdmica & portanto essencial para chegarmos & defini- slo de cidade. Resumindo: | — A cidade € um centro de concentragdo (humana) ¢ de difusio (alturab, — As condiges da sua existéncia sio condigdes simultancamente ‘econdmicas e politicas de organizacao da produsao e das trocas. Acrescento aqui, no entanto, a posiglo de Paul Bairoch”: a cidade existin desde os principios da agricultura — a revolusdo neolitica — de- seavolveu-se paralelamente & agricultura: cidades'¢ eampos sto indisso- cidveis desde o comeco; certamente pode haver campo sem cidade, mas no pode haver cidade Sein campo, incluindo neste caso as «cidades- tado» que, apesar de tudo, vivem também da respectiva regito, por rm to pequena que ela seja, e de que as cidades haus sto um bom exemplo”: a agricultura € a condigio necéssaria & cidade mas podese também perguntar ‘cidade, centro da organizagao e da rigida por Georges Duby, ov ainda em Henti Lefcby Weber's; a cidade antiga e medieval seria um (centro politico ¢ reli r ‘em oposicto & cidade esonémica que surgiu na aurora dos tempos mo- dernos e 4 metropole industrial nascida no Ocidente no stculo XIX. ‘gn seria caracterizada pela presenca justaposta dos . eigioso (0 templé, a mesquita, a juentemente, sob uma forma sécio- jade pré-colonial africana: a cidade ‘ctradicionaly seria muit 1 Sana ease re Sate paoyie talk ‘nhagem'dominante, da Familia reinante que agrupava sua volta uma dite protegida e privilegiada, do que um centro econdmico. Certamente ‘a dimensio urbana da componente politica ¢ forte. Podem d xemplos disso: nos reinos interlacustres a aristocracia era consti por pastoresmigrantes que, chegados do norte, tomaram o poder em de- {rimento dos agricultores que lé viviam (ima, dances 3s con fins do Ruanda ¢ do Uganda Selentrional; mais tarde, a partir dos sécu- s tutsi do Ruanda e do Burundi submeteram os campo- formagées de Ankolé, do Buganda, etc): acidade capital tt nha tendéncia a confundir-se com o palacio real, sempre ‘séu centro; 0 caracter urbano era tio instivel que cada novo soberano ti- tha que construir uma nova capital num novo lugar: tratava-se mais de ‘um campo fortificado do que de uma cidade. ‘Outro exemplo tardio: o de Fumbam capital dos Bamom, a que Claude Tardits se refere para'mostrar até que ponto o povoamento ¢ 0 ‘urbanismo em circulos de linhagem concéntricos (designando o circulo mais préximo do palécio as familias mais estretamente ligadas a0 sobe- jam segundo a imagem do poder real! politica se mostra tao forte € porque ela secon- {0 soberano que tem 0 privlégio das ac- bros de castas) do palicio dependem portanto sobretudo, mas nem sempre, & 1. Porém & sempre ‘imaveidade mercado. £ preciso ser claro: pode haver — ¢ 0 ¢as0 fol fre- Gquente em Africa — mercados sem cidade, mas nto pode havercidades sem mercado, A-cidade implica, pela sua propria existéncia, uma fung8o" ide pode afirmar-se ‘Atenas ou. Roma eram gran porque eram também, a0 (imesmo que se tratasse de uma economia 1 Te Royaume Ramour, Ea, da Sorbonne, 1980. 2m pré-industrial pode ser vista, como um centro de produga Certamente no tempo da pré-colonial e pré-islamizada, permaneciam limitadas: mas. na so a expresstio do nivel mia dominante de auto-subsi ‘gio ou de regressilo agricola, niio precisar de cidad que a cidade € a expresso do cor to. Em eada época pode portanto dist — Um tipo de produgao ¢ | — Um modelo de poder ¢ a sua ideologia (eminentemente religiosa no seu conjun- num contexto pré-cientifico) — Formas de concentragdo urbana, consideradas como expressio dda organizagiio econdmica geral — Um urbanismo visto como 0 reflexo espacial do processo social da urbanizagao. Compreende-se desde logo 0 sentido ¢ os limites do conccito de aft ccanos «Strangers in the Citys", Os africanos 56 se se inhos na ‘cidade na medida em que esta for coacebida segundo um modelo econd- turbanos, os africanos nao ses ‘0s camponeses franceses na sua cidade ct II — Propasta de periodizagao A partir destas constatagdes, pode of tipologia/periodizagao da urbanizagao africana. Content alaia de conchusdo, a0 mesmo tempo que de abertura a 0 1M, J. Daunton, «Towns and Econ ey, Parasite or timul ties, Ph, Ab 23 oN ‘¢bes futuras, com expor 0 nosso esquema, qt ransigao/interpenetragZo entre zedentirios, controlados € dominados pelo: ja do ferro, fonte de intensificagao famosa ¢ 0 Grande Zimbabwe, desaparecida por volta de 1450. Glo entre as primeiras e as segundas, muitas vezes por con directos e, 0 mais das vezes, por difusio indirecta. 3) Bento que tem lugar, na segunda metade do séc. ‘cdo do modelo portuguese, logo a seguir, mais generi europe: & portanto muito cedo que é preciso situar a origem do- ‘modelo ocidental e no apenas na época colonial: Por outro lado, sem dependéncia poli- ,eotno aconteceu na época colo- + 4) Acoergao colonial impde naturelmente uma ruptura: Mas ela ito ddestr6i necessriamente as redes urbanas anteriores. Utliza-s, 214 ‘completa-as & por exemplo). Falta ainda também, naturalmente, distingu {ro da época colonial Pas, que vao da coco militar e adminisrativametropole eo: portuéria. 5) Dai a imensa complexidade da questo urbana na época coi poriinea das independéncias. III — A titulo de conclusao: da cidade pré-cotonial @ cidade actual dominante «urbanistican..Neste momento so sem davida mais as per- juntas que se levantam do que as que foram resolvidas 2S — Asinvestigagbes em histria social urbana permitem fazer a liga- sindical e a luta dos traba- Thadores 1 iedades urbanas; a historia vivida permite também compreender até que ponto a historia do espaso Reepregadon € as transformagdes da segregarao do espago esto esteitamente ligadas s lutas sociais urbanas. — O conceito de espaco urbano deve, ele mesmo, ser posto produzir um espago? Nao havert uma continuidade nessa necessidade, nessa vontade (do poder, do Bsta- ddo, das autoridades municipais) de querer sempre produzir um espaco para uma populago, como se a populayto nfo produzis- fe, ela mesma, 0 seu espaco (da os problemas de segregario, impie-se também a necessidade de ter em conta um certo 10 de conceitos, de nos interrogarmos com precistio sobre as igbes que nos permitem saber de facto de que & que estamos ‘ falar. A modernidade, por exemplo: a qué chamamos moder dade? Ela cobre mutase Go? qual €o lugar do sector informal? A propésit deste diltimo, tEevidente que a partir do momento em que 40 ou 50% da popu- tego de uma cidade pertence ao sector informal pelo contrario, mo, portanto, nfo é bom: utlizamo-lo nor ar tudo aquilo que ndo conseguimos clas ‘ossos conceitos habituais. icar através dos inslmentey/Sér@"a cidade africana contempordnea dominada pela smudanya, a8 mutagdes, owpela continuidade, permanéncia? Os historia- lores procuram remontar o mais possvel no passado, para compreender (qual a evolugtio que nos permtin chegar &situagdo actual mas (am: bém necessirio conhecer bem as estruturas da situagdo act ar portanto em simbiose estreita, em particular smbém com os economistas, os politologos, ete. O con- far que, para li de permanéncias aparentes, a urbani- \dmica, Existem quando muito, co- raglo. Algumas no existem enguanto permanénci tnutagdes, as mais bruseas no sio necessariamente 28 mais signif ‘Uma acumulagao de mudangas miltiplas que demore um certo tem- po, pelo menos o tempo da conjuntura, do medio prazo, pode ssa acumulaglo pode, de repente, assumir uma importancia tal que se produza entZo um salto, uma mutagio brusca. Mas esta mutasdo brusca pode ser também vista como uma acumulagao de permanéncias, quer di- zer, de mutagdes mais lentas. B por isso que, nao sO em relago as reali- ddades africanas como também as realidades de qualquer outra parte do mundo, nao se podem opor entre si permanéncia e mutagdes. -se de mais tum desses dualismo redutores (tradi¢ao/moderni- jidade/ruptura) que deformam a realidade: na historia urbs fem geral, & importante ‘nao esquematizar, estar permanentemente atento ao complexo soci ‘em que cada um dos elementos ndo cessa de actuar sobre os outros, para fazer do conjunto estudado (espacial, arquitectural e social) um organis- ‘mo vivo em constante evolugo. RECOLHA BIBLIOGRAFICA EM HISTORIA URBANA AFRICANA 1959, eographical Pers ‘and Social Change in West Africa, 1d Urbanization in Afric, Colunbi Univ Press, 1976. ican Cites and Towns before the European Conguest, Norton & Co. Nova forque, 1976. ino, A. D., Colonial Urban Development, Routledge & Kegan Paul London, 1976 nly on the Indian eas). an

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