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ie Sate yy athe Barada MEME Ta ETE SORTA RIUM ELEN TINA RAST Age Win UCC Copyright © da Editora CRV Ltda. Editor-chefe: Railson Moura Diagramagio ¢ Capa: Editora CRV Revisio: Os Autores DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAGAO NA PUBLICAGAO (CIP) CATALOGAGAO NA FONTE As84d Assis, Emanoel Cesar Pires de. | O Maranhio revisitado: historia e literatura maranhenses / Emanoel Cesar Pires de Assis (organizadot) — Curitiba : CRV, 2019, 208 p. Bibliografia ISBN 978-85-444-3318-8 DOI 10.24824/978854443318.8 1. Maranhio — histéria e literatura, 2. Maranhao — histéria. 3. Historiografia. 1. Titulo. Il. Série. CDU 82:(812.1) CDD 808.07098121 indice para catalogo sistematico 1. Maranhio: histéria 981.21 ESTA OBRA TAMBEM ENCONTRA-SE DISPONIVEL EM FORMATO DIGITAL. CONHECA E BAIXE NOSSO APLICATIVO! DaPONVEL NO > Google Play || @ App Store 2019 Feito 0 depésito legal cont, Lei 10.994 de 14/12/2004 Proibida a reprodugo parcial ou total desta obra sem autorizagio da Editora CRV Todos os direitos desta edigtio reservados pela: Editora CRV Tel. (41) 3039-6418 - E-mail: sa¢@editoracrv.com.br Conhesa os nossos langamentos: www.editoracry.com.br Digitalizado com CamScanner DS ROMANCES DE RAUL E JOAO CLIMACO LOBATO: utores esquecidos do Maranhao oitocentista ,.....,...... boeeee leo Antonia Pereira de Souza DISCURSO E HISTORIA NO CORDEL ‘CAXIAS", DE CID TEIXEIRA DE ABREU 000. csscssssussssseseseseeseseee 145 4nténio Luiz Alencar Miranda Shirlane Maria Batista da Silva Miranda APOMPA BARROCA NAS RUAS DE SAO LUIS: 0 estilo celebrativo da festa de Corpus Christi (séculos XVII e XVIII)... vee 161 Eloy Barbosa de Abreu MOMENTOS DA TRAJETORIA DO GRUPO DE TEATRO SOMBRAS SOB A PERSPECTIVA DA HISTORIA DO TEMPO PRESENTE ... Elizeu Arruda de Sousa ANDANCAS PELA CIDADE DE CAXIAS-MA SOB O OLHAR DO FOTOGRAFO MARANHENSE SINESIO SANTOS ..... Marinalva Aguiar Teixeira Rocha 197 Digitalizado com CamScanner ANDANCAS PELA CIDADE DE CAXIAS- MA SOB O OLHAR DO FOTOGRAFO MARANHENSE SINESIO SANTOS Marinalva Aguiar Teixeira Rocha! Introdugiio Este trabalho, 0 qual se serviu da imagem fotografi plicitagao, foi elaborado a partir da leitura e andlise da o cotidiano, de Michel de Certeau, com mais especificidade intitula Prdticas de espago/caminhadas pela cidade, Nele, metaforizada, ica para a sua ex- bra A invengao do ao capitulo que se o autor, de forma vé a cidade como a linguagem textual, cuja percepgio desse espaco so se concretiza no exercicio do ir e vir pelas ruas. Considerando 0 texto de Certeau, entende-se que o ato de percorrer pela cidade, andar por entre as ruas € uma maneira de demarcar o espago, apropriar-se dele. Tal apropriacdo imprime ao sujeito a construgao de significados particulares, os Quais se baseiam nas experiéncias vivenciadas no local, Os sujeitos, em seus Percursos cotidianos, simbolizam o lugar a partir das interferéncias que fazem nele, tanto de ordem fisica quanto cognitiva. Parafraseando Certeau (2008), um dos meios de seperceber a cidade é caminhar por ela. Para tanto, buscou-se, no acervo do fotégrafo maranhense Sinésio Santos, que registrou a cidade e seus acontecimentos, por mais de Guatro décadas, imagens que dialoguem com os conceitos e que possam dar Suporte para esta reflexao. No que se referem as pesquisas que se debrugam sobre o tema cidade, 9s historiadores e pesquisadores tém lancado mao de diversas linguagens, Tinguagens essas capazes de dialogar com um tempo, com um espago, com um dado momento, como também com 0 cotidiano de diferentes grupos e épocas. Nesse sentido, “a fotografia deve ser concebida como mensagem significante “struturada, segundo a sua substancia visual” (MAUAD, 2008, p. 29). E interessante dizer que as fotos aqui utilizadas servirdo, também, para ue se possa confrontar o passado com o presente, despertando, na meméria das Pessoas, os sentimentos provocados pelas imagens dos lugares que Movimentaram a vida dos caxienses em tempos passados. Aos pesquisadores Sabe a funcdio de descrever sobre os costumes, as preferéncias, as tradigdes tf 1 Protessora do Departamento de Letras do CESC/UEMA. Doutoranda em Historia - UNISINOSIRS. Digitalizado com CamScanner 198 das pessoas em relagao ao passar dos tempos, para que, dessa forma, possam compor a historiografia do lugar. Assim, ¢ interessante buscar fundamentos que justifiquem a analise dos registros fotograficos de Sinésio Santos, consi- derando que tais registros possibilitam a produgio historiografica. Neste trabalho, apresenta-se um tépico em que, de forma sucinta, abor- dam-se alguns aspectos sobre a producao fotogrifica de Sinésio Santos, com vistas a esclarecer a dindmica de seu trabalho em Caxias; em seguida, partindo dos conceitos discutidos por Certeau, faz-se uma andlise das imagens sele- cionadas para o estudo e que retratam o cotidiano de Caxias-Ma, focalizam as praticas sociais, como os também espagos percorridos pelos sujeitos. Tais sujeitos utilizam alguns espagos urbanos, atribuindo-lhes novos sentidos e usos, 0s quais no so observados por todos os moradores da cidade. E nesse panorama que esses sujeitos procuram ser percebidos por aqueles que admi- nistram a cidade, como também pelos outros que nela habitam. Producao fotografica de Sinésio Santos Coube ao artista Sinésio Santos, um dos pioneiros, em Caxias, na arte de fotografar, o primeiro passo para deixar registrado desde os anos 1950, através de sua lente, um conjunto de imagens que registram parte do patriménio da cidade. As suas andangas lhe renderam um consideravel acervo de fotografias que da conta dos mais variados espagos e acontecimentos ocorridos na cidade até os anos 1990, periodo de seu falecimento. Nesse sentido, vale ressaltar que a figura do fotégrafo e 0 aspecto me- morialistico de Caxias-MA encontram-se imbricados, uma vez que a sua produgao retoma a vida caxiense de outrora, As fotografias produzidas por esse autor abordam aspectos significativos de Caxias, revelando, nelas, os momentos que constituem a sua narrativa histérica, como também as trans- formagées ocorridas nos espagos. A arte de Sinésio foi uma das responsaveis pelo registro patrimonial da cidade. Em seu acervo, observam-se diversos espagos fotografados, tais como lugares que fazem parte da estrutura geogrifica e patrimonial da cidade, vias que visualizam uma passagem historica em uma determinada época, Percebe-se, nesse conjunto, que as imagens registradas esto ligadas, também, ao cotidiano de seus moradores, O desempenho de Sinésio no campo fotogriifico nao foi restrito. O artista dei Nagens que se reportam aos mais diversos acontecimentos do lugar, tais como: festas religiosas, comemoragdes militares ¢ civis, aniversirios, velérios, reunides familiares, encontros poli- ticos, inauguragdo de monumentos, logradouros, enfim, imagens que podem se configurar como aporte documental, Digitalizado com CamScanner O MARANHAO REVISITADO: histéria ¢ literatura maranhenses 199 Enquanto registro documental, as fotografias reveladas por Sinésio San- tos apresentam como Caxias era vista antigamente: os espagos, os cenarios, as rotinas, enfim, traduzem o seu aspecto historiografico, sobretudo, valores culturais ¢ sociais, comportamentos, elementos estes que possibilitam reaver as varias maneiras de viver da sociedade caxiense. Revelam, ainda, fatos im- portantes para serem comparados com aqueles que ainda perduram na atual sociedade e que serdo passados para geragGes futuras. Assim, pode-se deduzir que as imagens produzidas pelo fotégrafo trazem, em seu escopo, um registro que dialoga com a historicidade da cidade, dado 0 carter memorialistico que o artista revelou, Sinésio, ao se colocar como um minucioso observador, oferece aos caxienses possibilidades de descrigées dos lugares por ele vislumbrados. Percorrendo os espagos urbanos de Caxias sob a perspectiva da imagem fotografica Avida na cidade era idealizada, hi muito tempo, como sinénima de pers- pectiva, seguranga, representando um espaco de civilidade, onde se pudesse viver com polidez ¢ conforto, modo particular de pensar de quem reside na cidade, Segundo Lavedan (apud CERTEAU, 2008, p. 170), “a vontade de ver a cidade precedeu os meios de satisfazé-la. As pinturas medievais ou Tenascentistas representavam a cidade vista em perspectiva por um olho que, No entanto, jamais existira até er Ao longo dos tempos, varios discursos vao sendo produzidos a respeito do tema cidade, diversas imagens e modos de viver o cotidiano vio se eluci- dando, Conforme a escolha do angulo de visualizagao, a cidade pode ser vistaa partir do formal, do olhar da razio, evidenciando que, de acordo com o angulo escolhido, ela pode ser observada pela otica da racionalizagao, do projeto urbanistico ou pela visio dos seus moradores. Nesse sentido, considerando 4 massa populacional existente nas cidades, isto é, 0 nlimero significativo de observadores e vivenciadores constantes do movimento de andar pelos seus espagos, metaforicamente, caberia dizer que o ntimero existente de cidades corresponde aos significados produzidos sobre elas. Assim, como se definir cidade? Existe a cidade idealizada, isto é, a dos administradores, a dos pensadores, a dos caminhantes ordinarios, a cidade que esta nas lembrangas, enfim, o fundamental é ver a cidade nos seus aspectos plurais, porque é nela o lugar onde se fundem praticas e diferentes modos de Ver, “planejar a cidade é ao mesmo tempo pensar a propria pluralidade do. Teal e dar efetividade a este pensamento do plural: é saber e poder articular” (CERTEAU, 2008, p. 172). Digitalizado com CamScanner 200 Caxias-MA, ao longo dos tempos, tem se mostrado aos seus Moradores como um texto em constante alteragao ¢ com possibil idades de expressar diversos significados ¢ ambiguidades. A cidade se coaduna com © que diz Certeau, ela se inventa para além da “Cidade-panorama™ e da visio dos seus administradores, 0 que permite a elaboracao de outras praticas ¢ no- vos discursos. [...] a partir dos limiares onde cessa a visibilidade, vivem os praticantes ordindrios da cidade. Forma elementar dessa experiéncia, eles sido ca- minhantes, pedestres, Wandersminner, cujo corpo obedece aos cheios ¢ vazios de um “texto” urbano que escrevem sem poder lé-lo. Esses prati- cantes jogam com espagos que nao se veem; tém dele um conhecimento to cego como no corpo-a-corpo amoroso (CERTEAU, 2008, p. 171). Utilizar a fotografia como suporte para discutir essa temitica torna-se pertinente, considerando a possivel reflexao sobre a pluralidade de sentido que a cidade evoca para os seus moradores, 0 que se assemelha com as possiveis leituras de uma imagem fotografica para seus observadores. Mauad (2008) vé a fotografia como fonte histérica que permite ao historiador realizar no- vas formas de anilises, sem se preocupar com a finalidade do registro, isto 6, se foi realizado com 0 intuito de comprovar algo que nao foi claramente explicitado ou, simplesmente, para registrar um modo de vida. Vale dizer que a fotografia permite que se conhegam aspectos signi ficativos da vida ocorridos em determinado tempo e espago, alargando a sua utilidade para muito mais do que uma simples ilustragiio e recordagio, Porque, além disso, ela informa sobre a histéria social, serve como fonte documental, retrata estilo de época, permite, ainda, que se conhega o cotidiano de uma sociedade, por meio do que expressam as imagens capturadas pelo fotgrafo em um dado periodo, como, por exemplo, os hibitos das pessoas, a estrutura espacial, as mudangas ocorridas através dos tempi As imagens a seguir (Figuras 1 ¢ 2) demonstram um cenirio ca em tempos passados, sendo ocupado por aqueles habitantes grupos sociais menos favorecidos, como também por pessoas procedente zona rural, cujas prati assemelham as vivenciadas no lugar de origem: tipo de construgao, uso de animal como meio de transporte, vasta vegetaga no entorno das moradias, falta de iluminagdo piiblica, Observando essa particularidades do cotidiano desses moradores, percebe-se um rompimento com o modelo de cidade pensado pelo sistema urbanistico ¢ praticado por seus gestores. “A vida urbana deixa sempre mais remontar Aquilo que % projeto urbanistico dela excluia® (CHI EAU, 2008, p. 174). Digitalizado com CamScanner (0 MARANHAO REVISITADO: histéria ¢ literatura maranhenses 201 ras 1 ¢ 2 — Area periférica de Caxias-MA — década de 1960 Fonte: Acervo fotografico de Sinésio Santos. Acidade, segundo Certeau, “instaurada pelo discurso utépico ¢ urbanistico € definida pela possibilidade da produgao de um espago préprio, do estabele- cimento de um nao tempo e pela criagao de um sujeito universal ¢ anénimo que é a propria cidade” (CERTEAU, 2008, p. 172-173). Assim, observa-se que as priticas cotidianas dos moradores que modificam os espacos com su: estruturas fora dos padrées, aspectos que incluem invasdes para obtengiio de espago para moradia, ocupagiio de ambiente para venda clandestina de mercadori agdes de ordem politica, as quais geram conflitos entre os gestores ¢ aqueles que vivenciam tais praticas. Para Certeau (2008, p. 174) A linguagem do poder “se urbaniza”, mas a cidade se vé entregue a mo- vimentos contraditérios que se compensam e se combinam fora do poder panéptico. A cidade se torna os legendarios politicos, mas no é mais um campo de operagdes programadas e controladas. Para a edificagaio do espago urbano sio considerados alguns vetores que se configuram como subsidios para a sustentagio da cidade, tais como: a forga gestora, os gerenciadores do capital, os responsaveis pelas edificacdes arquite- ténicas da cidade, ou seja, os possuidores dos saberes sobre arquitetura, como também aqueles que utilizam os espagos com suas praticas cotidianas. Tais Vetores, ao se entrecruzarem, podem criar propostas diferentes para 0 espaco urbano, (des)alinhando sua imagem, criando diferentes cenarios. No que se tefere ao poder institucional (forga gestora) ¢ aos conhecimentos cientificos, a cidade é organizada com base em normas e leis urbanisticas, com destaque 4.um planejamento espacial. Tal planejamento, atrelado a uma proposta que se distancia das necessidades particulares, e que despreza o aspecto social, io é eficiente para os seus moradores. : O que se vé na fotografia abaixo (Figura 3), registrada por Sinésio Santos, nos anos 1970, é um centro urbano desprovido de comércio ambu- lante, sem grandes circulagdes, 0 que no significa dizer que, na referida Digitalizado com CamScanner 202 €poca, nado existiam tais movimentos comerciais, mas que esses cram deslocados para outras areas da cidade, onde nao competiam com aqueles de construgio edificada. Figura 3 - Centro comercial de Caxias-MA - década de 1970 Fonte: Acervo fotogratico de Sinésio Santos. A proliferacao mercadolégica dos setores de maior poder econémico nos espacos da cidade constitui-se em um fator que postergam os segmentos de menor poder politico e econémico, Nesse sentido, Certeau (1996) tece consideragées acerca da estrutura organizacional do espaco urbano e de Preserva¢ao da arquitetura patrimonialistica, evidenciando sua inquietagao sobre as produgdes de sentido que vio sendo estabelecidas na cidade. Assim, [...] 0 que torna a cidade habitivel nao é tanto sua transparéncia utilitiria ¢ lecnocratica, mas antes a opaca ambivaléncia de suas estranhezas. Um novo barroco parece vir substituir as geomettias racionais que repetiam por toda parte as mesmas formas, esclarecendo geograticamente a distingaio das fungbes (comércio, lazer, escolas, habitat, ete. )(CERTEAU, 1996, p. 19D) As atuagées dos sujeitos na cidade estabele em relagdes com um espage macro € micro, envolvendo suas priticas cotidianas que vao desde o olhar part a cidade até suas agdes desenvolvidas nesses espagos: caminhar, observar os andantes, comercializar, conversar nas calgadas, Esses sto os entendimentos sobre 0 cotidiano que também se reportam aos hiibitos dos sujeitos no set dia a dia. E nessa configuragao que a cidade se Movimenta, as pessoas pels Tuas ¢ calgadas constroem historias, lem e produzem imagen a meméria, atualizam as informagdes e, assim seguem, no exercicio de it e vir pela cidade. “Em suma, 0 espago & um lugar praticado, Assim (0 — Digitalizado com CamScanner (© MARANHAO REVISITADO: histéria e literatura maranhenses 203 geometricamente definida por um urbanismo é transformada por um espago pelos pedestres” (CERTEAU, 2008, p. 202). Os moradores observam acidade os passantes da calgada de suas resi- déncias (Figuras 4 ¢ 5), ambiente considerado como o lugar onde sempre esta presente uma testemunha ocular dos acontecimentos diarios, assim como 0 caminhante que, ao circular pela cidade, consegue perceber nuances talvez nunca vistas ou, se ja vistas, passam a ser observadas de maneira diferente. Caminhar pela cidade é uma atividade pautada no sentir e no ver, as imagens do cendrio do espago urbano vio se (re)construindo ou se alterando a partir da sensibilidade e do olhar de cada um. E nesse panorama que os espagos (as casas, os prédios, os becos, as ruas), na visto dos andantes, ganham sentido ¢ se tornam expressivos. Assim é que as imagens constituidas de uma cidade nao so homogéneas, mas plurais, considerando os diversos trajetos que sao permitidos seguir e 0s diferentes olhares que se tém sobre ela. Para Certeau (2008, p. 171), “as redes dessas escrituras avangando e entrecruzando-se compdem uma histéria miltipla, sem autor nem espectador, formado em fragmentos de trajet6rias ¢ em alteragdes de espagos”. O estudo que sustenta essas anilises acerca de cidade sob 0 viés da fo- tografia, torna-se possivel 4 proporgdio que a pluralidade de que se reveste 0 assunto se manifesta no sentido de levar a reflexaio sobre a produgio de sig- hificados estabelecidos pelos sujeitos na cidade, assim como na interpreta que se faz das imagens fotograficas. No que se refere & leitura documental da fotografia, percebe-se na imagem (Figuras 4 e 5) a representagio do cotidiano caxiense que, mesmo vivenciado pelos moradores em periodos passados, deixou resquicio na realidade atual. Sao priticas que atravessaram décadas. A foto traz referéncia a pritica do cotidiano de Caxias-MA ainda em plena evidéncia: 0 habito de sentar ou se reunir em frente a casa para observar a movimentago dos transeuntes. Figuras 4 e 5— Centro de Caxias-MA — década de 1950-1960 Fonte: Acervo fotografico de Sinésio Santos, Digitalizado com CamScanner 204 O centro histérico de Caxias é concebido como um lugar de passa. gem. Todos por ali transitam diuturnamente, desde tempos anteriores, quer seja para bater papo, fazer compras, buscar trabalho, procurar im6veis, enfim, andam, as vezes, sem objetivo definido, simplesmente, Passeiam, Para Certeau (2008, p. 202), “o espago é um cruzamento de méveis, de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que ai se desdobram, Espago € 0 efcito produzido pelas operagdes que o orientam”. Mas 0 olhar de cada um dos transcuntes nao ¢ 0 mesmo, diferenciando-se também do olhar dos que se pdem a observar da calcada, esses assistem de um Ponto fixo toda a movimentago, aqueles constroem diversas ideias acerca do espaco, Se movimentam, captam caracteristicas diversas. Segundo as analises do citado historiador, s processos do caminhar podem reportar-se em mapas urbanos de maneira a transcrever-Ihes os tragos (aqui densos, ali mais leves) e as trajetorias (passando por aqui ¢ n&o por 1a). Mas essas curvas em cheios ou em vazios remetem somente, como palavras, a auséncia daquilo que passou. Os destaques de percursos perdem 0 que foi: o proprio ato de passar a operagdo de ir, vagar ou “olhar as vitrines”, noutras palavras, a atividade dos passantes é transportar em Pontos que compdem sobre o plano uma linha totalizante ¢ irreversivel (CERTEAU, 2008, p. 176). Os passos dos andantes criam espagos, assim como criam e atualizam 0s discursos sobre a cidade. Nessa perspectiva, 0 ato de andar é comparado ao de falar. Utilizando-se de metaforas e estabelecendo analogias, essa ideia € defendida por Certeau (2008), para quem o ato de caminhar esta ancorado em uma triplice fungao enunciativa, a qual seria, em primeira instancia, 0 processo de apropriagdo, considerando que o pedestre, 20 andar pela cidade, se apropria do “sistema topogrifico” (grifos do autor) da mesma forma que o falante se apropria da lingua para interagir com Os outros, assim, pode-se postular que 0 sujeito, ao andar pela cidade, experimenta de forma concreta e subjetiva o cotidiano dos espacos Urbs nos; a segunda fun¢ao diz respeito A realizagao espacial do lugar, (assim como o discurso se realiza a partir do exercicio da fala); e, por ultimo, ° ato de andar implica relacdes, ou seja, acordos priticos (assim come es interlocutores estabelecem contratos Para 0 uso efetivo da linguagem, S° pena de haver ruido na comunicagao). Assim, “o ato de caminhar parece: Portanto, encontrar uma primeira definigdo como espago de enunciaga° (2008, p. 177). i pag Por meio das relagdes que sto est significados para as priticas cotidianas, i re jam-se abelecidas com os espagos, oi es privados Por exemplo, existem lugares Pt afl Digitalizado com CamScanner © MARANHAO REVISITADO: histéria e literatura maranhenses 205 de acesso ¢ outros de entrada permitida, nesse caso, os andantes, por meio das experiéncias vivenciadas ¢ adquiridas durante os percursos pela cidade, realizam suas escolhas, obedecendo as normas topogriificas ou rompendo com elas. O ato de caminhar nao se constitui apenas como ato fisico em si, mas também nas escolhas que se faz, nos percursos a serem trilhados, “A arte de ‘moldar’ frases tem como equivaléncia a arte de moldar percursos” (2008, p. 179). Durante muito tempo, em Caxias-MA, o espago onde se localizam as ruinas da Guerra da Balaiada (Figura 6 e 7), era um local que poucos andantes elegiam como significativo, talvez dada a sua localizagao (no alto do Morro do Alecrim?), dificultando a circulagdo dos andantes ou mesmo pelos cuidados das autoridades em tornar tal espago reservado apenas para momentos solenes, o que fazia criar uma simbologia do lugar como um ambiente que nao podia ser utilizado cotidianamente pelos seus mora- dores, espaco que necessitava ser protegido. Hoje, o cotidiano da cidade foi alterado, transformando esse espago, antes nao percorrido, por uma dindmica de circulagao efetivamente construida a partir das escolhas dos Seus transeuntes, como também das relagdes que os sujeitos estabelecem com 0s espagos. Figuras 6 e 7 — Ruinas da Guerra da Balaiada — década de 1960 Fonte: Acervo fotogratfico de Sinésio Santos. O caminhante, ao observar as determinagées de percursos delineados pelos padroes urbanisticos, procura eleger os trajetos e os espagos por ordem de importancia sob sua perspectiva, afastando os que nio Ihes sio signifi tivos ou que nao fazem parte do seu cotidiano. reser da 2 {correu, no periodo de1838-1841, a Guerra da Balaiada, lugar de preservago de parte nae go Genes MA. Area qe, em 1997, 0 realzada sua escavagto e, em 2008, constuido e navgu: rado 0 Memorial da Balaiada Digitalizado com CamScanner 206 O caminhante transforma em outra coisa cada significante espacial. E se, de um lado, ele toma efetivas algumas somente das possibilidades fixadas pela ‘ordem construida (vai somente por aqui, mas nao por 14), do outro aumenta © niimero dos possiveis (por exemplo, criando atalhos ou desvios) € o dos interditos (por exemplo, ele se proibe de ir por caminhos considerados licitos ou obrigatérios). Seleciona, portanto (CERTEAU, 2008, p. 178). Dessa forma, ¢ por meio da maneira de se apropriar dos espacos e do uso feito pelos caminhantes, um uso que foge aos padrdes urbanisticos, ou seja, clandestino, é que a cidade torna-se um lugar praticado, repleto de atalhos, com praticas diversas, A caminhada traga sua propria organicidade, sua pratica cria trajetos e o caminhante vai, aos poucos, estabelecendo rela- Ses com 0 espago. A caminhada afirma, langa suspeita, arrisca, transgride, Tespeita etc., as trajetérias que “fala” (CERTEAU, 2008, p. 179). O mo- vimento do cotidiano nao obedece a regras, sfo os praticantes que tentam construir suas préprias normas, instituindo, assim, a subjetividade espacial, atribuindo significados a eles. A cidade vai se transformando em um texto €m constante constru¢ao, 4 medida que seus espagos vio sendo percebidos por meio das praticas de seus habitantes, Consideracées finais Neste trabalho, procurou-se analisar os aspectos tedricos discutidos por Michel de Certeau, os quais versam, principalmente, sobre espacos urbanos, procurando estabelecer, pelo viés de imagens fotograficas de Caxias-MA, algumas andlises que pudessem elucidar 0 assunto analisado, Dessa forma, foi possivel perceber, a partir do estudo, e considerando o que institui 0 poder governamental, que a cidade ¢ estruturada, tendo em vista uma ra- cionalidade urbanistica, cujo planejamento se pauta em normas institucio- nais. Entretanto, considerando o que preceitua Cert cau, entendeu-se que a cidade é um texto amplo € aberto em que cada sujeito constrdi percursos, se apropria dos espagos, traga retas e planos, deixando rastras como as letras impressas em uma folha de papel, “a cidade-conceito se degrada” (CERTEAU, 2008, p. 174). Importa dizer que as imagens utilizadas neste texto foram evidenciad: como forma de atestar o que foi aqui relatado, e que constituem ios de Caxias-MA. 0 fotdgrafo maranhense Singsio Santos registrou, entre Vitios aspectos, a dinamicidade dos caxienses de outrora, constituindo material que pode ser fartamente utilizado pelos histori ara retratar o cotidiano da cidade, Digitalizado com CamScanner © MARANHAO REVISITADO: histéria e literatura maranhenses : oor REFERENCIAS CERTEAU, Michel de, Caminhadas pela cidade. In: A invengiio do coti- diano: 1 — Artes de Fazer. Tradugao Ephraim F. Alves e Liicia Endlich Orth. Petropolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 169-191. CERTEAU, Michel de et al. Os fantasmas da cidade. In: A invencao do cotidiano: 2 — morar, cozinhar. Tradugao Ephraim F. Alves e Lucia Endlich Orth. Petropolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1996, p. 189-207. MAUAD, Ana Maria. Fotografia e historia: possibilidades de andlise. In: CIAVATTA, Maria; ALVES, Nilda (Orgs.). A leitura de imagens na pes- quisa social: histéria, comunicagao e educagao. 1. ed. Sao Paulo: Cortez, 2008, v. 1, p. 19-36. Digitalizado com CamScanner

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