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angela paiva dionisio

série
memórias
série memórias
angela paiva dionisio

Entre
gêneros
E textos
cenas de um agir docente

Pipa Comunicação
Recife, 2018
Copyright 2018 © Angela paiva dionisio e PIPA COMUNICAÇÃO.
Reservados todos os direitos desta edição. É proibida a reprodução total ou
parcial dos textos e projeto gráfico desta obra sem autorização expressa dos
autores, organizadores e editores.

CapA e Projeto Gráfico Karla Vidal


DIAGRAMAçÃO Augusto Noronha e Karla Vidal
Revisão Angela Paiva Dionisio e Anne Caroline Araújo de Lima
edição Pipa Comunicação - http://www.pipacomunica.com.br

Catalogação na publicação (CIP)


Ficha catalográfica produzida pelo editor executivo

D592

DIONISIO, A. P.
Entre gêneros e textos: cenas de um agir docente. Angela Paiva Dionisio. – Pipa
Comunicação, 2018.
140p. : Il., Fig., Quadros. (e-book)

1ª ed.
ISBN 978-85-66530-84-1

1. Educação. 2. Ensino Superior. 3. Memorial. 4. Vida Acadêmica.


5. Formação Universitária. 6. Formação Profissional.
I. Título.

370 CDD
37 CDU
c.pc:10/18ajns
Prefixo Editorial: 66530

Comissão Editorial

Editores Executivos
Augusto Noronha e Karla Vidal

Conselho Editorial
Alex Sandro Gomes
Angela Paiva Dionisio
Carmi Ferraz Santos
Cláudio Clécio Vidal Eufrausino
Cláudio Pedrosa
Clecio dos Santos Bunzen Júnior
José Ribamar Lopes Batista Júnior
Leila Ribeiro
Leonardo Pinheiro Mozdzenski
Pedro Francisco Guedes do Nascimento
Regina Lúcia Péret Dell’Isola
Rodrigo Albuquerque
Ubirajara de Lucena Pereira
Wagner Rodrigues Silva
Washington Ribeiro
Agradeço À Cândida,
minha irmã, pelo apoio ao longo destes anos. O
cenário e a camiseta falam por si!
prefácio
OUSADo PARA O MEMORIAL “O Estudo e ViDa”

por Regina L. Péret Dell´Isola


Da turma Zero para a Classe E
Tudo começa com a pergunta: Quem é Angela Paiva Dionisio? Há dois
caminhos para responder essa questão: SEGUNDO O LATTES... Angela Paiva
Dionisio é graduada em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (1986);
Mestre em Letras (1992) e doutora em Letras (1998) pela Universidade Federal
de Pernambuco, ambos com a orientação da Profa. Dra. Judith Hoffnagel;
pesquisadora com pós-doutorado pela Universidade da Califórnia em Santa
Barbara (USA), com a orientação do Prof. Dr. Charles Bazerman (julho 2003 a
junho 2004); professora de Língua Portuguesa e Linguística do Departamento
de Letras da Universidade Federal de Pernambuco; foi editora da revista "Ao
Pé da Letra" e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras da
UFPE, de março de 2006 a maio de 2010, além de coordenar o GT Linguística
de Texto e Análise da Conversação (ANPOLL 2004-2006; 2006-abril/2008).
Autora de várias publicações na área de Linguística, com ênfase em Análise
da Conversação, Linguística Textual e Gêneros Textuais, atua, principalmente,
no ensino de língua materna, no ensino e pesquisa sobre gêneros textuais,
instrução multimodal e formação do professor. SEGUNDO O MEMORIAL...
Angela é tudo isso, somado ao desafio da (re)descoberta de si mesma e da
exposição de si para seus pares acadêmicos...
E me pergunto: quem sou eu e qual o meu papel aqui? O que a vida nos
reservou em março de 2006? Estava este momento inscrito naquele dia
que conheci a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras da
UFPE, saindo de uma reunião em que acabara de redistribuir os orientandos
de Marcuschi e a caminho do hospital onde tinha seu pai internado? Duas
vidas... duas agendas: a acadêmica e a pessoal. Angela já se desdobrava, já
era plural e absolutamente transparente...

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Cabe a mim, delineando os passos da arguição – que passa a fazer parte
do gênero Banca de Avaliação de Memorial – convidá-la a reviver o passado:
vida pessoal, vida acadêmica e tantas experiências... Vamos começar pela
resistência natural de trazer o passado ao presente e relutar em escrever um
memorial. O que ficou lá atrás? E o que acompanhou sua trajetória? O que
veio à tona? O que foi definitivamente afogado? Por onde andou?
Você percorreu percursos incríveis:

• da foto oficial marcada pelo “evento” escolar, recordação dos


anos 1974, aos selfies que dispensam a pose oficial, tradu-
zidos pelas fotos de Safira, tão naturais que participam de
seus exemplos;

• da imagem das flores, recortadas da caixa de papel, às tecno-


logias e softwares de captura de imagens que ilustram suas
publicações digitais;

• da escola de datilografia (asdfg, asdfg, asdfg / çlkjh, çlkjh,


çlkjh) aos textos digitados de sua autoria cujo alcance é indis-
cutível – aliás, você dá a impressão que ignora a magnitude
de seu trabalho;

• do curso de magistério ao PIBID que forma tantos novos


profissionais com a qualidade e excelência dionisíacas (e a
conquista do reconhecimento nacional e internacional porque
você sabe que “o caminho se faz caminhando” e teve a ousadia
de trilhar veredas desafiadoras, sem medo de errar);

• do São João às quadrilhas acadêmicas com o sempre presente,


amigo, companheiro, parceiro, Marcuschi com quem aprendeu
dar o melhor de si – porque era impossível estar ao lado dele,
sem desejar se superar, sem desejar alcançar horizontes mais
inatingíveis...

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Não foram poucos os desafios até o ingresso como professora na UFPE.
E ser professor, para você, o que é? Vocação? Capacitação? Sina?
No texto do Memorial, você transcreve o juramento feito pelas formandas
da sua turma de Magistério:

“Com o pensamento na grandeza do Brasil e na felicidade das crianças, prometo diante


de Deus e dos homens, dignificar o Magistério, observando os Princípios de honesti-
dade, só praticar atos ditados pela consciência do meu dever e honrar os ensinamentos
que recebi”. (Professorandas 1980, Turma João Paulo II, Colégio Santa Rita, Areia).

E o que significa o juramento hoje?

No álbum de fotografia, há muitos ângulos de Angela, flashes de grandes


lições de frustrações, de decepção, de reconhecimentos, de decisões e de
alegria...Vamos colocar um zoom em alguns desses ângulos.

Angela, a professora
As imagens dizem muito... muito mais do que podemos supor. Retomemos
a história em quadrinhos produzida por uma turma de prática de ensino1.
Trata-se da abertura da segunda parte de seu memorial e ilustra a figura de
uma professora carismática (quem teria coragem de produzir um texto dessa
natureza se não respeitasse o seu professor e, ao mesmo tempo, tivesse a
certeza de que seria respeitada a sua liberdade de expressão?). Quem é essa
professora de quem não se esconde? Essa pessoa que desafia, enlouquece, é
amada e bem humorada? Angela, qual é a receita de um bom relacionamento
com os alunos?
As atividades de ensino na UFPE começaram na época em que você
cursava o mestrado em Letras/Linguística, como professora substituta. Essa
experiência foi favorável à escolha de seu tema de pesquisa?

1. Nota da autora: nesta versão do livro, não tivemos autorização para inserir a HQ.

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Angela, a atriz em cena
Entre as experiências instigantes oportunizadas pela docência na UFPE,
você cita a sua aventura na aprendizagem de novos gêneros – o caso do
roteiro para vídeos didáticos. Qual o alcance das vídeo aulas que você gravou?
Em sua opinião, quão eficiente é esse gênero? Você poderia falar um pouco
sobre isso? No memorial, você não aprofunda o aspecto da projeção desse
trabalho no meio acadêmico.

Angela, ao Pé da Letra
Como idealizadora da Revista Ao Pé da Letra e, após o seu reinado por
anos a fio como editora da revista, qual é o grande desafio para garantir a
permanência dessa publicação com a qualidade atual? Talvez essa pergunta
nem seja para você e, sim, para as atuais editoras. Eu gostaria de saber: o que
você aprendeu com o fim do imperialismo e abdicação do trono?

Angela, mais que pesquisadora


Em relação às séries, qual o futuro das séries produzidas? Da Série
Experimentando Teorias: Diversidade de Linguagens no Ensino Médio, Série
Verbetes Enciclopédicos: Diversidade de Linguagens no Ensino Médio e Série
Cadernos de Sugestões Didáticas e outras?

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Angela, engajada com o docente na sala de
aula
Você cita, mais de uma vez, Magda Soares. Qual a influência dessa pesqui-
sadora no seu fazer acadêmico? Para a autora, “o espaço de pesquisa como
uma forma de compreender para agir”. A partir dessa citação, você desvenda
o que te impedia de assumir: “Não acho que publicar artigo científico seja
suficiente, quando se é da área da educação, sobretudo em um país em que o
ensino público ainda é tão deficiente.”
E continua “Eu precisei optar entre o querer e o estar sempre a fim;eu
estava a fim do fazer “O Pibid”; não mais as exigências dos programas de
pós-graduação, os quais já não eram o quer que havia em mim. Sem crítica ou
demérito.” Reconhecendo-se heroína, com 24 orientações e 3 co-orientações
de mestrado, 8 orientações e 3 co-orientações de doutorado e 3 supervisões
de pós-doutoramento, entre o período de 2002 a 2015, você desistiu da pós-
graduação? Quer falar um pouco sobre isso?

Angela, fazendo gêneros...


Ao longo do seu memorial, você demonstra o quanto contribuiu para abrir
o espaço que os gêneros textuais passassem a ocupar progressivamente no
ensino de língua portuguesa. Não foram poucas as suas publicações na área.
E você não se dá conta disso? Por que não assumiu sua grande contribuição
para a inserção dos gêneros textuais no ensino?
Sua experiência acumulada ao longo dos anos, como professora, pesqui-
sadora e autora favoreceu enormemente a área da Linguística do Texto no
Brasil. Seus livros são fortes referências teóricas. Por que não falou mais
sobre eles e o que representam para tantos leitores?  

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Além de se apropriar de conhecimentos adquiridos ao longo de seu
percurso acadêmico e de transferir experiências em seus estudos e na  sua
prática docente, em que medida você se depara com a necessidade de cons-
truir novos conhecimentos e novas posturas para as próximas gerações?  
 
Tudo termina com a pergunta:

Quem é Angela Paiva Dionisio?


Para encerrar, devo dizer que você bem ilustra, nas páginas iniciais do
Memorial, o seu encontro consigo mesma, na imagem em que você se vê na
fotografia antiga.
E tomo a liberdade de retextualizar o poema Retrato de Cecília Meirelles,
publicado na Antologia Poética, pela editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro
em 2001.

Retrato

Angela não tinha este rosto de hoje,


assim calmo, assim sério, assim...
nem estes olhos ...

Angela não tinha estas mãos


...
Angela não tinha este coração

Angela não deu por esta mudança,


tão simples, tão certa, tão fácil...

Angela não se pergunta: em que espelho ficou perdida a minha face?


Angela sabe que sua face é o espelho de muitas faces de alunos
que tiveram o privilégio de serem formados por ela.

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Foi nesse nicho, na formação de docentes que, sem dúvida, Angela,
você parece ter se encontrado e se realizado plenamente como profissional.
Obrigada pela oportunidade e confiança em permitir que eu compartilhasse
com você a minha leitura de seu memorial.

15
Em memória,
para você, Bibiana!
Sumário

19 Delineando os passos do Memorial



21 Antes de chegar à Universidade Federal de Pernambuco…
por onde andei?

37 UFPE: Professora? Diga.



57 UFPE: Idealizadora de Revista Ao Pé da Letra

63 UFPE: Coordenação do Programa de Pós-Graduação
em Letras

71 UFPE: Pesquisadora? Sim!



101 UFPE: Idealizadora do PIBID Letras Português

119 A partir da UFPE: os diálogos editoriais

133 Encerrando o Memorial, mas continuando o Estudo
e a Vida
Delineando
os passos do Memorial

“And all the light will be, will be


And all the future, profecy”
(Roma Raya / Enya – The Humming)

Escrever um memorial? Solicitar promoção para classe E? Foram dúvidas e incertezas


que me acompanharam por muitos meses. Escrever um memorial me parecia semelhante
à resistência que sempre tive em escrever diários, pois se não é para contar, não se escreve.
Eu precisava dizer o que sobre mim? O Lattes não faz isto? Precisaria ainda eu falar de
mim, de minha vida acadêmica? Soava-me extremamente chato e desinteressante. Até
que decidi fazer! E comecei a reviver não apenas a minha vida acadêmica, mas as minhas
experiências escolares. Voltei quase que terapeuticamente até a turma do Zero! Percebi,
então, que poderia não ser tão chato assim, pois a minha vida não é chata! Precisei perceber
um detalhe fundamental: o Lattes não mostra A Vida; apenas mostra o que se Estudou. Por
isso, resolvi tomar emprestado de Emmanuel e André Luiz, o título Estude e Viva, obra
psicografada por Chico Xavier e Waldo Vieira, em 1965, quando eu ainda nem ia para a
escola, e nomear o memorial de “Estude e Viva”: memorial Angela Paiva Dionisio.
Os passos seguintes foram delinear o que entraria e como entraria na organização do
texto. Antes, porém, mais uma dúvida e agora se referia à natureza do gênero memorial.
A cada conversa, a cada busca de informação, mais confusa ficava, pois não há consenso.
Parece que o memorial ainda não é um gênero tipificado, nos termos de Bazerman1, talvez
por ainda não consistir uma ação retórica recorrente em nossa prática universitária, como
diria Carolyn Miller2. Talvez estejamos vivenciando no âmbito acadêmico, específico para
promoção para titular em nossa área, na UFPE, um momento híbrido do memorial, ou seja,
“combinação transitória de formas baseadas numa situação não recorrente (ou ainda não

1. Bazerman, Charles. Tipificação, Gêneros Textuais, Tipificação e Interação. São Paulo, Cortez, 2005.

2. Miller, Carolyn. Gênero Textual, Agência e Tecnologia. São Paulo, Parábola, 2011.

19
recorrente)”, conforme destaca Miller (2011, p. 40). Assim, amparada por esta reflexão
e pela definição de que o híbrido seria uma “adaptação de um gênero às necessidades
idiossincráticas de uma situação, instituição ou retor particulares” (MILLER, 2011, p. 40),
optei por escrever o meu memorial num estilo narrativo em que há espaços para confis-
sões, reflexões teóricas breves, demonstrações de produções acadêmicas modelo Lattes.
Quanto aos recursos textuais, me permiti ser livre, respeitando à formalidade acadê-
mica, mas sem a rigidez de ensaio, a objetividade de artigo científico nem a cronologia e
sistematização de um relatório. Busquei interagir com os meus leitores, originalmente,
os membros da banca, trazendo links, no corpo do texto, para os textos originais, quando
possível.3 Abusei das fotografias, já vou avisando! E por quê? Porque elas deixam transpa-
recer as emoções, elas registram momentos únicos. No memorial, versão entregue para
avaliação não foram coloridas. E por quê? Para que todas fossem lidas igualmente. Ou
seja, algumas eram em preto e banco originalmente; outras eram coloridas, mas de uma
qualidade muito sofrível, dado à época; então, decidi que todas se manteriam neutras e
seriam coloridas pela imaginação dos leitores. 4
Traço o percurso realizado antes de chegar à UFPE, depois subdivido as atividades
aqui em blocos que abrangem as atividades docentes, atividades de gestão, como coor-
denadora do Programa de Pós-Graduação em Letras, atividades de pesquisa e as ações
de iniciativas mais individuais como a criação da Revista Ao Pé da Letra, a implantação
do PIBID Letras Português e a criação do NIG (Núcleo de Investigação de Estudos Sobre
Gêneros Textuais). Bem, o que dizer mais? Confirmei que minha vida acadêmica não foi,
nem é realmente chata. Foi muito bom deixar isto escrito neste memorial. Tão bom que
decidi compartilhar com todos que gostam de ensinar e acreditam na sua ação docente.
Quem sabe agora passo a escrever diários?

3. Para a banca, eu entreguei o conjunto de textos, indicados nos links, em um pendrive o qual dei o título de “Estude, Veja,
Ouça e Viva: memorial Angela Paiva Dionisio”. As versões do livro, digital e impressa, sofreram alterações em Função
da potencialidade e de limitações de cada meio. Como estudiosa de gênero e de escrita me vi inserida numa situação
de produção textual em que manipulava estratégias textuais associadas a recursos tecnológicos distintos, gerando três
versões do memorial, originalmente apresentado para promoção para classe E - Titular, em setembro de 2016, na UFPE.

4. Aviso importante: fiz algumas inserções no texto que apresento aqui. Por isso, sinalizarei cada vez que aparecer no texto
alguma nova inserção para me manter o máximo possível fiel à versão original da escrita do memorial.

20
Antes de chegar
à Universidade Federal de Pernambuco…
por onde andei?

Lembrança

Outros olhos que a gente tem que,


ao invés de enxergarem o que está ali na frente,
conseguem enxergar o que já ficou lá para trás.

(Adriana Falcão, Pequeno dicionário de palavras ao vento.


São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2003. p.80)

Eu comecei a vida escolar em uma turma do “Zero”. Era assim chamada a alfabetização
na Escola Nossa Senhora de Lourdes, município do Ingá, na Paraíba, cuja professora era
Dona Tentém! Era o “Zero” porque depois, se passássemos, íamos para o primeiro ano!
Simples assim! Lembro-me que era uma mesa grande, ao redor da qual sentávamos numa
sala separada “dos mais velhos”! Nossas aulas terminavam mais cedo, lanchávamos mais
cedo. Não havia recreio, pois não havia espaço físico na escola (e a gente nem reclamava!).
A partir do primeiro ano do ensino fundamental, ou da primeira série, passávamos
todos a ser alunos de Dona Lourdes, irmã mais nova de Dona Tentém, e diretora da escola.
Eram duas salas na casa onde elas moravam. Nessas salas, sem divisão de parede, funcio-
navam as turmas da primeira à quarta série ao mesmo tempo. As classes eram formadas
por alunos organizados em filas, a depender do número de alunos, em ordem crescente
da primeira à quarta série, da esquerda à direita, tomando como referência a posição da
professora, frente às turmas. Dona Lourdes dava aula, escrevia no quadro de giz, “passava
tarefa” para todas as séries, andando de um lado para outro, mantinha a disciplina e,
quando necessário, recorria ao auxílio de uma régua de madeira bem consistente. Nunca
precisei provar de tal régua.

21
Lembro-me da ansiedade que era para mim o
início dos anos letivos. Comprar os materiais escolares,
cadernos, caixinhas de lápis de cor, livros novos... e
encapar os cadernos? Era um momento de felicidade
ímpar! Quando mais velhinha, comecei a decorar as
capas colando figurinhas. Lembro bem do tempo dedi-
cado nas férias ao recorte de imagens para ilustrar essas
capas. A memória das caixas dos sabonetes Alma de
Flores continua presente! E que trabalho era recortar
apenas o arranjo de flores! Já estaria me aquecendo para
a confecção de materiais didáticos no curso magistério
e depois no exercício do magistério?

Esta nota é a primeira inserção pós defesa que


faço. Faço especialmente para registrar ações de
amizade! Ou melhor, registrar o que estou chamando
de sensibilidade de uma amizade. No dia da defesa
do Memorial, ao chegar em casa, encontrei esta
latinha de gentileza, não apenas cheia de sabo-
netes Alma de Flores, mas cheia de sensibilidade. A
leitura prévia do texto deste memorial lhe permitiu
perceber a importância por trás do ato de recortar
caixas vazias de sabonete para enfeitar cadernos,
construindo a minha história de vida. Atualizar
esta memória é atualizar a minha história, mas é,
acima de tudo, continuar construindo a amizade,
pois amizade se constrói a cada ato de carinho, e
de puxão de orelha, quando necessário. Amizades
são almas que se (re)encontram. Posso dizer que,
mesmo no meio acadêmico, é possível construir
amigos verdadeiros. Eu agradeço à academia a
construção de algumas amizades!

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Não lembro os títulos dos livros didáticos, mas sei que tinha um livro novo de língua
portuguesa todo ano e que neles havia o item estudo do vocabulário. Este, sim, me dava
medo! Precisávamos saber de cabeça as definições e os termos apresentados para cada
verbete (sinônimos ou antônimos)! Eram tomadas a lição do vocabulário e a lição de
tabuada! Uma régua menor servia para nos lembrar de que não tínhamos estudado direito
ou não tínhamos guardado tudo na cabeça! Dessa régua, eu provei, algumas vezes… mas
eu simplesmente já adorava aquele ambiente de sala de aula, aquele movimento de escola.
Sei que é uma cena clichê, mas é uma lembrança verdadeira. Não devo escondê-la aqui
neste memorial, não é?

Um parêntese para destacar o vocabulário! Não sabia que ele voltaria com tanta força
na minha vida acadêmica, na minha docência… mas serão cenas dos capítulos da
vida na UFPE.

Além das tomadas de lição do vocabulário e de tabuada, os exercícios de caligrafia


fazem parte das minhas lembranças na escola de Dona Lourdes. Mas foi ao cursar Letras,
na UFPB, campus II, atual UFCG, ao ler Lygia Bojunga Nunes5, que encontrei a descrição
mais precisa dos momentos por mim vivenciados, os quais até então, eu não sabia traduzir
em palavras e nem tinha atentado para o fato de ter sido uma artesã da escrita! Lygia diz
que gostou logo de cara do caderno de caligrafia, pois “pra começar, ele era um caderno
deitado”. A autora continua sua descrição:

“O lápis nunca era sozinho: era ele, a borracha, e o


apontador; e eu fazia uso intensivo dos três, o apon-
tador a toda hora afinando a ponta do lápis pra letra
sair caprichada, a borracha volta e meia apagando
um l que batia a cabeça numa linha, um a que botava
a perna numa outra, um b que saía barrigudo demais.
E ficar desenhando e apagando letra, escrevendo e
reescrevendo palavra, era bom. (1990, p.35)

5. NUNES, Lygia Bojunga. Livro: um encontro com Lygia Bojunga Nunes. Rio de Janeiro: Agir, 1990. pp. 35-36.

23
Na minha variação linguística, não era apontador, era lapiseira… Bem, mas para Lygia,
um dia, não “pediram mais exercícios de caligrafia” e assim “a lembrança do (...) tempo de
artesã da escrita dormiu fundo dentro (dela).” (p. 36). Já para mim, Angela, anos depois, a
caligrafia voltou. Não mais em um caderno, mas em folhas de papel madeira/kraft. Eram
as aulas de Educação Artística do Magistério, com Irmã Francisca, em 1978, no Colégio
Santa Rita, município de Areia, Paraíba! Tínhamos que escrever textos nestas folhas.
Antes, porém, traçávamos milimetricamente as linhas para, depois, com pincel atômico,
escrevermos o texto! Não havia borracha que apagasse nossos erros, a saída era sempre
refazer. Treinávamos até escrever sem linhas! E eu me tornei boa nisso! Ah! Régua, agora,
era apenas para traçar as linhas, pois o desafio era escrever naquelas folhas enormes;
tornava-se quase a produção de uma obra de arte didática!
Voltando à escola de Dona Lourdes no Ingá, terminar a quarta série e passar para
o “ginásio”, que já se chamava 5° ano, era o desejo de todos: significava deixar de ser
criança! Significava poder usar caderno de arame, isto é, caderno com espiral, lápis tinta
(caneta) e fazer a foto recordação escolar que simbolizava quase um diploma! Daqui a
pouco falo dela...

E o que dizer dos desfiles de 7 de setembro!


Ah, eu adorava, não tinha a menor consciência
do sistema militar que imperava no país,
não se falava em golpe militar, em ditadura,
na minha casa nem na escola. Nesta época
sabia apenas que alguns comunistas tinham
sido presos um dia. Dizia-se apenas que ser
comunista não era bom, mas não se podia
questionar. Era a época do você ainda é muito
criança para certas coisas. O desfile era para
mim um evento, um movimento, uma festa
pelo meu país e eu queria fazer parte e fazer
bonito! Como diz Gonzaguinha era “a pureza
da resposta das crianças”. Puxar o pelotão, em
1971, na Escola Nossa Senhora de Lourdes,
foi uma honra!

24
Quando passei para a segunda fase
do ensino fundamental, já no Centro de
Treinamento de Professores, em Alagoa
Grande, também na Paraíba, comecei
a fazer parte da banda marcial. Aí não
saí mais, continuei tocando e desfilando
até o fim do magistério. Toquei tarola,
bombo e pratos orquestrais.

Agora, deixe-me voltar para a foto de Recordação Escolar. “A ida do fotógrafo até a
escola era um evento. Cada classe seria dispensada pelo tempo necessário. (…) O aluno
sentado na mesa, com um mapa atrás e um globo terrestre ao lado. Caneta na mão, caderno
aberto” lembra Walcyr Carrasco (2006, p.87).6

“Reis e presidentes têm sua foto oficial. São uns retratos sérios, em que a personalidade
parece estar com uma batata na boca. Ou então com um sorriso muito desenxabido.
(…) Tirei minha foto oficial no quarto ano escolar. Foi muito importante quando criança.
(…) Uma semana depois, as fotos foram para a secretaria, meu pai achou o preço caro.
− É demais!
Mamãe hesitou. Eu me lamentei. À noite, ouvi os dois conversando na cama.
Morávamos em uma casa pequena. Costumava perceber suas vozes, mas nunca sabia
do que falavam, antes de dormir. Percebi que ela argumentava com a frase.
− É uma vez só!
No dia outro, me entregou o dinheiro. (…) Cheguei em casa aos pulos.
− Mamãe, vai botar na parede?
Ela observou as paredes vazias, sem um enfeite.

6. CARRASCO, Walcyr. A foto oficial. ZIBERMAN, Regina (org.). Este seu olhar. São Paulo, Moderna, 2006.

25
− Por enquanto não. Vamos mudar no fim do ano. Depois eu coloco. (...)
Guardou a foto em grande caixa, com outras que não couberam no álbum. (…) Entrei na
faculdade. O tempo passou. Meus pais se aposentaram. (…) Falamos coisas terríveis,
nós três. Foram embora um dia antes. Alguns meses depois voltamos a nosfalar. O fim
do ano se aproximou, e com ele um novo aniversário. Mamãe pediu para passar pelo
meu apartamento de tarde, ao chegar de viagem. (…)
− Não vai me esperar? − surpreendi-me.
Explicou que seria impossível, por causa dos compromissos de meu irmão. (…) O
apartamento estava escuro. Ela já partira. (…) Entrei no quarto, para pegar uma toalha
de banho. Acendi a luz.
Pendurada na parede, acima de minha escrivaninha, estava a foto. Minha foto oficial
do quarto ano. (…) Fora sua forma de reatar os laços que estavam esgarçados. (...)
Finalmente, a foto oficial estava pendurada na parede.

A minha foto oficial ficou 42 anos passando de caixa em caixa e agora ela ganha um
espaço oficial: este memorial.

26
Ilustrou temporariamente a timeline do Facebook, mas merece destaque pelo caráter
histórico que desejo atribuir a este gênero. É um gênero textual não mais recorrente
em nossos dias, com os recursos semióticos (bandeira nacional, globo, brasão nacional)
destacados na década de setenta. Não lembro de ter visto entre as fotos dos amigos da
época, ou mais recentemente, ao rever estas fotos, nenhuma com as informações direção,
cidade, estado preenchidas. Não há hoje a necessidade de reservar um dia para fazer a
foto, nem mais um profissional para fazê-la: os próprios alunos fazem suas selfies. A foto
oficial era geralmente individual (talvez para ter mais lucro? Talvez pela necessidade de
indicar a série? Talvez mais precisamente para reforçar o individualismo?), já hoje as
selfies podem ser coletivas, podem ser refeitas, apagadas, deletadas. A noção de recor-
dação escolar não requer a seriedade e dureza das antigas fotos oficiais. Mas apesar da
minha cara de batata na boca, estou bem tentada a colocar na moldura e dependurá-la
na parede. Se essa ideia se apossar de mim até o final da escrita deste memorial, será a
foto de fechamento.
Ah! Tenho outra foto oficial, acredito que extinta, é a do diploma de datilografia, que
nos conferia habilidade para exercer funções inerentes à profissão. A escola de datilografia
contava com registro e tudo mais. Constato, neste momento, que, antes de ser professora,
fui formada em datilografia pela Escola Datilografia Menino Jesus de Praga! Ainda existe
escola de datilografia?

27
A certeza absoluta de que ser professora era a minha escolha profissional se consolidou
com o contato com as disciplinas específicas do magistério (Fundamentos da Educação,
Didática e Prática de Ensino, Jogos de Recreação etc.). Não havia uma consciência ideológica,
como a de Malala Yousafzai, ao conclamar os líderes mundiais para “promover educação
gratuita para todas as crianças do mundo”. Mas se consolidou em mim, durante o magis-
tério, a certeza de que “uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar
o mundo.”7 Pelo menos, o mundo daquela criança que eu tinha em sala de aula. Produzir
materiais didáticos, participar das atividades, me tornar membro ativo do espaço escolar
era o que eu desejava. Realizei meu estágio docente sobre O despertar do turismo, os temas
eram dados pela professora de estágio, no Grupo Escolar Apollônio Zenaide, em Alagoa
Grande, em 1980. Eu era Professora! Lembro-me até hoje de uma das frases do discurso na
cerimônia de colação de grau: “As grandes conquistas se fazem com as pequenas vitórias.”.
Se ouvi ou li esta frase em algum lugar não sei, mas estava no meu discurso e ainda me
lembro. Não o tenho mais...

Juramento:

“Com o pensamento na grandeza do Brasil e


na felicidade das crianças, prometo diante de
Deus e dos homens, dignificar o Magistério,
observando os Princípios de honestidade, só
praticar atos ditados pela consciência do meu
dever e honrar os ensinamentos que recebi.”
(Professorandas 1980, Turma João Paulo II,
Colégio Santa Rita, Areia)

1982: Fazer Letras: contrariando expectativas,


inclusive as minhas, mas me preparando para a UFPE

7. Malala Yousafzai, Eu sou Malala. São Paulo, Companhia das Letras, 2013. p. 324.

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Fazer Letras: contrariando expectativas,
inclusive as minhas
Parece contraditório com tudo que venho narrando até agora, mas ao término do
magistério, não fiz vestibular para licenciatura, embora quisesse estar na sala de aula.
Ser professora de língua portuguesa não foi a minha primeira escolha. Primeiramente,
no primeiro ano do magistério, uma professora disse que eu era péssima em Português
e jamais seria uma boa professora! (Errei numa chamada oral, feita de surpresa, muitas
das respostas sobre classificação de orações subordinadas, acho que era este o assunto.
E eu tinha um medo danado dessa professora!). Outra razão, esta sim, bem relevante foi
o fato de, no último ano do magistério, termos tido noções de psicologia infantil e feito
acompanhamento de crianças, com relatório e tudo mais. Adorei! Fiquei achando que
seria Psicologia o curso a ser seguido. Vestibular para Psicologia. Reprovação. Choro,
decepção, frustração. Poucos anos depois, dei graças a Deus pela reprovação, eu seria
péssima psicóloga e, certamente, tentaria outro caminho.

Neste mesmo ano, 1981, comecei


a dar aulas no Centro de Treinamento
de Professores, em Alagoa Grande, onde
havia cursado a segunda fase do ensino
fundamental. Comecei com uma turma
de 3ª série! Para não “ficar parada”, pois
ensinar não ocupava todo meu tempo,
iniciei um curso de inglês no CCAA, em
Campina Grande, aguardando o segundo
semestre para fazer cursinho. Gostei!
Pronto, estava decidido, iria fazer Letras,
por causa do inglês! Fiz vestibular em
duas universidades e passei!

1981: minha primeira turma como professora


de fato e de direito – Magistério Concluído!

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Quando a inocência protege os inocentes... esta nota é para dar um depoimento que usei na
apresentação oral. Nesta época, os planejamentos comumente abordavam datas comemo-
rativas de festas religiosas, cívicas etc. A celebração da Semana da Pátria, então, era certa!
Houve um ano em que foi proposta a realização de uma gincana entre os turnos da manhã
e da tarde. Com a anuência dos pais, montei com a minha turma, terceiro ano primário, à
época, a encenação do Grito da Independência. Escondido da direção e de todos, às quatro
horas da manhã, os pais trouxeram para o Centro de Treinamento, cerca de oito cavalos que
seriam montados pelos meninos! Olhem o tamanho das crianças! Eu não levei em conta o fato
de haver caixas de som e que os meninos falariam no microfone montados nos cavalos, os
quais poderiam se assustar... e toda a escola (crianças, professores e pais) estava ao redor
destes cavalos... se estes cavalos tivessem se assustado poderia ter havido um acidente
sério! Somente muitos anos depois, eu atentei para a minha imprudência... e mais: os cavalos
estavam escondidos bem atrás da escola e apenas no momento do cumprimento da tarefa foi
que eles surgiram no meio do povo, já montados pelos meus inocentes e corajosos alunos...
Bem, ao final, os cavalos se comportaram muito bem, não reagiram ao barulho. A surpresa foi
total pela beleza e ousadia com que cumprimos a tarefa. A direção quase morreu de susto.
Ganhamos a gincana!!! Lembro que na época fazia muito sucesso a música Por debaixo dos
panos, na voz de Nei Matogrosso, e era o nosso tema pois ninguém havia descoberto a nossa
grande arma para vencer o jogo, apesar da quantidade de cavalos e das roupas de época
dos meninos: “o que a gente faz, é por debaixo dos panos, pra ninguém saber...”. Hoje, quando
lembro, agradeço a Deus ter protegido os inocentes... nunca mais saí com crianças da escola!!!!!

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Voltando à história dos vestibulares, lavei a alma, paguei o débito comigo mesma
pela reprovação do ano anterior. Uma das IES foi a UFPB, campus II, em Campina Grande,
como já disse, anteriormente, atual UFCG. Para poder me dedicar ao trabalho no Centro
de Treinamento, tranquei o primeiro semestre na UFCG e cursei na outra, já que era
à noite (A UFCG era manhã e tarde e eu tinha sido chamada para ensinar no “Centro
de Treinamento de Professores de Alagoa Grande”!!! Escola de referência mesmo! Não
queria deixar esta oportunidade passar!! O curso da UFCG era diurno.). Mas... por não
achar que estava sendo muito produtivo o curso em que me encontrava, no segundo
semestre, decidi ir para a UFCG. Decisão mais acertada na minha vida! Comecei com
foco nas disciplinas de língua inglesa. Mas no meio do caminho tinha linguística, disci-
plina completamente nova para mim; tinha também PLPT8 1 e PLPT 2, pré-requisitos
para Monografia, o terror de todos nós! Essas disciplinas exigiam reescritas de textos,
tratavam de tipologia textual etc.; nelas líamos, entre outros, autores que estavam lançando
livros que revolucionavam o ensino de língua materna: Mary Kato, Angela Kleiman, João
Wanderley Geraldi, Ingedore Koch, Luiz Antônio Marcuschi. Em meados dos anos 80,
o tema da minha monografia foi a coesão textual em narrativas produzidas por alunos
de 6º ano, sob a supervisão de Inês Signorini.Detalhe: na UFCG, a monografia não era
disciplina de final de curso, era disciplina regular.

Um parêntese para relatar o primeiro encontro com Marcuschi: Marcuschi foi a Campina
Grande fazer uma palestra! E eu fui uma das alunas a recepcioná-lo na rodoviária.
Era época de São João e Campina Grande recebe seus visitantes em clima de forró
com uma pequena quadrilha a cada ônibus interestadual. Marcuschi vestia uma
camisa de xadrez, foi logo fazendo uma piada: vão pensar que vim para a quadrilha!
Esta foi a minha primeira impressão de Marcuschi. Não sabia eu que o futuro me
reservava tantas outras conversas e tantas outras risadas! Tantas outras quadrilhas
acadêmicas! Marcuschi havia lançado “Análise da Conversação”. Já era 1987.

8. PLPT: Prática de Leitura e Produção de Textos

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Em 1986, eu concluía a Licenciatura em Língua Inglesa e continuava a de Língua
Portuguesa porque era isto que eu queria: estudar linguística com o olhar voltado para
o ensino de língua materna! Recorro a Magda Soares, numa entrevista em 2015, para
traduzir o que me fez mudar definitivamente para o lugar certo: “buscar as respostas para
os problemas que o mundo está colocando”9 no âmbito da linguagem! Integrava, fascinada,
o projeto Produção oral e escrita no 1° grau (POE/PG), o que me possibilitou a primeira
apresentação em evento acadêmico, que foi no I Simpósio Nacional de Leitura e Produção
de Textos, realizado pela UFAL, no período de 5 a 8 de maio de 1987, intitulado Estágio de
dois anos integrado ao ensino de 1° grau, em parceria com Ana Coeli Silva. O nosso texto
foi publicado na Revista Leitura, do CHLA – UFAL, janeiro-julho, de 1988. Inicia-se, assim,
minha produção acadêmica.

9. http://cnpq.br/noticiasviews/-/journal_content/56_INSTANCE_a6MO/10157/2572422

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33
Voltando o olhar para este artigo, vejo nele a base da minha formação teórica, pois os
temas abordados em (DIONISIO & SILVA, 1989, p. 107), tipologia discursiva, convenções
do texto escrito (sinalização gráfica e formatação), por exemplo, seguiram fortemente em
minhas pesquisas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Retomarei no capítulo UFPE:
Pesquisadora? Sim! com mais detalhes, mas farei, a seguir, uma breve demonstração de
como estas pesquisas caminharam, através de gráficos utilizados no momento da minha
apresentação oral:

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Em março de 1987, comecei a participar do Curso de
Especialização em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua
Portuguesa, pois tinha o pré-requisito que era a Licenciatura
Plena em Letras (Opção: língua inglesa). Acredito que deste
lugar nunca mais saí. Em 1988, concluí Licenciatura Plena
em Letras (Opção: vernáculo)e, em 1989, estava aprovada
para cursar o Mestrado em Letras (Opção: linguística) no
Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE. Ah! Esqueci
de dizer que pedi transferência para Campina Grande, pois
ficou impossível conciliar as disciplinas do curso de Letras,
em Campina Grande, e o trabalho, em Alagoa Grande, viajando
todos os dias.
Ensinava agora no ensino médio noturno, na Escola
Estadual de 2° Grau Dr. Hortêncio de Souza Ribeiro. Em parceria
com a professora Emília Ferreira, implantamos o projeto
“Integração leitura/produção/análise linguística no 2° Grau”, no
primeiro semestre de 1986, nas turmas do primeiro ano. Em
1988, Emília e eu estávamos com as turmas do segundo ano e
contávamos com o envolvimento das colegas professoras que
lecionavam nas turmas do primeiro ano. Estávamos compro-
metidas não apenas com a preparação das nossas aulas, mas
com a orientação dos planejamentos das aulas da equipe do
primeiro ano. Estava eu já envolvida com a formação docente!

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UFPE
Professora? Diga.

Alunos da disciplina Prática de Ensino

As minhas atividades de ensino na UFPE começaram na época em que cursava o


mestrado em Letras/Linguística, como Bolsista de Ensino, nome dado à época, na disciplina
de Português, do Centro de Artes e Comunicação, em 1992.1. Em 30 de outubro de 1995,
assumi como professora efetiva da UFPE. Além de professora da graduação, fui professora
do Programa de Pós-Graduação em Letras, e do Programa de Mestrado Institucional da UFPE.
Nestes 21 anos, ministrei, na graduação, diversas disciplinas, como: Língua Portuguesa III,
Língua Portuguesa IV, Português II, Morfossintaxe I, Português 5 – Letramento em Língua
Portuguesa, Monografia 5, Análise da Conversação, Sociolinguística.
Como professora dos Programas de Pós-Graduação, atuei no Programa de Pós-Graduação
em Letras e no Mestrado Institucional da UFPE (PROFLetras-UFPE). Nestes programas,
ministrei disciplinas voltadas para estudos do texto e dos gêneros textuais, como por
exemplo, Gêneros Discursivos/Textuais, Linguística de Texto, Análise de Gênero Textual,
Tópicos Avançados em Linguística de Texto, Fala e Escrita, Tópicos Especiais: Perspectivas
em Multimodalidade. Em decorrência, as orientações de teses e dissertações ocorreram
com temas relacionados ao campo temático destas disciplinas, tais como investigações de
charges animadas, infográficos, cartilhas jurídicas, anotações, representações multimodais

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em capas de revista, sequência injuntiva, cartas de tarô, pareceres pedagógicos, videoclipes,
livro didático interativo etc. Dentre as orientações, três foram premiadas como melhor
tese/dissertação do PG Letras. Atualmente, estes livros estão fora de circulação por terem
esgotados em sua primeira edição:

• 2008: Co-orientadora da Melhor Tese de Doutorado


Ciência em Quadrinhos: recurso didático em cartilhas educativas
Márcia Mendonça
Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE

• 2007: Orientadora da Melhor Dissertação de Mestrado


A Cartilha Jurídica: aspectos sócio-históricos, discursivos e
multimodais
Leonardo Pinheiro Mozdzenski
Pós-Graduação em Letras da UFPE

• 2006: Orientadora da Melhor Dissertação de Mestrado


Seminário: um evento de letramento escolar
Ana Regina Ferraz Vieira
Pós-Graduação em Letras da UFPE

Em Morfossintaxe I (também denominada Língua Portuguesa IV, Português II ao longo


dos anos) fiquei de 1995 a 2012, ou seja, por 17 anos, por isso, vou dedicar a ela um espaço
especial.
Era quase um padrão, iniciar as aulas com a discussão de alguns conceitos de morfo-
logia, fazendo uma reflexão sobre as teorias linguísticas e a língua portuguesa. Nida,
Huddleston, Matthews, Edward Lopes, Leonor Cabral, Mattoso Câmara, Evanildo Bechara,
Maria Helena Moura Neves, Ieda Maria Alves, Luiz Carlos de Assis Rocha, Margarida Basílio
eram alguns dos autores com quem dialogávamos nesses semestres. Alternavam-se esses
autores, algumas vezes, à medida que surgia um lançamento novo, por exemplo.

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Durante os vários semestres em que ministrava a disciplina, novos experimentos
linguísticos iam sendo feitos com as turmas, mais motivador se tornava ensinar morfologia.
Relato, a seguir, alguns casos:
1. A realização de círculos de leitura de livros com obras de Ziraldo, Ruth Rocha, Ana
Maria Machado, Monteiro Lobato, Marcos Bagno, Sirio Possenti, por exemplo, foi um bom
desafio. No início, alunos estranhavam o porquê estavam lendo (ou relendo, pois tinham
lido alguns deles na infância), Palavras, palavrinhas & palavrões, Marcelo, Martelo, Marmelo,
Uma história sem 1 sentido, Emília no país da Gramática ou ainda os quatro títulos da coleção
de Ziraldo (Rolim, Pelegrino & Petrônio, Os dez amigos, O joelho juvenal). Por outro lado, A
língua de Eulália, de Marcos Bagno e A cor da língua e outras Croniquinhas de linguística,
de Sírio Possenti, eram devorados sem reclamação. No entanto, quando começávamos a
fazer as correlações com os temas do campo da morfologia, como, por exemplo, as regras
de formação de palavras utilizadas por Marcelo (sentador, cabeceiro) ou a percepção de
recursos semântico-estilísticos na construção de bat-cozinha, zip-zap-urgência, tost-quei-
mado, argh-veneno mortal, em Uma história sem 1 sentido, os entraves se transformavam
em “open-portas libertadoras” para as investigações linguísticas.
Estas experiências oportunizaram a elaboração de alguns trechos de capítulos do
livro Linguística II10, dentre os quais, destaco Morfologia: campos de ação e conceitos
básicos; Morfologia: formação de palavra; Sintaxe: constituintes e estruturação da oração;
Semântica: relações semânticas entre as palavras; Pragmática: a dêixis e a anáfora. Além
de capítulos de livro, também constituíram roteiros das vídeoaulas 1, 2 e 4. Falarei sobre
a elaboração destes roteiros mais na frente. Transcrevo, aqui, apenas as páginas 7 e 8
que se referem ao início do capítulo 1 – Morfologia: campos de ação e conceitos básicos. O
primeiro capítulo do livro Linguítica II, em pdf, pode ser acessado no link: https://goo.gl/
PwmkFD. Embora os temas dos roteiros e dos capítulos sejam os mesmos, os conteúdos
são abordados diferentemente:

10. Dionisio, Angela Paiva. Linguística II. Curitiba: IESDE Brasil S.A. 2008.

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1. Morfologia: campos de ação e conceitos básicos
2. Morfologia: formação de palavras
3. Sintaxe: constituintes e estruturação da oração
4. Sintaxe: participação, processos e usos
5. Semântica: relações semânticas entre as palavras
6. Pragmática: a dêixis e a anáfora
7. Pragmática: atos de fala, implicatura e máximas conversacionais
8. Linguística do texto: campo de atuação e conceitos básicos
9. Intertextualidade: conceitos e tipos
10. Psicolinguística: campo de atuação e conceitos básicos
11. Sociolinguística: campo de atuação e conceitos básicos
12. Variedades linguísticas.

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Um parêntese para um caso de conflito: houve um período em que foi lançada a coleção
de Ziraldo em formato livro de bolso, a R$ 1,00 a unidade e eu comprei uns 40 exemplares,
sendo 15 de cada título. Sempre que possível, eu construía meu acervo didático, não
apenas meu acervo bibliográfico. Uma turma, estudiosa, mas não tão responsável, perdeu
vários, aliás quase todos. Fiquei uma fera! Eles resolveram comprar o que encontram no
mercado, pois a campanha já havia terminado. Colocaram numa caixa, cobriram com
papel de presente e deixaram em cima do birô, antes da minha aula. Quando cheguei
para dar aula, estava lá como uma forma de pedir desculpas e atenuar o “crime”. Foi
assim que qualifiquei na época! Quase fizemos as pazes. Outra atitude deles que me
marcou muito foi na segunda-feira, após o domingo do Dia das Mães, ao chegar na
sala, havia uma caixa de presente no birô com um cartão: “Já que não podemos desejar
Feliz Dia das Mães, desejamos Feliz Dia da Madrasta!” Era uma caixa de chocolate. Eles
sabiam que adoro chocolate! Infelizmente não tenho mais este cartão... É, nem sempre
as relações em sala de aula são flores, mas podem se tornar doces. Não acho que
deva ser uma relação maternal, mas também não precisava ser a madrasta má... mas,
como em qualquer relação, a harmonia e a compreensão como processos educativos
podem ser reestabelecidos! Fui orientadora de mestrado/doutorado de alguns deles;
com outros já estive em mesas-redondas em eventos acadêmicos. O mais importante:
acompanho à distância o sucesso de muitos deles em diversas instituições de ensino
superior, e, sem modéstia, vejo algumas das ideias daquela época de morfologia sendo
reproduzidas, com a sofisticação das tecnologias e da maturidade de cada um. O crime
prescreveu? Não, não foi crime, foi apenas desatenção de jovens!

A foto revela o quantitativo do acervo em 2016. Manter é conservar a memória


daquela turma de morfologia! Ainda uso estes livros em várias atividades...

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2. A produção de artigos científicos por alunos durante a disciplina que resultaram em
publicação na revista Ao Pé da Letra. https://periodicos.ufpe.br/revistas/pedaletra/
Podem ser mencionados:

As palavras e a criança na literatura infantil


por Érica Nogueira de Santana

Utilizações pedagógicas de conceitos gramaticais em obras de Ziraldo


por Ana Josil Sá Barreto Montenegro e Marília Câmara Veloso

Formação de palavras na internet: o uso das abreviações nos


bate-papos
por Katia Nepomuceno Pessoa

Adjetivos pátrios brasileiros


por Clarissa Reis Melo e Jaciara Gomes

Uma Análise Literário-Morfológica do Poema “Encantação pelo Riso”,


do poeta russo V. Khliebnikov, traduzido para o português
por Haroldo de Campos e Helena Maria Ramos de Mendonça11

O processo de formação de palavras dos hipocorísticos derivados


de antropônimos
por Alyne Varejão Teodosio da Silva e Amanda Jôse Dantas Silva

Formação de palavras em textos de Millôr Fernandes


por Alessandro S. da Matta Ribeiro e Catarina Santos Calado

Os processos de formação de palavras nas marcas de produtos


alimentícios
por Melba Alessandra Onofre de Oliveira e Valéria Cristina de Freitas;

11. Fui co-orientadora da tese de doutorado intitulada “A escrita ensaística da Escola do Recife: uma releitura do movi-
mento sob a perspectiva sociorretórica de gêneros textuais”, defendida em 2013, no Programa de Pós-Graduação em
Direito da UFPE.

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Os processos de formação de palavras no poema ‘Som’ de Carlos
Drummond de Andrade
por Carlos Alberto Ribeiro Santa Rosa Júnior12 e José Gomes de Oliveira Filho

Processos de Formação de Palavras nas Locuções Tradicionais


Brasileiras Constituídas a partir do Vocábulo Pau
por Leonardo Pinheiro Mozdzenski13 e Márcia Andréa Rocha Leite

Processos de formação de palavras nos nomes de fantasia


por Carlos Genésio de Oliveira Seixas e Francisco Eduardo Vieira da Silva

Variações linguísticas em textos jornalísticos especializados em


crítica musical
por Leonardo Pinheiro Mozdzenski

3. A orientação de monitores possibilitava aprendizagens conjuntas, por exemplo,


Paloma Magalhães Menezes investigou os processos de formação de palavras nos textos
das adivinhas, observando a relação entre a pergunta da adivinha e a formação de sua
resposta. A monitora centralizou os resultados nas ocorrências dos processos de compo-
sição, derivação e onomatopeia. Com esses resultados da monitoria, além de socializá-los
com a turma do semestre, Paloma participou com apresentação de pôster da XVII Jornada
de Estudos Linguísticos do Nordeste (Fortaleza, 01 a 03 de setembro de 1999) e publicou
o artigo Formação de palavras na organização textual das adivinhas, na revista Ao Pé da
Letra, 1999.114, p.147-154. Saliento que este fato ocorreu em 1999, quando alunos de
graduação não tinham tanto espaço em eventos acadêmicos.

12. Fui orientadora de sua dissertação intitulada “Cartas marcadas: multimodalidade discursiva e transitividade em bara-
lhos de tarô”, defendida em2010, no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE.

13. Fui orientadora de sua dissertação e de sua tese, respectivamente, intituladas “A cartilha jurídica: aspectos sócio-his-
tóricos, discursivos e multimodais” e “O ethos e o pathos em videoclipes femininos: construindo identidades, encenando
emoções”, defendidas em 2006 e em 2012, no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE.

14. http://revistaaopedaletra.net/volumes/volume-1-revista-ao-pe-da-letra/

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Faço um parêntese para comentar uma atividade de monitoria, em 2014, com a disciplina
Português 5 – Letramento de língua portuguesa. Com as monitoras Anne Caroline Araújo
de Lima e Raquel Lima Nogueira. Construímos, através da plataforma on-line Widbook,
o e-book Atividades Multiletradas – Letramento UFPE 2014. Ao fazer este produto, eu
aprendi com elas, o que caracteriza o fazer aprender, especialmente no campo das novas
mídias, favorecendo a nós, professores, o benefício do trabalho em parceria com os jovens
graduandos. O meu planejamento era complementado pelas ideias das monitoras. Os
alunos, turno noturno, se envolveram muito na atividade que perpassou o semestre. A
participação das monitoras na orientação e condução das ações do Widbook, o produto
final da disciplina, e-book Atividades Multiletradas – Letramento UFPE 2014, foi deter-
minante para o desenvolvimento e finalização do projeto. A descrição da atividade está
no texto “Historiando a experiência”, escrito por nós, como apresentação do livro. Este
tipo de produção não permite impressão nem download, por isso disponibilizo apenas
o link para acesso à leitura: https://www.widbook.com/ebook/read/contos2

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Além dessas ações ligadas à sala de aula, foi pela dedicação à morfologia, que
juntamente com a Profa. Márcia Mendonça, organizamos o I Encontro sobre Gramáticas
do Português, de 16 a 19 de abril de 2001, com mais de 500 participantes. Não podia ser
diferente, os palestrantes eram Evanildo Bechara e Maria Helena Moura Neves, que haviam
lançado suas gramáticas, intituladas respectivamente, Moderna Gramática Portuguesa e
Gramática de Usos do Português. Além das conferências, havia também minicursos e mesas
-redondas com Evanildo Bechara e Maria Helena Moura Neves. Com o apoio do Programa
de Pós-Graduação em Letras e dos conferencistas que cederam seus textos, produzimos um
livrinho (sem ISBN, ou seja, sem pontuação acadêmica, mas de extrema significação, não
apenas no momento do evento, mas ainda hoje, por ser um dos feitos da minha carreira),
o qual distribuímos para todos os participantes. E ainda fizemos uma pasta especial para
o evento! O II Encontro se materializou... mas foi projeto sem continuação, apesar de
considerá-lo de grande relevância.

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48
A docência na UFPE me oportunizou experiências realmente instigantes, com as quais
pude me aventurar na aprendizagem de novos gêneros. Não apenas como leitora, mas
para produzi-los, vivê-los, incorporá-los, literalmente. Um gênero aprendido no peito e na
raça foi roteiro para as videoaulas. Ao surgir, em 2008, o convite para escrever o material
para o projeto do IESDE, o livro Linguística II, com 12 aulas para ensino a distância, vinha
acompanhado também o desafio duplo: gravar 12 vídeoaulas com a mesma temática, mas
os conteúdos precisavam ser diferentes; eu precisava redigir as propostas das aulas. Para
mim, era escrever roteiros para vídeos didáticos! Os capítulos não deveriam ser artigos,
nem ensaios. Precisavam ser textos didáticos! E as videoaulas seriam precedidas de um
roteiro. Mas... antes precisei fazer um teste de palco. Isto mesmo. Teste de palco para saber
se eu tinha desenvoltura diante das câmaras. Fui a Curitiba só para o teste. Passei. Então,
comecei o processo de escrita... Não foi fácil. Mas foi desafiador!

http://www.iesdecursos.com.br/cursos/letras/linguistica-ii/6034/

Apresento um trecho do roteiro da aula Sintaxe: participação, processos e usos equiva-


lente ao trecho demonstrado no vídeo, para uma pequena demonstração de como ocorria
o processo. Informo apenas que no momento da gravação as imagens, as fotos, os gráficos,
nada, nada disto estava no estúdio. Só depois da edição eu sabia como tinha ficado.

49
50
# ÁUDIO VÍDEO TELÃO

Vinheta da Vinheta da Vinheta da


disciplina disciplina disciplina

LOCUÇÃO 01 MINICLIPE Sintaxe: participação,


Seqüência de ilustrações: processos e usos

- Uma menina encaixando uma unha


Bianca fez as unhas. num dos dedos do pé (os outros
dedos ainda estão sem unha)
GC: Bianca fez as unhas.
Rogério cortou o cabelo.
- Um rapaz cortando o próprio
Jogador opera joelho. cabelo
GC: Rogério cortou o cabelo.

- Um homem uniformizado, como


um jogador de futebol, operando o
próprio joelho
GC: Jogador opera joelho.

Professora apresenta o tema da aula: _Estúdio Tema da aula:


SINTAXE: PARTICIPANTES, PROCESSOS E USOS _Telão • SINTAXE:
PARTICIPANTES,
Oi gente, tudo bem? Acharam engraçadas, GC: Prof.a Angela Dionisio PROCESSOS E
estranhas as cenas? Mas se eu perguntar a USOS
vocês quem é o sujeito da frase Bianca fez as GC: Bianca fez as unhas.
unhas, certamente vocês responderão que é
Bianca! E em Rogério cortou o cabelo. Será GC: Rogério cortou o cabelo.
Rogério também o sujeito da oração? Mas
sabemos que ao dizermos que Bianca fez as
unhas não estamos dizendo que Bianca é o
agente da ação. Quem é o agente na frase O
jogador opera joelho é o médico e não o próprio GC: O jogador opera o joelho.
jogador. Podemos, então, dizer que o sujeito de
uma frase não é o ser que pratica a ação. Bem,
isto é polêmico, não é? Esta nossa aula está
bastante interessante. Vale à pena participar.
Vamos tratar da gramática das orações numa
perspectiva funcionalista das relações entre os
participantes, os processos e usos.
Vamos retomar uma das cenas a que assistimos: Retorna ilustração do jogador
Geralmente, lemos ou ouvimos estruturas desse operando o joelho.
tipo em títulos e manchetes jornalísticas, quer na
mídia falada quer na mídia escrita. Ilustração:
Em Jogador opera joelho sabemos que não é O mesmo jogador, agora deitado
o jogador que age, que desencadeia a ação de numa cama, sendo operado no
operar, de fazer a cirurgia. Na realidade, o jogador joelho por um médico.
é a entidade que sofre o efeito da ação realizada GC: Jogador opera joelho.
por outro, neste caso, por um médico, que é
o agente. Então, vejamos como deve ser uma
representação visual mais coerente da noção de
papéis temáticos.

51
Eis aqui uma grande nota inserida!!
Notei agora, ao rever este memorial para publicação, que não comentei a prática
docente no mestrado e doutorado. O que isto pode traduzir? Talvez a força exercida
pelos processos de orientação sob a minha prática docente? A ênfase nos encami-
nhamentos para a investigação nos fascinantes labirintos dos estudos da linguagem,
focando nos desafios do texto, dos gêneros e seus usos em sala de aula?
Mas as aulas tanto no PG Letras como no PROFLetras permitiram cenas fantásticas
e outras tristes! Como cenas tristes, guardo os momentos em que entrei na sala
de aula, vindo diretamente de reuniões administrativas extremamente tensas, com
assuntos sérios e decisões graves (nem sempre necessárias). E, algumas vezes, não
tive a capacidade de superar as situações de conflitos que surgiam em sala de aula...
Também não foi fácil constatar, tardiamente, que não tive sensibilidade e conheci-
mento suficientes para perceber, na sala de aula, as sutilezas do comportamento de
quem necessitava de apoio de profissionais da saúde mental...(Quando este quadro
se reproduziu na graduação, eu já soube lidar de forma adequada...)
Mas o que dizer das discussões sobre o andar das protagonistas femininas em
três cenas dos filmes O diabo veste Prada, Quando Nietzsche Chorou e Mamma Mia
(Semiótica Social)? E as discussões sobre os livros Atividade de linguagem, textos e
discursos: por um interacionismo sócio-discursivo, de Bronckart, Multimedia Learning,
de Richard Mayer... Todos os livros Koch e Marcuschi em Linguística de Texto! Como
era bom lançar desafios para os alunos produzirem gêneros diferentes ao final das
disciplinas, como, por exemplo, a elaboração de um roteiro para um vídeo educativo
(animação), além de artigos científicos, e vê-los entregues ao desafio? Eu aprendia e
queria que eles aprendessem também! Os gêneros me seduziam e eu queria que eles
seduzissem os meus alunos... E assim fui dando aulas e experimentando a escrita de
novos gêneros. O exemplo que transcrevo é o esboço de um roteiro para uma animação
com o tema “A TIPOGRAFIA COMO UM RECURSO SEMIÓTICO”, escrito por Nadiana
Lima e Leonardo Mozdzensky.
Ah! Estes textos dos anos...
Devia ter pedido mais, cobrado mais,
Devia ter guardado mais,
O acaso não vai me fazer encontrá-los
Mas o acaso ainda pode me proibir de lembrar
Mesmo que eu não esteja a andar distraído
Preciso registrar mais, antes do acaso me pegar mais distraída!

52
Esboço da atividade
IMAGENS ÁUDIO/SOM
FADE IN

SEQ. 1.:
Música instrumental padronizada para esse tipo de
Vinheta institucional (PPGL-UFPE) – computação gráfica
material.

TEXTO CENTRALIZADO:
“A TIPOGRAFIA COMO UM RECURSO SEMIÓTICO”
CORTA PARA:
SEQ. 2: NARRADOR (OFF):
Exibição do poema concreto animado “Pêndulo” de E. M. de Observem o poema concreto a seguir.
Melo e Castro (1961/62).
A voz em off do narrador entra logo no início do vídeo,
antes que o movimento da palavra “pêndulo” comece.

SOM:
Badalo de um pêndulo, em consonância com o movimento
das letras, nos primeiros quadros.

O som do badalo dura alguns segundos e, aos poucos, o


volume vai se tornando mais fraco, sendo substituído pela
voz do narrador.

NARRADOR (OFF):
OBSERVAÇÃO: Esse vídeo consiste em um trecho de Como vocês podem ver, as letras que formam a palavra
um curta-metragem dirigido por Christian Caselli (2007), “pêndulo” vão deslocando-se, pouco a pouco, à semelhança
intitulado “Cinco poemas concretos” do movimento desse objeto, até que um eixo seja formado
(Disponível em: http://www.youtube.com/ pela sequência da letra P. Interessante, não é? Isso foi
watch?v=yC3e7rmSYM4. Acesso em 13 dez. 2010). possível devido ao potencial semiótico da...
CORTA PARA:
SEQ. 3:
Exibição em close da palavra “tipografia” sendo
datilografada em uma máquina de escrever.
Exemplo:
SOM:
Som produzido pela máquina de escrever dos caracteres
sendo datilografados.

NARRADOR (OFF):
E o que é tipografia?

Em seguida, a máquina é direcionada para o canto


esquerdo, para começar o parágrafo. A seguinte pergunta é
datilografada: “O que é tipografia?”

53
Esboço da atividade
IMAGENS ÁUDIO/SOM
CORTA PARA:
SEQ. 4:
Exibição de um molde de stencil, com a palavra “Definição”,
sendo preenchida com spray de grafite por alguém. (Só
as mãos aparecem, o foco é no molde e no processo de
grafitagem).
Exemplo:
SOM:
Spray.

CORTA PARA:
SEQ. 5:
Exibição da seguinte informação:
“A tipografia é a arte e o processo de criação na
composição de um texto, física ou digitalmente. É o tipo de NARRADOR (OFF):
letra adotado no texto escrito.” Narra o texto informativo que surge na tela.

A palavra “tipografia” está destacada, com outra fonte e


outra cor.
CORTA PARA:
SEQ. 6:
NARRADOR (OFF):
Exibição de um papiro sendo aberto com a seguinte
A palavra ‘tipografia’ vem do grego typos (que quer dizer
informação:
‘forma’) mais graphein (que significa ‘escrita’). Ou seja, é a
“A palavra ‘tipografia’ vem do grego typos (forma) +
forma assumida pelo texto escrito.
graphein (escrita)”
CORTA PARA:
SEQ. 7:
É exibido um jornal impresso girando até parar e ser exibida
a seguinte pergunta em sua manchete principal: “Qual é o
objetivo da tipografia?”
Exemplo: SOM:
Som animado simulando o giro do jornal.

NARRADOR (OFF):
Qual é o objetivo da tipografia?

54
Mas assim é a nossa vida... um eterno aprender! Estar
em Programas de Pós-Graduações significa que vivemos com
sistemas paralelos de aprendizagem, além dos estudos para
nossas aulas no mestrado e doutorado. Estes sistemas decorrem
dos processos de orientação (não consigo orientar sem ter um
conhecimento do tema e muitas vezes precisamos ler os textos
que são novos para mim sobre o tema) e das participações
em bancas de trabalhos de conclusão de curso (quantas vezes
paramos a leitura de uma dissertação/tese e recorremos a
um livro mencionado ou a outros livros sobre algum tópico ou
conceito mencionado no trabalho que, por razões diversas, exigiu
de nós, seus avaliadores, uma pausa para investigação?). Após
a conclusão do meu doutorado, em 1998, comecei a participar
de bancas de trabalhos de conclusão de curso. Quantas bancas?
Quantas orientações? São dados para o Lattes não para o livro.

55
UFPE
Idealizadora da Revista Ao Pé da Letra

Equipe de voluntários de Ao Pé da Letra

“Atualmente, possuo significavas produções científicas, escritas juntamente com


esses alunos. Juntos, estamos alcançando espaços a que dificilmente esses jovens
iniciantes teriam acesso, não pela falta de capacidade deles, mas simplesmente por
políticas de editoração. São poucos os periódicos científicos que dão acesso aos
graduandos como autores exclusivos, daí o mérito do periódico Ao Pé da Letra, um
espaço reservado aos alunos ousados, que cedo já visualizam um horizonte mais
amplo na formação acadêmico.”

SILVA, Wagner, Rodrigues. Rememorando uma trajetória de pesquisador/autor. Revista


Ao Pé da Letra, 2009, 11.2: 79-82

Motivada pelo entusiasmo dos alunos de morfologia ao fazer suas investigações, pelo
envolvimento dos bolsistas de IC do nosso Departamento de Letras em suas pesquisas, pela
ausência de um espaço “físico” para os alunos de graduação publicarem suas escritas, resolvi
investir na ideia de criar uma revista acadêmica a eles destinada. Revista em que só eles
poderiam publicar! Seria também um espaço para incentivar a escrita acadêmica! Lembro
das discussões em sala com os alunos, da eleição para escolha do nome, – infelizmente não
anotei o nome da aluna que sugeriu o título Ao Pé da Letra. Não pensei em ir registrando a
vida, aliás, nem pensei na maioria das coisas que ia fazendo. Ia fazendo, apenas.

57
Lembro das discussões, em nosso Pleno de
Departamento, com alguns colegas que defendiam
as vantagens do professor também publicar para dar
mais credibilidade e da minha resistência a essa ideia
deles. Para mim, a credibilidade da revista viria com
a qualidade acadêmica da escrita, das investigações
dos graduandos. Nosso papel de atuação estaria deslo-
cado para a coxia deste cenário de escrita. O palco
dessa escrita caberia apenas aos graduandos! E é
assim que esta revista se mantém 16 anos depois! Em
dezembro de 1999, publicamos o primeiro volume, de
forma bem artesanal, impressa em gráfica, formato
brochura, mas isto não foi relevante! Relevante mesmo
era vê-la materializar-se!

Dos 31 volumes da revista, organizei ou editei, em algumas parceiras com algumas


colegas (Judith Hoffnagel, Medianeira Souza, Regina Dell’Isola), 23 destes volumes. O
fim do reinado ocorreu em 2011, deixei a função de editora e fiquei apenas no Conselho
Editorial. Ou seja, abdiquei do trono; era o fim do imperialismo na direção de Ao Pé da
Letra. Medianeira Souza e Joice Armani assumem a editoração da revista.
Na edição Especial Francofonia 2013/2014, a mim foi dirigida uma carinhosa atenção
pelas organizadoras Joice Armani Galli (Letras-Francês UFPE), Sylvie Tourpin (Consulado/
SCAC/Recife) e Maria Patrícia Barros (APFPE):

A presente abertura convida a todos para conhecerem este trabalho científico dos
estudantes da Graduação brasileira, já que a ideia original de conceber um periódico
feito para e pelos alunos de graduação em Letras foi de Angela Dionisio, fundadora da
Revista e que ainda trabalha neste editorial enquanto membro do Comitê Científico.
É para a professora Doutora Angela Dionísio que dirigimos nossa homenagem neste
primeiro número especial.

Especial Francofonia 2013/2014, p. 21

58
Em 2015, Ao Pé da Letra fez 15 anos! Era preciso uma festa especial. E houve, e eu
estava lá.

Voltei a editar dois volumes especiais (17.1 e 17.2), em parceria com Suzana Cortez e
Ana Maria Lima, ambas professoras do nosso departamento de Letras, com as quais dividi
também a coordenação de área de Português do PIBID. Ao Pé da Letra debutava! Medianeira
Souza e Joice Galli, suas editoras atuais, nos convidaram a celebrar a data, incentivando
a produção de gêneros acadêmicos, voltados para a divulgação de práticas pedagógicas
produtivas, dedicando os dois volumes de 2015 a trabalhos de PIBID das áreas de linguagem,
desenvolvidos ou em desenvolvimento no país. Não havia como recusar a homenagem-
trabalho. A coordenação institucional da UFPE, professora Alice Botler comprou a ideia.
Bolsistas do nosso PIBID se inseriram em nova aprendizagem, constituindo a Equipe
Técnica (Adeline Ruthiely de Melo Guedes, Amanda Gessyanne Araújo de Santana Almeida,
Jessyca Oliveira da Silva, Rafaela de Lira Nascimento); outros professores e coordenadores
de área se voluntariaram para o Conselho Editorial Ana Lima (UFPE), Angela Valéria Alves
de Lima (UFRPE), Eliana Merlin Deganutti de Barros (UENP), José Wanderley Alves de
Souza (UFCG), Luiz Antônio dos Prazeres (UFOP), Márcia Mendonça (UNICAMP), Márcia
Verônica Ramos de Macêdo (UFAC), Maria Medianeira de Souza (UFPE), Najara Ferrari
(UNIFRA), Suzana Leite Cortez (UFPE), Tânia Guedes Magalhães (UFJF).
Dos 28 artigos submetidos, 18 foram publicados, trazendo registros de experiências
PIBID de 10 universidades públicas, estaduais e federais. Quatro deles foram relacionados
às práticas do projeto A Leitura de Linguagens Diversas. O nosso PIBID ilustrou o ditado
popular ‘enquanto descansa carrega pedra’: eu orientava o PIBID e revivia a loucura do
tempo de editora!

59
Ainda me surpreendo como conseguimos fazer o primeiro número com apenas dois
alunos colaboradores, que foram Gustavo Henrique da Silva Lima e Paloma Magalhães
Menezes. Fui ao Currículo Lattes, o de Paloma não foi mais atualizado depois de 2000.
Quanto a Gustavo, foi apenas para certificação, pois tenho acompanhado sua trajetória:

É licenciado em Letras (2001) e possui Mestrado (2004) e


Doutorado (2016) em Letras (área de concentração: Linguística)
pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Foi professor
da Educação Básica na Rede Pública de Ensino, exercendo ativi-
dades de regência e de função técnico-pedagógica. Atualmente, é
Professor Adjunto 1 da Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE), Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG). É membro
do Conselho Deliberativo do Centro de Estudos em Educação
e Linguagem (CEEL) da UFPE, onde também planeja e realiza
atividades e ações direcionadas à análise e produção de mate-
rial didático e formação de professores. Tem ampla experiência
na área de ensino e pesquisa, atuando no campo da Linguística
Aplicada, em especial em questões voltadas ao Ensino de Língua Gustavo e eu, camiseta
padronizada da revista para
Portuguesa. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Discurso
lançamento do volume 3!
e Ensino (CNPq) da UFRPE, Unidade Acadêmica de Garanhuns.

Quando vislumbramos um perfil e constatamos nele grandes feitos, busquemos os


bastidores, ou seja, o início da construção de sua história e veremos as pequenas vitórias,
aquelas que, ao concluir o magistério, em 1980, a vida já me fazia enxergar. Isto porque,
em 2009, editamos, Medianeira Souza e eu, o volume 11.2 para celebrar a primeira década
da revista, com a participação de ex-autores, ex-alunos voluntários. E no seu depoimento,
Gustavo deixava evidente algumas pistas de suas pequenas vitórias (atuei voluntariamente
no suporte técnico das primeiras edições da Ao Pé da Letra, realizando a diagramação dos
artigos publicados nos 04 (quatro) primeiros volumes da revista; tive a oportunidade de
publicar 02 (dois) artigos, frutos das minhas primeiras pesquisas como aluno bolsista na
Graduação). Além disso, registrava informações para a história da revista: “Ao Pé da Letra
ou Littera? Qual seria o nome da primeira revista dos alunos da Graduação em Letras da
UFPE? Após inúmeras sugestões, esses foram os dois nomes indicados para votação.)

60
A memória de Ao Pé da Letra, para mim, se constrói pela história de seus autores,
de seus voluntários, de meus colegas que partilham e partilharam as editorações. Não
quero cair no clichê ao mencionar um caso de sucesso, mas não posso deixar de mencionar
Wagner Rodrigues Silva, (carinhosamente Wagnorum). Wagner estava no meu primeiro
time de bolsista IC, foi colaborador nos primeiros volumes, era aluno dedicadíssimo. Hoje,
é um reconhecido professor pesquisador de nosso país, com estágio de pós-doutorado em
Linguística Aplicada pela The Hong Kong Polytechnic University – PolyU. Se seu primeiro
artigo foi em Ao Pé da Letra, em 1999, hoje são mais de 50 artigos, incluindo muitos em
periódicos Qualis A (com 4 já aceitos para publicação, quando em agosto de 2016 fiz esta
investigação). São mais de 10 livros e 30 capítulos de livros publicados! Trago, extraído
do volume 11.2, 2009, um trecho do depoimento Rememorando uma trajetória de pesqui-
sador/autor, escrito por Wagner, no qual se percebe a contribuição da relação autores vs
pareceristas como fator de aprendizagem de escrita acadêmica para os graduandos em
Letras: “Após emissão dos pareceres pelo conselho editorial, as idas e vindas dos artigos
científicos permitem que o autor vivencie o caráter escrito. Aceita-se finalmente a reescrita
como atividade constitutiva da prática da escrita. (p.80)
Como venho ressaltando, reviver uma história de vida, e quando é a própria história,
não se resume em reencontrar afetos e desafetos, conquistas e projetos não finalizados,
é também constatar profecias realizadas... Se em 2015, eu editava com Suzana Cortez os
volumes dos quinze anos de Ao Pé da Letra, em 1999, Suzana publicava dois artigos como
aluna de graduação e bolsista de IC. O artigo A anáfora sem antecedente explícito em cartas
pessoais, orientado por Luiz Antônio Marcuschi, inclusive havia recebido o Prêmio Jovem
Cientista no VI CONIC-1998.
Ao escrever a apresentação para este primeiro volume, Marcuschi profetizava:

O que mais importa não é exatamente a novidade ou profundidade das investigações,


embora estas já sejam consideráveis se olharmos com cuidado as análises aqui
publicadas. O que de fato importa, de modo particular, é que aqui estão se projetando e
preparando os futuros pesquisadores e docentes de nossas Universidades. Esta revista
será a forma das novas gerações.15 E a garantia do futuro da investigação nas áreas de
Letras e Linguística.

15. Destaque meu.

61
Gustavo, Wagner, Suzana são confirmações das profecias marcuschianas. São “os três
pesquisadores e docentes [de excelência] de nossas Universidades”. E mais, considero
que, carinhosamente, o mundo espiritual dos escritores de periódicos acadêmicos me
proporcionou este reencontro, 15 anos depois, com Suzana Cortez. Se em 1999, eu era
a editora; agora, em 2015, somos as editoras; se em 1999, Suzana publicou dois artigos
científicos em um só número, agora, em 2015, editamos dois volumes de um número espe-
cial da Revista Ao Pé da Letra! (E parece que Suzana também traz a vontade de trabalho
do seu Orientador...). Tomara que estejamos preservando a profecia marcuschiana (não
é Suzana?) de que Ao Pé da Letra é “a forma das novas gerações. E a garantia do futuro da
investigação nas áreas de Letras e Linguística.” É o ciclo da vida!

62
UFPE
Coordenação do Programa de
Pós-Graduação em Letras
Ser coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras, por dois biênios, foi um
dos privilégios que ser professora da UFPE me possibilitou. Pude atrelar, ao mesmo tempo,
atividades de gestão e de docência, uma vez que fazer o dia a dia do PGLetras para nós,
Anco Márcio Tenório Vieira, o vice-coordenador, e eu, não se resumia em uma atividade
meramente administrativa. Desejávamos ampliar as atividades acadêmicas.

Anco Márcio e eu, durante as comemorações dos 30 anos do PGLetras

63
Para este Memorial, tomei a liberdade de trazer a versão digital (https://goo.gl/ixpm6M)
do relatório Fim de uma etapa. Relatório 2006 a 2010 (ISBN 987-85-98968-20-9), por este
descrever com precisão as ações, por nós realizadas, em 151 páginas, numa leitura que
será favorecida pelo projeto visual em que se apresenta o referido relatório. No entanto,
sistematizo em quatro itens, extraídos da apresentação, escrita por mim e por Anco Vieira,
páginas 11 a 13, algumas das mais significativas e relevantes ações para a construção de
um perfil de uma pós-graduação com a história e a importância do PPGLetras da UFPE.
São elas:

1. Dentre as ações consolidadas e que foram ampliadas pela coorde-


nação do PPGL entre os anos de 2006 e 2010, registra-se o aumento
de bolsas (mestrado e doutorado). Em 2006 tínhamos 30 bolsas de
mestrado e 13 de Doutorado (Capes e CNPQ). Em 2010, foram ofere-
cidas 34 bolsas de Mestrado e 21 de Doutorado (Capes e CNPQ). Um
aumento de 13% e 60%, respectivamente. Nesse mesmo período,
tivemos 9 professores fazendo seu pós-doutoramento em nosso PPGL,
24 professores visitantes e colaboradores nacionais e estrangeiros, e
2 convênios com Instituições da nossa Região – um convênio Minter/
Dinter com o IFPI-PI e UESPI e um PROCAD-NE com a UFCG.

64
2. No quesito infraestrutura, o PPGL passou por uma reformulação
total. Tínhamos duas salas de aula, e agora temos três. Todas foram
dotadas de novos móveis (birôs e cadeiras), de equipamentos de infor-
mática, de áudio e de vídeo. Também foi reestruturado o Laboratório
de Informática (novas mesas de trabalho e novos computadores), a
Sala de Leitura César Leal (estantes e mesas de leitura novas, informa-
tização do acervo e compra permanente de novos livros) e o espaço
onde funciona a Coordenação (reestruturação física e troca de todos
os móveis; compra de novos computadores e impressoras; criação de
uma copa). Também foi reformulado o site do PPGL: seja no quesito
design, seja nos serviços que são oferecidos pelo site. De 34 arquivos
hospedados no servidor, temos hoje mais de 2.000 arquivos que são
acessados por usuários do Brasil e do exterior (4.300 acessos únicos
ao mês).

3. No quesito publicações, a revista do PPGL – Investigações – foi


classificada pela Capes com o conceito QUALIS B1 e em 2007 esse
impresso ganhou sua versão digital (com número de ISSN), podendo ser
acessada por edição, nomes dos autores e palavras-chave. Inicialmente
foram colocados no site os números a partir do 17° volume da revista.
Neste ano de 2010, estarão disponíveis as edições anteriores, o que
irá encerrar um total de 46 números e mais de 10.000 mil páginas
digitalizadas. A Coleção Teses, que tem como objetivo publicar a
cada ano as melhores dissertações e teses de doutorado (Literatura
e Linguística) defendidas no PPGL, foi ampliada com 14 novos títulos
entre 2006 e 2010. O mesmo ocorreu com a Coleção Letras, com 16
novos títulos, sendo que 3 são em edições eletrônicas (PDF e Flip book)
numa ação inédita no país. Publicou-se também a Coleção Luiz Antônio
Marcuschi, composta por três livros (a reedição do livro Linguística
de texto: o que é e como se faz; dois livros inéditos: Um linguista, orien-
tações diversas – volumes 1 e 2 e um DVD); e 7 livros em CD-ROM e
uma publicação fora de coleções: Gênero e ficção na obra de Luzilá
Gonçalves Ferreira. Ao todo, o PPGL publicou, entre 2006 e 2010, 41
livros novos e 10 volumes da revista Investigações, encerrando 51

65
novas publicações. Não podemos esquecer de registrar que o PPGL
ganhou o prêmio Edital PROPESQ PG-Teses e Dissertações 4 vezes:
em 2007 e 2009, melhor tese de Doutorado; em 2008 e 2009, melhor
Dissertação de Mestrado. Por fim, em 2006 teve início a criação do
Acervo Digital de Teses e Dissertações e foram criadas novas capas
para a encadernação das teses e dissertações. Ao lado da criação do
Acervo Digital, o PPGL deu início ao projeto Letras Digitais, projeto
pioneiro no âmbito da UFPE. Seu propósito é digitalizar todas as
dissertações e teses defendidas no Programa nos seus primeiros 30
anos (1976-2006), encerrando 455 dissertações e 110 teses defen-
didas. O projeto digitalizou mais de 50 mil páginas, que se encontram
disponíveis no site do Programa.

4. No quesito eventos – seminários, simpósios, lançamentos de livros,


palestras, conferências – o PPGL organizou mais de 200 atividades
nesses 4 anos, consolidando eventos como o “Encontro Mensal”, na
Livraria Saraiva, o “Acontece em...”, os “Seminários de Pesquisas em
Andamento”, o “Seminário Anual de Teses e Dissertações”, o “SPA –
Seminário de Pesquisas em Andamento” e o “Bate-Papo Acadêmico”,
na Livraria Cultura. Como se pode ver nesses exemplos aqui citados,
foi árduo o trabalho empreendido nesses últimos 4 anos. Trabalho
que só foi possível porque tínhamos uma equipe coesa, empenhada
em manter o PPGL como a principal pós-graduação em literatura e
linguística do Norte e Nordeste, buscando permanentemente preparar
o PPGL para os desafios do hoje e do amanhã. Valeu a pena? Sim.
Mantivemos a avaliação “5” da Capes (triênio 2007-2009) – o que
contribui para aumentar a autoestima de alunos, professores e funcio-
nários – e tivemos mais certeza de que estamos no caminho certo: o
que pode nos levar a avaliação “6” da Capes.

66
Se a Universidade nasce da necessidade e do sonho de alguns homens de
ordenar o conhecimento e repassá-lo para aqueles que vão aplicá-lo no dia a
dia da sociedade, uma pós-graduação nasce do desejo premente de homens
que têm como missão maior o repensar constante de ideias e conceitos. A
dialética entre ambos define a sociedade que construímos ou que almejamos
construir. No entanto, uma gestão preocupada com a respiração sadia da
instituição gerenciada, também precisa estar permanentemente atenta
para as condições materiais de trabalho que precisam ser oferecidas aos
docentes, discentes e funcionários que a constituem. Mais: precisa criar
meios de levar essa produção acadêmica além dos muros que a cercam:
para aqueles que lhe financiam. No caso, a sociedade. Daí o trinômio perse-
guido pela gestão que coordenou o PPGL entre 2006 e 2010: 1) repensar
a estrutura material do PPGL; 2) ampliar o diálogo dos nossos docentes e
discentes com professores externos (do Brasil e do estrangeiro); 3) criar
meios de divulgar a produção acadêmica e, principalmente, incentivar a
produção de livros, seminários e palestras.”
Desejo destacar dois feitos de nossa gestão, relacionados à construção da
história do nosso programa:

O primeiro deles foi o evento O caminho se faz


caminhando – PPGL 30 anos, durante o qual os
professores Adair Pimental Palácio, César Leal,
Francisco Gomes de Matos, Luiz Antônio da
Cunha, Maria da Piedade Moreira de Sá, Luzilá
Gonçalves Ferreira e Sébastien Joachim, pioneiros
na criação do referido programa, receberam
uma homenagem especial. O livro O caminho
se faz caminhando: 30 anos do Programa de
Pós-Graduação em Letras da UFPE, organizado
por mim, Anco e Karina Falcone traz os textos de
Stella Telles, Aldir de Paula, Anco Márcio Tenório
Vieira, Ingedore Koch, Cristina Botelho, Lourival
Holanda e Marly Gondim que ressaltavam os
nossos homenageados.

67
O segundo foi o projeto Letras Digitais: 30 anos de teses e dissertações, aprovado pela
ProEXT SIEX Brasil (52016), MEC. Em 18 de agosto de 2009, entregávamos, Anco Márcio
Tenório Vieira e eu, à comunidade acadêmica a finalização de um ousado projeto por nós
iniciado em novembro de 2006, o projeto Letras Digitais: 30 anos de teses e dissertações.
Se alguns projetos não dão certo em nossas vidas, este é um que deu certo, muito certo,
e do qual me sinto muito orgulhosa de ter realizado. O total de visualizações da página
em final de setembro de 2018, época em reviso este texto, já ultrapassava, 167.000
visualizações. Todos os árduos entraves foram minimizados quando, pude navegar pelo
http://letrasdigitaisufpe.blogspot.com.br/e constatar o pioneirismo em nossa forma
de registrar os 30 anos de investigação do nosso programa, pois como destacamos Anco
e eu, no texto de apresentação:

Criar um acervo é registrar uma história. Criar um acervo digital é dinamizar


a história. É com essa perspectiva que a Coordenação do Programa de
Pós-Graduação em Letras, representada nas pessoas dos professores Angela
Paiva Dionisio e Anco Márcio Tenório Vieira, criou, em novembro de 2006, o
projeto Letras Digitais: 30 anos de teses e dissertações. Esse projeto surgiu
dentre as ações comemorativas dos 30 anos do PGLetras, programa que
teve início com cursos de Especialização em 1975. No segundo semestre
de 1976, surgiu o Mestrado em Linguística e Teoria da Literatura, que obteve
credenciamento em 1980. Os cursos de Doutorado em Linguística e Teoria
da Literatura iniciaram, respectivamente, em 1990 e 1996. É relevante frisar
que o Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE, de longa tradição
em pesquisa, foi o primeiro a ser instalado no Nordeste e Norte do País. Em
dezembro de 2008, contava com 455 dissertações e 110 teses defendidas.

68
Diante de tão grandioso acervo e do fato de apenas as pesquisas defendidas a partir
de 2005 possuírem uma versão digital para consulta, os professores Angela Paiva
Dionisio e Anco Márcio Tenório Vieira, autores do referido projeto, decidiram oferecer
para a comunidade acadêmica uma versão digital das teses e dissertações produzidas
ao longo destes 30 anos de história. Criaram, então, o projeto Letras Digitais: 30 anos
de teses e dissertações com os seguintes objetivos:

1. produzir um CD-ROM com as informações fundamentais das 469 teses/


dissertações defendidas até dezembro de 2006 (autor, orientador, resumo,
palavras-chave, data da defesa, área de concentração e nível de titulação);
2. criar um Acervo Digital de Teses e Dissertações do PG Letras, digitalizando
todo o acervo originalmente constituído apenas da versão impressa;
3. criar o hotsite Letras Digitais: Teses e Dissertações originais em formato
digital, para publicização das teses e dissertações mediante autorização
dos autores;
4. transportar para mídia eletrônica off-line as teses e dissertações digitali-
zadas, para integrar o Acervo Digital de Teses e Dissertações do PG Letras,
disponível para consulta na Sala de Leitura César Leal;
5. publicar em DVD coletâneas com as teses e dissertações digitalizados,
organizadas por área concentração, por nível de titulação, por orientação etc.

O desenvolvimento do projeto prevê ações de diversas ordens, tais como:

1. desencadernação das obras para procedimento alimentação automática de


escaner;
2. tratamento técnico descritivo em metadados;
3. produção de Portable Document File (PDF);
4. revisão do material digitalizado;
5. procedimentos de reencadernação das obras após digitalização;
diagramação e finalização dos e-books;
6. backup dos e-books em mídia externa (CD-ROM e DVD);
7. desenvolvimento de rotinas para regularização e/ou cessão de registro de
Direitos Autorais.

69
UFPE
Pesquisadora? Sim!

Luiz Antônio Marcuschi e Charles Bazerman, meu respeito e agradecimento pelo


incentivo e pelas lições de como ser professor e pesquisador

Minha história de pesquisadora na Universidade Federal de Pernambuco começou


com um projeto que visava à construção de materiais instrucionais para um projeto de
criação de caprinos no sertão paraibano. Isto mesmo! Era o meu tema para o Mestrado
em Letras. Fomos aprovados eu e o projeto, mas desisti dele logo nas primeiras aulas do
curso, em 1989, na disciplina Etnografia da fala, com a Profa. Judith Hoffnagel. A partir de
um trabalho realizado para a referida disciplina, desenvolvi o projeto de pesquisa, para
o qual realizei uma coleta de dados na comunidade de Pedra D’água, município de Serra
Redonda, na Paraíba, o que me permitiu a escrita da dissertação e, posteriormente, da
tese em Linguística, no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE.
Os dados foram coletados na comunidade de Pedra D'água, numa perspectiva etno-
gráfica, perfazendo um total de aproximadamente 33 horas de áudio-gravação. O período
de coleta dos dados se estendeu de abril de 1989 a julho de 1991. Fiz sete visitas, com
a variação de permanência de um a cinco dias consecutivos. As 33 horas de gravação
contêm variados tipos de discursos coletados em contextos situacionais que lhes são
peculiares. Por exemplo, o discurso sobre a realização de uma farinhada realizou-se na
casa de farinha, durante o processo de fabricação do produto e seus derivados. Na época,
seguindo a orientação teórica mais produtiva, agrupei os dados em três tipos de discurso:

71
(a) os descritivos, nos quais se encontram as formas de plantio, a preparação de alimentos
e remédios, a realização de produtos artesanais e a descrição de percursos; (b) os narra-
tivos, nos quais se encontram narrativas reais e ficcionais e (c) os argumentativos, nos
quais se encontram confrontos entre as condições de vida atual na comunidade e em
períodos remotos, explicações sobre determinados fenômenos (eclipse, sonhos, botijas).
Além desses discursos, há ainda a gravação de uma missa realizada pelos seminaristas
responsáveis pela assistência espiritual do grupo e algumas rezas para o momento do
parto e para a "cura do olhado".
A opção por uma abordagem etnográfica significa fazer uma "descrição densa do corpus
selecionado para estudo. Assim, há três características da descrição etnográfica: (a) ela
é interpretativa; b) o que ela interpreta é o fluxo do discurso social e (c) a interpretação
envolvida consiste em salvar o 'dito' num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-se
e fixá-lo em formas pesquisáveis"(Geertz, 1989:3116).
Dentre as vantagens apresentadas pela pesquisa etnográfica, Schieffelin (197917)
frisa a de não se restringir a uma mera coletânea de dados diversificados, mas sim a uma
postura que possibilita um feedback contínuo de perguntas e respostas. Esse procedi-
mento permite que o pesquisador avalie e reformule as perguntas formuladas, a fim de
esclarecer informações fundamentais para a interpretação dos dados. A reconstrução da
origem da comunidade de Pedra D'água ilustra a funcionalidade desse princípio. Quando
solicitados diretamente sobre a história da formação do grupo, a maioria dos informantes
negava conhecer qualquer referência, no entanto, em conversas posteriores aos primeiros
contatos, eles foram pouco a pouco "soltando" informações sobre Manuel Paulo Grande.
Essas informações serviam para retomar o assunto em outros momentos, bem como para
abordá-lo com outros informantes. Desta forma, traçou-se a história do grupo, retroati-
vamente, até meados do século XIX.
Portanto, na pesquisa para o mestrado, investiguei a interação em narrativas conver-
sacionais, produzidas por uma comunidade semi-isolada formada por analfabetos negros,
descendentes de Manuel Paulo Grande, provavelmente um escravo fugitivo. A escolha
desse corpus deveu-se ao fato de a comunidade reunir aspectos peculiares tanto por sua

16. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar. 1989.

17. SCHIEFFELIN, B. Getting it together: an etnographic approach to the study of the development of communicative
competence. In: E. OCKS e B. SCHIEFFELIN (eds.). Developmental Pragmatics. New York: Academic Press, 1979, pp. 73-108.

72
origem (fundada no século XIX, durante o período escravocrata brasileiro) como pela sua
organização social (posse de terras através da hereditariedade), relações matrimoniais
endogâmicas e transmissão cultural essencialmente por meio da oralidade. A minha disser-
tação, indicada para o concurso de Teses ANPOLL/93, foi publicada em 2009 com o título A
interação em narrativas conversacionais, na Coleção Letras, do Programa de Pós-Graduação
em Letras da UFPE. Ainda como produção acadêmica decorrente da dissertação, destaco:

1. A postura interacional do narrador. Trabalhos em


Linguística Aplicada (UNICAMP). v.23, p.11 - 28, 1994.

2. A participação do falante secundário na construção


da narrativa. Investigações (UFPE. Impresso). v.3,
p.73 - 83, 1993

3. DIONISIO, A. P.; HOFFNAGEL, J. C. Recursos


paralinguísticos e supra-segmentais em narrativas
conversacionais. In: AS MÚLTIPLAS FACES DA
LINGUAGEM ed.UNIVERSIDADE DE BRASILIA : UNB,
1996, p. 504-514.

Ao término do mestrado, fui bolsista FACEPE de Pré-Doutorado (01.10.1992 –


28.02.1993). Para a investigação do doutorado, concebi a comunidade de Pedra D'água
como um grupo étnico na medida em que seus moradores se identificam como perten-
centes a uma mesma família, cuja origem tem como referência maior a figura de Manuel
Paulo Grande. A este provável escravo fugitivo sempre foi atribuída a posse das terras
da comunidade, mesmo que a forma de aquisição seja um tanto confusa. Os primeiros
descendentes de Manuel Paulo Grande procuraram se casar entre os parentes, visando
fortalecer a posse das terras, uma vez que se constituíram herdeiros através do critério
atávico, mas sem nenhuma regulamentação jurídica. Recorreram também à realização de
casamentos com pessoas estranhas à comunidade, desde que fossem afrodescendentes,
inserindo, desta forma, as famílias André e Coelho na comunidade. Este tipo de postura
favoreceu a noção de grupo, porque incentivou os informantes a se auto-definirem como

73
uma só família, como afirmam alguns deles: “tudo são famia”, “a minha raça é essa aqui ...
esses nego daqui ... tudo é minha famia”.
Pareceu-me relevante uma investigação sobre imagens construídas no processamento
de interações face a face, uma vez que exigia uma abordagem interdisciplinar, para que
se pudesse apresentar uma visão mais completa do objeto em estudo. O período de reali-
zação do doutorado foi 1993 a 1998, com o enfoque teórico guiado pela tipologia de Jean
Michael Adam (199318) para a classificação dos discursos. Para os propósitos da tese, foi
escolhido o descritivo, visto ser o que mais propicia a construção de imagens. Portanto
para investigar as imagens da terra e das moradias, dos moradores e dos visitantes e
as imagens da cultura material, além do Adam (1993), fomos buscar na Antropologia
Linguística (Palmer, 199619), a contribuição básica para a conceituação de imagem e
de seus princípios geradores, ou seja, veio da Linguística Cultural, teoria que abordava
a linguagem com base em princípios como (a) o significado linguístico convencional é
relevante para a imagem, (b) a linguagem é simbólica, (c) a categorização se refere às
relações formadas entre os conceitos, (d) o significado linguístico está compreendido na
visão de mundo, (e) o significado do discurso envolve situações convencionais e situações
de experiências novas e (f) língua, sistemas semânticos, modelos cognitivos e visões de
mundo são socialmente construídos.
As imagens são construídas também pelas descrições (e adivinhações), ou seja, ações
metadiscursivas. O que implica uma investigação da gama de atividades desenvolvidas
pelos interlocutores em prol da construção de um sentido adequado à imagem esquemá-
tica ou às imagens possíveis num contexto particular de uso. O uso de ações metalinguís-
ticas, ou seja, de definições por parte de falantes analfabetos, demonstrou o domínio não
de estruturas linguísticas apenas, mas, principalmente, a consciência da necessidade de
compartilhar conhecimentos para o sucesso da interação. Busquei, portanto, investigar
a construção linguística e social da interação e sua influência na significação, ou seja, o
processamento de imagens, na interações dos habitantes de Pedra D’água entre si e entre
os visitantes. Assim como no mestrado, as pesquisas para a tese também geraram artigos
científicos e capítulos de livros (com o destaque de uma publicação internacional):

18. ADAM, J. M. Les Textes: types et prototypes. Récit, description, argumentation et dialogue. Paris, Nathan. 1993.

19. PALMER, G. B. Toward a theory of cultural linguistics. Austin, University of Texas Press, 1996.

74
1. Imagens na Oralidade. Alfa (ILCSE/UNESP), v.46, p.71 - 93, 2003.
2. A construção do texto descritivo: uma análise do tema-título. Investigações (Recife). ,
v.8, p.147 - 163, 1998.
3. Procedimentos Descritivos na Criação de Imagens: alguns aspectos avaliativos. Signótica.,
v.10, p.9 - 29, 1998.
4. As definições metafóricas na oralidade. Intercâmbio (PUCSP). , v.VI, p.121 - 132, 1997.
5. Definições na Oralidade In: Tecendo Textos, Construindo Experiências. Rio de Janeiro :
Lucerna, 2003, v.1, p. 241-264.
6. Processamento textual e construção de imagens In: Estudos de linguística textual de
português.1 ed.Frankfurt : Frankfurt am Maim, 2000, v.16, p. 45-59.

Na tese, um tópico que ficou tangencialmente tratado foi a construção das adivinha-
ções, no capítulo Imagens e Metadiscursividade cujo foco eram as definições. O gênero
adivinhas, à época, eu definia apenas como uma manifestação da sequência prototípica
da descrição, proposta por Adam (1993), compreendendo um tema-título (théme-titre)
e as quatro macro-operações, que são: (a) procedimento de ancoragem (procédure d'an-
crage), (b) procedimento de aspectualização (procédure d'aspectualisation), (c) proce-
dimento das relações (procédure de mise en relation) e (d) processo de encadeamento
pela sub-tematização (procédure d'enchâssement par sous-thématisation). Esta mesma
sequência utilizei para caracterização e análise das definições orais. O surgimento do
momento adivinhação nas primeiras noites em que dormiámos20 na comunidade foi para
mim uma surpresa. Estávamos conversando numa calçada de uma das casas, cerca de 12
pessoas, quando uma delas, a informante que dominava o maior número de adivinhações
no grupo, me perguntou:

20. Após o início da minha coleta de dados, Elizabete Lima, uma mestranda em Sociologia Rural da UFCG, iniciou sua
pesquisa na comunidade.

75
(01)

02. M11 tá com sono? ((várias pessoas estão falando e rindo ao mesmo tempo))
03. P01 repete que eu num ouvi nada
04. M04 eh: ela perguntô se tá com sono ((rindo))
05. P01 como é que é?
06. M11 tá com sono?
07. P01 tô com sono não
08. M11 então vamo vai lá vamo trabaiá agora

A expressão “vamo trabaiá agora”, mediante a minha negação de estar com sono, já
deixou evidente que eu seria a grande desafiada da noite, mas a maioria dos presentes se
integraram ao jogo. As adivinhações eram definidas, na tese, como um jogo de linguagem
em que um saber e uma curiosidade guiam o processo interativo. O desafiado deve recorrer
aos procedimentos de aspectualização e das relações para desvendar o enigma que lhe é
apresentado na pergunta, pois é através da identificação das associações entre as proprie-
dades selecionadas e uma outra propriedade àquelas associadas, que o indivíduo poderá
descobrir o tema-título. Tomei a liberdade de trazer para este memorial, com algumas
pequenas adaptações, a descrição do momento adivinhação com os comentários realizados
na tese. A primeira adivinha proposta por M11 foi “me chamo barca carrego ser ando de
noite pra todo mundo vê” e contou com cinco tentativas de descoberta do tema-título por
interlocutores diferentes:

(02)

15. M11 é ... me chamo barca carrego ser ando de noite pra todo mundo vê
16. H02 ( )
17. P01 me chamo barca
18. M11 barca... carrego ser
19. P01 carrego ser
20. M11 ando de noite pra todo mundo vê ando pra todo mundo vê
21. P01 vela?
22. M11 não ((várias pessoas riem))
23. P01 me chamo barca carrego ser é?
24. M11 é
25. P01 [[ando de noite?

76
26. M11 [[ando de noite
27. M11 pra todo mundo vê
28. P01 pra todo mundo vê? ((várias pessoas tentam adivinhar comentando entre si))
29. P01 eu num sei não
30. M12 eu também num sei não
31. M13 vela?
32. M11 não
33. H02 é nos ( [ )
34. M13 [é é a ( )
35. H02 nos meus projeto é um BARco
36. M11 não
37. H02 é não?
38. M11 quase que cê dizia
39. M12 é a lua?
40. M11 não ... quase que ele dizia
41. H04 barca?
42. M11 não ... nada ((várias pessoas continuam tentando adivinhar, conversando entre si,
43. de forma inaudível ))
44. M14 estrela?
45. M11 uhum um ((balançando a cabeça negativamente))

Várias pessoas entraram no jogo e cinco arriscavam suas respostas: vela (linha 21),
barco (linha 35), lua (linha 39), barca (linha 41), estrela (linha 44). As respostas vela, lua
e estrela parecem retomar apenas o aspecto –ando de noite– do enunciado do desafiador
enquanto as respostas barco e barca retomam o fato de transportar seres. Porém todas
as repostas foram seguidas de um não proferido por M11. Depois do fracasso de todas as
tentativas, criou-se um clima de impaciência e desejo de saber a resposta, ou seja, todos
se renderam à desafiadora:

46. M07 que danado é?


47. P02 e é o quê?
48. P01 sei não... é o quê?

O tema-título finalmente é apresentado por M11:

49. M11 num é balão home

77
Mas a menção do tema-título não desfaz o enigma, pois algumas pessoas não conse-
guiram estabelecer todas as relações entre o termo balão e as pistas que foram propostas,
por isso foi necessária a retomada destas pistas com explicações:

50. H02 é mermo ((risos e comentários entre os interlocutores))


51. P01 balão é?
52. M11 num é?
53. ((várias pessoas falam tentando explicar a adivinhação))
54. M11 leva muita gente no balão?
55. P01 carrega o ser como?
56. H02 o ser é o nome o nome do balão
57. M11 é o nome
(...)
61. H02 e é pra todo mundo vê mermo

Depois dos esclarecimentos, todos concordam com a pertinência entre as pistas contidas
na estrutura interrogativa e o termo apontado como aquele que abrange estas pistas:

58. P01 ah: sim::: ((todos riem bastante))]


59. H02 ganhô ((dirigindo-se a M11))
60. P01 ganhô eu não sabia não ((risos))
(...)
62. P01 exato é... tem razão ((H02 rir))
63. M05 faça ôtra aí ((dirigindo a M11, que é sua filha))

Um ponto que se pode questionar na explicação desta adivinhação diz respeito à


ambiguidade do tema-título balão: meio de transporte (carrego ser) ou objeto de diversão
nas festas juninas (ando de noite)? Temos, assim um tema-título com dois referentes
diferentes que se confundiram na história da língua.
Um outro informante (H02) se encarrega de propor o desafio e apresenta a adivinhação
abaixo transcrita (exemplo 03), que foi respondida imediatamente por M11:

78
(03)

80. H02 o que é que tudo que fai bate no céu?


81. M11 é o comê
82. P02 é o quê?
83. H02 tudo quanto fai bate no céu
84. M11 é o comé
85. M12 é o céu da boca
86. M11 o que é o que é que [:
87. P02 [é o comê é?
88. P01 é o comê mermo?
89. H02 sabidinha né?( ) (risos)

Esta adivinhação, num primeiro momento, faz o ouvinte acionar seus conhecimentos
sobre céu (firmamento); num segundo momento, sobre céu (abóbada palatina). A abóbada
palatina, por seu formato, é chamada de céu, por isso se instaura o enigma que norteia
a adivinhação. O movimento da comida no processo de mastigação toca a abóbada pala-
tina, ou seja, “o comê tudo que fai bate no céu”. Pelas análises realizadas foi possível se
constatar o emprego de enunciados enunciativos e o emprego de enunciados metalin-
guísticos como recursos que favorecem à intercompreensão e, consequentemente, ao
processo interacional. Estudar estes enunciados significa, entre outros aspectos, realizar
uma descrição linguística que comprova (a) o domínio de estruturas variadas da língua
portuguesa pelos informantes e (b) a “consciência” dos interlocutores de que precisam
compartilhar determinados conhecimentos para interagirem com êxito.
Foi, então, motivada pelos desafios das adivinhas que elaborei meu primeiro projeto de
pesquisa para a UFPE que se intitulava “Adivinhação: do folclore ao linguístico”, desenvol-
vido no período de 09/1998 a 07/1999 (prorrogado até julho de 2000), com três bolsistas
PIBIC-UFPE, cujos trabalhos foram publicados no primeiro volume da Revista Ao Pé da
Letra, em novembro de 1999,21 com os títulos: As adivinhas na relação ilustração-texto
na literatura infantil, de Kassandra da Silva Muniz; As adivinhações e o ensino de língua
materna, de Surama Fernandes Vieira e Tópicos discursivos e formas de construção das
adivinhas, de Wagner Rodrigues Silva, como se pode conferir em https://periodicos.ufpe.
br/revistas/pedaletra. Naquele momento, o olhar investigativo ainda não se pautava

21. A Revista Ao Pé da Letra constitui um item deste memorial.

79
em conceitos oriundos dos estudos multimodais, mas entendíamos a importância em se
considerar as implicações das conexões entre a ilustração e o texto, quer literário ou não,
no processo de compreensão. Sabíamos ser um entrave para o professor relação conceitual
imagem/ilustração e sua abordagem em atividades de compreensão e produção textual.
Retomo dois livros das adivinhas, utilizados no projeto à época. Acreditei desde aquela
época que se o professor quer trabalhar com jovens leitores livros de adivinhação, por
exemplo, uma boa estratégia de leitura é observar as relações estabelecidas entre imagens
e texto escrito das adivinhas. A título de sugestão, vou mencionar duas páginas de dois
livros: Panela de Arroz, de Luiz Camargo e Brincando de Adivinhar, de Ricardo Azevedo.

Panela de arroz, de Luís Camargo, Brincando de Adivinhar, de Ricardo


Ática, 1995. Azevedo, Moderna, 1996:03.

Em Panela de Arroz, de Luiz Camargo, o ilustrador usa o balão fala referente ao perso-
nagem Porta para fornecer pistas para a descoberta da adivinhação (O que é, o que é, tem
dente mas não morde?), pois o primeiro balão fala contém partes de um rosto (nariz, dentes).
A utilização do ponto de interrogação (?) traduz a natureza interrogativa do enunciado da
adivinha. O balão fala referente à enunciação de Maneco Caneco Chapéu de Funil contém
a resposta, que consiste numa tradução das associações estabelecidas nas falas do seu
interlocutor (a porta). O desenho é acompanhado pelo ponto de exclamação (!). O uso da
ilustração, em Panela de Arroz, tem a função de facilitar a descoberta da resposta, nesse
caso alho, bem como traduzir as relações associativas propostas de modo cifrado ou velado

80
nos textos verbais das adivinhas. Foi o que denominamos de uma ilustração sinalizadora,
aquela em que a ilustração ajuda o leitor a adivinhar a resposta, oferecendo pistas para a
descoberta do enigma proposto pelo texto escrito.
Já na página do Brincando de Adivinhar, de Ricardo Azevedo, observamos que a orga-
nização da página, ou seja, a proposição da adivinha se dá pelo texto escrito da adivinha e
por um conjunto de desenhos que representam palavras mencionadas no texto adivinha
(camisa, paletó, pomar) e por desenhos que estão relacionados com algumas ações citadas
no texto como “dá pra vestir” (luva), “dá pra chupar” (picolé, um cacho de uvas, um copo com
canudo). Como a resposta da adivinha é “manga”, as imagens, de uma certa forma, despistam
o jovem leitor, procuram afastá-lo da resposta correta da adivinhação. Classificamos de
“ilustrações despistadoras”. O leitor desafiado deve perceber que se trata de uma palavra
polissêmica, ou mais especificamente de uma homonímia, pois a “manga”, pode ser fruta
(dá pra chupar) ou parte do vestuário (dá pra vestir). Ao oferecer estratégias de leitura
que incentivem seus alunos, desde cedo, a observar as relações de coerência entre os
modos de enunciação na construção dos textos, o professor está promovendo exercícios
que fornecem benefícios cognitivos.
No momento atual dos estudos textuais, a multimodalidade não deveria ser um
assunto a mais do currículo, nem de planejamento. Abordar os elementos multimodais
deve ser uma prática mediante a constituição do texto que é objeto de estudo, quer como
leitura quer como produção. Deve ser uma ação regular na prática do professor, uma vez
que observar os recursos semióticos/elementos multimodais significa construir sentidos
do texto. Revisitar alguns conceitos, dentre eles, o de imagem se faz necessário. Imagem
abrange fotografias, desenhos, pinturas, imagens mentais criadas por descrições verbais
e muito mais. Mas para os estudos multimodais, imagens, por muitos anos, consistiram
em entidades materiais22, ou seja, fotografias, filmes, gráficos, desenhos anatômicos,
animações... E o que interessa? Interessa questionar como a imagem se associa a outros
modos! Interessa investigar como uma fotografia está inserida num texto, qual a relação

22. Não era interesse para o Memorial fazer uma releitura dos estudos multimodais, No entanto, para esta versão em livro, introduzo
algumas referências que têm guiado meus estudos atuais na área:
BATEMAN, J. A., WILDFEUER, J. & HIPPALA, T. Multimodality: Foundations, Research and Analysis – A Problem-Oriented Introduction.
Boston, MA: Mouton de Gruyter, 2017.
JEWITT, C., BAZERMEN J.& K. O’HALLORAN. Introducing Multimodality. New York: Taylor & Francis Group. 2016
NORRIS, S.& MAIER, C. D. (Eds.). Interactions, images and texts: a reader in multimodality. Boston, MA: Mouton de Gruyter, 2014.
SINDONI, M. G. Spoken and written discourse in online interactions: a multimodal approach. New York: Routledge, 2013.

81
do som (música, efeitos sonoros etc) em uma animação ou em um áudio book. Interessa
verificar qual a função da imagem na construção daquela narrativa, quais as funções das
ilustrações em livros de adivinhações, por exemplo.
Se pensarmos em livros digitais, interativos, nos quais os modos de representação
podem ser visual e/ou auditivo, a interação entre o leitor e os personagens da história,
por exemplo, pode ser modificada intensamente, pode variar à medida que cada ação seja
realizada na trama da narrativa, ou a cada emoção do personagem. Aí está um campo de
trabalho para os semioticistas sociais! Auxiliar na produção de materiais para crianças,
não apenas aquelas com necessidades especiais. van Leeuwen cita em entrevista cedida
ao nosso Programa de Pós-Graduação em Letras, em 2008, que os brinquedos, desses que
se compra em loja, não permitem às crianças explorar seus sentidos naturais. Lembro
aqui que brinquedos são recursos semióticos. O pesquisador afirmou ainda que, às vezes,
era convidado a emitir um parecer sobre como estabelecer comunicação ou como fazer o
design de revistas ou brinquedos, como os Lego.
Para não me alongar, lembro aqui que existe ainda o modo táctil de representação, que
requer outro leque de recursos semióticos na organização dos textos, que requer outras
habilidades sensoriais na interação. As porções de perfumes ou de cremes utilizadas em
propagandas, que se apresentam em formato de cartão-postal, ou em páginas de revistas,
com espaço para a porção da fragrância sob uma película, a qual devemos remover parcial-
mente para gerar um significado, geram justamente este modo táctil de representação. Em
outras palavras, podemos sentir ou tocar, a depender do produto. Todos estes recursos
estão inseridos na sociedade, inseridos na vida das nossas crianças, dos nossos jovens e
dos nossos professores! Torná-los objeto de estudo não é mais uma questão de revisão de
conceitos teóricos, é uma questão de desejo, ou melhor, é uma questão de decisão.
Mas voltemos às adivinhações…

82
Em 2000-2001, desenvolvemos o projeto “Adivinhações e ensino de língua portuguesa”,
durante o qual vários jogos foram elaborados com base na natureza ambígua da linguagem
das adivinhas, que nos permite classificá-las em ortográficas, morfológicas, sintáticas. Os
jogos chegaram a ser testados em turma de alunos do ensino básico, e em turmas piloto
com as quais foram desenvolvidas oficinas. Pretendíamos publicar um livro com os resul-
tados dos três projetos. Organizei o livro com seis capítulos, mas nunca o finalizei com os
quatro autores (Helga Vanessa de Souza passou a integrar a equipe). Cheguei até iniciar
um projeto gráfico para os jogos em colaboração com a designer Heloísa Sampaio. Este
foi outro projeto não concluído ao longo da minha vida acadêmica. Ainda permanece no
papel, ou melhor, em folhas de papéis… Eis uma amostra do Kit AdivinhAção, com a iden-
tidade visual dos jogos pensada à época:

83
84
Com a coordenação do PIBID Letras, biênio 2011 a 2014, pude retornar a estes jogos
com o Bingo Zoomórfico:

BINGO ZOOMÓRFICO
Você sabia que o tradicional bingo de cartela pode ser jogado de forma temática? Neste bingo, você tem que
usar os seus conhecimentos sobre o reino animal e sobre adivinhações. A nossa sugestão é que os próprios
jogadores preencham suas cartelas de bingo (ver modelo vazio). Como seria? O professor lê inicialmente
as respostas das adivinhas e os alunos decidem com quais palavras eles querem preencher as cartelas.
Não podem repetir palavras (ver modelo preenchido). O professor ou um aluno (que não jogará) vai ser o
responsável por sortear e falar as perguntas. Quando a pergunta for sorteada, os jogadores verificam se o
animal que eles acham que é a resposta está na sua cartela e marcam um X. O objetivo é completar a cartela,
marcando todos os animais, e quem conseguir será o campeão. Quando isso acontecer, o jogador deve falar
Bingo! Nesse momento, o jogador que sorteava as perguntas deverá verificar se a cartela está correta. Caso
não esteja, o bingo deve continuar até algum jogador conseguir completar. Vamos jogar?

85
Perguntas e Respostas

O que é que dentro d’água está vivo e fora dela morrerá? Peixe

O que é que tem asa como ave, voa como ave, não põe e dá leite? Morcego

O que é que põe os pés na cabeça para andar? Piolho

O que é que enterrada tem vida e se desenterrada morrerá? Minhoca

Qual é o país da América do Sul cujo nome é o de uma ave? Peru

O que é verde sem ser planta e fala sem ser gente? Papagaio

O que é que quem tem procura, quem não tem, não quer? Pulga

Que animal tem os ossos por fora e a carne por dentro? Siri

O que é que caminha no ar e deixa rastro? Aranha

São quatro esteios e uma telha só? Tatu

O que é que tem cabeça, mas não tem cabelo; é comprido mas não é
Cobra
alto; anda mas não tem pés?

Quanto mais escura a noite mais a gente enxerga. O que é? Vaga-lume

Não tem dedos, nem anéis e corre sem ter pés? Cobra

O que é que vê no escuro e não é gato, tem lanterna e não é guarda? Vaga-lume

O nome do dono é nome da casa. O que é? Cupim

O que é que sentado fica mais alto do que em pé? Cachorro

Qual o bicho que disse que já valeu muito? Javali

86
Dentre os projetos de pesquisa por mim desenvolvidos neste período de 1998 a 201623,
além destes com as adivinhações, quero reviver os caminhos dos pôsteres acadêmicos. No
período de agosto de 2006 a junho de 2009, desenvolvi os projetos de pesquisa A visualização
da escrita: o estudo do pôster acadêmico e Pôster Acadêmico: um evento multimodal. Vivíamos
o boom dos pôsteres nos eventos acadêmicos, decorrente do crescimento significativo da
iniciação científica nas universidades brasileiras. Os jovens estudantes desenvolviam cada
vez mais pesquisas científicas em todas as áreas do conhecimento, motivados em grande
parte pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica(PIBIC). A apresen-
tação de projetos de pesquisa do PIBIC, por sua vez, requeria a participação numa outra
pesquisa: a do professor-orientador, quer fosse este de um programa de pós-graduação
quer fosse apenas de graduação. Como uma decorrência dessa parceria firmada entre os
representantes acadêmicos das ICs e os órgãos de fomento (CNPq e as Fundações de Apoio
à Pesquisa dos Estados Brasileiros, por exemplo), um gênero textual se faz cada vez mais
presente na formação dos graduandos e na vida dos orientadores: o pôster acadêmico.

Um parêntese para reflexão: foi quase sempre assim que os estudos dos textos/gêneros
se inseriam em minha vida, motivados por uma exigência social; eles se insinuavam
e me provocavam, me seduziam e facilmente me conquistavam. Seus danadinhos,
perversos sedutores! Aqui estou eu seduzida pelo memorial

O pôster acadêmico passou a inserir o sistema de gêneros acadêmicos de qualquer


curso. Isto porque o aluno de iniciação científica precisava apresentar os resultados do
projeto desenvolvido no prazo de um ano no CONIC (Congresso de Iniciação Científica).
Claro que o pôster não era a única opção do congressista, havia ainda a apresentação oral.

23. Projetos de Pesquisa desenvolvidos:


2011 até o presente: Quem somos nós? E como a nova mídia tecnológica está impactando a nossa vida?
2010 – 2012: O diálogo entre Multimodalidade e Neuropsicologia
2009 – 2010: Gêneros Acadêmicos: emoção e precisão
2009 – 2011: Sentimentos em Gêneros Acadêmicos: os atos de agradecer e dedicar
2007 – 2009: Pôster Acadêmico: um evento multimodal
2006 – 2008: A visualidade da escrita: uma análise do gênero pôster
2004 – 2005: Multimodalidade Discursiva: orquestrando palavras e imagens
2002 – 2003: Gêneros Textuais e Letramento: uma abordagem linguística
2001 – 2002: Gramática e Interação na escrita
2000 – 2001: Adivinhações e Ensino de Língua Materna
1998 – 2000: Adivinhações: do folclore ao linguístico

87
Porém, fora do CONIC, aos graduandos era dado, quase sempre, a participação apenas na
modalidade pôster, em congressos, seminários, simpósios. Será que mudou muito hoje,
em 2016?
Na época resumi a passagem dos graduandos da categoria de ouvinte em eventos
científicos para a categoria de apresentadores de trabalhos em quatro etapas:

1. os estudantes têm uma investigação realizada ou em andamento e querem


difundir seus conhecimentos científicos;
2. os professores-orientadores também querem que seus alunos divulguem
as pesquisas e os estimulam a submeterem seus trabalhos às comissões
dos eventos. (Na realidade, estão sendo divulgadas também as ações dos
professores);
3. alunos e professores provavelmente consideram que suas ideias, suas opiniões
e os achados de suas pesquisas precisam ser ampla e frequentemente divul-
gados, pois isto também lhes ajudará a construir sua carreira de cientista;
4. os eventos científicos começam a receber a procura significante de estudantes
que desejam sair da categoria de mero ouvinte: querem um espaço para ter voz,
com hora e local marcados, agendados na programação oficial. As apresenta-
ções visuais em forma de pôsteres surgiram para preencher esta necessidade,
por assim dizer, do mercado acadêmico.

Vários retornos eu tive com a pesquisa


sobre pôsteres acadêmicos, dentre elas,
ressalto, no âmbito nacional, o convite para
proferir a conferência Pôster Acadêmico: um
evento multimodal de divulgação científica,
no XIX FALE (Fórum Acadêmico de Letras);
e, no âmbito internacional, o convite da
Universidade da Carolina do Norte, Estados
Unidos, para fazer uma palestra e para apre-
ciar uma sessão de pôsteres, em 2008.

88
O carinho acadêmico pelos pôsteres me impulsionou para outra ação que venho reali-
zando, nos encontros do NIG, com sistematicidade que é a sessão de pôsteres, seguida
da Plenária sobre os pôsteres apresentados. Najara Ferrari Pinheiro (UNIFRA) e eu, na
apresentação do Anais Eletrônico do IV Encontro Gêneros na Linguística e na Literatura,
destacamos que em 2012, se inseriu “um momento de “Exposição de pôsteres: gêneros em
debate”, que consistia na apresentação por mestrandos e doutorandos de suas pesquisas
em andamento com temáticas em “gêneros textuais”. Tivemos a participação de alunos da
UFPE, UFCG, UFAL, UFPB, UEPB, UFRN. Foram selecionados 28 expositores via submissão de
resumos. A mesma equipe de professores, formada por professores de Letras da UFPE, UFCG
e os convidados para o evento, selecionaram os resumos, analisaram as apresentações e
compuseram a plenária EXPOSIÇÃO DE PÔSTERES: GÊNEROS EM DEBATE, que se destinava
a comentar coletivamente as pesquisas trazidas pelos 28 pós-graduandos. A estes eram diri-
gidas questões ou estes faziam questões a comissão da plenária. Foi uma atividade avaliada
como extremamente positiva e solicitada por todos para ser mantida nos próximos encontros.
Em 2013, O NIG/UFPE, realizou, em agosto, a quarta edição do Encontro de Gêneros na
Linguística e na Literatura e promoveu esta publicação do I Anais Exposição de pôsteres:
gêneros em debate, na modalidade pôsteres acadêmicos, acompanhados dos respectivos
resumos, ação esta ainda decorrente da parceria com PROCAD-NF 2008-2013. Constitui,
portanto, meta do Encontro a valorização do gênero pôster acadêmico, por isso as apresen-
tações de trabalhos, em 2013, congregaram dois grupos: os relacionados com pesquisa em
suas diferentes modalidades (IC, TCC e resultados de Mestrado e Doutorado) e os desenvol-
vidos via PIBID.
A publicação, resultante desse encontro, é o somatório de múltiplas etapas: (1) expo-
sição sobre o assunto aos grupos de avaliadores; (2) encontro de avaliadores para discutir
os resultados; (3) plenária para apresentação da síntese dos avaliadores. Nesse sentido, a
apresentação feita por autores de trabalhos assume um significado consistente, pois além de
ser ouvido, de poder demonstrar os conhecimentos e domínio sobre os conteúdos e a proposta
apresentada, os acadêmicos podem responder questões e ouvir, dos avaliadores, na plenária,
um parecer que sintetiza as discussões pontuais realizadas durante a análise dos pôsteres.
Nesse retorno (a plenária), amplia-se a discussão sobre a qualidade, a responsabilidade
e o engajamento dos participantes de um Encontro que integra e aproxima as duas pontas no
processo de produção de conhecimento: os acadêmicos e os leitores especializados. O ápice
dessa proposta está justamente na plenária, na apresentação dos resultados das discussões
prévias.

89
O produto, esta publicação, resume a importância da exposição por meio do pôster
acadêmico, revelando-se, assim, um meio de divulgação de trabalhos que tem na sua essência
a relação entre as linguagens verbais e não verbais. Esse gênero valoriza a multimodali-
dade, tornando-se, pois, um meio dinâmico para apresentação de resultados de pesquisas
ou atividades desenvolvidas na Universidade.
Neste IV Encontro de Gêneros na Linguística e na Literatura foram apresentados 62
trabalhos os quais representavam diferentes Instituições de diversas partes do país (UEPB,
UESPI, UFAL, UFCG, UFPE, UFRPE, UFPB, UFRN, UNIFRA). Do total de pôsteres apresen-
tados 41 foram selecionados para compor esta publicação. A temática variada e a união de
pesquisas em seus mais diversos momentos – de IC a Doutores, passando por atividades de
Pibidianos - revelam o valor desta obra.”
O livro em questão pode ser acessado diretamente no link: http://issuu.com/
pipacomunica/docs/ebook-generos2013-ufpe.

90
E por falar em NIG-UFPE...
Em decorrência do meu envolvimento com os estudos de gêneros, criei, em maio de
2010, o Núcleo de Investigações sobre Gêneros Textuais (NIG), certificado pela UFPE em maio
de 2011, tendo como metas iniciais, e prioritárias, a internacionalização de pesquisas e a
produção de materiais didáticos resultantes da articulação pesquisa, ensino e extensão. O
NIG se iniciou com duas linhas de pesquisa, renomeadas em 2012 como “Teorias de Gênero”
e “Gêneros Multissistêmicos e Ensino”. A primeira tem por objetivo maior a investigação de
estudos de gêneros textuais nas áreas da linguística e da teoria da literatura, observando
práticas sociais, constituídas por gêneros orais e escritos, em contextos sociocomunica-
tivos diversos e em épocas diversas. Já a segunda, “Gêneros Multissistêmicos e Ensino”, está
voltada para ações que investiguem as construções das formas verbais (textos escritos ou
falados; digitais ou impressos) e pictoriais (gráficos estáticos ou dinâmicos) dos textos e
as possíveis implicações neuropsicológicas que tais construções (arranjos tecnológicos)
podem provocar em situações de aprendizagem; investiga-se ainda, nesta perspectiva,
as relações entre os usos das novas mídias tecnológicas, as possibilidades (affordances)
tecnológicas e a construção de identidade.
Em 2013, foi criada uma nova linha de pesquisa – Teorias de Gênero, Tradução e Mídias
Digitais –, em decorrência de ações como: tradução e legendagem para a Série Bate-Papo
Acadêmico (ISSN 2238-7382) e tradução e legendagem da Coletânea de vídeos Gunther Kress.
Esta nova linha também atende a uma demanda de alunos das licenciaturas e bacha-
relados em línguas estrangeiras do Departamento de Letras. Infelizmente, não é uma
prática tão fácil de ser perseguida. Uma incansável lutadora é a Profa. Fatiha Parahyba.
No momento, temos um livro, intitulado, Consciência Crítica de Gênero: propostas para
o ensino, com dois capítulos traduzidos, um do português para inglês (Gêneros textuais
como prática social e seu ensino, de Maria Augusta Reinaldo e Maria Auxiliadora Bezerra)
e outro do inglês para português (Teaching Critical Genre Awareness, de Amy Devitt), em
fase de editoração, realizado pelos alunos de graduação em língua inglesa sob a super-
visão de Fatiha.

91
Dois outros títulos estão sendo trabalhados por nossa equipe: um ainda sem título,
contém os artigos Algumas Ideias Para Ensinar Novos Gêneros A Partir De Velhos Gêneros, de
Amy J. Devitt e Heather Bastian e Gêneros evoluem? Deveríamos dizer que sim? De Carolyn
R. Miller. Os textos originais também serão publicados.

Além do Anais Eletrônico do IV Encontro Gêneros na


Linguística e na Literatura, anteriormente mencionado,
publicamos recentemente, mais um título na linha edições
NIG: Tomar Notas: estratégias de aprendizagem com anota-
ções, de Larissa Cavalcanti e Andrea Moraes, com apresen-
tação de Vera Menezes da UFMG, pela Pipa Comunicação
(http://bit.ly/tomarnotas). O NIG incentiva produções
bibliográficas digitais, no entanto, a falta de verba tem
dificultado e muito a nossa atuação.

O NIG buscou com a criação da Série Bate-Papo Acadêmico (ISSN 2238-7382), (http://
www.nigufpe.com.br/serie-academica) trazer para o campo dos estudos de gêneros
uma contribuição diferenciada, ao propor “demonstrar a variedade conceitual do termo
gênero, uma vez que tem por intuito maior organizar e compartilhar, num espaço digital,
o conhecimento que se tem construído sobre gênero, nos mais variados contextos, nas
mais variadas áreas de estudos, por pesquisadores de vários países.

92
Através de entrevistas com estes pesquisadores, a Série Bate-Papo Acadêmico divulga
e disponibiliza conhecimento e ciência; promove a interação entre academia e demais
setores da sociedade, bem como estabelece uma conexão entre os estudiosos de gênero
através das traduções oferecidas (português, inglês, espanhol e francês). A Série Bate-
Papo Acadêmico se apresenta em formato digital, disponível para acesso online, numa
tecnologia multimídia moderna, de grande acesso, mas que preserva os velhos e nobres
gêneros da nossa cultura acadêmica, ou seja, o diálogo entre os grandes mestres (vídeo)
e o livro (e-book).” (www.nigufpe.com.br)
No entanto, apesar de já termos gravações, não tivemos apoio financeiro para finalizar
as traduções, legendagens e editorações dos vídeos; diagramação dos ebooks e flashpapers,
ou seja, para arcar com os custos que cada etapa exige. Além do mais a cultura do trabalho
voluntário acadêmico não se estabelece entre nós. Como são quatro idiomas (português,
francês, inglês e espanhol) e cerca de 10 a 12 perguntas por vídeo, cada volume da Série
Bate-Papo Acadêmico se constitui de 30 a 36 vídeos traduzidos e legendados, além da
edição do vídeo em língua original do entrevistado. É, portanto, uma produção sofisti-
cada que requer a participação de profissionais das áreas especializadas de tradução,
legendagem e editoração de vídeos. Por exemplo, o volume Carolyn Miller (NCSU -USA) &
Charles Bazerman (UCSB –USA) – Gêneros Textuais – em agosto de 2011, foram publicadas
as versões em inglês, português e espanhol; em julho de 2012, a versão em francês. São 12
perguntas e respostas, totalizando 36 vídeos, um ebook (77 páginas) e um flashpaper. Só
a questão 1 possui, na versão em língua portuguesa, mais de 14.000 acessos no Youtube,
sem contar com os acessos feitos diretamente no site do NIG. Este volume contou com o
apoio do PG Letras da UFPE.
Estão pendentes as entrevistas nas seguintes etapas:

1. Jean Michel Adam (Université de Lausanne – Suiça): etapas finalizadas: trans-


crição do francês oral para o escrito; tradução do francês para o português;
etapas pendentes: tradução do francês para o inglês e espanhol e revisão para
texto do ebook e flashpaper. Este volume é realizado em parceria com a Profa.
Dra. Maria Antónia Coutinho da Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

93
2. Theo van Leeuwen (University of Technology, Sidney): - etapas finalizadas:
transcrição do inglês oral para o escrito; tradução do inglês para o português;
etapas pendentes: tradução do inglês para o francês e espanhol e revisão para
texto do ebook e flashpaper.
3. François Rastier (CRNS, Paris): etapas finalizadas: transcrição do francês oral
para o escrito. etapas pendentes: tradução do francês para o inglês e espanhol e
revisão para texto do ebook e flashpaper. Este volume é realizado em parceria
com a Profa. Dra. Maria Antónia Coutinho da Universidade Nova de Lisboa,
Portugal.

Outras entrevistas foram suspensas devido à inviabilidade da sequência do projeto.


Havíamos agendado com Amy Devitt, Roxane Rojo, Magda Soares. O que lamento muitís-
simo. Este é um projeto não continuado, mas que ainda não me dou por vencida...
Por causa da criação da Série Bate-Papo Acadêmico fui convidada para participar da
Roundtable Discussion - Supporting Genre Research Dialogues Across Disciplines (via a
Website, Journal, International Society, Advisory Board, Conferences, Colloquia...) – durante o
“Genre 2012: Rethinking Genre 20 Years Later”, em Carleton University, Canada, em junho
de 2012. O NIG era o único a ter participante convidada de universidades das Américas
Central e do Sul, nesta discussão.

ROUNDTABLE DISCUSSION

Room: Kailash Mital Theatre


Chair: Susan Gerofsky, University of British Columbia, Canada

Participants: Natasha Artemeva, Meagan Kittle Autry, Céline Beaudet, Vijay Bhatia, Anis Bawarshi, Amy
Devitt, Angela Dionisio, Dylan B. Dryer, Janet Giltrow, Ann Johns, Ashley Kelly, J. R. Martin, Carolyn R.
Miller, David Russell, Catherine Schryer, Jaffer Sheyholislami Clay Spinuzzi, Graham Smart, Christine Tardy.
http://www3.carleton.ca/genre2012/pdf/genre-2012-program-full.pdf

94
Quanto à Coletânea de vídeos Gunther Kress, entrevista com o Dr. Gunther Kress,
especialista em estudos multimodais, produzidos pela Universidade de Londres, cujos
direitos de imagem e texto em língua portuguesa foram cedidos, em novembro de 2012,
para o NIG e para o PIBID Letras, só foi possível fazermos a tradução e legendagem em
tão curto tempo, porque contamos com o apoio financeiro do PIBID institucional da UFPE.
Os quatro vídeos já foram disponibilizados na homepage do NIG, em fevereiro de 2013
(http://www.pibidletras.com.br/cine-letras/gunther-kress/), mas não foi possível
fazer o link com o site do NIG pela necessidade de atualização do nosso site!
Além desses resultados, em seus 6 anos de criação, o NIG também possibilitou o inter-
câmbio com o Multimodal Research Centre, na Universidade de Auckland, Nova Zelândia,
via o desenvolvimento do projeto “Quem somos nós? E como a nova mídia tecnológica está
impactando nossa vida?” (“Who are we? and How is new media technology impacting our
lives”), coordenado pela Profa. Sigrid Norris, no período de 2011 a 2017. Cadastro na
Plataforma Brasil 00748312.7.0000.5208, aprovado em setembro de 2012 e coordenado
aqui no Brasil por mim. Os dados foram coletados a partir da aplicação de uma entrevista
com base em um questionário com 61 questões a 100 informantes assim distribuídos: 20
participantes (10 homens/10 mulheres) na faixa etária de 16-25 anos; 20 participantes
(10 homens/10 mulheres) na faixa etária de 26-35 anos; 20 participantes (10 homens/10
mulheres) na faixa etária de 36-50 anos; 20 participantes (10 homens/10 mulheres) na
faixa etária de 51-65 anos; e 20 participantes (10 homens/10 mulheres) na faixa etária
de 66 + anos. Já foram realizadas as seguintes etapas: (i) coleta das 100 entrevistas; (ii)
digitação dos 100 questionários em língua portuguesa; (iii) tradução dos 100 questionários
para a língua inglesa. No momento, já foram digitados e revisados os 100 questionários
traduzidos para o inglês e alimentado o banco de dados da website do projeto http://
www.whoarewe.aut.ac.nz/ e iniciamos as análises e as produções e de artigos. Este
projeto contou com o apoio do PG Letras da UFPE, até 2013. O andamento desde projeto
está muito lento, inclusive com algumas dificuldades teórico-metodológicas. Há indicações
de reestruturações para a etapa final, segundo a coordenação geral na Nova Zelândia.
O NIG contabiliza como principais ações concluídas e/ou que se estabeleceram e se
tornaram recorrente:

95
1. A elaboração e conclusão do Projeto “O Diálogo entre Multimodalidade e
Neuropsicologia” (UFPE 23076.016293/2011-20), (2010-2012). Do desenvol-
vimento deste projeto, destaco como principais resultados a produção de dois
capítulos: Multimodalidade, gênero textual e leitura, de Angela Paiva Dionisio e
Leila Vasconcelos e Multimodalidade, capacidade de aprendizagem e leitura, de
Leila Vasconcelos e Angela Dionisio, publicados no livro Múltiplas Linguagens
para o ensino médio, organizado por Clécio Bunzen e Márcia Mendonça, publi-
cado pela Parábola, em 2013.
2. A elaboração do subprojeto PIBID Letras “A Leitura de Linguagens Diversas”,
em 2011, apresentado ao Departamento de Letras por Angela Dionisio, apro-
vado no Edital PIBID 2010/CAPES, com 10 bolsistas (graduandos Letras) e 2
bolsistas (supervisores).
3. A elaboração de projetos para alunos do Programa BIA (Bolsas de Incentivo
Acadêmico):

• Renata Maria da Silva Fernandes, com o subprojeto “O Diálogo entre


Multimodalidade e Neuropsicologia: um enfoque em gêneros textuais
impressos” (setembro de 2010 a agosto de 2011);
• Valmir Joaquim da Silva Junior, com o subprojeto “O Diálogo entre
Multimodalidade e Neuropsicologia: um enfoque em gêneros textuais
digitais” (setembro de 2010 a agosto de 2011);
• Getulio Ferreira dos Santos, com o subprojeto “Gêneros Visuais em
Livros Didáticos do Ensino Médio” (agosto de 2012 a agosto de 2014).

4. As realizações bienalmente do Encontro Gêneros na Linguística e na Literatura.


Este ano, realizamos em setembro o VI Encontro.

96
O Prof. Charles Bazerman foi um grande incentivador da criação do NIG. Em 2015, para
celebrar os 10 anos de visita ao Brasil e a contribuição direta e efetiva com os estudos de
gêneros e de escrita no nosso país, nós do NIG, resolvemos demonstrar o nosso carinho
com a produção de um livro, Gêneros na Línguística e na Literatura: Charles Bazerman,
10 anos de incentivo à pesquisa no BRASIL, organizado por mim e por Larissa de Pinho
Cavalcanti (http://goo.gl/BfbDrg).
Na apresentação que fiz para o livro, finalizo, recorrendo a Caetano Veloso, dizendo a
Bazerman, que os seus

... livros (...) em nossa vida entraram São como a radiação de


um corpo negro Apontando pra expansão do Universo Porque a
frase, o conceito, o enredo, o verso É o que pode lançar mundos
no mundo (...)

Assim como Caetano Veloso, consideramos que “os livros são


objetos transcendentes, mas podemos amá-los do amor táctil,
domá-los, cultivá-los em aquários”. Nós, seus amigos, reunidos
neste livro, decidimos que poderíamos “simplesmente escrever
um”. Pra você, Charles Bazerman, Chuck!

Kit NIG:

97
Estas possibilidades de pesquisas, de participação em eventos acadêmicos, em bancas
examinadoras me permitiu viajar por cinco países, nos quais visitei, até 2016, um total de
15 cidades; no Brasil, sem considerar Pernambuco, visitei 16 Estados e o Distrito Federal,
perfazendo o número de 25 cidades. No momento da defesa oral do memorial, apresentei a
animação Por onde andei que permitiu uma viagem por países, estados e cidades em que
já estive como professora da UFPE, ao som de Orinoco Flow, composição de Enya e Roma
Ryan: “Turn it up, turn it up, turn it up, up, adieu. Ooh - Sail away, sail away, sail away”.

Por onde andei:

98
99
UFPE
Idealizadora do PIBID Letras Português

“Somos todos professores-pesquisadores – é algo que pode render muito”.


Elilson Nascimento, Revista Educação, 2013.

101
Vou falar do PIBID LETRAS PORTUGUÊS, num estilo narrativo mais plural, visto que
as informações apresentadas, entre os anos de 2011 (julho) e 2016 (agosto), expõem o
trabalho realizado pela equipe PIBID Letras – coordenadoras, supervisores, professores
visitantes e alunos bolsistas – e a maneira como este trabalho repercutiu tanto para o
crescimento do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência quanto para o
desenvolvimento acadêmico de professores, licenciandos em formação e professores e
estudantes do ensino básico. Não é Angela a personagem central deste feito.

Equipe PIBID Letras Português da UFPE - 2011

As atividades desenvolvidas pelo PIBID Letras tiveram, como ponto de partida,


resultados insatisfatórios dos alunos da educação básica em programas de avaliação em
questões de compreensão, mediadas por gêneros textuais diversos. Além dos depoimentos
de professores da educação básica sobre as dificuldades para realizar planejamento de
atividades com gêneros multissemióticos.

102
No desenvolvimento da primeira etapa do projeto A Leitura de Linguagens Diversas, em
2011, acho que eu relembrava as pesquisas com os livros de adivinhações e com livros de
literatura infantil das aulas de morfologia, nas quais se salientava o fato de que os recursos
visuais e verbais precisavam ser vistos como recursos semióticos, no processamento dos
textos. Concebíamos, agora, em 2011, que um texto é “construído numa orientação de
multissistemas, ou seja, envolve tanto aspectos linguísticos como não linguísticos no seu
processamento (imagem, música) (...)” (Marcuschi, 200880) 24: Referimo-nos à multimo-
dalidade discursiva como um traço constitutivo de todos os gêneros textuais escritos e
orais. Portanto, recursos semióticos25 precisam ser vistos como possibilidades tecnológicas
(affordances), no processamento dos textos. O objetivo maior do PIBID Letras Português
tem sido, portanto, oferecer subsídio teórico-metodológico para a abordagem de gêneros
produzidos por diversas linguagens, observando as funções retóricas das convenções utili-
zadas. Os trabalhos de intervenções, na sua primeira fase (2011-2013), foram planejados
através da realização de oficinas, do planejamento de atividades destinadas ao ensino
médio e com base em subsídios teórico-metodológicos interdisciplinares, oriundos dos
Estudos Retóricos dos Gêneros, da Multimodalidade e da Neuropsicologia.

Séries de Livros Digitais


A elaboração de materiais didáticos resultantes das oficinas ocorridas no PIBID
Letras esteve, desde o princípio da elaboração do projeto, como um dos seus principais
objetivos. Esses materiais didáticos estão disponibilizados no website do PIBID Letras:
www.pibidletras.com.br.

24. MARCUSCHI, Luiz. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola. 2008.

25. Recursos semióticos é o termo que tem sido utilizado para descrever os modos tais como língua, imagem, gesto,
gráficos, música, tipografia, cor, etc. se integram através das modalidades sensoriais (visual, auditiva, olfativa, etc.) na
construção de eventos e textos multimodais (cf. O’Holloran, 2011; Kress, 2009, van Teeuwen, 2006). De acordo com os
Glossários existentes nos livros “Introducing Social Semiotics” e “The Routledge Handbook of Multimodal Analysis”, a
definição de recurso semiótico que prevalece é a estabelecida por van Leeuwen: “ações, materiais ou artefatos que nós
usamos com propósitos comunicativos, quer produzidos fisiologicamente –por exemplo, com nosso aparato vocal, os
músculos que usamos para fazer expressões faciais e gestos– ou tecnologicamente, por exemplo, com lápis e tinta, ou
computador e software– junto com os meios nos quais cada um desses recursos podem ser organizados. Recursos
semióticos têm um sentido potencial, baseado nos usos passados e numa série de possibilidades baseadas nos usos
possíveis.” (van Leeuwen, 2005:285; Jewitt, 2009:304).

103
As Séries do PIBID Letras visam propiciar, aos futuros professores de Letras, bem
como aos professores do ensino médio em exercício, envolvidos no subprojeto, a opor-
tunidade de produzir materiais didáticos. As séries planejadas entre 2011-2013 foram:
Série Experimentando Teorias: Diversidade de Linguagens no Ensino Médio, Série Verbetes
Enciclopédicos: Diversidade de Linguagens no Ensino Médio e Série Cadernos de Sugestões
Didáticas.
O primeiro volume da Série Experimentando Teorias: Diversidade de Linguagens no
Ensino Médio seguiu basicamente o plano inicial do projeto, visto que consistia em discutir
a base teórica que subsidiaria o planejamento de atividades destinadas ao ensino médio.
Já a segunda, Série Verbetes Enciclopédicos: Diversidade de Linguagens no Ensino Médio,
surgiu da necessidade de construção de um material intermediário, para servir de base
para as intervenções didáticas: a descrição de gêneros multissemióticos que descrevem,
narram, quantificam informações recorrendo às estratégias textuais e discursivas da visu-
alização. Insiro, ao final deste tópico, o texto que fiz para Apresentação desta Série por
traduzir, sem trocadilhos, a história da equipe e mais uma vez a minha aprendizagem de
um novo gênero, ao mesmo tempo em que buscava revisitá-lo por razões didáticas. Em
Verbetar: fazer verbetes e organizá-los, eis o nosso desafio! também revivi o meu caminho
com os verbetes, até então voltados para o ensino de língua materna.

Quanto à terceira, Série Cadernos de Sugestões Didáticas, se guiou pelo cumprimento de


duas metas do PIBID CAPES, que consistem em contribuir para a articulação entre teoria
e prática como necessárias para a formação docente e, ao inserir o licenciando no coti-
diano das escolas, oportunizar a criação de e participação em experiências metodológicas
e práticas docentes de caráter inovador. Para mim, como coordenadora, era fundamental
estimular a escrita docente, o agir autoral do professor. Infelizmente, a escrita docente,
isto é, os gêneros do agir docente, não é ainda tão enfatizada em nossas licenciaturas.

104
Cobra-se a produção do gênero textual atividade escolar. Mas se ensina? Enfatiza-se a
relevância de um enunciado bem elaborado em um processo de avaliação de desempenho
de aprendizagem dos alunos, mas em qual momento do curso de Letras, pelo menos, nestes
anos aqui na UFPE, nós nos envolvemos com a escrita desse gênero? E não quero nem
questionar se era a escrita de enunciados multimodais26! O PIBID foi, então, um espaço para
experimentação, para a aprendizagem do professor como escritor, como autor. Para mim,
como coordenadora, fez-se a oportunidade, no espaço do curso de Letras, para vivenciar a
escrita dos gêneros do professor, isto é, de incentivar o agir autoral do professor.
A primeira decisão tomada por mim foi a de que as sugestões didáticas para cada
verbete não deveriam consistir unidades de estudo ou sequências didáticas. O que real-
mente se buscava era fazer exercícios de docência. Era aprender a fazer exercícios para os
diversos segmentos textuais27 como videoclipes, fotografias, poemas, desenhos anatômicos,
etc. Para ressaltar essa intenção maior, usamos como epígrafe-memória, uma citação de
Ana Cristina Marinho e Hélder Pinheiro:

“Sugestões a gente ouve, adapta à nossa realidade, desconfia delas, esquece-as,


retoma em outro momento, recria, inventa outras. Elas são, portanto, pontos de partida,
e servem, sobretudo, para o professor que ainda não tem uma experiência acumulada
de atividades neste âmbito. Esta postura diante das sugestões precisa ser levada a
sério, para não ficarmos mecanicamente fazendo o que o manual ou o especialista
nos indica. Dito de outra forma, embora na vida estejamos quase sempre imitando e
toda a aprendizagem comece por imitação, do ponto de vista didático-pedagógico é
fundamental estar atento à realidade particular em que se vive – sala de aula, grupo de
leitura, biblioteca, grupo de naturezas diferentes – para a partir daí propor atividades
de leitura.” (Ana Cristina Marinho e Hélder Pinheiro, 2013, p. 12728)

26. Pego emprestada esta expressão de Denise Lino. Muitas conversas com Denise me guiaram neste percurso dos
enunciados das atividades escolares.

27. Chamo de segmentos textuais, uma vez que o gênero textual é o verbete e os demais “gêneros” inseridos na sua
construção funcionam, predominantemente, como estruturas textuais, como elementos de textualidade. Mas isto é tema
para outro texto.

28. MARINHO, Ana Cristina, e PINHEIRO, Hélder. O cordel no cotidiano escolar. São Paulo, Editora Cortez. 2013

105
[Um parêntese sobre um destes livros: Ao concluirmos o livro Multimodalidades e
Leituras: funcionamento cognitivo, recursos semióticos e convenções visuais, pensá-
vamos em quem convidar para fazer a apresentação, quando Medianeira questionou:
“Por que não os meninos Leo, Paloma e Nadiana?” Respondi: “Ótima ideia.” Estava
definido, fizemos o convite e eles aceitaram de primeira. Vejam só por onde eles foram
começar? Lá estavam eles retomando as aulas de Morfologia, praticamente 15 anos
depois, o que me fez pensar o quanto foi impactante, para usar uma palavra deles no
momento, o enfoque metodológico adotado, em que dialogavam Mattoso Câmara,
Evanildo Bechara, Maria Helena Moura Neves, Millor Fernandes, Ida Maria Alves, Nelly
Carvalho, entre outros. O que deveria ser apenas uma Apresentação de um livro trouxe
algo mais. Trouxe testemunhos de investimentos teórico-metodológicos, trouxe um
conforto profissional, um alento de que aquelas aulas de tanto tempo atrás continu-
avam a influenciar a formação docente destes alunos. Obrigada Leonardo, Paloma e
Nadiana. Eis o fragmento da Apresentação:

Universidade Federal de Pernambuco, final dos


anos 1990, começo dos anos 2000. Apesar de
frequentarmos turmas diferentes, vivenciávamos
uma realidade bastante parecida. Éramos três
alunos recém-chegados ao curso de Letras, cheios
de planos e expectativas, mas ainda sem muita
noção concreta do que nos aguardava. Será que
iríamos aprofundar nossos conhecimentos de
análise sintática? Destrinchar ainda mais as classes
morfológicas? Quem sabe praticar a conjugação
de verbos exóticos? Mal sabíamos naquela época
o quão distantes esses questionamentos estavam
do percurso que acabamos efetivamente trilhando
em nossas vidas acadêmicas.

A guinada para encontrarmos o caminho que de fato desejávamos percorrer não


se deu, é certo, de uma hora para outra. Assim como tantos alunos – e mesmo
alguns professores – do curso de Letras, estávamos acostumados a pensar

106
o nosso objeto analítico como sendo estritamente o texto verbal, a partir do
qual seriam produzidos estudos fonéticos, lexicais, morfossintáticos e, quando
muito, semântico-pragmáticos. Ilustrações, fotos e gráficos, aliados a recursos
de composição e impressão, como tipo de papel, cor, diagramação, etc. – todos
esses elementos essenciais à compreensão do texto eram então tidos como
meros adornos, passíveis só de comentários pontuais e ‘a título de curiosidade’.
É claro que, naquele momento, não era sequer discutida a noção de multimo-
dalidade. Contudo, Angela Dionisio – na época, nossa professora de Língua
Portuguesa –, com sua postura inovadora e de importância fundamental para
a referida ‘virada’ em nosso percurso acadêmico, já apresentava, em um livro
discutido em sala, questões como: “a leitura se realiza a partir do diálogo do
leitor com o objeto lido – seja escrito, sonoro, seja um gesto, uma imagem, um
acontecimento” (Martins, 1997, p.33). (…)

Por fim, não podemos deixar de concluir a nossa narrativa inicial acerca do nosso
percurso acadêmico. Bom, hoje nós três somos (quase) todos doutores – Nadiana está
em vias de conclusão do curso – e todos trabalhamos com multimodalidade. O convite
para fazermos esta APRESENTAÇÃO, além de ser uma honra, celebra nossa caminhada
por essa área, agora com passos mais firmes de profissionais realizados, e anuncia
novos meandros por percorrer; ainda como jovens cheios de planos e expectativas.”29

E fomos parar na CAPES e no MEC


Foi uma surpresa agradabilíssima receber da CAPES o destaque dado ao nosso projeto,
com a matéria Projeto Pibid da UFPE lança série de livros digitais para professores, em 24 de
julho de 2015. Significava o reconhecimento do órgão de fomento que subsidia o programa,
mas significava, principalmente, a credibilidade do trabalho dos jovens professores inse-
ridos no PIBID PORTUGUÊS UFPE. Esta notícia também foi divulgada pela rádio MEC.

29. MOZDZENSKI, L., BORBA, P e LIMA, N. Multimodalidades, leituras e três histórias que se cruzam: uma apresentação. In:
DIONISIO, A.; VASCONCELOS, L.; e SOUZA, M. Multimodalidades e Leituras: funcionamento cognitivo, recursos semióticos
e convenções visuais. Recife: Pipa Comunicação, 2014, p. 9-12.

107
Notícia na íntegra:

Os bolsistas de Letras do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência


(Pibid) na Universidade Federal de Pernambuco organizaram as metodologias aplicadas
na sala de aula das escolas atendidas pelo projeto — Escola Diário de Pernambuco
e Escola Senador Novaes Filho — em forma de livros e guias que pudessem ser
compartilhados e utilizados por outros professores interessados na melhoria de suas
práticas de ensino e aprendizagem.

De acordo com os bolsistas, foi na tecnologia que eles encontraram o melhor auxílio
para o desenvolvimento das atividades com os alunos da rede pública e para o
compartilhamento, que serve de inspiração a outros professores.

São três séries de livros digitais: Série Verbetes Enciclopédicos: diversidade


de linguagens no ensino médio,  Série Cadernos de Sugestões Didáticas e Série
Experimentando Teorias em Linguagens Diversas. Também foram produzidos um
glossário online e um espaço intitulado Cine Letras. Todas as produções foram
desenvolvidas pelos licenciandos sob a coordenação da professora Angela Paiva
Dionisio, em parceria com os supervisores das escolas públicas, e organizadas pelos
professores do Departamento de Letras da UFPE, responsáveis pelo projeto.

108
Os livros gratuitos estão disponíveis no site do Pibid Letras UFPE e os interessados
podem acessá-los online ou realizar o download para seus dispositivos. As publicações
são repletas de ilustrações e sugestões de conteúdos adicionais como vídeos,
fotografias, tirinhas e outros elementos que deixam a leitura mais atraente e dinâmica.
Em todas as séries, a abordagem principal está centrada nos gêneros textuais na
perspectiva da multimodalidade, que é o foco de atuação do projeto. "Gráficos, tabelas,
desenhos anatômicos, infográficos, mapas e histórias em quadrinhos, veiculados na
mídia impressa e digital, simbolizam alguns dos gêneros textuais que migraram para o
domínio educacional, tanto para serem usados em situações de aprendizagem como
em situações de avaliação", reforça a coordenação do Pibid Letras da UFPE.

Acredito sempre que podemos ser surpreendidos com novas situações de superação e
novas construções de aprendizagem. No entanto, esta experiência com o PIBID associada
ao meu tempo de magistério me faz suspeitar que reside aqui o fechamento de, prova-
velmente, a mais significativa, por um período tão intenso, de vivência docente e com a
formação de docentes. Com esta turminha, pude:

1. Realizar um desejo acadêmico de participar


oficialmente como apresentadora de pôster
acadêmico;

2. Retomar as aulas do magistério no Colégio


Santa Rita, retomar o dia a dia no projeto Estágio
de dois anos integrado ao ensino de 1° grau
durante a graduação em Letras em Campina
Grande, retomar os árduos estudos nos cursos
de mestrado e doutorado na UFPE e, como não
dizer, retomar os muitos livros lidos e as discus-
sões com o Prof. Bazerman, durante o estágio
de pós-doutoramento, em Santa Bárbara, na
Califórnia, misturando-se com o meu dia a dia de
docente na UFPE, nos momentos de orientação
das unidades para as intervenções didáticas a
serem realizadas no ensino básico.

109
O primeiro kit de gêneros textuais produzidos por alunos do ensino básico sob a
supervisão dos nossos jovens pibidianos, ao final da primeira unidade perfil do
leitor, traz, em cada um dos seus cinco produtos, memórias teórico-metodológicas
distintas, nos quais eu visualizo momentos distintos da minha vida acadêmica.
Eis os produtos:

Produto 2: Cartelas do jogo tabuleiro que se


Produto 1: Perfil do leitor que se transformou
transformam em marcadores de página
em calendário anual (2013)

Produto 3: Perfil do leitor como capas para blocos Produto 4: Enquete perfil do leitor que se
de anotações transformou em pôsteres para quartos

Produto 5: Coletânea de perfil do leitor da turma em formato de livro digital

110
3. Ser presenteada por um cartão de aniversário em que os bolsistas demonstravam a
aprendizagem dos estudos de gêneros na perspectiva que desenvolvemos no projeto, bem
como do conceito de verbete. Quantas histórias subjazem os temas-títulos e as definições
contidas neste cartão de aniversário! Sabiam construir o gênero, podiam transgredi-lo;
mais ainda: não o fizerem para cumprir uma tarefa escolar. Simplesmente, quiseram fazer!
Me disseram, certamente sem querer: “olha, Angela, como a gente pode brincar com as
estruturas textuais do gênero verbete, subvertendo-as!” Que presente maior eu podia querer?

4. Vivenciar a disponibilidade e o despren-


dimento dos bolsistas para novas aventuras
didáticas, acadêmicas. Participaram ativa-
mente dos encontros do NIG, e chegaram
a criar, dentro das limitações tecnológicas
que temos, o Garoto NIG e uma linha do
tempo Gêneros em Livros. Quero ressaltar
dois pontos: o primeiro é que esta linha do
tempo está incompleta, não contém todos os
livros publicados, e o segundo é que linha
do tempo era um gênero em estudo naquele
em nosso grupo PIBID.

111
5. Presenciei cenas casuais que traduzem a conti-
nuidade da vida e a alegria dos profisionais nos
reencontros com seus ex-alunos. Especialmente,
quando estes alunos seguem sua profissão;

Encontro: pibidiana recebe a visita, casual,


de um ex-professor do ensino médio,
durante a I EXPO PIBID CAPES/UFPE

E por fim 6, pude trazer para minha formação acadêmica, de forma substancial, a
produção da escrita docente, ou seja, pude, efetivamente, ao coordenar esse projeto, fazer
da universidade, como afirma Magda Soares (2015, p. 27), o espaço de pesquisa como
uma forma de compreender para agir. Pude ter a resposta que me blindava do sistema de
obrigatoriedade de publicação de artigos científicos em periódicos Qualis A: “Não acho
que publicar artigo científico seja suficiente, quando se é da área da educação, sobretudo em
um país em que o ensino público ainda é tão deficiente.” Eu precisei optar entre o quereres
e o estares sempre a fim, eu estava a fim de fazer “O Pibid”; não mais as exigências dos
programas de pós-graduação, os quais já não eram o quer que havia em mim. Eles podem
voltar a ser o meu querer um dia... pois não há aqui nem crítica ou demérito. Não seria
bandida lá, pois acho que sou heroína, com 24 orientações e 3 co-orientações de mestrado,
8 orientações e 3 co-orientações de doutorado e 3 supervisões de pós-doutoramento,
sendo a primeira defendida em 2002 e a última em 2015.
Com as ações do PIBID, estamos em 2016. Acredito ser um momento interessante
para visualizarmos as atividades de orientação mais voltadas para a graduação. Totalizam
112 orientações distribuídas nas categorias de Iniciação Científica, Monitoria, PIBID, BIA,
TCC e Programa Jovens Talentos. A tabela abaixo trás informações sobre os períodos e
distribuição de bolsistas em cada categoria:

112
Orientações como Professora do Departamento de Letras
- Graduação -

Iniciação Científica (1999 – 2011) 32

Monitoria (2002 – 2016) 14

PIBID (2011–2016) 54

BIA (2006 – 2011) 6

Trabalho de Conclusão de Curso (2014-2016) 4

Programa Jovens Talentos (2013-2014) 2

Apresentação da Série Verbetes Enciclopédicos


Verbetar:
fazer verbetes e organizá-los, eis o nosso desafio!

Vamos verbetar! Esta foi a decisão tomada após algumas reuniões da equipe PIBID Letras UFPE,
ao estudarmos gêneros textuais, investigando questões de avaliações de programas que buscam traçar
perfis dos nossos alunos de educação básica, ao analisarmos manuais didáticos do ensino médio de
disciplinas diversas e ao buscarmos respaldo teórico para definições de alguns gêneros multissistê-
micos recorrentes em diferentes áreas de conhecimento no ensino fundamental e médio, tais como
desenho anatômico, diagrama, fotografia, infográfico, linha do tempo, tabela. Todos nós com um letra-
mento mais formal podemos ler cada um deles, com certa facilidade, sem que isto nos cause entrave
mais sério no processo de compreensão, certo? Porém, como sujeitos responsáveis pela elaboração
de atividades didáticas que orientam a formação de leitores, precisamos nos apropriar melhor dos
gêneros textuais que circulam em nosso contexto educacional, em nosso dia a dia. Conhecer apenas
não é suficiente e apropriação exige domínio! A tarefa não foi tão simples, como mostraremos no
decorrer desta apresentação.
Voltando aos aspectos motivadores da nossa decisão em verbetar esta série Verbetes Enciclopédicos,
uma situação bastante significativa foi vivenciada em uma das escolas estaduais recifenses nas quais

113
estamos atuando. Durante a realização de um teste piloto, envolvendo a compreensão de enunciados
com gêneros multissistêmicos, uma aluna não respondeu a uma questão, pois, segundo ela, não sabia
o que era charge, termo que iniciava o enunciado da questão, transcrita abaixo (01). Não estamos, neste
momento, questionando a elaboração do enunciado em si, mas alguns fatores merecem ser pensados,
tais como (i) a importância da nomeação do gênero para o aluno-leitor e sua influência no momento de
avaliação (não saber o significado do termo não poderia ser atenuado com a verificação ou a leitura do
gênero em si? E no enunciado em análise a nomeação está equivocada, temos uma tirinha; jamais uma
charge!); (ii) a não flexibilidade cognitiva do aluno-leitor para realizar a tarefa solicitada, desistindo no
primeiro entrave, o que nos revela, talvez, uma orientação metodológica de que é necessário conhecer
o significado de cada palavra para entendermos o texto.

(01):
Na charge, a arrogância do gato com relação ao comportamento alimentar da minhoca,
do ponto de vista biológico:

(A) não se justifica, porque ambos, como consumidores, devem “cavar” diariamente o
seu próprio alimento.
(B) é justificável, visto que o felino possui função superior à da minhoca numa teia
alimentar
(C) não se justifica, porque ambos são consumidores primários em uma teia alimentar
(D) é justificável, porque as minhocas, por se alimentarem de detritos, não participam
das cadeias alimentares
(E) é justificável, porque os vertebrados ocupam o topo das teias alimentares.
ENEM, 2002, http://www.inep.gov.br
Acessado em 26/09/2011

114
Paralelamente a observações como estas, constatamos também o uso crescente, ao longo dos
anos, de gêneros multissistêmicos para o ensino de conteúdos e para situações de avaliação. Gráficos,
tabelas, desenhos anatômicos, infográficos, mapas, histórias em quadrinhos, entre outros gêneros veicu-
lados na mídia impressa e digital, simbolizam alguns dos gêneros textuais que migraram para o domínio
educacional. Muitos destes gêneros são originalmente produzidos em outros domínios discursivos e
estão inseridos em outros gêneros, tais como reportagens, relatórios do IBGE, da ONU, da UNESCO, do
INMETRO; atlas do IBGE, do INPE.
Tomamos para nós, equipe PIBID Letras UFPE, o desafio de estudarmos melhor alguns destes
gêneros, especialmente aqueles que não são muito recorrentes para o ensino de leitura e de escrita
nos materiais didáticos de língua materna. Isto se deve ao fato de um dos objetivos do projeto A Leitura
de Linguagens Diversas ser compreender a natureza e as características dos textos multissistêmicos,
com o objetivo principal de oferecer subsídio teórico-metodológico para o tratamento dos mesmos nas
atividades de leitura em sala de aula. Decidimos, então, selecionar os gêneros. Usamos como critérios
a recorrência de gêneros em áreas distintas de conteúdos curriculares, as dificuldades de leitura sina-
lizadas nas situações de avaliação que realizamos com aproximadamente 200 alunos do primeiro ano
do ensino médio de duas escolas recifenses, a não consciência do gênero pelos membros da equipe
PIBID Letras, embora sejamos seus leitores. Chegamos, então, ao seguinte conjunto de gêneros: desenho
anatômico, esquema, diagrama, fotografia, gráfico, infográfico, história em quadrinhos, linha do tempo,
mapa e tabela. Os passos seguintes foram pesquisar sobre eles, pensar na organização da escrita dos
verbetes, e, finalmente, verbetar! Eita, tarefa complicada!
Estes gêneros transitam por domínios discursivos e áreas de conhecimentos as mais diversas, ou
seja, sob as mais diversas rubricas. A título de exemplificação, tomemos o termo diagrama no “Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa” e no “Dicionário de Comunicação”. Ambos trazem acepções para
cinema, televisão, artes gráficas, música, informática, editoração. Tivemos que optar por desenvolver
definições mais voltadas para a divulgação de informações, uma vez que o nosso interesse está nos
usos destes gêneros com propósitos informativos, científicos. Então, escolher a acepção foi o ponto
de partida, mas isto não invalida a incursão pela história do gênero e sua tipologia. Mas, se definir é
um ato discursivo cotidiano nosso, não significa que seja simples, não é, Zaqueu?

115
(02) Narradores de Javé: [00:11:30 – 00:12:16]
Para assistir: http://goo.gl/2g6DE

ZAQUEU – Só que tem uma coisa: eles falaram lá que só tem validade esse trabalho se
for assim... Científico.
ARISTEU – Que coisa é científico, Zaqueu?
ZAQUEU – Científico é... ó, é assim, como por exemplo... é... é que não pode ser as
patacoadas mentirosas que ocês inventam! As patranha duvidosa que ocês gostam de
dizer e contar.

Quando pensamos em verbetes, acessamos imediatamente nossa história de leitores de dicionário


de línguas e os estudos de vocabulário. Não lembramos se tivemos uma professora como aquela exis-
tente nas memórias de Lygia Bojunga Nunes que “achava impossível a gente viver sem um dicionário
perto”, mas certamente achamos em algum momento de nossas vidas que um dicionário era “exagero
de papel”, “uma montanha de palavras desabando em cima da gente”, “uma letrinha supermiúda de
tanto quererem espremer mais quer-dizer-isso e mais quer-dizer-aquilo!”, “então, era só tirar a dúvida
se tinha dois ss mesmo, ou se era um s em vez de um z, e pronto, eu fechava ele logo” (1995, p. 39, 41).
Ao trazermos o depoimento de Lygia Bojunga Nunes, queremos também trazer os nossos...

“ler um verbete inteiro, olhar bem pra cara de uma palavra e ver se eu achava ela simpática ou não, e
pensar se eu ia ficar me lembrando dela, e me perguntar se eu ia gostar de me encontrar com ela outra
vez (quem sabe a gente podia ser companheira de um outro jogo, não precisava ser só programa de
rádio, a gente podia até se juntar de novo pra fazer letra de samba. Já pensou?) – não. Não mesmo.
Querer saber mais da vida daquela palavra era coisa que não me acontecia, ah, então tá, você tem um
acento no a, e fim de papo: fechava o dicionário na cara dela” (1995, p. 41).

116
Lygia começou a trabalhar para o rádio e para a TV, começou a escrever livros “e foi nesse encontro
com a Literatura que (Lygia) começou a ter curiosidade de ler um verbete inteiro, e de querer experi-
mentar os caminhos que o dicionário (lhe) mostrava, conferindo uma palavra com outra (...)” (1995,
p. 41). No meu caso, pesquisei sobre definições e adivinhações orais em interações conversacionais
(DIONISIO, 1998; 2003), orientei dissertações sobre estudo do vocabulário e uso de dicionários em
língua materna (LEAL, 2003; VIANA, 2003), escrevi uns poucos capítulos de livros sobre a abordagem
de vocabulário/verbete na sala de aula (DIONISIO, 2002 [2010]). Mas assim como Lygia disse que deu
“pra ficar tão contente com as (suas) (...) descobertas” (1995, p. 41), também comecei a me encantar
com as mudanças trazidas para o estudo do vocabulário com Linguística de Texto, Linguística Aplicada
e Teorias de Gênero!
Assim como Lygia, eu gostava “cada vez mais de assuntar: o texto que o dicionário usava pra dar
exemplo de uma palavra, ah, que graça! eles pegaram uma marchinha de carnaval do Lamartine Babo
pra mostrar que palhaço também quer dizer fantasia de palhaço, olha aí, ‘rasguei a minha fantasia, o
meu palhaço cheio de laço e balão ...’ (quanta coisa eu ia poder imaginar lá na tal ilha lendo os versos
dessa marchinha)” (NUNES, 1995, p.41, 42).
“Olha só pra isso!” (NUNES, 1995, p. 41), a equipe PIBID Letras pegou rápido o hábito de assuntar
o tema do verbete em domínios discursivos diversos! Desenho anatômico em videoclipe de Madonna?
Linha do Tempo na cabeleira dos Beatles? Diagrama usado como teaser de uma mostra de vídeo-dança?
Então, “as coisas científicas” de que iremos tratar nestes cinco primeiros volumes da Coleção
Verbetes Enciclopédicos são:

a) Desenho Anatômico e Diagrama (Volume 1)


b) Linha do Tempo e Mapa (Volume 2)
c) Fotografia e História em Quadrinhos (Volume 3)
d) Gráfico e Infográfico (Volume 4)
e) Esquema e Tabela (Volume 5)

Em 2002, quando escrevi a primeira versão do capítulo Verbete: um gênero além do dicionário,
(Dionisio, 2010, p. 136), achei bem interessante a metáfora criada por Hoey (2001:75), ao comparar a
organização de dicionários, glossários, enciclopédias a colmeias, cujas propriedades seriam:

a) o significado não deriva de uma sequência,


b) as unidades adjacentes não formam uma prosa contínua,
c) não há um frame contextual,

117
d) não há um autor individual,
e) um componente pode ser usado sem referência aos demais,
f) os componentes podem ser reimpressos ou reutilizados em trabalhos subsequentes,
g) os componentes podem ser acrescentados, removidos ou alterados,
h) muitos componentes podem servir à mesma função e
i) há uma sequência alfabética, numérica ou temporal.

Duas palavrinhas finais. Quando chegamos à versão que consideramos final dos nossos verbetes,
recorremos a alguns colegas profissionais e professores de outras áreas, a coordenadores de outros
PIBID da UFPE, solicitando suas colaborações como leitores críticos. Registramos aqui os nossos
agradecimentos a Aldemir Dantas Barbosa, a Judith Hoffnagel, a Karla Vidal, a Marina Marcuschi, a
Paulo Gileno Cysneiro, a Renê Montenegro, a Simone de Campos Reis. E para os nossos leitores, três
dicas: as letras dos nossos verbetes não são miúdas, o nosso verbete é multissemiótico e a nossa
escrita não é muito obediente às estruturas típicas do gênero...
Acredito que você, leitor, vai gostar de assuntar nossos verbetes enciclopédicos!

Angela Paiva Dionisio


Recife, dezembro de 2012.

Referências

ABREU, Luis e CAFFÉ, Eliane. Narradores de Javé. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Cultura/
Fundação Padre Anchieta, 2004.
DIONISIO, Angela. Imagens na oralidade. Recife: UFPE (Tese), 1998.
DIONISIO, Angela. Definições na oralidade. IN: DIONISIO, A. & BESERRA, N. Tecendo textos, construindo experi-
ências. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.
DIONISIO, Angela. Verbete: um gênero além do dicionário. In: DIONISIO, Angela, MACHADO, Anna Rachel, BEZERRA,
Maria Auxiliadora (orgs.) Gêneros textuais e ensino. São Paulo: Parábola, 2010.
HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro: Agir, 2001.
LEAL, Audria. Os exercícios de vocabulário: o léxico no livro didático. Recife: UFPE (Dissertação), 2003.
NUNES, Lygia Bojunga. Livro: um encontro com Lygia Bojunga. Rio de Janeiro: Agir, 1995.
RABAÇA, Carlos e BARBOSA, Gustavo. Dicionário de comunicação. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2001.
VIANA, Karine, O dicionário: do livro didático à sala de aula. Recife: UFPE (Dissertação), 2003.

118
A partir da UFPE
os diálogos editoriais
“Das duas, uma: ou o livro permanecerá o suporte da leitura, ou existirá alguma coisa
similar ao que o livro nunca deixou de ser, mesmo antes da invenção da tipografia. As
variações em torno do objeto livro não modificaram sua função, nem sua sintaxe, em
mais de quinhentos anos. O livro é como a colher, o martelo, a roda ou a tesoura. Uma
vez inventados, não podem ser aprimorados. Você não pode fazer uma colher melhor
que uma colher. Designers tentam melhorar, por exemplo, o saca-rolhas, com sucessos
bem modestos, e, por sina, a maioria nem funciona direito. (...) O livro venceu seus
desafios e não vemos como, para o mesmo uso, poderíamos fazer algo melhor que
o próprio livro. Talvez ele evolua em seus componentes, talvez as páginas não sejam
mais de papel. Mas ele permanecerá o que é.” Umberto Eco

CARRIÈRE, Jean-Claude & ECO, Umberto. Não contém com o fim do livro.
Rio de Janeiro. Record, 2010. p. 16-17

Se as publicações têm datas que definem oficialmente seus nascimentos no espaço


editorial, precisar o surgimento das ideias que as provocaram, reconstruir os diálogos,
reestruturar os contextos em que ocorreram as cenas dos bastidores que precederam seus
lançamentos já se torna uma tarefa quase impossível. Isto se eu quiser fazer os relatos,
sem colorir com fragmentos de memória, muitos dos fatos vivenciados nestes 15 anos.
Ao reviver algumas parcerias, neste memorial, fico em débito com alguns colegas e com
algumas obras, pois precisei optar por alguns diálogos.

Em fevereiro de 2001, ocorreu a publicação do primeiro


livro que organizei. Foi O Livro didático de Português:
múltiplos olhares, em parceira com Maria Auxiliadora
Bezerra (UFCG), pela Editora Lucerna, do Rio de Janeiro.
Foram três edições até o fechamento da editora com o
falecimento do seu editor Evanildo Bechara Filho.

119
Na Lucerna e com Auxiliadora Bezerra, minha ex-professora de linguística da gradu-
ação, produzimos também, em abril de 2002, Gêneros Textuais & Ensino (em parceira com
Anna Rachel Machado), o qual teve cinco edições até 2007. Após uns dois anos fora do
mercado, voltou a ser publicado pela Parábola Editorial, em 2010, e atualmente continua
com um dos 10 títulos mais vendidos da editora, recomendado pelos programas oficiais
de leitura do professor.

Auxiliadora Bezerra, eu e Maria Angélica Furtado da Cunha, da UFRN, em 2007, plane-


jamos a Coleção Tópicos em Linguagem com o objetivo de “contemplar temas e indagações
de interesse para o estudo e a pesquisa sobre língua e linguagem nos seus diversos planos”.
Além de conter dois capítulos, um item com sugestões comentadas de indicação de leitura
e um item com atividades sobre o tema, o maior diferencial desta coleção consistia no
fato de que os textos originais eram submetidos à apreciação de leitores especialistas, um
time de 6 a 8 graduandos em Letras, e a um parecerista especialista, ou seja, um estudioso

120
do tema. O autor e nós organizadoras discutíamos os pareceres recebidos e as alterações
eram acatadas, quando pertinentes, e trechos eram reescritos. A coleção começou com
três títulos: Transitividade e seus contextos de uso, de Maria Angélica Furtado da Cunha
e Maria Medianeira de Souza; Práticas de leitura e elementos para a atuação docente, de
Émerson de Pietri, e Retextualização de gêneros escritos, de Regina Lúcia Péret Dell’Isola.
Passei a integrar o Conselho Editorial da Editora YH Lucerna Ltda, em 2006, e permaneci
até 2008.

Com o fechamento da Lucerna, essa coleção foi transferida para a Cortez Editora, em
2009, passando a ser nomeada Linguagem e Linguística, e seu objetivo reescrito: “explorar
temas de interesse para alunos e professores de Letras, Linguística, Educação, Antropologia,
Sociologia, Psicologia e demais estudiosos da linguagem.” Três títulos vieram a público
conjuntamente: A construção da argumentação oral no contexto de ensino, de Roziane
Marinho Ribeiro; Empréstimos Linguísticos na língua portuguesa, de Nelly Carvalho e A
gíria comum na interação em sala de aula, de Luciene Maria Patriota.
Em 2011, a Cortez Editora nos chamou para uma reunião e nos informou sobre uma
reestruturação em sua linha editorial. Alegou necessidade de mudança no projeto gráfico
da coleção e de um texto de apresentação que seria permanente em todos os volumes,
explicando os princípios da coleção que passa a se chamar: Leituras Introdutórias em
Linguagem. Eis o texto que escrevemos, para os volumes Análise Linguística: afinal, a
que se refere?, de Maria Auxiliadora Bezerra e Maria Augusta Reinaldo; Transitividade e
seus contextos de uso, de Maria Angélica Furtado da Cunha e Maria Medianeira de Souza;
Mudança Linguística: uma abordagem baseada no uso, de Mário Eduardo Martellota.

121
Integrava, além da Comissão Organizadora da Coleção Leituras Introdutórias em
Linguagem, o Comitê Editorial de Linguagem da Editora Cortez. Em setembro de 2012,
solicitei afastamento destas atividades. Havia decidido reorganizar as prioridades da minha
vida, inclusive a acadêmica. Neste período, eu já havia efetivamente colaborado com 10
títulos do catálogo da Editora Cortez na nossa área de estudos. A primeira colaboração
havia sido com a escrita do capítulo Análise da Conversação para o volume Introdução à
linguística: domínios e fronteiros – volume II, em 2000, organizado por Fernanda Mussalim
e Anna Christina Bentes, atualmente em sua 8ª edição.

122
Considero orgulho acadêmico a organização, com Judith Hoffnagel, minha orientadora
de mestrado e doutorado, da trilogia Charles Bazerman, publicada pela Cortez Editora:
Gêneros Textuais, Tipificação e Interação (2005); Gênero, Agência e Escrita (2006) e Escrita,
Gênero e Interação Social (2007).

Esses livros não existem originalmente em inglês, eles foram pensados por nós, visando
divulgar para o público brasileiro os estudos de gêneros sob a perspectiva do professor
Charles Bazerman. Após a realização de estágio de pós-doutoramento, na Universidade
da Califórnia, em Santa Barbara, com a supervisão do Bazerman, pude me aprofundar nas
suas ideias sobre gênero e ensino de escrita, por isso considerei a possibilidade de trazer
os seus trabalhos para o Brasil. Hoje, Bazerman é responsável por muitas das pesquisas
que ocorrem em nosso país. Conforme já disse, a criação do NIG, foi fortemente influen-
ciada por ele.
Correndo o risco de cometer falhas pela tentativa sucinta de resumir a concepção
de gênero para este autor, destaco algumas características: o gênero não se localiza no
objeto em si, mas na percepção do criador e do receptor; os gêneros precisam ser prati-
cados socialmente e surgem historicamente – a escrita deste memorial, por exemplo,
decorre de uma emergência social em nossas instituições federais. O memorial passou
a fazer parte do conjunto de gêneros que um professor universitário deve produzir para
se submeter à promoção para a classe E e precisa ser reconhecido como tal. É, portanto,
o gênero, uma categoria de reconhecimento psicossocial. Outro aspecto, destacado pelo
Bazerman, consiste no fato de o gênero conter a noção de uma afirmação ou sentido criado
por alguém. Os gêneros são coleções percebidas de enunciados. A percepção deste texto
que crio e que será lido, pelo menos, por membros de uma banca examinadora, como um

123
enunciado exigido pela comissão da UFPE, contendo os itens sugeridos pela Resolução
N° 03/2014, com um começo e fim, se faz necessária entre nós, para que eu, Angela, que
o produzo, e meus interlocutores, a banca, que o lê, aceitemos este enunciado, como um
memorial. Arrisco-me, neste momento, a ilustrar um conceito com a minha própria pele
textual. Reconhecer, portanto, este texto como um memorial é atribuir sentido a este
conjunto de enunciados. Arrisco-me com confiança!
A aceitação das ideias de Bazerman, um ano após a publicação do primeiro livro,
também era atestada, quando do lançamento do novo livro com foco para o ensino, pela
resenha publicada pelA Nova Escola (2006, n. 197, p.60). Gênero, Escrita e Ensino figurava
entre as leituras indicadas para os professores. Eis a resenha:

Escrever para agir

O jeito franco e direto de esmiuçar conceitos acadêmicos e alinhá-los com a realidade


justifica os fãs que Bazerman conquistou no Brasil. Suas lições mostram que a escrita
é uma chave para infindáveis portas. E ensinam o que se pode fazer com ela. O teórico
sustenta que o estudante precisa conhecer a escrita como ferramenta e não como
resultado. Se é obrigação da escola promover o letramento, é função do professor
cuidar para fazer dos gêneros formas de vida e ação. Sob essa orientação, os capítulos
fluem com objetividade.

Revista Nova Escola, 2006, n. 197, p.60


Gênero, Agência e Escrita, Charles Bazerman, 144 págs., Ed. Cortez.

Na parceria com Judith Hoffnagel e com o interesse pelos estudos retóricos dos gêneros,
organizamos o livro Gênero Textual, Agência e Tecnologia, da Carolyn Miller. Em 2009, a
primeira versão saiu pela Editora da UFPE e, em 2012, saiu uma edição conjunta da Editora
da UFPE com a Parábola Editorial. Miller traz para os estudos de gêneros o conceito de
gênero como ação social e, neste livro, inserimos o artigo original, publicado em 1980,
e a versão revisada após dez anos, intitulada “Comunidade retórica: a base cultural dos
gêneros”. Não apenas por razões históricas montamos este livro, visto que a atualidade
das pesquisas de Miller se fez presente em todos os ensaios.

124
Trazer as abordagens de Carolyn Miller para o público leitor em língua portuguesa
significava oferecer outra perspectiva de estudo de gêneros30. Até meados dos anos dois
mil, no cenário brasileiro, os estudos de gêneros de tradições retóricas e sociológicas não
configuravam leituras obrigatórias em nossos cursos de pós-graduação ou de graduação.
Com a publicação dos livros de Bazerman e de Miller, ouso dizer, que o cenário brasileiro
de estudos de gênero modificou-se! Mais ainda: a relação gênero e tecnologia sofreu um
certo impacto. Quantas vezes só a afirmação “parece claro agora que o blog é uma tecno-
logia, um meio, uma constelação de recursos – e não um gênero”31, feita por Miller, nos leva
quase a uma aula ou exige a refacção de projetos que estão sendo iniciados? A autora já
anuncia na introdução que

O surgimento de mídias radicalmente novas nos últimos 20 anos tem desafiado o


esquema retórico tradicional. Precisamos encontrar maneiras de tornar os meios
tecnológicos visíveis à análise. Aqui a tecnologia é abordada de duas maneiras
analíticas diferentes: primeiro, para testar o papel do meio de comunicação e, segundo,
para testar nossas intuições e suposições sobre o que significa para os humanos
sermos “seres que, por natureza, respondem a símbolos”, questionamento contínuo e
incessante, que continua a definir os estudos retóricos. (MILLER, 2012, p. 17)

30. Um livro que eu sinceramente esperava vê-lo mais lido e discutido em nossos cursos é Gênero: história, teoria, pesquisa,
ensino, de Anis Bawarshi e Mary Reiff, da editora Parábola. E por quê? Por pelo menos dois fatores: pela sistematização
das teorias de gênero e por ilustrar em dois capítulos outras pedagogias para o ensino de gêneros. Mas ler só estes
capítulos sem ler as teorias não é uma boa, tá? Quem diz que sabe o que fazer com os Estudos Retóricos de Gênero em
sala de aula pode ficar bem satisfeito com a leitura do capítulo 11...

31. MILLER, C. Gênero Textual, Agência e Tecnologia. São Paulo, Parábola Editorial, 2012, p. 109.

125
Queria ter agora cópias dos passaportes de Bazerman e Miller para contar as suas
vindas ao Brasil nestes anos! Queria ter anotado quantas palestras proferiram! Quantos
cursos ministraram! Queria saber quantas universidades visitaram! Quantas pesquisas
foram motivadas pelas leituras dos seus livros! O mais importante acho que é saber quando
eles voltam ao Brasil e a Recife, não é?

2015. XV Seminário Internacional em Letras.


Santa Maria – RS

Momento em que eu apresentava Charles Bazerman e Carolyn


Miller, como se fosse necessário! Momento de grande emoção!

Dentre as parcerias editorias que tratarei neste memorial, esta última se refere a
Luiz Antônio Marcuschi: com ele e sobre ele. Em 2005, como parte do projeto Rede de
Formação Continuada de Professores desenvolvido entre o Ministério da Educação e o
Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL/UFPE), integrei, como organizadora,
com o Prof. Luiz Antônio Marcuschi, a equipe que produziu o conjunto Fala e Escrita (livro,
guia didático e documentário), a convite de Telma Ferraz Leal e Eliana Borges Correia de
Albuquerque, coordenadoras gerais do referido projeto. São sete capítulos escritos por
Judith Hoffnagel, Marianne Cavalcante, Beth Marcuschi, Cristina de Melo, Maria de Lúcia
Barbosa, Marcuschi e por mim. Um trabalho denso, como tudo o que Marcuschi fazia. O
livro e o guia didático estão disponíveis para acesso no link: http://www.portalceel.
com.br/publicacoes/#ancora. O documentário Fala e Escrita, dividido em três blocos
está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XOzoVHyiDew
No terceiro bloco, há um momento em que tento duas vezes tomar o turno, sem sucesso.
Quando finalmente consigo, aproveito para ilustrar o tema. Foi um ato espontâneo, do qual
rimos na hora e depois. Transcrevo o fragmento e esclareço que não usei os princípios da
Análise da Conversação para a transcrição:

126
Angela Dionisio:

Justamente porque depende da forma como se pretende interagir com o leitor. Se


você faz um outdoor com muito texto, quem vai passando não tem tempo de ler...

Luiz Antônio Marcuschi:

Como na oralidade também, em que temos os gestos. O que é um gesto? É um


desenho fora da mente daquilo que eu estou pensando. Eu digo “era grande”, “era
pequeno”, “era bem pequenininho” (Demonstra com as mãos tamanhos diferentes,
em gradação do maior para o menor). Ou eu digo que era bonito e, então, faço um
gesto. A nossa gestualidade, “assim”, “assim”, “assim”... (Demonstra com o polegar
direito, sucessivamente, para cima (como sinal positivo), para baixo (como sinal
negativo), e apontando para trás de si mesmo). Todos esses gestos, na verdade,
são itens lexicais na oralidade. Eles funcionam como substitutos de palavras.
Essa é uma questão muito importante, porque, inclusive, em culturas diferentes, os
mesmos gestos significam outras coisas. Um gesto aqui pode significar uma coisa
muito interessante e, num outro lugar, pode ser ofensivo.

Angela Dionisio:

Exato

Luiz Antônio Marcuschi:

Ou vice-versa.

Angela Dionisio:

Eu:[

Luiz Antônio Marcuschi:

[O que nós temos que entender é que essa variedade de manifestações


simbólicas são apenas formas para produzir sentidos e as pessoas quando
utilizam isso é que produzem os sentidos. Os sentidos não estão nas formas,
os sentidos estão naquilo que as pessoas fazem com as formas, nas práticas
sociais.

127
Angela Dionisio:

Uma das características da fala, por exemplo, numa conversa, é a troca de turno.
Vocês viram que eu tentei entrar duas vezes na conversa aqui e ele manteve o
turno. Na escrita não tem esse problema, porque eu estou sozinha, então decido
quando vou começar o próximo parágrafo, quando vou começar o próximo capítulo
do livro. Numa conversa face a face, com uma, duas, três, quatro pessoas, essa
construção é coletiva, há uma cooperação. Nesse exato momento, ele poderia
revidar e começar a tomar meu turno e eu vou continuar a falar desesperadamente,
até acelerando o ritmo da voz, como estratégia de manutenção de turno.

Luiz Antônio Marcuschi:

E essa questão é interessante pelo seguinte [...

Angela Dionisio:

[Eu não falei??

Luiz Antônio Marcuschi:

Vou lembrar um aspecto interessante: nós temos uma forma de tomar o turno, de
entregar o turno que não é a mesma, por exemplo, dos alemães, dos dinamarqueses
ou dos chineses. Os dinamarqueses esperam que a pessoa pare, e tem que haver,
no mínino, um segundo ou dois de silêncio para o outro começar a falar. Ninguém é
assaltado! Ninguém é assaltado no turno. Aqui no Brasil não, a pessoa está falando,
a gente espera que faça o mínimo de pausa ou baixe o tom e, “TCHA”, a gente entra
e toma a palavra. Então, nós somos assaltantes contumazes das outras pessoas
quando falam.

Angela Dionisio:

Mas há também o fato de você considerar com quem está falando.

Luiz Antônio Marcuschi:

Também.

128
Angela Dionisio:

Se eu estou com uma pessoa que é mais íntima numa discussão que seja mais
informal, pode ser que eu me sobreponha com mais facilidade do que agora, nessa
situação, em que nós estamos gravando algo para ser transmitido para vocês
que estão aí ouvindo. Então, há certa hierarquia, certo cuidado em deixar o outro
terminar o turno para entrar.

Luiz Antônio Marcuschi:

Eu acho que é importante ver aqui que a questão da oralidade e da escrita está
também acoplada aos gêneros textuais que nós produzimos. Aqui nós estamos
interagindo numa conversação face a face. Se estivermos numa sala de aula, é
evidente que a palavra, em geral, ficará com o professor. E a palavra volta para
o professor quando o aluno a toma. Ele distribui a palavra para um aluno e para
outro, e assim por diante. Ou se é uma conferência ou um sermão, ou se alguém
está contando uma piada. Se quando duas ou várias pessoas estão conversando
e uma diz “vou contar uma piada”, ninguém interrompe até ela terminar a piada.
Por quê? Ela começou um gênero diferente ali dentro o qual se espera que vá
até o fim. Essas coisas são interessantes. Na escrita também existe isso, as
pessoas sabem quando alguém está produzindo uma coisa ou outra coisa. Numa
entrevista, sabemos que alguém pergunta e alguém responde.

E o que aconteceu no decorrer da entrevista? Marcuschi continuou com o turno..., não


podia ser diferente! Há outra versão deste documentário que foi publicada na Série Bate-Papo
Acadêmico, do NIG-UFPE, com subtítulos em inglês. Para atender às exigências desta Série, o
documentário original sofreu adaptações.

LInk para acesso na web:


http://www.nigufpe.com.br/serie-academica/
volumes/volume-2-fala-e-escrita/

129
Como coordenadora do PG Letras, Anco Márcio
Tenório Vieira, Judith Hoffnagel, Kazuê de Barros e
eu, organizamos a Coleção Luiz Antônio Marcuschi,
composta por quatro produtos distintos: 3 livros e 1
DVD. Um livro da autoria de Marcuschi, o Linguística
de Texto: o que é e como se faz, que estava esgotado
na época, e dois livros inéditos – Um linguista, orien-
tações diversas, volumes I e II, que compreende teses
e dissertações orientadas por ele nos anos de 1978
a 2006. O DVD Entre a imagem e a palavra: refle-
xões sobre fala, escrita e ensino apresenta trechos
de entrevistas e palestras dadas por Marcuschi ao
longo dos anos.

Comentários inseridos... Esta coleção teve uma tiragem limitada e rapidamente foi
esgotada. O DVD Entre a imagem e a palavra: reflexões sobre fala, escrita e ensino...
seria tão útil que pudéssemos fazer uma reedição, ou fosse disponibilizado na mídia,
pois considero de extrema relevância para nós professores. Selecionamos trechos
em que Marcuschi aborda os conceitos de língua, linguagem e texto.

O Linguística de Texto: o que é e como se faz foi publicado pela Parábola Editorial,
em 2012.

O livro Um linguista, orientações diversas, volumes I e II, me foi dada sugestão de


fazer uma versão e-book... não sei se tenho disposição...

130
Este item do meu memorial foi apresentado para a banca examinadora através do
PowerPoint Eu e os livros: relações diversas. A composição desta apresentação
animada trazia como tema musical The Frist Autumn, de Enya.

131
Encerrando o Memorial,
mas continuando o Estudo e a Vida

Hora de encerrar porque a minha leitora mais crítica não aguenta mais!

Cheguei ao momento de encerrar o memorial. Como fazê-lo? Ainda há algumas ações


que gostaria de destacar, mas começo a desconfiar que posso correr um sério risco de me
tornar uma “acumuladora” de fatos. Ou talvez comece a gerar nos leitores a sensação de
esnobismo. Mas o que fazer com a informação de ter sido membro de algumas comissões
do PNLD?
Como omitir o prazer que foi constituir a Comissão de Seleção da FUNARTE, via
portaria n° 260, de 15 de setembro de 2009, para o Edital Bolsa Funarte de Criação
Literária, cujas amizades cultivo até hoje?
Como esquecer o carinho com que fui recebida na Universidade Nova de Lisboa para
integrar a Comissão de Defesa de Tese de Audria Leal?

Como não ressaltar a afinidade com a equipe da Universidade Nova


de Lisboa, especialmente com Antónia Coutinho? (Sem consultá-
la vou divulgar uma foto que traduz o que chamo de sintonia
(para alguns, coincidência). Saí aqui da terrinha, em 2013, para
a III Conferência Internacional em Gramática e Texto (GRATO), e
quando chego lá, olha como nos entramos! Se a fotografia fosse
colorida, perceberíamos as cores idênticas das roupas! No ditado
popular, cá, seríamos uma dupla sertaneja; lá, seríamos uma dupla Antónia Coutinho e eu, na UNL,2013

de fadistas? Mas o fado geralmente é cantado por apenas uma


pessoa, não é?

133
Como não mencionar a surpresa e a emoção proporcionada quando fui convidada pela
Profa. Yara Lins, presidente da Comissão do Sesquicentenário de Campina Grande, minha
cidade natal, para proferir a palestra na cerimônia que homenagearia os filhos da cidade
que contribuíram para a educação? O evento foi no dia 30 de setembro de 2014.
A Solenidade de Abertura contou com as presenças do Prefeito Romero Rodrigues, dA
Presidente da Comissão do Sesquicentenário Profa Yara Lins, da Secretária de Educação
da cidade e de mim, como palestrante da noite.

Angela Dionisio, Palestrante da noite – 30/09/2014.

E principalmente porque o argumento para o convite foi por eu ser uma dessas pessoas.
Honradamente, aceitei, fiz a palestra Educação e Tecnologia e recebi o troféu que também
foi entregue a mais 26 personalidades. Infelizmente, nunca consegui receber um certificado,
tão precioso para o meio acadêmico para atestar a pontuação no processo de avaliação.

A verdade não está no ato de dizer, a verdade se resume na apresentação da prova


material, mas em tempos multissemióticos, para um bom entendedor uma só imagem basta!

134
Como fingir que não me realizo a cada evento
que o NIG realiza? Com não insistir no Gêneros
na Linguística e na Literatura e no seu viés
voltado para o ensino básico e com a sua
preocupação em caminhar em parceria com
a linguística e literatura, preservando a idéia
do amigo Helder Pinheiro?

Como não me sentir bem trazendo para o meu


fazer didático o que me faz bem na minha vida?
São os exemplos como os nomes dos meus
sobrinhos – Rogério e Bianca, são usos de suas
imagens sem autorização; são usos de docu-
mentos e fotos de minha família...e claro da
famosíssima Safira!

135
Como esquecer a reação da plateia,
quando Carolyn Miller encerra uma
conferência com esta foto de Safira?
Como não perceber a delicadeza do
gesto de Miller? São memórias que não
podem ficar de fora deste memorial!

Safira, aliás, já se tornou estrela de


videoclipe para explicar princípios da
gramática visual.

136
O trecho do vídeo faz parte do DVD Linguistica II, editado pelo IESDE, em 2009.

Trecho do roteiro da aula:

VINHETA DO QUADRO “BRINCANDO VINHETA DO QUADRO VINHETA DO QUADRO


SERIAMENTE “BRINCANDO SERIAMENTE “BRINCANDO SERIAMENTE
COM A LINGUAGEM” COM A LINGUAGEM” COM A LINGUAGEM”

Professora chama miniclipe: _ Estúdio

Vamos ver a aplicação de algumas


dessas categorias aplicadas na
análise de algumas fotos?

Professora em off: MINICLIPE Miniclipe (4 fotos enviadas.


Usar a música O Ron Ron
Na foto 1, temos um fazer, uma Foto 01 do Gatinho de Adriana
ação, o participante Ator, a gata, age Esquema didático Calcanhoto e Ferreira Gullar
sobre o participante Meta, que é o Gata  Ator: aquele que faz a ação
seu brinquedo. Brinquedo  Meta: aquele para
quem o processo é direcionado

Na foto 2, o participante
Experienciador, a gata, vê algo Foto 02
fora do enquadre da foto. Nós Gata  Experienciador: participante
não sabemos do que se trata, não consciente que experimenta um
sabemos qual é o Fenômeno. sentir
Fenômeno  o fato percebido

Para finalizar, vejamos as fotos 3


e 4. Observamos que na sintaxe Foto 03
visual, a diferença reside no fato
de em 03, o participante interage
com o observador através do olhar. Foto 04
Já em 04, não há interação com
interlocutor.

Professora faz suas considerações _ Estúdio


finais e encerra a aula:

É isto! A linguagem verbal e não-


verbal possuem a sua gramática e
não são tão diferentes!

137
Foto 1 Foto 2

Foto 3 Foto 4

São as misturas destas situações que preservam em mim a "professora Angela", que
vivia com seus alunos cada cena do dia a dia da escola, desde o momento que decidiu que
o seu espaço de vida era o escolar. Não perder a alegria e a capacidade de reinventar o
agir docente sempre buscarei seja em que contexto for!

138
E, conforme prometi, terminei o memorial, coloquei a foto oficial na parede!

139
Agora, posso ir embora. Muitas das minhas memórias estão escritas e preciso enca-
rá-las, tentando me explicar ou simplesmente dizendo que não há explicação. Há fatos
que não se consegue explicar, pelo menos por algum tempo. Quem sabe depois... Outras
cenas vão surgir, continuarei a construir o meu texto, mas, agora, este é o meu memorial
docente. Estas são as minhas cenas textuais de vida na escola, na academia. E...

“Quem fala que eu sou esquisita hermética


É porque não dou sopa estou sempre elétrica
Nada que se aproxima nada me é estranho
....
Quem fala de mim tem paixão

Olhos de Lince
https://www.youtube.com/watch?v=TLYtWlhMrV8

Eu pelas ruas de Lisboa, rumo à Universidade Nova de Lisboa.

140
Lista de Imagens
Capa Ilustração de Karla Vidal Página 80 Digitalização do arquivo da autora
Página 6 Arquivo pessoal da autora Página 83 Arquivo pessoal da autora
Página 15 Arquivo pessoal da autora Página 84 Extraída do ebook publicado pela Pipa Comunicação
Página 16 Arquivo pessoal da autora Página 85 Extraída do ebook publicado pela Pipa Comunicação
Página 18 Arquivo pessoal da autora Página 87 Arquivo pessoal da autora
Página 22 Arquivo pessoal da autora Página 89 Páginas do ebook publicado pela Pipa Comunicação
Página 24 Arquivo pessoal da autora Página 91 Capas desenvolvidas pela Pipa Comunicação
Página 25 Arquivo pessoal da autora Página 91 https://www.youtube.com/user/nigufpe
Página 26 Arquivo pessoal da autora Página 95 Capa desenvolvida pela Pipa Comunicação
Página 27 Arquivo pessoal da autora Página 96 Arquivo pessoal da autora
Página 28 Arquivo pessoal da autora Página 98 Arquivo pessoal da autora
Página 29 Arquivo pessoal da autora Página 99 Digitalização do arquivo da autora
Página 30 Arquivo pessoal da autora Página 100 Marca desenvolvida pela Pipa Comunicação
Página 32 Digitalização do arquivo da autora Página 100 Arquivo pessoal da autora
Página 33 Digitalização do arquivo da autora Página 102 Capas desenvolvidas pela Pipa Comunicação
Página 36 Arquivo pessoal da autora Página 104 Capa desenvolvida pela Pipa Comunicação
Página 37 Arquivo pessoal da autora Página 106 http://www.capes.gov.br/
Página 40 Digitalização do arquivo da autora Página 107 Arquivo pessoal da autora
Página 41 Digitalização do arquivo da autora Página 108 Arquivo pessoal da autora
Página 42 Digitalização do arquivo da autora Página 109 Arquivo pessoal da autora
Página 43 Arquivo pessoal da autora Página 110 Arquivo pessoal da autora
Página 46 Capa dos alunos da disciplina Português 5 em 2014 Página 112 Extraída do ebook publicado pela Pipa Comunicação
Página 47 Digitalização do arquivo da autora Página 114 Extraída do ebook publicado pela Pipa Comunicação
Página 48 Digitalização do arquivo da autora Página 117 Digitalização do arquivo da autora
Página 49 http://www.iesdecursos.com.br Página 118 Digitalização do arquivo da autora
Página 53 Arquivo pessoal da autora Página 119 Digitalização do arquivo da autora
Página 54 Arquivo pessoal da autora Página 120 Digitalização do arquivo da autora
Página 56 Arquivo pessoal da autora Página 121 Digitalização do arquivo da autora
Página 57 Arquivo pessoal da autora Página 123 Capa Pipa Comunicação e Capa Parábola Editorial
Página 58 Digitalização do arquivo da autora Página 124 Arquivo pessoal da autora
Página 59 Capas desenvolvidas pela Pipa Comunicação Página 125 https://www.youtube.com/user/nigufpe
Página 60 Arquivo pessoal da autora Página 127 Projeto gráfico desenvolvidp pela Pipa Comunicação
Página 62 Arquivo pessoal da autora Página 128 Arquivo pessoal da autora
Página 63 Arquivo pessoal da autora Página 130 Arquivo pessoal da autora
Página 64 Capa desenvolvida pela Pipa Comunicação Página 131 Arquivo pessoal da autora
Página 67 Capa desenvolvida por Carolina Pires Página 132 1 e 4. Arquivo, 2. Foto: Ester Carvalho. 3. Foto: Andrea Moraes
Página 68 Marca desenvolvida pela Pipa Comunicação Página 133 Arquivo pessoal da autora
Página 70 Arquivo pessoal da autora Página 134 Fotografias de Ester Carvalho
Página 71 Arquivo pessoal da autora Página 136 Arquivo pessoal da autora
Página 73 Capa desenvolvida pela Pipa Comunicação Página 137 Arquivo pessoal da autora
Página 138 Arquivo pessoal da autora
angela paiva dionisio

Escrever um memorial? Solicitar promoção para classe


E? Foram dúvidas e incertezas que me acompanharam
por muitos meses. Escrever um memorial me parecia
semelhante à resistência que sempre tive em escrever
diários, pois se não é para contar, não se escreve. Eu
precisava dizer o que sobre mim? O Lattes não faz isto?
Precisaria ainda eu falar de mim, de minha vida acadê-
mica? Soava-me extremamente chato e desinteressante.
Até que decidi fazer! E comecei a reviver não apenas a
minha vida acadêmica, mas as minhas experiências esco-
lares. Voltei quase que terapeuticamente até a turma
do Zero! Percebi, então, que poderia não ser tão chato
assim, pois a minha vida não é chata! Precisei perceber
um detalhe fundamental: o Lattes não mostra A Vida

ISBN 978-85-66530-84-1

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