Você está na página 1de 8

 Destaques

 Educação e ciência

Pedagoga sueca Inger Enkvist


diz: ‘A nova pedagogia é um
erro. Parece que não se vai à
escola para estudar’
Por
 Revista Prosa Verso e Arte
 -

Compartilhar

Facebook

Twitter

 
Pinterest

WhatsApp

“O novo desafio é controlar o acesso ao celular. As escolas fazem bem


em proibi-lo e os pais devem vigiar seu uso em casa. Devem saber dizer
‘não’”
Pedagoga sueca, com mais de quatro décadas de experiência
na educação, critica método que dá mais iniciativa aos alunos
na sala de aula e defende um ensino mais tradicional
– por Cristina Galindo, El País Brasil*

O silêncio reina na rua de pedras onde mora Inger Enkvist, em Lund,


uma das cidades mais antigas da Suécia, com uma das universidades
mais importantes deste país nórdico. Ninguém diria que a poucos
minutos a pé fica o centro urbano. Esta calma chega ao interior de
seu apartamento, uma sobreloja com grandes janelas e um jardim
traseiro comunitário. Seu escritório, luminoso e cheio de livros, é um
reflexo de sua ideia de como é preciso se entregar a qualquer tarefa
intelectual: com ordem, concentração, seguindo regras…, lendo.

Enquanto a maioria dos pedagogos questiona a utilidade de decorar


informações na era do Google e prega o fim das carteiras enfileiradas
e das disciplinas estanques, com mais liberdade para os alunos,
Enkvist (Värmland, Suécia, 1947) defende a necessidade de voltar a
uma escola mais tradicional, onde se destaquem a disciplina, o
esforço e a autoridade do professor. Seu ponto de vista contraria os
postulados dessa nova pedagogia, mas também se distancia daqueles
que acreditam que a escola é uma fábrica de alunos em série e que
deve centrar seus esforços em competir com outros colégios para
subir nos rankings mundiais.

Começou sua carreira educativa como professora do ensino


secundário, e agora é catedrática emérita de espanhol na
Universidade de Lund. Centrou sua pesquisa na obra de Mario Vargas
Llosa e Juan Goytisolo, e escreveu ensaios sobre José Ortega y
Gasset, Miguel de Unamuno e María Zambrano. Publicou vários livros
sobre pedagogia – como Repensar a Educação (Bunker Editorial,
2006, digital) – e centenas de artigos, além de ter assessorado o
Governo sueco no assunto. Sentada na sala de sua casa, Enkvist
conversa em espanhol sobre como acredita que as escolas deveriam
ser, enquanto bebe um suco de frutas vermelhas servido num
jarrinho de barro comprado em Segóvia. Falando com ela, não é nada
difícil imaginá-la no seu colégio, ainda menina, tirando ótimas notas.

Eis a entrevista:
Como recorda sua escola?

Era pública e tradicional. Não tenho más recordações. Talvez


houvesse algumas aulas chatas, mas às vezes a vida é assim. Os
alunos chegavam na hora e não havia conflitos com os professores. A
Suécia me deu uma educação gratuita e de qualidade.

Os tempos mudaram. Continua valendo a disciplina daquela


época?

A relação entre pais e filhos se baseia mais do que nunca nas


emoções. Temos uma vida mais fácil, e queremos que nossos filhos
também a tenham. Mas a escola deve estar consciente de que sua
tarefa principal continua sendo formar os jovens intelectualmente. A
escola não pode ser uma creche, nem o professor um psicólogo ou
um assistente social.

Qual deve ser a finalidade do ensino infantil?

Deve ser muitas coisas, mas sua tarefa principal é dar uma base
intelectual. Dar conhecimentos aos jovens, prepará-los para o
mercado de trabalho, transmitir-lhes uma cultura e proporcionar-lhes
uma ideia da ordem social, porque a escola é a primeira instituição
com a qual as crianças se deparam, e é importante que vejam que há
algumas regras, que o professor é a autoridade e que é preciso
respeitar tanto ele como os colegas.

Mas a tecnologia torna mais difícil controlar crianças


hiperestimuladas.

Sempre houve dificuldades na aprendizagem. Há 50 anos, era o fato


de precisar andar uma hora para chegar ao colégio, ou oferecer
refeições nutritivas. Hoje se trata da enorme quantidade de
estímulos. O novo desafio é controlar o acesso ao celular e ao
computador para que se concentrem. As escolas que proíbem o
celular fazem bem. Em casa, os pais devem vigiar o tempo de uso da
tecnologia. Proibir é muito difícil, porque se criam conflitos, mas um
pai moderno deve saber dizer “não”. Deve resistir.
Há pedagogos que afirmam que a escola tradicional é chata e
educa crianças submissas, e que é preciso aprender a
aprender.

A escola é um lugar para aprender a pensar sobre a base dos dados.


Isso de insistir em aprender a aprender sem falar antes de
aprendizagem é uma falsidade, porque não podemos pensar sem
pensar em algo. Sem dados não há com o que começar a pensar.

A escola não deveria ser um lugar onde se divertir?

A satisfação na escola deve estar vinculada ao conteúdo: entrar numa


aula e que lhe contem algo que você não sabia. Mas é preciso saber
que, para entender algo novo, é necessário fazer um esforço. Além
disso, é fundamental que o professor nos ensine a ler e também
como nos comportar. É impossível aprender bem sem que haja
ordem na sala de aula. Essa é a base principal: comportamento,
leitura e avaliação pelo conhecimento.

O que opina da tendência de pôr almofadas na sala de aula


para que os alunos se deitem?

Isso é enganar os jovens. Para aprender a escrever, uma criança


precisa sentar-se bem, olhar para frente, ter lápis e papel,
concentrar-se… Aprender pode ser um prazer, mas, insisto, exige um
esforço e um trabalho. É preciso dizer isso às crianças. Se não,
estamos enganando-as. Tocar violino, por exemplo, não é fácil. Exige
muita prática. Os estudos do psicólogo sueco Anders Ericsson
mostraram que é necessário um esforço prolongado para melhorar
em algo. Para ser bom em algo você tem que se dedicar 10.000
horas. E precisa fazê-lo de forma consciente e trabalhar com um
professor. Sua pesquisa avaliza a ideia tradicional de uma escola
baseada no esforço do aluno, sob a orientação de um professor.

Há quem diga que não é preciso decorar porque tudo está no


Google.

Essa é outra falsidade. O Google é uma ferramenta genial. É de


grande ajuda para os adultos, porque sabemos o que procuramos.
Mas, para quem não sabe nada, o Google não serve de nada. Há
intelectuais que andam por aí dizendo que estudar geografia não foi
útil. Acredito que se esqueceram de como e quanto aprenderam na
escola. Afirmar essas coisas é uma falta de honradez com os jovens.
E menosprezar a importância em si da vida intelectual do aluno.
Em que consiste a nova pedagogia que você critica?

A nova pedagogia é um pensamento que se vê por toda parte no


Ocidente. A Suécia a adotou nos anos sessenta. Consiste, por
exemplo, na pouca gradação das notas, por isso muitos pensam que
não há razão para estudar muito se isso não for se refletir no
histórico escolar. Dá-se muita importância à iniciativa do aluno,
trabalha-se em equipe e, ao mesmo tempo em que as provas
desaparecem, aparecem os projetos e o uso das novas tecnologias.
Em geral, parece que se vai à escola para fazer atividades, não para
trabalhar e estudar. Dá-se mais ênfase ao social que ao intelectual.
Acho que é um erro. Por um lado, os alunos com mais capacidade
não desenvolvem todo o seu potencial e, por outro, os que têm uma
menor curiosidade natural por aprender não avançam. Além disso,
muitos gostos são adquiridos, como a história, a leitura e a música
clássica. No começo podem parecer chatos, mas, se alguém insistir
para que tenhamos um primeiro contato, é possível que acabemos
gostando. Atualmente, muitos jovens escolhem sem terem conhecido
e, claro, escolhem o fácil.

A Espanha é um dos países da OCDE que dedica mais horas à


lição de casa. Isso tem alguma utilidade?

Quando a jornada é muito longa, como na Espanha, não faz sentido.


Se um aluno está cansado, a lição de casa não melhora o seu
rendimento. É preciso buscar um número ideal de aulas pela manhã,
quando a criança está mais acordada, dar-lhe um tempo de descanso
e, à tarde, talvez uma tarefa de revisão do que fez durante aquele
dia. Um bom exemplo é a Finlândia, onde os alunos entram às oito da
manhã e saem às duas da tarde, incluindo o almoço; exceto às
quintas-feiras, quando saem às quatro da tarde.

Quando criança, você era um grande leitora. Como despertar


esse prazer se uma criança não está interessada?

Era uma leitora compulsiva. Ninguém teve de insistir para que eu


pegasse um livro. Mas há crianças que precisam disso. Talvez no
começo seja necessário forçá-las um pouco, encorajá-las para que se
tornem leitoras de lazer. Como se faz isso da escola? Comprar bons
livros para a biblioteca e recomendar um a cada sexta-feira. Um
aluno pode contar o que leu naquela semana. Fazer pequenas
competições para ver quem leu mais. Medir como o seu vocabulário
aumenta. E explicar que a leitura lhes permitirá, quando adultos, um
melhor desenvolvimento. Se os alunos começam a ler, quase todos
descobrirão que é um prazer. Mas eles precisam de horas. Calcula-se
que na maioria dos países se dedicam 400 horas à aprendizagem da
leitura na escola primária. Para ser um bom leitor, são necessárias
4.000 horas. É impossível ter tanto tempo na aula. Eles têm de fazer
isso em casa. O que os pais podem e devem fazer é ler com os filhos:
apoiar a leitura e servir de modelo.

Mas as humanidades estão perdendo peso.

Dizem que o amanhã será dominado pela tecnologia e pelas ciências


naturais, e que o que é histórico não é importante. Além disso, as
provas do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes],
um conjunto de exames organizados pela OCDE para avaliar as
competências de alunos de 15 anos em ciências, matemática e
leitura] não levam em conta as humanidades porque é difícil
comparar esses conhecimentos entre países, então a vontade de
competição os leva a dar mais ênfase às matérias que fazem parte do
PISA e negligenciar as outras. Tanto a escola quanto a família devem
dar mais ênfase às humanidades.

A visão do PISA é a de uma escola que deveria funcionar como


uma empresa?

A OCDE é uma organização econômica e analisa a educação a partir


dessa perspectiva. O que o PISA não revela é se existe uma boa
atmosfera na sala de aula, se bons princípios de trabalho são
inculcados, se as ciências humanas, as ciências sociais, as matérias
estéticas como arte e música, que são essenciais, são bem ensinadas.
O PISA é uma prova muito específica que analisa algumas coisas. As
escolas e os países deveriam defender que eles ofereçam muito mais
do que isso.

Em seus livros, você aponta a Finlândia como um dos grandes


modelos.

A educação na Finlândia foi tradicional, embora há dois anos o


Governo tenha lançado um programa mais parecido com o da Suécia,
porque meu país tem um desempenho escolar inferior, mas tem um
comportamento econômico superior e criou empresas de tecnologia
como Spotify e Skype. O Governo finlandês parece pensar que com
um pouco de desordem suas escolas serão mais criativas. Não
acredito nisso.

A Finlândia era tradicional? Não há exames no ensino


obrigatório nem os havia antes dessa reforma que você
menciona.
É preciso repensar a fobia aos exames. O exame ajuda a se
concentrar em um objetivo. Que em tal dia você tem de saber esses
conhecimentos. Um bom professor ensina coisas aos alunos, revisa
com eles e faz algumas provas. E constroem outros ensinamentos
sobre o que já foi aprendido, então esses conhecimentos voltam a
aparecer mais tarde. Não faz um exame sobre algo sem importância.
Com a prova final acontece a mesma coisa. É um objetivo claro.
Ajuda a ter uma visão global.

Na Finlândia não se compara tanto as escolas, o que é comum


na Espanha. É assim?

Na Finlândia continuam com a tradição de confiar nos professores.


Quando existe um controle estatal do desempenho e se fazem
comparações entre as escolas, o ambiente se deteriora. Para os
professores, gera estresse e rancor em relação a quem te controla.

Como deve ser um bom professor?

Responsável e bem formado. Deve acreditar no poder do


conhecimento. Não se é bom professor apenas pelo que se sabe
sobre a matéria, nem só porque sabe conquistar os alunos. É preciso
combinar ambos os elementos: atrair os alunos para a matéria para
ensiná-la adequadamente. É preciso recrutar professores excelentes
em que alunos, pais e autoridades possam confiar. E a menos que
haja uma situação grave, devemos deixá-los trabalhar.

Como foi sua experiência na sala de aula?

O aluno tem de respeitar as instruções do professor, fazer as lições


de casa e, por exemplo, não mentir. Antes, mentir era muito grave.
Agora parece que não acontece nada. Vi jovens que inventam
motivos para justificar por que não fizeram um trabalho, que
escrevem de forma pouco legível para gerar dúvidas ou discutem o
tempo todo com os professores. Sei o quão desagradável é que um
aluno tente mentir para você. Vi isso no ensino médio e na
universidade. Quando um professor sente que não é respeitado, que
tentam enganá-lo, todas as relações de ensino se rompem.

O que fazer com as crianças que incomodam e não deixam os


outros trabalharem?

Isso é um tabu. É considerado pouco democrático. Diz-se que


devemos dar uma oportunidade a todos. Mas o que acontece quando
uma criança problemática não deixa os outros trabalharem, quando
se fala com ela e com os pais, mas não se corrige? É preciso colocá-lo
em um grupo separado para ver se percebe e muda.

E as crianças que se esforçam, mas não atingem o nível?

Elas podem ter aulas de reforço. E podemos oferecer itinerários


diferentes, como no caso de Cingapura.

E repetir de ano?

Fazer repetir uma criança às vezes serve e às vezes não, porque cada
um é diferente. Gosto do sistema de Cingapura, onde o lema é que
cada criança pode atingir seu nível ótimo. Existem diferentes
maneiras de conseguir isso: uma maneira, digamos, normal e outra,
expressa. A segunda inclui mais conteúdos em menos tempo. Há
quem diga que é menos democrático, mas creio que, pelo contrário, é
mais democrático porque convém à criança, à família e ao Estado. E
há menos evasão escolar, um problema muito mais grave.

Não está aprendendo também por imitação? Ou seja, os


alunos adiantados podem puxar aqueles que ficam para trás?

Funciona quando o grupo tem um bom nível e um bom professor. E


se aqueles que têm de se integrar são poucos e querem fazê-lo. Se
não, o que geralmente acontece é que aqueles que não querem
trabalhar arrastam os outros.

O bilinguismo que combina inglês e espanhol prolifera nas


escolas espanholas. Você matricularia seus filhos em uma
dessas escolas?

Primeiramente, eu analisaria outras opções. Aprender inglês é bom,


mas é preciso perguntar o que deixamos de aprender de outras
matérias. Tenho dúvidas. Acredito que se pode aprender bem inglês
com algumas horas de aula sem sacrificar outros conhecimentos,
como por exemplo, as ciências. Na Suécia, as aulas de inglês só
começam aos 9 ou 10 anos.

*Originalmente publicado no jornal El País Brasil

Você também pode gostar