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oe DIsCURSO e PODER discurso controla mentes € mentes controlam agio. Isso significa que, para aqueles que estio no poder, é crucial controlar, em primciro lugar, o discurso, Mas de que modo uuma entonagio especifica, um pronome, uma manchete ate MRC mT eee Te Pea ae ee ee ees ere ce eee) DISCURSO E PODER TrunA.vanDyx Poe eee areca Este livro analisa as formas de abuso de poder ~ manipulagio, doutrinagio eee ee en en ct eee rac Ree ORe Tony como instrumento a Anilise de Discurso Critica, Teun van Dijk desenvolve fer- ramentas de analise ¢ as aplica em exemplos concretos como noticias jornalisticas, Teena notes Cea CO eee Siesta a meee tec cos culeurais, jornalistas, linguistas e analistas do discurso. oe BD contexte iin f TEUNA. VAN Dyk DIsCURSO e PODER DISCURSO E PODER | Teun A. VAN Dyk Jovi Horrwacet - Kanna Fatcone. Conselbo Edrril (oncantzacao) AvalibaTeneita de Castilho | Felipe Pena Jouge Grespan José Luiz Forin | ‘Magda Sates Pro Paulo Eva } en DISCURSO E PODER Prada ears Ind Hote! ve, Ana Rein Vicia f Leonardo Montaenski * Benedieo Gomes Besera adage cae ee Kaine ee Pri ron pen ul feet scmasoriego sind ire coer ie des vino sutra meee on ‘diana Lai Ras Lcomade Monae A Biicora nfo & esponsivel pelo conteido da Obra, com o qual no neceisuramente concorda. O Autor conhece os fatos pelos quae € responsive, assim como se responsibiliza pels juios emitidos, (i ae cielo] editorscontexto Gaprigh © 2008 Tan A van Dk “Todos ot dns dest eg servis arora Conexto (Editon Pinsky Lida) Monge deep grenagio ‘Gustave 8 Vis Bose Reva Denis Me Fact Dados Inencinss de Catalogo a Pubiaio (CIP) 12 Besici do Livy, SP Bes) Di Teun Aan Dieu poder Ten A. van Dis ith Hota, Karina Falcone nna 2. = ‘Sip Palo: Context, 2010. Vision colaboradre Biblingaa, ISBN'978-85-7244-406-4 1. Andlie do dscuo 2, Poder (Ctacias soci) 3 Docs Linguagem 4 Semtion 5 Sociologia pata Ten xia I Hoffoge Jodich Fleone Karina Th. Thul, s.05058 epo.4o1.41 se 1. Andie de daar: Comuniagio inguagem 401.41 2. Discus poder Andie: Linggem © ‘comico 401.41 Eorrasa Cowrexra Diretr eval fine Pinky ‘Rau Dr Jot Hl, 520 Alo da aps (5085-030 Si Paulo sr re: (11) 3832 5838 contsttfeditorcontertcombe ‘wimeadtoncontere.comr Sumario AAPRESENTAGAO svete DISCURSO F DOMINAGAO: UMA INTRODUGAO ... Estudos Criticos do Discurso. Discurso e reprodugaa do poder social Aniilise do Discurso como andlise social Do poder ao abuso de poder: dominaci A celevincia pritica dos Estudos Criticos do Discurso, ESTRUTURAS DO DISCURSO E ESTRUTURAS DO PODER... A anélise do poder... Controle do diseurso e modos de repro ciscusiva /o€ de reprodugiio ideol6gica Estratégias de controle cogs A anilise do poder e do discurso Poder no discurso: uma revisio. Conclusves. DISCURSO, PODER E ACESSO Dimensoes da dominaneia.. Discurso e acesso... Analisando padroes de acesso Discurso, poder e racismo Alguns exemplos. Conclusdes. : ANALISE Critica Do Discurso. (0 que é Anilise Critica do Discurso”, Enquadtres teéricos ¢ conceituas. {As pesquisas em Andlise Critica do Discurso Conelusses. 10 113 113 15 123 131 DISCURSO E RACISMO a 7 Racismo . 134 Discurso. eel Conversagio. 141 Noticias jomalfsticas. 7 7 ised 44 Liv108 didtiCO8 nnn : 148 Discurso politico: os debates parlamentares. 150 Conctusbes...n. 153 (0 DISCURSO E A NEGACAO DO RACISMO Discurso e racismo. A negagio do racismo, Fungbes politicas e socioculurais Aconversagio, ‘A imprensa. 0 dliscurso parlamentar. Reverso. Conclusses. DISCURSO POLITICO F COGNIGAO POLITICA. Relacionando politica, cognigio e discurso, Um enguadre conceit... A cognigo politica Discursa politico... Conelusies DISCURSO E MANIPULACAO Anélise conceitual... Manipulagao e sociedad ‘Manipulagao e cognigao i ‘Manipulando a compreensao do discurso ‘baseada na meméria de curto prazo ‘Manipulagao episddica. ‘Manipulando a cognigio social Discurso, Um exemplo: ‘Tony Blair legitimando a guerra conta 0 Haque ...onssnsnsnnnsnnnnnin 2ST Conclusses 263 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS... 265 © AUTOR, 283 AS ORGANIZADORAS.... 284 AGRADECIMENTOS... 2285 Apresentacao ‘Abuso de poder. Essa é a denominacio dada por Teun van Dijk para a dominagio exercida pelas cites simbélicas, Até af, nada terfamos de muito novo, nio Fosse a preocupagéo do importante intelectual holandés da anilise de discurso. Utilizando como instrumenco a Anilise de Discurso Critica, van Dijk conclui que as elites simbélicas, que tém acesso privilegiado aos discursos piiblicos, também controlam a reprodugio discursiva da dominagio na sociedade. O livio mostra que isso ocorre na politica, na midia, na ciéncia e na burocracia, por exemplo. Conhecido no Brasil por seus trabalhos anteriores j publicados pela Editora Contexto (Cognipita, discurso ¢ interagao © Racisma e discurso na América Latina), van Dijk demonstra neste Discurso e poder grande capacidade de perceber as fendmenos da sociedade, de modo interdisciplinar, a partir de uma abordagem com raizes na linguistica, mas que atingem as ciéncias humanas em geral. Como todos os estudos de van Dijk na ADC nas tiltimas décadas, também esses trabalhos so multidisciplinares ¢ estabelecem uma relagio explicita entre discurso ¢ sociedade por uma interface cagnitiva de modelos mentais e cognig6es sociais como conhecimentos ¢ ideologias. Isso é perceptivel, por excmplo, na reproducao do racismo na sociedade. Racismo que, evidentemente, nfo é inato, mas aprendido a partir dos discursos ppiblicos na sociedade, discursos controlados pelas elites. Também na politica Discurne poder ssa aeeECtE a relagio entre discurso, cognigio e sociedade ¢ importante, por exemplo, na manipulagéo da opiniso piiblica nos discursos beligerantes de politicos pata conseguir apoio da populagio c dos parlamentares para agées bélicas, seja em ditaduras, seja em democracias formais. Publicar esta obra € uma contribuigo da Editora Contexto a0 aprofundamento da questo da andlise de discurso, que tantos ¢ bons cespecialistas tém no Brasil E importante notar que esta obra foi traduzida e adaptada por uma excelente equipe da Universidade Federal de Pernambuco, coordenada por Karina Falcone ¢ Judith Hoffnagel Os Editores Discurso e dominagao: uma introducao Se definirmos Critical Discourse Studies (CDS) ou, em portugues, Estudos Grtticos do Discurso (BCD) como um movimento cientifico especificamente intercssado na formagao de teoria na andlise critica da reprodugio discursiva de abuso de poder, entio um exame detalhado do conceito de poder constitui uma tarefa central dos ECD. No entanto, assim como corre com muitas das nocdes fundamentais das ciéncias sociais, também a nogio de poder revela-se to complexa quanto vaga. Nao é surpresa que haja um vasto ntimero de livros ¢ artigos dedicado & andlise desse conceito central em muitas disciplinas. F imperativo, portanto, que focalizemos naquelas dimensdes de poder que sao diretamente relevantes ao estudo do uso linguistico, do discurso e da comunicagao. Entretanto, meu objeto de estudo —a saber, a “reprodugio discursiva de abuso de poder e desigualdade social” — também é uma nogao problemética «¢, portant, também necessita de uma analise tedrica detalhada, Em outras palavras, interessa-nos investigar, por exemplo, de que modo uma entonagio specifica, um pronome, uma manchete jornalistica, um tépico, um item lexical, uma metéfora, uma cor ou um Angulo de cimera, entre uma gama de outras propriedades semidticas do discurso, se relacionam a algo to abstrato e geral como as relagGes de poder na sociedade. Isto ¢, de alguma forma precisamos telacionar propriedades tipicas do micronivel da escrita, da fala, da interagio e das priticas semidticas a aspectos tipicos do macronivel Diseursoe poder _ da sociedade como grupos, organi relagies de dominacio, Além do mais, os ECD nfo esto meramente interessados em qualquer tipo de poder, mas especificamente se concentram no abuso de poder, isto é, nas formas de dominago que resultam em desigualdade e injustica sociais. ‘Uma nogio normativa desse tipo (abuso € ruim) requer uma andlise em termos de outras nogbes ¢ critérios normativos das ciéncias sociais, cais como legitimidade, que por sua vez pressupse uma ética aplicada ¢ uma filosofia moral. Assim, neste livro tratamos frequentemente da reproducio discursiva do racismo, ¢ uma anilise critica de tais priticas discursivas pressupée, pelo menos do nos ponto de vista, que o racismo €ertado, por exemplo, porque priticas racistas (sexistas etc.) sio normas inconsistentes com a igualdade social. Em outras palavras, vemos que muitos conceitos dos ECD precisam ser formulados em termos das préprias nogées fundamentais das eiénciassocias Neste livro, tento contribuir para esse debate acerca dos fundamentos dos ECD, desenvolvendo nogées tedricas e aplicando essas nogécs em exemplos concretos da andlise critica. Nesta introducio apresento esas diferentes contribuigbes dentro de um coerente quadro teérico. Ges OU outras coletividades © suas Estubos Criticos po Discurso Antes de apresentar 0 quadro teérico para 0 estudo da reprodugio discursiva do abuso de poder, preciso primeiramente defender 0 estudo cxitico do discurso em termos mais geras. Embora o rétulo Critical Discourse Analysis (CDA) ou, em portugués, Anilise Criviea do Discurso (ACD) seja agora amplamente adotado, gostaria de propor uma mudanga dessa expressio para Critical Discourse Studies (CDS), isto é Estudos Créticos do Diseurso (ECD) por uma série de razoes ébvias. A principal razio é que os ECD ndo sio, como frequentemente se presume — especialmente nas ciéncias sociais -, um método de andlise do discurso. Nao existe esse tipo de método. Os ECD usam qualquer método que seja relevante para os objetivos dos scus projetos de pesquisa € tais métodos sfo, em grande parce, aqueles utilizados em estudos de discurso em geral. 10 —__ Serene De fato, ¢ pela mesma razao, também a andlise do discurso em si néo & um meétodo; antes, constitui um dominio de priticas académicas, uma transdisciplina distibuida por todas as ciéncias humanas e sociais. Pela ‘mesma tazio, prefiro usar o rétulo Discourse Studies (DS), ou seja, Errudos do Discurso (ED) para essa disciplina, MEtopos DE Estupos (Criticos) po Discurso ‘Assim, tanco dentro dos estudos discursivos em geral quanto dentro dos ECD em particular, encontramos a habitual interacio entre teoria, métodos de observacio, descrisio ou anilise, e suas aplicagdes. Dessa forma, nao existe “ama” andlise do discurso como um método, como também nfo hi “uma” andlise social nem “uma” andlise cognitiva. Tanto os ED como os ECD posstiem mécodos de estudo bastante diferentes, dependendo dos objetivos, da investigacio, da natureza dos dados estudados, dos interesses © das gualificagBes do pesquisador, bem como de outros parimetros do contexto de pesquisa. Assim, nesses dois campos, podemos encontrar maneiras de estudar as estruturas e estratégias da escrta e da fala, rais como: * Anilise gramatical (fonolégica, sintética, lexical, semAntica); + Analise pragmitica dos atos de fala e dos aos comunicacivoss * Andlise retérica; + Analise estilstica; + Aanilise de estrucuras espectficas (género ete.): narrativa, argumen- tagio, noticias jornalisticas, livros diditicos ete; + Andlise conversacional da fala em interagaos + Analise semidtica de sons, imagens e outras propriedades multimodais do discurso ¢ da interagao. Esses diferentes tipos de andlise (observagio, descrigo etc.) podem se combinar ¢ se sobrepor de muitas maneiras, de tal modo que uma investigagao pode se concentrar na semantica da narrativa, na ret6rica do discurso politico, na pragmética da conversagio ou na semiética do estilo, Dentto de cada tipo de anslise sempre hi, de novo, muitas ma- neitas de fazé-Ia (0 que as vezes também é descrito como “métodos” ou “abordagens”), como por exemplo a anslise formal, a andlise funcional u Bmore peiee a etc., que podem, por sua ver, ser bastante diferentes nas muitas teorias, escolas ou “scitas” que conhecemos em cada disciplina académica. Na maioria das vezes, essas andlises serio descrigbes qualitativas dos detalhes da cstrutura discursiva, mas, se tivermos muitas andlises de dados, essas descrig6es podem ser quantificadas. No encanto, apesar de todas essas diferengas, podemos chamar essas abordagens de mancinas de fazer a andlive ou a descrigto de discurso. Embota neste caso nao seja to comum falar de “métodos”, no sentido tradicional, ‘nfo hd nenhum problema sério em descrever essas “maneiras de andlise” em termos de “métodos”. Além dessa diferentes abordagens analiticas, pesquisas em estudos do dis- curso podem recorrer aos métodos tradicionais das ciéncias sociais, tais como: + Observagio participante; + Métodos exnogrificos; + Experimentos, O discurso nao éanalisado apenas como um objeto “verbal” auténomo, mas também como uma interago situada, como uma pritica social ou como tum tipo de comunicago numa situagio social, cultural, histética ou politica. ‘Assim, em vez de simplesmente analisar uma conversagio entte vizinhos, talvez seja necessério fazer o trabalho de campo em uma vizinhanga, observar como as pessoas falam em bares ou outros lugares piiblicos ¢ descrever muitos outros aspectos relevantes desses eventos comnicativos, ais como a situagao temporal ou espacial, circunstiincias especiais, os participantes e seus papéis comunicativos sociais, as outras varias atividades que se realiram a0 mesmo tempo, ¢ assim por diante Enquanto essas diferentes formas de observacio ¢ anslisé sio bastante tipicas das cigncias sociais, muitos tipos de psicologia podem utilizar experimentos controlados de laboratério ou de campo para testat hipsteses cspecificas. Hi uma grande quantidade de pesquisas sobre os muitos parimetros mentais que influenciam a produgao c compreensio discursiva € frequentemente sé podemos saber quais sio cles e como operam 20 examinarmos, em um experimento, como as condigées experimentais especiais (circunstincias, dados, tarefas ete.) geram consequéncias especiais para 0 modo como falamos ou compreendemos 0 discurso. R en domingo Em resumo, tanto os estudos do discurso quanto os estudos criticos do discurso fazem uso de uma grande quantidade de métodos de observagéo, de analise ¢ de outras estratégias para coletar, examinar ou avaliar dados, para testar hipéteses, para descnvolver teorias ¢ para adquirir conhecimentos, OFOCO ANALITICO ESPECIAL Nos ECD. E importante norar, contudo, que apesar desse pluralismo merodolégico, ha preferéncias e endéncias em funcio do enfoque especial dos ECD sobre os aspectos de abuso de poder e, portanto, mais geralmente, sobreas condigées e consequéncias sociais da escrita e da fala. Em primeiro lugar, as pesquisas em ECD, em geral, preferem métodos que nio infringem os direitos das pessoas estudladas e que so compativeis com as interesses de grupos sociais que s4o 0 foco das pesquisas. Em outras palavras, os mérodos dos ECD sio escolhidos de modo que a pesquisa possa contribuir para a apoderagio social de grupos dominados, especialmente no dominio do discurso e da comunicagio. Em segundo lugar, 0s métodos dos ECD concentram-se de forma specifica nas complexas relagées entre a estrucura social e a estrutura discursiva, bem coma no modo como as estruturas discursivas podem variar ou ser influenciadas pela escrutura social. Por exemplo, certas estruturas sintdticas oracionais so obrigatérias (‘ais como os artigos precedendo os substantivos em inglés), independentemente da situagao social do discurso, «©, portanto, nao vio variar diretamente em funcio da poder do falante. Se voce é da Esquerda ou da Diteita, a grameética da lingua é a mesma para todos, Em outras palavras, o abuso de poder s6 pode se manifestar na lingua onde existe a possibilidade de variagao ou escolha, tal como chamar wma mesma pessoa de “terrorista” ou de “lutador pela liberdade”, dependendo da posigéo @ da ideologia do falance. Semelhantemente, noticias na imprensa sempre t@m manchetes desempenhando ou no um papel na reprodugio de preconceitos éxnicos. Assim, é antes a forma eo significado de uma manchete do que sua propriedade estrutural em sique podem estar relacionados a situacio social. Embora esse tipo de perspectiva seja, em geral, corteto, hi casos nos quais as estruturas de dominagao influer s6 as opcées ou variagdes do uso linguistico ou do discurso, mas também 0s sistemas semidticos ou discursivos como um todo, os géneros e outras praticas sociais Diss per Podemos concluir que os ECD se concentratio, em geral, naqueles sistemas ce estrucuras da fala ou da escrita que podem variar em fungio de condigdes socias relevantes do uso linguistico, ou que podem contribuir para consequén- cias sociais espectficas do discurso, «ais como influenciar as crengas e ages sociais dos ouvintes c Icitores. Mais especificamente, 0s ECD prefercm enfocar aaquelas propriedades do discurso que sio mais tipicamente associadas com a expresso, a confirmagio, a reprodugio ou o confronto do poder social do(s) falante(s) ou escritor(es) enquanto membros de grupos dominantes. Essas propriedades podem incluit, de um lado, uma entonacio especial, as propriedades visuais c sonoras (cor, tipografia, configuragées de imagens, iniisica), as estrucuras sinciicas (ais como ativas e passivas), a selegio lexical, a scmntica de pressuposigées ou as descrigécs de pessoas, as figuras retéricas ou as estruturas argumentativas e, do outto lado, a selegio de atos de fala cespectficos, os movimentos de polidez ou as estratégias conversacionais. discurso racista ¢, de forma mais geral, 0 discurso ideolégico dos membros de um gcupo (endogrupo), por exemplo, tipicamente enfatizam, de vatias manciras discursivas, as caracteristicas positivas de Nosso préprio grupo e seus membros, es (supostas) caracteristicas negativas dos Outros, 0 grupo de fora (cxogeupo). Os autores podem fazer isso a0 sclecionar t6picos especiais, como o tamanho ou a cor das manchetes, 0 uso de fotografias ou cartuns, por gestos ou ao escolher itens lexicais especiais ou metéforas, por arguments (efalécias), a0 contar hist6rias,e assim por diante. Percebemos que uma estratégia geral envolvida na reprodugio discursiva (por exemplo, racista ou sexista) de dominagio, a saber, apolarizagio endogrupo-exogrupo (cxaltagio do endogrupo versus derrogacio do exogrupo), pode ser realizada de varias formas ¢ em muitos niveis de discurso. Nesse tipo de anilise, estruturas discursivas polarizadas desempenham ‘um papel erucial na expressio, na aquisisio, na confirmagio e, portanto, na reprodugio da desigualdade social. Note, no entanto, que esse tipo de re entre estruturas discursivas e estruturassociais nfo € uma simples relagio causal ou de correlagéo. Antes, temos que considetar um proceso sociocognitivo bastante complexo, envolvendo, por exemplo, os modelos mentais ou outras representagées cognitivas dos participantes. Também temos que explicar como ‘esses sio influenciados pelas estrururasdiscursivas, por um lado, einfluenciam a interaglo (e, portanto, os discursos futuros), pelo outro. 14 ued — Discurso dominasto METAS GERAIs Dos ECD. Apesar da grande diversidade de métodos usados nos ECD, estes possuem algumas metas bastante gerais com as quais a maioria dos estudiosos desse campo concorda. J4 formulei uma dessas metas anteriormente, qual seja, 0 estudo dat repraducio discursiva do abuso de poder. Em outras palavras, ‘os ECD estao especificamente interessados no estudo (critico) de quest6es « problemas sociais, da desigualdade social, da dominagio ¢ de fendmenos relacionados, em geral, e no papel do discurso, do uso linguistico ou da comunicagio em tais fenémenos, em particular. Podemos chamar isso © dominio especial dos ECD: fendmenos sociais especificos, problemas especificos e temas especificos de pesquisa. ‘No entanto, isso nao é tudo. E também preciso tornar mais explicita a nogio de “critica”. Estudar as questées ou problemas sociais € uma tarefa normal das ciéncias sociais, mas esses estudos tradicionais nao sio inerentemente “eriticos’. Em outras palavras, h4 nos ECD um aspecto normativo envolvido, uma perspectiva, uma atitude, uma maneira especial de fazer pesquisas sociais relevantes. Nao é facil definir as propriedades precisas dessa perspectiva ou aticude critica, € © que segue nao € nem totalmente explicito, nem exaustivo. Os Estudos de Discurso, mais especificamente, podem ser definidos como “ctiticos” se satisfazem um ou varios dos seguintes critérios, em que “dominagao” significa “abuso de poder social por um grupo social” + Relagées de dominagao sao estudadas principalmente da perspectiva do grupo dominado e do seu interesse. + Asexperiéncias dos (membros de) grupos dominados sto também usadas como evidéncias para avaliar o discurso dominance. + Pode ser mostrado que as acées discursivas do grupo dominante sio ilegitimas. + Podem ser formuladas alternativas vidveis aos discursos dominantes que sio compativeis com os interesses dos grupos dominados. Esses pontos claramente implicam que estudiosos dos ECD nio sia “neutros”, mas se comprometem com um engajamento cm favor dos grupos dominados na sociedade. Bles assumem uma posicio e fazem isso de modo explicco. Enquanto muitas pesquisas sociais “neutras” podem ter uma posigio 15 Discurso pdr social, politica ou ideolégica implicica (ou, de faro, negar que tomam essa posigao, 0 que obviamente é também uma tomada de posicao), estudiosos dos ECD reconhecem ¢ refletem sobre seus préprios compromissos com a pesquisa ¢ sobre sua posigio na sociedade. Fles nao so conscientes apenas ientificamente de sua escolha de tépicos ¢ prioridades de pesquisa, teorias, ‘métodos ou dados, mas s4o também conscientes social e politicamente. Fles no meramente estudam os problemas ou formas sociais de desigualdade porque sio coisas “interessantes" para estudar, mas também estudam com 0 propésito explicito de contribuir para uma mudanga social specifica em favor dos grupos dominados. Eles se examinam criticamente para observar se os resultados de sua pesquisa podem beneficiara posigao daminante das grupos poderosos na sociedade. Além de assumira perspectiva dos grupos dominados, ‘0 estudiosos dos ECD podem também tentar influenciar ¢ cooperar com “agentes de mudanga” ou “dissidentes” cruciais dos grupos dominantes. Ji houve bastante debate sobre se pesquisas de estudiosos social e poli- ticamente comprometicos sao de fato “cientificas”. Acusages de um “vies” contra a pesquisa critica sfo ocorréncias comuns e, elas mesmas, necessitam deuma andlise critica — até porque o nZ0 comprometimento politico é tam- bém uma escolha politica. Contudo, como estudiosos criticos, deverfamos evar a sério a critica séria. E, crucial enfatizar que uma perspectiva critica € socialmente comprometida no implica menor rigor na pesquisa. Nada do que acaba de ser descrito sobre a pesquisa critica nas ciéncias sociais implica que as teorias ¢ os métodas dos ECD deveriam ser menos cientificas Ao contritio, estudiosos dos ECD sfo conscientes de que os estudos discursivos de problemas sociais que podem efetivamente beneficiar grupos dominados e que podem contribuir para o abandono ou para a mudanga de priticas discursivasilegitimas das elites simbélicas normalmente requerem programas de pesquisa, teorias e mécodos que so complexos e multidisci- plinates, Uma coisa ¢ estudar formalmente, por exemplo, os pronomes, as estruturas argumentativas ou os mavimentos da interagio conversacional, ¢ ‘outta coisa bem diferente ¢ fazé-lo com igual rigor como parte de um pro- grama de pesquisa mais camplexo que mostra como tais estruturas podem conttibuir & reprodugdo de racismo ou sexismo na sociedade. Como vimos anteriormente, isso com frequéncia significa relacionar estruturas discursivas com estruturas cognitivas, por um lado, ¢ com cstruturas sociais, por outro. Iss0 requer teorias e métodos multidisciplinares. 16 —_ Piscurioedminagto Em outras palavras, os ECD tratam especificamente de problemas sociais ‘complexos para os quais¢ necessirio desenvolver ou aplicar teorias e mécados complexos de varias disciplinas e, 0 mesmo tempo, deve-se satisEazer os critérios sociais mencionados acima — tal como ser televante para grupos dominados. Isso significa que, em geral, os critérios para a pesquisa cm ECD sio frequentemente mais exigentes do que os para outras formas de estudo de discurso. Note também que mo estamos dizendo que todas as outras formas de estudo de discurso devem ser “eriticos”, apenas que os estudas criticos nao sto ‘menos cientificos porque sio criticos. Estudos criticos devem ser adequados tedrica e metodologicamente porque, de outra forma, nao seriam capazes de contribuir para suas metas sociopoliticas. Em suma, uma mé anilise de discurso, também em ECD, nao cumpre os critérios bastante elevados dos ECD, a saber, ser capaz de contribuir para a mudanca social. Osestudiosos dos ECD podem muito bem se engajar no desenvolvimento te6rico que até agora nao tem aplicagées diretas, mas que pode contribuir para melhorar as bases da pesquisa dos ECD. Se os estudiosos dos ECD estiverem especialmente interessados no t6pico geral da reprodugio discussiva do abuso de poder na sociedade, ralvez tenham que examinar, também em termos mais gerais, a relagao entre discurso e poder, ou o que faz 0 abuso de poder ilegitimo. Discurso E REPRODUGAO DO PODER SOCIAL E dentro dessa perspectiva mais ampla dos propésitos e bases dos Estu- dos Criticos de Discurso que examino as complexas relagées entre discurso € poder. Embora haja muitos conceitos de poder na filosofia e nas ciéncias sociais, neste livro eu defino essencialmente poder social em termos de controle, isto é, de controle de um grupo sobre outros grupos ¢ seus membros. Tradicionalmente, controle é definido como controle sobre as ages de ‘outros, Se esse controle se dé também no interesse daqueles que exercem tal poder, e contra os interesses daqueles que so controlados, podemos falar de abuso de poder, Se as agdes envolvidas sio ages comunicativas, isto é 0 discurso, entéo podemos, de forma mais especifica, tratar do controle sobre W Discusoepeder — Discuss edominacao 0 discurso de outros, que ¢ uma das maneiras ébvias de como o discurso © 0 poder estio relacionados: pessoas nio sio livres para falar ou escrever quando, onde, para quem, sobre o que ou como elas querem, mas sio parcial ou totalmente controladas pelos outros poderosos, tais como o Estado, a policia, a midia ou uma empresa interessada na supressao da liberdade da escrita ¢ da fala (tipicamente critica). Ou, ao contrdrio, elas ém que falar ‘ou escrever como sio mandadas a falar ou escrever. Esse controle é difuso na sociedade. Poucas pessoas tém uma liberdade total para dizer eescrever 0 que querem, onde e quando querem e para quem querem, Hi restrigGes sociais de leis (por exemplo, contra a difamagéo ou a propaganda racista) ou de normas sobre o que é apropriado, Além disso, a aioria das pessoas tem empregos nos quais so obrigadas a produzir tipos espectfcos de fala e escrita. Nesse sentido, o controle do discurso parece ser a regra, € nfo a excecio, Para investigar 0 abuso desse controle de discurso, entao, precisamos formular condigdes especificas, tais como violacées espectficas de direitos humanos ou sociais, a serem discutidas a seguir, O controle se aplica nao s6 a0 discurso como pratica social, mas também as -mentes daqueles que estio sendo controlaclos isto é, os seus conhecimentos, opinises, atitudes, idcologias, como também as outras representacbes pessonis ou sociais. Em geral, 0 controle da mente é indireto, uma intencional, mas apenas posstvel ou provavel consequéncia do discurso. EZ. uma vex que as ages de pessoas sio controladas por suas mentes (conhecimento, atitudes, ideologias, normas, valores), 0 controle da mente também significa controle inditeto da ago, Essa aco controlada pode de novo ser discursiva, de modo que o discurso poderoso possa, indiretamente, influenciar outros discursos que sejam compativeis com o interesse daqueles que detém © poder. Com esse resumo, explicamos o processo fundamental da teprodugéo de poder através do discurso. Examinemos esse processo mais detalhadamente, CONTROLE DO CONTEXTO: ACESSO Seo discurso controla mentes, ¢ mentes controlam ago, é crucial para aqueles que esto no poder controlar o discurso em primeiro lugar. Como cles fazem isso? Se eventos comunicatives consistem nao somente de escrita e fala “Verbais", mas também de um contexto que influencia o discurso, entéo 6 primeiro passo pata o controle do discurso ¢ controlar seus contextos. Por 18 exemplo, a elites ou organizagGes poderosas podem decidir quem pode parti- cipar em algum cvento comunicativo, quando, onde ¢ com que propésites. Isso significa que precisamos examinar em detalhe as maneitas como Aaceso a0 discurso esté sendo regulado por aqueles que esto no poder, como 6 ipicamente o caso de uma das formas mais influentes de discurso piblico, qual seja, o da midia de massa: Quem tem acesso 4 (produgio da) noticia ou aos programas, e quem controla tal acesso? Quem é capaz de organizar entrevistas coletivas que serio assistidas por muitos jornalistas? Os releases de quem estio sendo lidos ¢ usados? Quem esté sendo entrevistado e citado? ‘As ages de quem sio definidas como noticias? Os artigos de opiniao de quem ou cartas a0 editor estdo sendo publicados? Quem pode participar de uum programa de celevisio? E, de forma mais geral, a definigao de quem acerca da situagio social ou politica é aceita e levada a sério? [Em todos esscs casos, estamos falando de acesso tivo, isto, a participacio no controle dos contetidos e das formas da midia, e ndo sobre o acesso mais ou menos passive de consumidores (mesmo quando esses consumidores possam ativamente resist as mensagens da midia através de interpretacbes niio preferidas), Além disso, deve ser enfatizado que 0 acentuado acesso global A midia pode significara obliveragSo das midias pequenas ealternativas que tém menores recursos técnicos ¢ financeiros, Em outras palavras, a propria nogio de acesso precisa de mais andlise, porque possui muias dimensdes. Neste livro, tratarei do acesso apenas como uma forma de contribuiicao ativa ou participagio na produgio do discusso puiblico, por exemplo, no que diz respeito aos modos como as organizagBes ou os cidadios tém acesso aos jomalisas e sio capazes de influenciar a cobertura jornalistica. CONTROLE DO DISCURSO. Uma vezestabelecido como tais parimetros do contexto eda produgio de discurso sio controlados, podemos investigar como as préprias estrucuras do discurso extio sendo controladas. O gue (desde t6picos globais a significados, locais) pode ou deve ser dio, como isso pode ou deve ser formulado (com que palavras, de modo mais ou menos detalhado, preciso, em que tipo de oragio, cm que ordem, em primeito ou segundo plano etc)? Equa atos de fala ou outros atos comunicatives devem ou podem ser realizados por tas formas & significados discursivos, e como sio organizados taisatos na interacio social? 19 Diseusoe per (CONTROLE DA MENTE Para cada fase do processo da reproducio precisamos de uma andlise discursiva, social ecognitiva detalhada e sofisticada, Muitas das relagoes que acabamos de mencionar sio até agora pouco entendidas. Estamos comegando a compreender como o discurso esté sendo tratado, mas ainda falta muito para compreendermos como tal entendimento leva as varias formas de “mudanga de mentalidade”: aprendizagem, persuasio, manipulagao ou doutrinagao. © “controle da mente” envolve muito mais do que apenas a compreensio da escrita ou da fala; envolve também o conhecimento pessoal ¢ social, as experiéncias prévias, as opiniGes pessoais eas atitudes sociais, as idcologias eas normas ou valores, entre outros fatores que desempenham tum papel na mudanga de mentalidade das pessoas. Uma vez que temos uma melhor visio desses complexos processos ¢ tepresentages cognitivos, talvez seremos capazes de mostrar, por exemplo, como reportagens tendenciosas sobre imigrantes podem levar& formasao ou cconfirmagao de preconceitos ¢ estere6tipos, que por sua vez podem levar a~ ‘ou serem controlados pela formagio de ideologias racista, a qua, por sua vez, podem ser usadas para produzir novas escritas ou falas tendenciosas em outros concextos, que finalmente podem contribuir i reprodugao discursiva do racismo. Hoje entencemos muito disso em termes bascante gerais, mas, como afirmamos, os detalhes desses processos de influéncias discursivas sobre as mentes ou as pessoas so pouco compreendidos. © estudo da influencia da midia em termos de “controle da mente” deveria dar-se dentro de um enquadre sociocognitivo mais amplo que telacione as estrururas complexas da midia de hoje (nova) aos usos dessa midia «, finalmente, as varias formas complexas que tais usos podem influenciar a ‘mente das pessoas. I verdade que a midia de “massa” tem se diversificado em um grande ntimero de miclias alternativas, mfdias de “nichos" especiais « especialmente, as vastas possibilidades da internet, dos telefones celulares ede seus usos mais individuais das noticias, do entrctenimento e de outros “contetidos”. Os leitores eos espectadores podem ter se tornado mais crticos c independentes. Mesmo assim, mais andlises criticas so necessétias para descobrir se essa diversidade de tecnologias, midias, mensagens e opinies fa ‘com que o cidadao seja melhor informado e capaz de resistir & manipulagéo através de mensagens que aparentam ser direcionadas pessoalmente para 20 —__—_—__ieeettiets cele ~ mas que poderia implementar muito bem as ideologias dominantes que no mudaram muito. A ilusio de liberdade c diversidade pode ser uma das melhores manciras de produzir a hegemonia ideolgica que serviré aos interesses dos poderes dominantes na sociedade, incluindo as empresas que fabricam essas proprias tecnologias e seus contetidos mididticos e que, por sua vez, produzem tal ilusio, ANALISE DO DiscURSO COMO ANALISE SOCIAL Problemas teéricos ¢ empiticos semelhantes caracterizam a definigio de grupos ou organizagGes poderosos; em outras palavras, a prépria origem do ciclo da reprodugio discursiva do poder. Que caracteristicas 0s grupos de pessoas precisam rer para serem descritos como poderosos? Isso pode ser intuitivamente claro para governos, parlamentos, agéncias cestatais, a policia, a midia, os milicares eas grandes empresas, como também pode ser para alguns profissionais como médicos ou professores, ou para alguns papéis sociais, tais como os pais. No entanto, embora esse possa ser ‘caso para a midia enquanto organizagbes e empresas, isso também implica que os repérteres individuais sio poderosos? A maioria, provavelmente, ngaria esse tipo de assercio, mesmo se reconhevesse que tem o poder de influenciar as mences de centenas de milhares, se néo de milhées de pessoas. Poder nesse sentido nao deve ser definido como o poder de uma pessoa, mas antes como o poder de uma posicéo social, sendo organizado como parte constituinte do poder de uma organizagao, Portanto, precisamos fazer nilise social muito mais sofisticada para conseguirmos indicar com 10 quem controla o discuso piiblico € como, Exemplos semelhantes podem ser dados para outro campo importante do “poder simbélico”, a saber, a educagio. Sabemos que professores¢ livros didéticos influenciam as mentes dos alunos, e nao ¢ possivel negar que esperemos que eles 0 fagam se quisermos que nossos filhos aprendam algo. Mas é muito dificil distinguir entre uma aprendizagem que realmente serve 20s estudantes nas suas vidas presences e fururas, de um lado, ea doutrinagio dls ideologias de grupos ou organizagées poderosas na sociedade, ou uma aprendizagem que impede que os alunos desenvolvam seu potencial eritico, do ‘outro. Ainda assim, nfo concentraria a culpa em um professor ou uma passagem a Dscutnepoder pe tendenciosa num livro didético, uma vez que a forma de influéncia pode ser ‘muito mais dfusa, complexa, global, contraditéria,sistemstica e quase no perecbida por todos os envolvidos. De fato, desde o Ministério da Educagdo a0 estabelecer parimetros curriculaes até 0s autores ¢ editores 20 produzirem livros didéticos ou os comités de professores que os aprovam e, finalmente, 0s professores que os usam para ensinau; todos podem estar convencidos de que ‘0 que esses livros didéticos ensinam é bom para os alunos. Esses exemplos podem ser multiplicades para todos os dominios, da sociedade, isto 6, para a politica, para a justiga, para a satide, para as burocracias, para as agéncias estatais ¢ para as grandes empresas ¢, de cima para baixo, desde as principais elites até os que executam as politicas, as normas ¢ os planos delineados pelos que esto em uma situacio superior. NOVAMENTE: PODER E ACESSO Em resumo, quando “fazemos” andlise de discurso como andlise social, rds nos envolvemos com estruturas de organizacao, controle © poder vastamente complexas, das quais a fala ea escrita piblicas podem ser apenas uma de muitas outras priticas sociais a screm examinadas. Além do mais, «esse estudo critico de organizagses complexas e poderosas tem seus préprios problemas metodol6gicos, por exemplo, limitagées sérias de acesso. Dessa forma, pocemos analisarcriticamente uma noticia ou um editorial piblico, um livro didético ou uma interagéo em sala de aula, a propaganda de um partido politico ou a publicidade de uma empresa, mas raramente teremos aacesso 20 tipo de interagio discursiva que ocorte no topo: uma reunio da ciipula do governo, a reunio editorial de um jornal, uma reuniio dos ideres de um partido politico ou as deliberagdes dos diretores de uma empresa. Na pritica do trabalho de campo, a regra geral & que quanto mais altos ¢ influentes o discursos menos eles se mostram piiblicos ¢ acessiveis para uum exame critico ~ e as vezes é a lei que limita 0 acesso, como € 0 caso das reuniées ministers Por cxemplo, na minha prépria pesquisa de campo sobre o racismo ¢ a imprensa, nenhum pesquisador conseguiu acesso ts reunides edicoriais de um jornal, 2o menos nenhum de que eu tenha conhecimento. E. todos os que jd Fizeram trabalho de campo sabem que entrevistas com as elites so muito mais dificeis de conseguir do que falar com as pessoas comuns no seu préprio 2 — Dicusoedominasto ambiente — pessoas esas que se mostram, muitas vez, Flizes por falarem, jé que normalmente ninguém pede sua opiniao sobre suas expetigncias, E por isso que temos dados piiblicos sobre o racismo de debates politicos, relatérios noticiosos, livros didéticos ou programas de partidos politicos, ‘mas nio sobre como os ministros, lideres de partidos, editores, diretores de empresas ou burocratas em posigdes superiores falam ¢ escrevem, internamente, sobre imigrantes e minorias. O PODER COMO CONTROLE SOBRE © DISCURSO PUBLICO Neste livro, mostro como a andlise social critica est4 intimamente imbricada com a andlise de discurso contextual. Tiadicionalmente, 0 poder social de grupos (classes, organizagbes) foi definido em termos de seu acesso preferencial a — ou controle sobre — recursos materiais especificos, tais como 0 capital ou a terra, recursos simbélicos, ais como o conhecimento, a educagio ou a fama, ou a forea fisica. Muitas formas de poder contemporineo, contudo, devem ser definidas, como poder simbdlica, isto & em termos do acesso preferencial a — ou controle sobre ~ o discusso piiblico, seguindo a légica da reprodugio esbocada anteriormente. Controle do discurso puiblico é controle da mente do publico ¢, portanto, indiretamente, controle do que o priblico quer ¢ faz. Nao ha necessidade de coergio se se pode persuadir, seduair, doutrinar ‘ou manipular as pessoas. Nesses termos, entio, as elites simbdlicas hoje, tais como politicos, jornalistas, escritores, professores, advogados, burocratas e codos os outros que tém acesso especial a0 discurso piiblico, ou os diretores empresarias que inditetamente controlam tal acesso, por exemplo, coma donos de im- pétios da midia, sio os que devem ser definidos como poderosos segundo esse critério. O poder simbélico pode ser derivado de outros tipos de poder. Assim, politicos tm acesso ao discurso piiblico devido ao seu poder politico, € professores, devido aos recursos de conhecimento. Se 0 poder & definido ‘em termos de controle de (membros de) um grupo sobre outros, entao tais formas de poder politico, académico ou empresarial realmente se tornam iscursiva ¢, cfetivas se fornecem acesso especial aos meios da produgio portanto, ao gerenciamento das mentes do piiblico, 2B aaa pee steals cst saeiaese rans esseraeseeaeetaseeeaeeaeaeag Enquanto 0 poder foi definido, tradicionalmente, em termos de classe € 0 controle sobre os meios materiais da produgio, hoje tal poder tem sido em grande parte substicufdo pelo controle das mentes das massas, ¢ esse controle requer 0 controle sabre o discurso piiblico em todas as suas dimensbes semisticas. Deverfamos, portanto, ir além dos (normalmente corretos, mas simplistas demais) slogans da literatura critica popular sobre o poder da politica ou da midia em termos de “gerentes da mente” ¢ examinar de perto 0 que exatamente isso significa: como grupos especificos na sociedade sio capazes de controlar a definicao (isto ¢, os modelos mentais) de — € as emogGes sobre ~ eventos piiblicos, o conhecimento sociocultural geral c o sentido ‘comum, as atitudes sobre quest6es controversas ou, mais fundamentalmente, as ideologias, normas e valores basicos que organizam conteolam tais representagées sociais do piiblico em geral. REANALISANDO A HEGEMONIA Percebemos como a anilise social esté to intimamente relacionada & anilise do discurso ¢ como, de varias maneiras, essa relagao também requer ‘uma anilise cognitiva. Notamos como a nogao cldssica de hegemonia, como definida por Gramsci em Prison notebooks, ganha substincia através de uma anilise muito mais explicita dos processos envolvidos, a saber, como as ideologias sio reproduzidas e como as pessoas podem agir, de seu préprio livre-arbftrio, no interesse dos que esto no poder. E dbvio que essa explicagto dos meios discursivos e cognitivos da reprodugio do poder social em sociedade deve também ir além da usual andlise macro da sociologia ou da economia politica. A politica e a midia, sem duivida, se influenciam mutuamente e controlam uma d outra, ambas sendo por sua vez controkadas por interesses comerciais fundamentais, 0 mercado e 0 que é financeiramente “vidvel”. Tais andlises macro podem ser refinadas ainda mais por uma andlise das relagées ¢ formas de controle de classes, grupos ou organizagoes. MICROANALISE DO PODER Analistas do discurso, contudo, tendem a estudar essas relagées gerais no nivel mais local e micro, fais como as rotinas de interagzo cotidiana em 24 Bet ____ eee que os politicos e jornalistas sao envalvidos, como os releases sao fabricados € distribufdos, como as entrevistas coletivas sio conduzidas, como as questées crfticas de jornalistas sfo respondidas estrategicamente, e assim por diante. Se os que detém o poder precisam controlar sua imagem na midia de ‘massa para dessa forma ganhar apoio e influenciar os humores e as mentes, piiblicos, entao eles precisam controlar os detalhes discursivos e interacionais da produgio do discurso ptiblico ~ como o timing, os contetidos detalhados € o estilo de um release, um relatério ou publicidade empresarial, ou as conversagGes e encrevistas com jornalistas. Através de uma andlise detalhada dessas praticas discursivas org: produgio do discurso puiblico ~ podemos mostrar como macroestrucuras sociais sf0 relacionadas com as estruturas do discurso priblicoe, finalmente, como essas podem influenciar as mentes do piiblico em geral, Deve-se enfatizar que esses processos socizis de reprocgio nao sio deter- min(sticos, Por exemplo, apesar das muitas formas de influéncia pelo Estado ou por organizagécs podcrosas, jornais enquanto organizagées c jornalistas enquanto individuos podem resistir (acé um ponto) a esse tipo de presto e formular noticias de acordo com sua prépria perspectiva e interesses O mesmo € verdadciro para 0 publico das organizagées jornalisticas. E claro que as pessoas sio influenciadas pelas noticias que leem ou vem, mesmo se leem ou veem as novicias para adquirir ¢ atualizar seu conhe- cimento sobre 0 mundo. Mas sua compreensao das noticias ¢ a mancira como mudam suas opiniées ow atitudes dependem de suas préprias atitudes cionais ~ cujo propésito é 0 controle da ou ideologias prévias (compartilhadas com outros membros de grupo), como também de suas experiéncias pessoais. E essa interpretacio pessoal das noticias, esse modelo mental ds eventos, que é a base da ago pessoal especifica dos individuos. Em outras palavras, a ligago entre as macroestruturas do poder societal, de um lado, ¢ a agéncia individual, do outro lado, & muito complexa e indircta, como o é, também, para a reprodugio discursiva do poder que estamos examinando aqui. DISCURSO, COGNIGAO E SOCIEDADE A breve andlise da reprodugao discursiva do poder realizada anteriormente estabelece relagles fundamentais entre um triingulo de conceitos que organi- 25 Disousoe peer — = - zam.a maior parte das minhas pesquisas ¢ outras publicasées: discusso,cogi ‘io esociedade, Na minha perspectiva, qualquer tipo de ECD precisa prestat atengio a todas as trés dimensdes, mesmo quando ocasionalmente possamos querer enfocar uma ou duas delas. A tendéncia geral na pesquisa critica éa de ligar diretamentea sociedade—c especialmente o poder ¢a dominagio~com 6 discurso, as préticas sociais ou outros fendmenos que estudamos. De acordo com meu esquema tedrico, essa ligacio direta nfo existe: nao hd uma influéncia direta da estrucura social sobre a escrita ou a fala, Antes, estruturas sociais sio observadas, experimentadas, interpretadas ¢ repre sentadas por membros sociais, por exemplo, como parte de sua interacio ou comunicagio cotidiana. £ essa (subjetiva) representagio, esses modelos :mentais de eventos especifcos, esse conhecimento, essas atitudes cidcologias que, no fim, influenciam os discurso e outras préticas sociais das pessoas. Em tras palavras, a cognigao pessoal e social sempre medeia a sociedad ou as situagées sociaise o discurso. Portanto, nos ECD precisamos escudar proble- 1mas sociais em termos do tringulo discurso-cognigio-sociedade, Nenhuma de suas trés dimensoes pode ser realmente entendida sem as outras ws HISTORIA E CULTURA A constatagéo de que essas trés dimensées si0 necessérias nia significa que elas sejam suficientes. Ha pelo menos mais duas dimensées que séo fundamencais na pesquisa em ECD: histariae cultura — embora cu entenda cessas duas dimensGes como fazendo parte da dimensio social. Isto é a maiotia das questoes tratadas neste capitulo e nest livro, tais como o tacismo, a midia de massa, a politica ou a educagio, tem uma dimensio histérica importante, cuja andlise contribuird para a nossa compreensio mais completa dos problemas sociais contemporineos. © racismo nao é uma invensio de hoje, mas tem uma hist6ria de séculos. Por outro lado, existem vastas mudangas sociais nas tiltimas décadas, tais como as de classe, de genero de etnicidade, e muitas sociedades contemporineas na Europa, na América do Notte ¢ na Australia tém mudado dramaticamente quando comparadas ‘com o que eram hd apenas 50 anos atrés, Os ECD devem examinar essas mudangas como também as mudangas na reproduce discursiva do poder para mostrar precisamente se e como as relagdes fundamentais de poder podem ter ou néo mudado. 26 re Finalmente, 0 mesmo é verdadeiro para a cultura. Tudo © que dizemos aqui deve também ser qualificado culturalmente. Os discursos e as manei- ras como reproduzem 0 poder sio diferentes em diferentes culturas, como também o séo as estruturas sociais ¢ as cognigdes sociais que esto envolvi- das nesse processo de reproducio. Devido & globalizagao crescente, alguns géneros de discusso podem ter-se tornado bastante uniformes, como & 0 caso de muitas das noticias internacionais ¢ até de algumas formas de en- teetenimento, Mesmo assim, alguns membros de diferentes culcuras podem entender c usar tais discursos de manciras diferentes, compativeis com seu proprio conhecimento e suas atitudes compartilhadas culturalmente. Isso também é verdadeiro para a produgio do discurso e suas condigées sociais, que também podem ser diferentes em diferentes sociedades e culturas. Isso significa que os ECD também deveriam sempre ter 0 cuidado de exarninar a reprodugao discursiva de poder contra o pano de fundo cultural dos parti- cipantes—e, cada vez mais, analisar como o discurso esta sendo influenciado pelas experiéncias transculturais de muitas sociedades contemporineas. Do PODER AO ABUSO DE PODER: DOMINACAO E um mal-entendido comum dizer que o poder é inerentemente “ruim’” e queaandlise de discurso e poder é, por definigo, uma anilise “criti”. ss0 & contudo, uma concepsio, bastante limitada, se nao tendenciosa, de poder ede ECD. O poder, ébvia trivialmente, pode ser usado para muitos propé- sitos neutros ou positives, como quando pais e professores educam ciangas, a midia nos informa, os politicos nos governam, a policia nos protege e os ‘médicos nos curam — cada um com seus préprios recursos especiais. Isso nao é meramente uma ressalva para introduzir um mas limitador. Pelo contririo, a sociedade nao funcionaria se nao houvesse ordem, controle, relagoes de peso e contrapeso, sem as muitas relagdes legitimas de poder. Nesse sentido, muita andlise social envolve a andlise de poder e das nogées relacionadas. Os ECD pressupéem um discernimento especial das estruturas sociais, ‘cm geral, e das relagées de poder, em particular. Somente com isso podemos examinar 0 abuso de poder, como tal abuso pode prejudicar as pessoas, € como a desigualdade social pode ser produzida ¢ reproduzida na vida cotidiana. Somente entdo seremos capazes de entender como o poder ¢ desigualmente distribuido na sociedade. Diseune peer Os USOS ILEGITIMOS DO PODER OsECD estio bem mais interessados na andlise critica do abuso de poder dos politicos do que em seu exercicio legitimo do poder, mais na maneira como a midia desinforma do que como informa, ou mais na forma como profissionais e estudiosos abusam do seu conhecimento pata acossar alunos, clientes ou outros cidados do que como os educa ou os cura, Chamo essas formas de abuso de poder de dominagio, uma nogao que implica a dimensio negativa de “abuso” também a dimensio de injustiga e de desigualdade, isto é, todas as formas ilegitimas de agio e de situagoes. A dominasao cobre igualmente os vétios tipos de abuso de poder comunicativo que sio de interesse especial para os analistas criticos do discurso, rais como a manipulagio, a douttinagio ou a desinformaga Outros exemplos nao discursivos de dominagio vém & mente; a experiénci cotidiana, as histétias e noticias jornalisticas sio repletas de exemplos. O assédio sexual de mulheres por homens, a violéncia dos pais, a corrupcao politica, o abuso de poder € a violencia pela policia, o terrorismo e antiterrorismo, as guerras etc. Apenas menciono esss situagées para enfatizar que os ECD s6 podem estudar uma pequena (mas importante) parte de todas as formas de dominagio e desigualdade. Para contribuir com uma pritica bem fundamentada do estudo critico do discurso, devemos, portanto, ser muito mais explicitos sobre a defini de abuso. De que modo fazemos a distingao entre 0 uso € 0 abuso de linguagem, discurso ou comunicagio, de noticias ¢ argumentagio, de debates parlamentares e leis, de estudos académicos ou de relatdrios profissionais, entre uma vasta série de outros géneros ¢ praticas comunicativas? Assim, podemos esperar que a midia de massa nos informe sobre distarbios civis, mas quando ¢ exatamente que essa “informacio” sobre “distirbios” se transforma em. textos preconceituosos sobre os jovens negros ou sobre o terceito mundo, ou sobre as ideologias de classe acerca dos pobres? Ou quando é que um projeto de pesquisa sobre a imigeacao ou sobre as vidas cotidianas de minotias cai em estere6tipos confirmatérios, por exemplo, como essas ‘bre o abuso de drogas ou a violéncia, ¢ ignora as maneiras inorias so diatiamente discriminadas pelas autoridades, a policia eas elites simbélicas? 28 —_— Diseranecominagio Em suma, 0 estudo das maneiras ébvias como o discurso esté sendo abusado tal como na propaganda racistaexplicita ou na pscudociéncia precisa ser complementado por andlises muito mais sutis das préticascotidianas em que 0 “bem” co “mal” podem aparecer juntos na escrita ¢ na fala, Entdo, quando exatamente comegamos a falar de “abuso” a0 descrever ‘essas priticas discursivas? Jd comecamos a descrever tal abuso em termos de legitimidade: abuso de poder € 0 uso ilegitimo do poder. Esse tipo de andlise leva rapidamencea uma das bases da anélise sociale politica. O abuso de poder, entio, significa a violacio de normas ¢ valores fundamentais no interesse daqueles que tém o poder e contra os interesses dos outros. Os abusos de poder significam a violacao dos direitos sociais ¢ civis das pessoas, Na drea do discurso e da comunicagio, isso pode significar o direito de ser bem ensinado e educado, de ser bem-informado etc. A nogio normativa de legitimidade €, contudo, muito complexa e sua anillise adequada ¢ relevante para as proprias bases dos ECD. Se quisermos analisar c criticar a dominagio ¢ se a dominagio é definida como ilegitima, precisamos ser muito explicitos sobre as normas, os critérios ou os padres de legitimidade. De forma crucial, entio, a questo é quem define 0 que é legitimo em primeiro lugar? Uma bem conhecida resposca das democracias liberais é que isso é uma tarefa dos representantes democraticamente eleitos, tais como os de um parlamento, de um conselho municipal ete. Contudo, sabemos através da histéria que houve muitas leis ¢ regulamentos racistas, sexistas ¢ classistas, de modo que as leis, em si mesmas, nfo garantem a legitimidade, a0 aplicarmos outras normas € critérios. Esse é o mesmo caso no que diz. respeito & formulagio dos direitos humanos internacionais ~ os quais, também sabemos, rém mudado historicamente. Em oucras palavras, como € 0 caso para todas as normas, os valores € 0 conhecimento, também os padroes de legitimidade sio relaivos, mudam historicamente evatiam através das culturas ~ mesmo quando afirmamos cada ver que sio “universais” Se temos.o uso de poder legitimo eo abuso de poder ilegitimo, precisamos aceitar que podemos também ter formas de desigualdade legitimas que 0 produzidas por eles. Isso nao é somente o caso das dbvias diferengas de poder politico, mas também onde houver recursos de poder que nfo sejam distribuidos igualmente — comegando com os recursos materiais,tais como dinheiro, Relevante para nés é que iso é também verdadeiro para os recursos 29 Discurse pdr saat nao materiais ¢ simbélicos de poder, tais como o conhecimento ¢ 0 acesso a0 discurso puiblico. Assim, achamos “normal” as desigualdades tais como as diferengas de poder entre professores ¢ estudantes, profissionais e seus clientes, petitos¢ leigos, ou jornalistas ¢ suas audiéncias. A questio crucial em ECD é portanto, quais das diferencas de poder sio legitimas na visio dos padres de jusciga e equidade de hoje, ou na base dos direitos humanos internacionais, € quais representam casos de abuso ilegitimo de poder. (Ou quando os recursos de poder do jornalista,rais como 0 conhecimento «speciale as informag6es, como também o acesso direto & midia de massa, so usados legitimamente, por exemplo, para informar 0 cidadio, e quando tal poder é abusado para desinformar, manipula ou prejudicar os cidadios. Percebemos que muito da definigio da (i)legitimidade da escrita e da fala encontra-se enquadrada em cermos das conseguéncias mentais negativas da dominacio discursiva: desinformagio, manipulagio, esterestipos ¢ preconceitos, vieses, falta de conhecimento e dousrinagio, e como esses elementos podem significar ou levar 4 desigualdade social, como por exemplo, no caso em que tais consequéncias mentais por sua vez podem influenciar a (ileg{tima) interagio social, tal como a discriminagéo. Embora possamos accitar a definicio geral de dominacio discursiva em termos de suas consequéncias sociais negativas para os receptores, especificar os valores e as notmas precisos que tornam explicitas tais consequéncias nogativas é muito dificil ¢, & claro, depende da perspectiva de cada pessoa. Nao ¢ dificil formular por que a reportagem racista é “ruim”, por exemplo, jd que ajuda a formar e confirmar esteredtipos ¢ ideologias racistas, 68 quas, por sua ver, slo a hase da discriminagio racista— que, por definigio, € contra os interesses daqueles que sio discriminados ¢ viola seus direitos fundamentais. [sso ocorre também tendo em vista que a reportagem racista ou a propaganda politica é proibida por lei em muitos paises UM EXEMPLO: REPORTAGEM RACISTA ‘Mas e se um jornal faz a cobertura, por exemplo, de um “saque” feito por um jovem negro durante um “distitbio”, como temos visto varias vezes no Reino Unido ou nos Estados Unidos, ¢ como eu analisei no meu Livro Racism and the press? Obviamente, fazer uma cobertura jornalistica de agbes 30 —__ Discursoe dontnacto criminosas cometidas por membros de grupos minoritétios nfo é em sis racista nem, por outro lado, uma violagio de seus direitos civis, mesmo quando tal reportagem “negativa” possa confirmar preconceitos émnicos entre ‘muitos grupos brancos. Entio, énecessévio elaborar uma anslise detalhada do texto ¢ do contexto para poder justficar a conclusia de que tal reportagem & racista. Por exemplo, essa cobertura se torna mais ou menos racista se as condigées a seguir existirem: + Se apenas as agSes negativas de javens negros sio representadas, e no as de outtos jovens ou, de fato, da policia. + Seas agdes negativas dos jovens negros sio enfatizadas (por hipér- boles, metéforas) e as da policia sio desenfatizadas (por excmplo, por eufernismos). + Se as agies so especificamente enquadradas em termos “émnico: ‘ou “raciais", em vex de agies de, digamos, jovens ou pessoas pobres, homens ou outra categoria mais rclevante. © Sedistirbios, saques ou violéncia séo focalizados como eventos sem causas sociais, por exemplo, como uma consequéncia do assédio fiequente da policia, ou sem um padtio mais amplo de pobreza e discriminacao. + Ses jomnais sistematicamente se engajam neste tipo de vies e assim parecem ter uma politica de reportar de modo negativo as minorias. + Se apenas, ou predominantemente, fontes “brancas” que tendem a culpar jovens negros ¢ exoneram a policia sio usadas. ‘Vemos que essas normas violadas nio sio controversas, Ao contritio, elas fazem parte das normas profissionais da prética de reportagem adequada, que requer representacGes equilibradas dos eventos, explicando-os em termos de causas ¢ contextos sociais, desempenhando uma fungio de vigilincia contra 0 abuso de poder das agéncias ou forgas do Estado. Jornalistas sabem cedevem saber das consequéncias possiveis da reportagem tendenciosa sobre comunidades minoritérias e, portanto, devem ter muito cuidado para respeitar as normas gerais da reportagem profissional. Eles no precisam fechar seus olhos para os delicos das minorias nem aplicar a autocensura, mas devem apenas aplicar suas préprias normas profissionais também a0 fazer cobertuta jornalistica sobre os Outros. 31 Discusoe poder . Vis Lecitimo Mesmo 0 exemplo da reportagem racista de “distdrbios” € ainda relativamente claro, porque podemos aplicar normas ¢ valores gerais da reportagem profissional para avaliar essa reportagem criticamente. Contudo, hi muitos outros exemplos de uma reportagem mais ou menos “ruim” ou “tendenciosa” que nfo viola as normas existentes © que no tem as consequéncias sociais negativas, como, por exemplo, quando um jornal da esquerda destaca as qualidades positivas de um candidato da esquerda nas cleighes ¢ as qualidades negativas do candidato da direita. Esse viés dbvio pode ser motivado quando a maioria da imprensa é conservadora representa candidatos da esquerda (mais) negativamente. Semelhantemente, a imprensa pode querer representar negativamente politicos que sdo corruptos, indiistrias que poluuem ou discriminam, e assim por diante, ¢ tal cobertura pode ser “tendenciosa” contra essas entidades, ‘mas obviamente as consequéncias sio, sem diivida, para o bem do piiblico. Assim, podemos concluir que para cada prética discursiva precisamos cxaminar cuidadosamente os contexcos, normas e valores especificos que definem a pritica adequada. Entretanto, como regra geral, poclemos falar do uso ilegftimo do poder discursivo, isto é, da dominacio, se esse discurso ou suas possiveis consequencias sistematicamente violam os direitos humanos ou civis das pessoas. Mais especificamente, esse € 0 caso sc tal discurso promove formas de desigualdade social, como quando ele favorece os interesses dos grupos dominantes em detrimento dos interesses dos grupos nio dominan- tes, precisamente porque estes nao tém mesmo acesso ao discurso ptiblico, Para cada género de discurso ou pritica discursiva, entdo precisamos es- pecificar seus patticulares. Demos o exemplo das noticias na imprensa, mas, é claro, precisamos desenvolvertaiscritérios para todos os tipos de discurso publico, ais como os debates parlamentares, a propaganda politica, a publici- dade, o discurso empresaral, os livros didticos ea interac em sala de aula, 05 discursos juridicos, os discursos cientificos ou os discursos burocriticos. OCONTRA~ARGUMENTO: A INABILIDADE DE CONTROLAR AS CONSEQUENCIAS Outra complicagio em uma teoria acerca da dominagio discutsiva & que esta nfo € apenas formulada em termos de estruturas discursivas isto é, estru- 32 eee turas que autores podem (mais ou menos) controlar e, portanto, pelas quais cles sio (mais ou menos) esponséveis, especialmente também em termos das consequéncias de tais estruturas. Os politicos ¢ os jornalistas rotineiramente se defendem deacusagées de tendenciosidade ao dizer que nfo tém controle sobre ‘© modo como as pessoas leem, compreendem ou interpretam seus discutsos. Esse tipo de defesa néo € completamente sem fundamento, porque no hé uma relagdo causal entre o discurso ¢ sua interpretago: sabemos da psicologia ca compreensio discursiva que os discursos em si sio apenas um fator num conjunto complexo de condigées que influenciam a compreensio a interpretacio, tais como 0 contexto da leitura, © conhecimento dado eas ologias dos leitores, suas biografias pessoais e experigneias correntes, suas intengbes e metas atuais, seu papel e status cortente, e assim por diante Mesmo assim, apesar de tal variagio individual e contextual, isso nao significa que os discursos em si social. Hé uma compreensio geral das maneiras como 0 conhecimento, © preconceito e as ideologias so adquiridos também através do discurso, Assim, especialmente os autores profissionais e as organizagoes devem ter um. entendimento acerca de quais séo as possiveis ou provaveis consequéncias de seus discursos sobre as representagées sociais dos seus receptores. Hi pouca ciivida, por exemplo, que a repetida énfase eo enfoque nas criam e confirmam atitudes racistas socialmente compartilhadas na sociedade, e no somente as opiniGes de alguns individuos preconceituosos. “Também hé pouca diivida de que a maioria de nossas idcologias sio for- ‘madas discursivamente, Nesse sentido, entio, a falta de controle direvo sobre as mentes ou sobre os ouvintes nfo é uma desculpa para a pritica discursiva ruim, dado 0 conhecimento profissional sobre as proviveis tendéncias da in- fuéncia como um todo dessas priticas sobre as mentes eas ages des ouvintes. De fato, os mesmas grupos da elite ¢ as organiaagées sabem perfeitamente {que efeitos sua “informacio”, sua propaganda e sua publicidade cém sobre 0 piblico ~ caso contritio, nfo se engajariam na comunicagio publica. 0 irrelevantes nos processos de influéncia caracteristicas desviantes ou criminais das mi ARELEVANCIAPRATICA DOS EsTUDOS CritIcos DO Discurso © que foi dito anteriormente se aplica principalmente a pesquisas de Estudos Criticos de Discurso. Essas pesquisas, esperamos, produzem 33 Discueme poder eee percepgées titeis do. papel que o discuss desempenha na reprodugio da dominagio, e como tal abuso de poder leva 4 desigualdade social. O crucial para os ECD € que essas percepgées devem também ter uma relevancia pritica para os grupos dominados, Embora existam muitos exemplos de aplicagoes préticas da pesquisa de ECD, essa dimensao de ECD é a que mais precisa de um maior desenvolvimento e de uma anilise autocritica. Dessa forma, deixe-me formular brevemente algumas das opgdes. ‘MEDIAGAO E CONSULTORIA Se um politico, um jornalista ou um professor alega no saber (ou ter conhecimento) das possveis consequéncias sociais negativas de seus discursos, hd obviamente um papel mediador para os analistas crticos de discurso, Eles podem mostrar, em detalhe, como tpicos, mancheres e Jeads do discurso jornalistico, ou os resumos ¢ conclusdes de artigos académicos, ou slogans no discurso politico, podem ser usados ¢ abusados para “definira situacio”, isto 6 de que forma essas estruturas discursivas podem ser usadas para construir as estruturas (macro) mais elevadas dos modelos mentais de eventos. Como analistas crticos, podemos mostrar como especifics tens lexicais ou metéforas sio usados para construir os detalhes de eventos ou as caracteristicas de pessoas em tais modelos mentais — ou, de fato, como os modelos mentais tendem a ser generalizados para preconceitos ou outras atitudes sociais gerais. ‘Os ECD podem e devem intervir na educagio discursiva de profissionais para mostrar como os discursos puiblicos das elites podem influenciar as ‘mentes dos cidados e como tal influéncia exerce um papel na reproducio daesteutura social, Ser consciente das consequéncias do seu préprio discurso (cde qualquer agio publica) é uma das condigbes de responsabilidade, como também ocorre no que se refere 20 nosso conhecimento acerca dos efeitos de produtos quimicos sobre 0 ambiente. Nesse caso, a desculpa “Nés nao sabjamos!” (ou a variagéo alemd usada como desculpa apés a Segunda Guerra Mundial: Wir haben es nicht gewusst!) no € mais vilida, da mesma forma que a avaliagio critica das praticas poluentes. O ENSINO, OBVIAMENTE O ensino de ECD é também relevance para cidadaos em geral, porque cles podem aprender a ser mais conscientes acerca dos propésitos das elites 34 — a Decutsoe domino dliscursivas e de como os discursos publicos podem informar incorretamente, manipular ou, por outro lado, os danificar. Isto é, a principal meta socal e pri tica dos ECD ¢ desenvolverestratégias discursivas de dissensfo e resistencia, CONSELHOS PROFISSIONAIS, CODIGOS DE CONDUTA ara sermos capazes de alcangar tais metas, precisamos investigar em detalhe quais propriedades discursivas, quais géneros de discurso ¢ quais contextos comunicativos podem provavelmente provocar que consequéncias sociocognitivas sobre a formacéo de conhecimento, de atitudes ¢ de ideologias. Essa investigago requer a cooperagao de analistas de discurso com linguistas, psicélogos cientistas sociais ~ cada um examinando alguns dos componentes do complexo processo da reproducio discursiva da desigualdade social Embora o ensino de ECD seja crucial como uma forma de resistencia d dominagao discursiva, isso nao é suficiente, Poucos jornais mudaram suas praticas de produzir reportagens racistas ou tendenciosas como consequéncia das anilises dos ECD. O mesmo € verdadeiro para a maioria dos estucos criticos. Mesmo assim, como vimos para os sucessos dos movimentos femi- nistas eecoldgicos, a ressténcia pode ter efeitos até sobre os mais poderosos. ‘Tradicionalmente, 0 caminho tem se dado através das instituigées, isto 6, através da educacao de jornalistas ¢ outros profissionais com os resultados biisicos de nossos achados. Quer dizer, na universidade nossas metas sio clarast censinar alunos como analisar criticamente a escrita¢ a fala, como ensinar isso ppara outtos e como desenvolver novas teorias para melhorar essas anises ‘As formas mais diretas de resi dominios, podem também ser efetivas para os ECD, como, por exemplo, na drea de reportagens sexistas ou racistas, 20 fornecerem testemunho critico ¢ especializado para entidades internacionais que tém pelo menos algum poder, tais como as Nacées Unidas ou 0 Conselho Europeu ~ ambos jé promovcram ages repetidas contra o racismo. Por exemplo, se somos capazes de mostrar como esse racismo é reproduzido pela midia, podemosao mesmo tempo formular recomendacbes concretas, que podem tomar a forma de cédigos profissionais voluntarios, como existem em muitas éreas. Tais cdigos podem formular eritétios para a diversidade na redagio dos jornais, na formas de coletar as noticias, nos téncia, que tiveram sucesso em outros 35 Discus per tdpicos e nas fontes de noticias, entre outras recomendagées — isto é, na exccucio de normas e valores profissionais geras. Eles podem explicitamente sugerir a eliminacio de todas as referéncias irrelevances & etnicidade dos atores das noticias, especialmente nas noticias negativas (crimes etc). O mesmo é verdadeiro, ¢ tem sido sugerido, para a cobertura sobre o Terceiro Mundo ou sobre o Isla — da mesma mancira como tem sido repetidamente proposto para a cobertura sobre quest6es de género pela midia. O PRECONCEITO E RUIM PARA OS NEGOCIOS ‘Além do ensino, da pesquisa e da agéo politica envolvendo organizagbes internacionais influentes, uma outra estratégia importante da resisténcia dos ECD afeta o centro das ideologias e priticas neoliberais: 0 lucto. Deviamos argumentar € mostrar que © discurso racista ou sexista € cuim para os nnegécios. Na sociedade cada vex. mais multicultural dos Estados Unidos, da Europa ou da Austrélia, onde muitos dos povos nfo europeus se tornaram cidadzos ¢ consumidores, obviamente pouco inteligente contrariar esses clientes potencias com politicas, reportagens, ensino ou outras praticas discursivas racists. Se esses cidados tém uma escolha entre um jornal ou programa de televisio, escola ou firma racista e um nao racista, podemos imaginar o que a maioria deles escolher4, especialmente se cles mesmos extio explicitamente cientes do racism. Diversidade entre os jornalistas pode nio ser o suficiente. Jornalistas das minorias, se recrutados de fato, sio selecionados pela semelhanga de seus valores com os do dono ou do editor principal des jornais, ou porque cesses jornalistas se adaptam 20s colegas para poder manter seus empregos ou condigdes razodveis de trabalho, Nesse caso, €a diversidade dos compradores de jornais que constitui um incentivo podcroso para mudar as politicas editoriais. De forma mais geral, empresas tenderio a discriminar menos quando seus diretores compreencem que, tanto para 0 recrutamento de pessoal qualificado como também para satisfazer seus clientes, esse preconceito é ruim para os negécios. ALIANCAS E COOPERAGAO, ‘A pesquisa de ECD € especialmente eficiente através de suas aliangas estratégicas com aquelas organizagées, ONGs, grupos minoritérios on 36 Disco edominagso InsttuigGes que esto engajaas na luta contra todas formas de desigualdade social em geral e contra a discriminacao discursiva em particular, tais como 6 racismo, o sexismo e o classismo na politica, na midia, na educagéo e na pesquisa. Isso pode nao ser todo o campo de operagdes dos ECD, mas é bastante grande para uma vasta quantidade de projetos de pesq de cooperagio ¢ ago social. e formas O QUE FAZER Em resumo, a relevincia prdtica dos ECD pode ser encontrada ‘especialmente na educagio critica de estudances como fucuros profissionais, no seu papel na preparagdo de especialistas para poderosas organizacées internacionais como também para as organizagées de base, e a0 mostrar para os empreendimentos empresariais que qualquer forma de discriminagao discursiva sers no fim das contas ruim para seus negécios, Estudiosos de ECD podem analisar criticamente livros didéticos ¢ propor novas obras para editores ¢ autoridades edtucacionais. les podem oferecer cursos de escrita de noticias nfo racistas para jornalistas. Eles podem incervir ao propor oficinas sobre interago nao racista com clientes em muitas empresas. E assim por diante, Deve finalmente ser mais uma vex enfatizado que esses importantes objetivos préticos dos ECD somente podem ser realizados se forem baseados em uma vasta quantidade de pesquisas detalhadas sobre as préticas discursivas ctuciais na sociedade e, especialmente, na politica, na midia, na educagio ¢ 1a pesquisa, produtos didrios, Pretende-se que os artigos selecionados neste livro sejam uma contribuigao para esse esforgo coletivo de pesquisa. isto ¢, sobre as elites simbélicas ou discussivas e suas praticas € Agradecimentos ‘Agradeco a Carmem Rosa-Caldas, Michelle Lazar e Theo van Lecuwen por sua leitura critica, corregdes e stugestGes para este capitulo. (radgio: Judith Hoffnagel) 37 Estruturas do discurso eestruturas do poder Este capfeulo examina algumas das relacées entre discurso e poder social Depois de uma sucinta andlise tebrica dessas relagSes, avaliaremos alguns dos recentes trabalhos nessa nova drea de pesquisa, Apesar de nos valermos de varios estudos sobre 0 poder em dliversas disciplinas, nossa principal perspectiva encontra-se nas formas como esse poder € exercido, manifestado, descrito, disfargado ou legitimado por textos e declaragées orais dentro do contexto social. Devotamos uma atengio especial ao papel da idcologia, mas, a0 contréio da maior parte dos estudos de sociologia e ciéncias politicas, formulamos essa relacao ideolégica nos termos da teoria da cognicio social Essa formulagio nos permite construir a indispensével ponte terica entre © poder societal das classes, dos grupos ou das instituigées no nivel macro da anilise ¢ 0 exercicio do poder na interagao e no discurso no nivel social micto. Sendo assim, nossa revisio de outros trabalhos nessa érea centra-se no impacto produzido por estruturas de poder especificas sobre varios géneros de discurso ¢ suas estruturas caracter(sticas, A teoria da andlise do discurso que fandamenta este estudo pressupde, ‘mas também ultrapassa, meus trabalhos anteriores sobre o discurso (ver van Dijk, 1977, 1980, 1981; van Dijk ¢ Kintsch, 1983), bem como outras abordagens correntes da anilise do discurso (ver as contribui Discus poser Dijk, 19852). Ou seja, dando continuidade a meu trabalho sobre o discurso dos noticiétios e sobre o racismo nos discursos, do qual faremos uma breve revisio, este capitulo adota uma postura mais social em relagio ao discurso c oferece testemunho de um desenvolvimento mais geral rumo a um estudo ctftico da escrita e da fala dentro do concexco social. Nosso sistema analitico do discurso ¢ as dbvias limitagdes de espago impostas pelo fato de se tratar de um tinico capfeulo significam uma série de restrigées. Primeiramente, pressupomos, mas nio discutimos ou analisamos, os crabalhos atuais sobre as relag6es mais gerais entre poder ¢ linguagem, tema tratado por varios estudos recentes (Kramarae, Shulz e O’Barr, 1984; Mey, 1985). Nossa discussio centra-se no discurso como uma forma “textual” specifica de uso da linguagem no contexto social e trata apenas de alguns dos trabalhos sociolinguisticos que abordam o papel da dominancia ou do poder na variagio e no estilo linguisticos. Em segundo lugar, jé que estamos mais interessados no poder social ou socieral e menos no poder pessoal, precisamos ignorar grande parte do campo de estudo sobre o poder na comunicacéo interpessoal, um campo semelhante a este ¢ j revisado com competéncia por Berger (1985) (ver também Seibold, Cancrill Meyers, 1985). Em terceiro lugar, devemos lamentavelmente nos li culeuras “ocidentais’. Portanto, deixamos de lado dados reveladores sobre 0 papel do poder em outras culturas, obtidos por alguns trabalhos do campo da etnografia da fala (Bauman e Scherzer, 1974; Saville“Troike, 1982) ou pelas pesquisas atuais sobre a comunicacao intercultural. Em quarto lugar, estudos feministas sobre o dominio e o poder masculinos na linguagem jé foram discutidos (ver a ampla bibliografia de Kramarae, Thorne ¢ Henley, 1983), de modo que nos limitaremos a revisar sucintamente as pesquisas centradas no discurso e no poder de género. A fim de restringir ainda mais 0 tamanho da revisio a ser feita aqui, ha poucas referencias aos virios estudos interessantes que tratam das relagées entre linguagem, discurso, poder e idcologia em diversos paises europeus e latino-americanos. a0 papel do poder nas A ANALISE DO PODER A anilise do poder em varias disciplinas fer nascer um grande niimero de estudos a respeito desse assunto. Entre os trabalhos recentes incluem- 40 — Batrutums dodicurs cexratns do paler se 05 estudos de Dahl (1957, 1961), Debnam (1984), Galbraith (1985), Lukes (1974, 1986), Milliband (1983), Mills (1956), Therborn (1980), White (1976) ¢ Wrong (1979), entre muitos outros. Grande parte desses trabalhos opera dentto dos limites da sociologia e das ciencias polfticas. Nao precendemos neste capitulo revisar ou resumir essa rica tradigfo, Selecionamos, entdo, algumas das principais caracteristicas do poder social ¢ reconstruimos aquelas presentes em nosso préprio sistema tedrico. Deve-se terem mente, porém, que em nossa opinio a nogio complexa de poder nao pode ser simplesmente esgotada em uma definigio simples. Necessita-se de uma teoria madurae interdisciplinar para capturarasimplicagdes e aplicagoes mais importantes do conceito. As caracteristicas do poder que sao relevantes para nossa discussio podem ser resumidas da seguinte forma: (1) Poder social é uma caracteristica da relagao entre grupos, classes ou ‘outtas formagées sociais, ou entre pessoas na qualidade de membros sociais. Apesar de poclermos falar em formas pessoais de poder, esse poder individual é menos relevance para a nossa explicagio sistemstica do papel do poder no discurso enquanto interagao social. (2) Em um nivel elementat, mas fundamental da andlise, as relagbes de poder social manifestam-se, tipicamente, na interagio. Desse modo, afirmamos que o grupo A (ou seus membros) possui poder sobre 0 grtpo B (ou seus membros) quando as agdes reais ou potenciais de A exercem um controle social sabre B, J& que 0 conceito de ago em si envolve o conceito de controle (cognitive) pelos agentes, o controle social sobre B por meio das ag6es dle A induz a uma limitagio no autocontrole de B. Em outras palavras, o exercicio de poder por A. resulta em uma limitagio da liberdade social de agao de B. (8) Exceto no caso do exercicio de uma forga fisica, 0 poder de A sobre as reais ou eventuais ages de B pressupée que A precisa ter controle sobre as condigées cognitivas das agbes de B, tais como desejos, planos e crengas. Independentemente dos motivos, B pode concordar com A ou accitar fazer 0 que A deseja, ou seguir a lei, as regras ou 0 consenso de forma a agir de acordo com (0s interesses de) A, Em outras palavras, 0 poder social & geralmente inditeto e age por meio da “mente” das pessoas, por exemplo, controlando as 41 Discard necessirias informagées ou opinides de que precisam para planejar ou execurar suas agbes. A maior parte das formas de controle social da nossa sociedade implica esse tipo de “controle mental” cxcrcido tipicamente por meio da persuasio ou de oucras formas de comunicagao discursiva, ou resultante do medo de sangées a serem impostas por A no caso de B nao atender aos desejos de A. E nesse ponto que nossa anilise do papel do discurso no exercicio, manutengio ou legitimagéo do poder torna-se relevante. Note-se, porém, que essa “mediagio mental” do poder também deixa espago para graus varidveis de liberdade ¢ resisténcia daqueles que esto subjugados pelo exercicio do poder. (4) O poder de A precisa de uma base, ou seja, de recursos socialmente disponiveis para 0 exercicio do poder, ou da aplicagéo de sangées no caso de desobediéncia. Esses recursos consistem geralmente em atributos ou bens socialmente valorizados, mas desigualmente disttibuidos, tais como riqueza, posigio, posto, status, autoridade, conhecimento, habilidade, privilégios ou mesmo o mero pertenci- ‘mentoaum grupo dominante ou majoritério. O poder é uma forma de controle social se sua base for constituida de recursos socialmente televantes. Em geral, o poder ¢ intencional ou involuntatiamente exercido por Aa fim de manter ou ampliar a base de poder de A ou para evitar que B a tome. Em outras palavras, 0 exercicio de poder por A atende geralmente aos interesses de A. (6) Un fator crucial no exereicio ou na preservagio do poder é que, para Accxercer controle mental sobre B, B precisa conhecer os desejos, as vontades, as preferéncias ou as intengdes de A. Além da comunicacio direta — por exemplo, em atos de fala, tais como comandos, pedidos ‘ou ameagas ~, esse conhecimento pode ser inferido das crencas, das normas ou dos valores culturais, de um compartilhado (ou contestado) consenso dentro de uma estructura ideoldgica ou da observagio e interpretagio das agées sociais de A. _____Fstrsuraslecureoeestatutas do poser serem poderosos em apenas um dominio social — politica, economia, ‘educagio ou qualquer contexto social especifico, tal como uma sala de aula ou um tribunal, De forma semelhante, a extensio das suas ages pode limirar-se a um pequeno ntimero de pessoas ou ampliar- se para uma classe ou grupo inteiros de pessoas ou ages especificas. E, finalmente, 0 individuo poderoso pode receber responsabilidades especiais no exercicio do poder. Além dessa forma de distribuigio de poder, que também envolve varias formas de compartilhamento de poder, hi a dimensio nada despreztvel da resisténcia: grupos dominados ¢ scus membros raras vezes se mostram totalmente impotentes, Sob condigbes socioecondmicas,histéricas ou culturais espectficas, tais grupos podem envolver-se com virias formas de resistencia, ou seja, com o exercicio de um contrapoder, 0 que, a seu tumo, pode tornar 0 poderoso menos poderoso, ou até mesmo vulncrdvel, situagao tipica das revolugGes. Portanto, 0 exercicio do poder nfo se limita simplesmente a uma forma de ago, mas consiste em uma forma de intetagio social (7) O exercicio ¢ a manucenga0 do poder social pressupdem uma estructura idcoldgica. Essa estrucura, formada por cognicées fundamentais, socialmente compartilhadas ¢ relacionadas aos inceresses le um grupo e seus membros, éadquitida, confirmada ou alterada, principalmente, por meio da comunicagio e do discurs. (8) Deve-se repetir que 0 poder precisa ser analisado em relagio as varias formas de contrapoder ou resisténcia vindas dos grupos dominados (ow de grupos de ago que representam tais grupos), o que também é uma condigéo para a andlise dos desafios e das mudangas sociaise hist6ricas. CONTROLE DO DISCURSO E MODOS DE REPRODUCAO DISCURSIVA ‘Uma condicao importante para o exercicio do controle social por meio (6) O controle social total nas sociedades ocidentais contemporineas do discurso 0 controle do discurso € a sua prépria produgio. Sendo assim, limita-se ainda mais devido ao campo € a extenstio do poder dos | as perguntas centrais sao: quem pode falar ou escrever o que, para quem, em agentes de poder. Ou seja, hd a possibilidade de os agentes de poder | aquais situagbes? Quem tem acesso aos varios géneros ¢ formas do discurso 42 8 aruurasdo disor stews do poder Dicune poder ou aos meios de sua reprodugio? Quanto menos poderosa for uma pessoa menor o seu acesso 3s varias formas de escritae fala, No fim das contas, os sem-poder “no tém nada para dizer” lireralmente, nao tém com quem falar ou precisam ficar em siléncio quando pessoas mais poderosas falam, como no caso das criangas, dos prisioneiros, dos réuse (em algumas culturas, incluindo algumas vezes a nossa) das mulheres, No dia a dia, a maior parte das pessoas, na qualidade de falantes, possui um acesso ativo apenas nas conversas com membros da familia, amigos ou colegas de trabalho. De vez. em quando, cm dilogos mais formais, essas pessoas podem falar como representantes insticucionais ou com superiores no trabalho, mas nesse caso assumem um. papel mais passivo e reativo. Em uma delegacia de policia, em um tribunal, em um posto do servigo social, na sala de aula ou em outras instituigées da bburocracia social, espera-se que falem ou que deem informagées apenas se instadas a faré-Lo ou se ordenadas a faze-lo, Quanto & maior parte dos tipos de discurso formais, puiblicos ou impressos (entre os quais, os da grande midia), os menos poderosos figuram apenas como receptores. Os grupos mais poderosos ¢ seus membros controlam ou tém acesso a ‘uma gama cada vez mais ampla e variada de papéis, géneros, oportunidades ¢ estilos de discurso. Eles controlam os dislogos formais com subordinados, presidem reunides, promulgam ordens ou leis, escrevem (ou mandam escrever) varios tipos de relatério, livros, instrugées, hist6rias e vitios outros discursos clos meios de comunicagao de massa. Nao sao apenas falantes ativos nna maior parte das situagGes, mas tomam a iniciativa em encontros verbais ‘ou nos discursos publicos, determinam o “tom” ou o estilo da esctica ou da fala, determinam seus assuntos e decidem quem seré participante e quem sera receptor de seus discursos. Deve-se ressaltar que © poder nfo apenas aparece “nos” ou “por meio dos” discursos, mas também que € relevante como forca societal “por detris” dos discursos. Nesse momento, a relacéo entre discurso € poder ¢ préxima e constitui uma manifestagio bastante direta do poder da classe, do grupo ou da instituiggo e da posigdo ou status relativos de seus membros (Bernstein, 1971-1975; Mueller, 1973; Schataman ¢ Strauss, 1972), © poder ¢ exercido ¢ expresso diretamente por meio do acesso dife- renciado aos varios géneros, contetidos ¢ estlos do discurso. Esse controle pode ser analisado de modo mais sistemstico nas formas de (re)produgao 44 do discurso, especificamente em termos de sua produso material, articula- fo, distribuigao e influéncia, Dessa manecira, as empresas de comunicaggo de massa e seus (geralmente estrangeiros) proprietétios controlam tanto as condigées financeitas quanto as tecnolégicas da producio do discurso, por exemplo, nos jornais, nas TVs, no mercado editorial, bem como nas induistrias de telecomunicagGes e informatica (Becker, Hedebro ¢ Paldin, 1986; Matcelart, 1979; Schiller, 1973). Por meio de investimentos seletivos, controle orcamentitio, contratagio (e demissio) de pessoal, ealgumas vezes por meio da influéncia editorial direta ou diretrizes, eles podem controlar parcialmente o contetido ou a0 menos a dimensio do consenso e dissenso da maior parte das formas de discusso piiblico. Para os mcios de comuni- cagio privados que dependem da propaganda, esse controle indirero pode exercer-se também por meio de empresas que sfo clientes importantes ‘ou mesmo por meio de novos ¢ procminentes participantes do cendrio (geralmente institucionais) que fornecem com regularidade informagoes das quais dependem 0s meios de comunicacao. Esses mesmos grupos de poder também controlam os virios modos de distribuigso, especialmente 08 discursos dos meios de comunicagao de massa, ¢, por conseguinte, tam- bém controlam parcialmente os mecanismos para exercer influéncia sobre a escritae a fala piblicas. © modo de produsio da articulagio € controlado pelo que se pode chamar de “elites simbélicas’, tais como jornalistas, escritores, artistas, diretotes, académicos ¢ outros grupos que exercem © poder com base no “capital simbélico” (Bourdieu, 1977, 1984; Bourdieu ¢ Passeron, 1977). Esses grupos possuem relativa liberdade ¢, por essa razio, relative poder para tomar decisées sobre os géneros de discurso dentro de seu dominio de poder e determinar wpicos, estilo ou forma de apresentagio de um discurso, Esse poder simbélico nfo se limita &articulagio em si, mas também inclui o modo de influéncia: eles podem determinar a agenda da discussio piiblica, influenciar a relevincia dos tépicos, controlar a quantidade € 0 tipo de informagio, especialmente quanto a quem deve ganhar destaque publicamentee de que forma. Eles sio os fabricantes do conhecimento, dos padrées morais, das crengas, das atitudes, das normas, das ideologias e dos valores puiblicos. Portanto, seu poder simbélico é também uma forma de poder ideolégico. Apesar dos problemas existentes quanto ao conceito de 45 ica paer _ stared diseurnestruturasdo poet “clite" (Domhoffc Ballard, 1968), utilizamos esse termo para nos referirmos a0 conceito ampliado (a0 contririo de Milis, 1956, por exemplo) que envolve © controle social exclusivo de um pequeno grupo. Ou seja, defendemos que, a0 lado das elites politica, militar e econémica, as elites simbdlicas desempenham um papel essencial ao dar sustentacio ao aparato ideoldgico que permite o excrcicio ¢ a manutencéo do poder em nossas modernas sociedades da informagio ¢ da comunicacao. Como, no entanto, a maior parte dessas elites é contralada pelo Estado ‘ou por empresas particulares, elas também possuem restrigées quanto a sua liberdade de articulagao que emergem das varias propriedades do seu discurso. A voz da elite é, frequentemence, a voz do pattio empresarial ow institucional. Os interesses ¢ as ideologias das elites nao sio, em geral, fundamentalmente diferentes dos interesses e das ideologias dos que pagam seus salirios ou Ihes dio apoio, Apenas alguns grupos (por cxemplo, os romancistas € alguns académicos) dispem da possibilidade de exercer tum contrapoder, que ainda precisa ser manifestado dentro dos limites da publicacio. A dependéncia das elites ¢ tipicamente escondida em termos ideolégicos por meio dos vétios valores, normas ¢ cédigos profissionais, por exemplo, por meio da crenga disseminada na “liberdade de expresso” nos meios de comunicagio de massa (Altheide, 1985; Boyd-Barrett ¢ Braham, 1987; Davis e Walton, 1983; Downing, 1980; Fishman, 1980; Gans, 1979; Golding ¢ Murdock, 1979; Hall, Hobson, Lowe e Willis, 1980). ESTRATEGIAS DE CONTROLE COGNITIVO E DE REPRODUCAO IDEOLOGICA Se a maior parte do poder discursivo presente em nossa sociedade diz respeito ao tipo persuasivo exposto acima, entao, apesar do controle cessencial e muitas vezes fundamental dos modos de produgio e distribuicao (especialmente no caso do discurso mediado através da massa), ainfluéncia decisiva sobre a “mente” das pessoas d4-se por meio de um controle antes simbélico que cconémi exercido sobre os mais fracos no dominio socioecondmico (dinheiro, empregos, servigas de assistencia social), um componente importance do exercicio e da manutengao do poder éideolégico e baseia-se em virios tipos De forma semelhante, ao reconhecer 0 controle 46 de accitagio, negociagio, contestagio e consenso. Torna-se crucial, desse modo, analisar 0 papel estratégico do discurso e de seus agentes (falantes, escritores, editores e assim por diante) na reprodugio dessa forma de hegemonia sociocultural. Dado que as elites simbdlicas detém um grande controle sobre 0 modo de influéncia exercida por meio dos géneros, dos t6picos, das argumentagées, dos estilos, da retérica on da apresentasio da escrita ¢ da fala puiblicas, o poder simbélico delas é considersvel, embora exercido dentro de um conjunto de limitacées. UMA NOVA ABORDAGEM DA IDEOLOGIA Como 0 conceito de ideologia revela-se fundamental para nossa argumentacio sobre 0 papel do discurso no exercicio ou na legitimagio do poder, o assuunto merece algumas consideragées, apesar de ser imposstvel resumir as proposigbes clissicas ¢ as discussdes atuais a seu respeito (ver Abercrombie, Hill e Turner, 1980; Barrett, Corrigan, Kuhn e Wolf, 1979; Brown, 1973; Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS], 1978; Donald ¢ Hall, 1986; Kinloch, 1981; Manning, 1980). Apesar da variedade de posturas em relagio ao conceito de ideologia, pressupde-se, em geral, que 0 cermo refere-se & “consciéncia” de um grupo ou classe, cexplicitamente claborada ou no em um sistema ideolégico, que subjaz as priticas sociocconémicas, politicas e culturais dos membros do grupo, de forma tal que seus interesses (do grupo ou da classe) materializam-se (em prinefpio da melhor maneira possivel). Tanto a ideologia em si quanto as priticas idcoldgicas derivadas dela sio frequentemente adquiridas, exercidas ou organizadas por meio de virias insticuig6es, como o Estado, os meios de comunicagéo, 0 aparato educacional, a Igreja, bem como por meio de instituigées informais, como a familia. As andlises marxistas classicas sugerem, de forma mais especifica, que a ideologia dominante de um determinado perfodo costuma scr a ideologia dos que controlam os meios de reprodugao ideol6gica, especificamente, a classe dominante. Iss0 pode implicar que certos grupos ou classes dominados desenvolveriam concepgées distorcidas sobre sua situagio socioeconémica (“falsa consciéncia’), o que, por sua vez, poderia levi-los a agir contra seus interesses bisicos. De forma reversa, 0s grupos ou classes dominantes tendem a esconder sua ideologia (6, portanto, seus interesses) e terio por meta fazer que esta seja, em getal, 47 Discusoe per - aceita como um sistema de valores, normas ¢ objetivos “geral” ou “natural”. Nesse caso, a reprodugio ideolégica incorpora a natureza da formagio de consenso, e 0 poder derivado dela toma uma forma hegeménica, Deixando de lado vérios detalhes ¢ elementos complicadores, nossa anilise da ideologia adota uma direcio em certa medida diferente ¢ mais espectfica do que a elaborada tradicionalmente (ver também van Dijk, 1987). Apesar de, inegavelmente, haver priticas e instituigées sociais que desempenham um papel importante na expresso, no exerc{cio ou na reproducio da ideologia, devemos partir do pressuposto de que a ideologia “em si” ndo € 0 mesmo que essas priticas e instituigées. Em ver disso, tomamos como ponto de partida o fato de a ideologia ser uma forma de cognicao social (ver, por exemplo, Fiske e Taylor, 1984, para uma introducio maisampla sobre o escudo da cognicéo social). Esse pressuposto nao significa que a idcologia compi aticudes. Sua natureza sociocognitiva é mais elementar Segundo essa anise, uma idcologia é uma estructura cognitiva complexa que controla a formagio, transformagio e aplicagao de outros tipos de cognigio social, ais como 0 conhecimento, as opini6es e as posturas, ¢ de representagées sociais, como (0s preconceitos sociais. Essa estrutura ideoldgica em si consiste em normas, valores, metas e prine(pios socialmente relevantes que sio selecionados, combinados e aplicados de forma tal a favorecer a percepsao, interpretaséo € agio nas priticas sociais que beneficiam os interesses do grupo tomado como um todo. Dessa forma, uma ideologia proporciona cocténcia 3s ides sociais, que, por sua vez, codeterminam as préticas sociais. Deve-se sublinhar que as cognigées sociais ideol6gicas nfo sio sistemas de erengas ou opinies individuais, mas essencialmente as cognigées sociais de membros de formagbes ou insticuigbes sociais. De forma semelhante, segundo essa andlise, nfo usamos termos como “falso” a fim de denotar ideologias especificamente “tendenciosas’. Todas as ideologias (incluindo as cientificas) englobam uma (re)construgao da realidade social dependente de interesses. (Um ctitério apropriado para a avaliagéo de uma tal construcio seria sua relevincia ou eficiéncia para as priticas sociais das formagGes socizis e de seus membros na realiza¢io de suas metas ow interesses.) Aaaquisigao de uma ideologia, no entanto, nio se guia pelos “interesses objetivos” de cada grupo ou classe, apesar de, em muitas acasiées, se simplesmente de um conjunto de crengas ou 48 — Faraurasdodisure esearrasdo paler historicamente, esses interesses poderem eventualmente suplantar outras condigdes de (re)produgio ideoldgica. Entio, 0 discurso ea comunicacao, segundo sugerimos, desempenham um papel central na (trans)formagio da idcologia. Dessa perspectiva, é realmente crucial examinar quem, e por meio de quais processos, controla os meios ou as instituigées da (re)producao ideol6gica, tais como os meios de comunicagio ¢ as insttuigbes de ensino. Apesar de a formagio da estrutura sociocognitiva fundamental da ideologia set um processo bastante complexo, ela precisa a0 menos de uma base de cerencas (verdadeiras ou falsas). Este capitulo centa mostrar que o discurso, ‘© em especial o discurso de instituigées e de grupos poderosos, ¢ a pritica social essencial capaz. de mediar ¢ administra essas crengas (Roloff e Berger, 1982). Diferentemente da maioria das abordagens adotadas nas ciéncias sociais e politicas a respeito da ideologia, pretendemos realizar uma andlise sociocognitiva mais sistemdtica das estruturas ideoldgicas ¢ dos processos envolvidos em sua (trans)formacao ¢ utilizacao. Esse objetivo significa que as ideologias precisam ser elaboradas em detalhe e que se deve mostrat como tais cognides grupais influenciam as construgées sociais da realidade, as prdticas sociais e, por conseguinte, a (trans)formagio das estrucuras socictais, De forma semelhante, precisamos de uma andlise explicica das escruturas, estratégias e processos do discurso e de seu papel especifico na reproduco das ideologias. Dito de outra forma, grande parte das pesquisas clissicas sobre a ideologia deriva das macroandlises tipicas da sociedad, negligenciando as estruturas e os processos reais no nivel micro do funcionamento da ideologia. Essa abordagcm global e superficial também impede que se faga a ligagao entre as ideologias societais e grupais (eas estrucuras de poder que as determinam, escondem ou legitimam) com as praticas sociais concretas da interagéo intra e intergrupais, incluindo o papel especifico do discurso nas (trans)formagGes ideologicas ‘DISCURSO E REPRODUGAO IDEOLOGICA ‘A fim de desenvolver ¢ mudar suas ideias, as pessoas usam uma va- riedade de discursos ~ entre os quais os interpessoais ~ e de informagoes tiradas deles. Observe-se, porém, que a complexidade do processamento de textos ¢ da formagio de atitudes nao permite, obviamente, que se realizem transformagées imediatas nas crengas e opinides piblicas, muito menos 49 Discusoe poder nas aticudes ¢ ideologias altamente organizadas (Petty ¢ Cacioppo, 1981; Roloff e Miller, 1980; van Dijk e Kintsch, 1983). E, ainda assim, cabe & elite simbélica ¢ a seus discursos controlar os tipos de discurso, os t6picos, 05 tipos ea quantidade de informagio, a selegio e a censura dos argu- mentos € a natureza das operacdes retdricas. Essas condigdes determinam, em esséncia, os contetidos ¢ a organizagio do conhecimento piiblico, as hiierarquias de crenga e a amplitude do consenso, que em troca sio facores poderosos na formaclo e na reprodugio de opinises, atitudes ¢ ideologias (Burton ¢ Carlen, 1979). Nos meios de comunicagio jornalisticos, essa estratégia de controle do conhecimento exerce-se por meio da selego restritiva de assuntos e, mais geralmente, por meio de reconstrucées especificas das realidades sociais ¢ politicas (Hall et al., 1980; Tuchman, 1978; van Dijk, 1987b, 1987c). Esse ido por um sistema de valores e de ideologias profissionais se sobre 0 que deve ou nao ser noticia, algo que costuma direcionar o foco e o interesse para varios dos participantes da elite: atores, grupos, classes, instituigbes, paises ¢ regides (Galrung ¢ Ruge, 1965). O acesso € a cobertura privilegiados (sejam negativos ou positives) a respeito de protagonistas das noticias ¢ um fator importante da reprodugao do poder social a qual ¢ mediada pelos meios de comunicagéo de massa (Brown et. al., 1982). © mesmo vale para o setor educacional, em que 0 cutriculo, os livros didéticos, os matetiais de ensino e as aulas também séo dirigidos por objetivos, assuntos, temas eestratégias de aprendizagem que, em sua maioria, costumam coadunar-se com os valores ¢ interesses dos wirios grupos de poder da elite (Apple, 1979; Lorimer, 1984; Young, 1971). Em vista disso, percebemos que as elites simbélicas que controlam o estilo eo contetido do discurso midistico e educacional também sfo as que detém 0 controle parcial, na saciedade, sobre os modos de exercer influéncia ¢, portanto, sobre a reprodugao ideolégica. As elites simbdlicas, conforme sugerimos aqui, nao sio independentes dos outros grupos de poder, em sua maioria econémicos c politicos (Bagdikian, 1983). Pode haver um conffito ¢ uma contradigdo entre os interesses e, consequentemente, entre as ideologias desses respectivos grupos de poder, Esses outros grupos de poder nfo apenas possuem os meios diretos iretos para controlar a produgio simbélica como também possuem 50 ruta dodiscusoesruturasdo poser suas préprias estratégias para a fabricagao da opinigo. Quanto aos meios de comunicagio, essas estratégias consistem no fornecimento institucional e organizacional de informagées (favoraveis) na forma de releaes,entrevistas coletivas, enttevistas individuais, vazamentos de informacio ou outras formas de acesso privilegiado aos que sio noticia. Os habitos jornalisticos dio-se de tal forma que essas pré-formulagbes possuem mais chances de setem reproduzidas do que outros tipos de fonte de discurso (Collins et al., 1986; Gans, 1979; Tuchman, 1978; van Dijk, 1987b). No setor educacional, 0 constrangimento global no sentido de evitar questées “polémicas” censura as opinides sociais e politicas mais radicais, inconsistentes com as ideologias sociopoliticas dominantes. Mais concretamente, as organizacées oficiais ou as empresas podem fornecer materiais educacionais gratuitos, pegas de propaganda em revistas sobre pedagogia, ou dispor de outras formas para inluenciar os professores e 0 contetido dos textos didéticos (Domhoff, 1983). De forma semelhante, as elites do poder também possuem acesso a manobras para controlar a dissidéncia ¢ a resisténcia, entre as quais realizar processos de selegio na contratagio de pessoal e na decisio sobre pagar patrocinios, impondo formas mais ou menos confessas de censutra, recorrendo a campanhas de difamagio ¢ 2 outros mecanismos para silenciar os “radicais” ¢ os seus meios de comunicagao (Domhoff, 1983; Downing, 1984; Gamble, 1986). Por isso, em muicos paises ocidentais, basta que alguém seja taxado de “comunista’, ou como uma pessoa contréria a0 nosso tipo de “liberdade” ou a um valor dominance similar, pata ser desqualificado como um formulador sério de contraideologias. Essa é uma estratégia poderosa para manter a préptia elite simbélica sob controle, tanto interna quanto externamente, Em outras palavras, hi uma variada gama de estratégias econdmicas, culturais ¢ simbélicas por meio das quais os varios grupos de poder podem, de forma paralela e algumas ‘vezes nao sem algum tipo de conffito ou contradicéo mitua, gerenciar 0 conhecimento ea informagao, disseminar os valores ¢ metas dominantes ¢, assim, prover as pegas formadoras das ideologias dominantes. O poder dessas ideologias, capaz de moldar 0 consenso, fornece as condiges que tornam desnecesséria qualquer “conspiragio” desses grupos de poder. SL Discurso poser A ANALISE DO PODER E DO DISCURSO Dentro de um quadro bastante genérico do poder socal e do controle do discurso, podemos agora nos concentrar mais especificamente nas muitas ma- neiras pelas quais o discurso relaciona-se com essa forma de controle soc GENEROS DE DISCURSO E DE PODER Daremos inicioa nossa andlise com uma tipologia dos caminhos pelos quais © poder é exercido através do discurso como forma de interagéo social (1) Obtém-se um controle direto sobre a acéo por meio de discursos que possuem fung6es pragmsticas diretivas (Forga ilocutéria), rais ‘como comandos, ameacas, leis, regulamentos, instrugées ¢, mais indiretamente, por meio de recomendagdes ¢ conselhos. Os falantes costumam ter um papel institucional e seus discursos apoiam-se com frequéncia no poder institucional. Nesse caso, consegue-se a aquiiescéncia muitas vezes através de sangées legais ou de outros tipos de sangio institucional. (2) Os tipos persuasivos de discurso,tais como os amtincios publicitétios ‘eas propagandas, também pretendem influenciaras agées futuras dos receptores, Seu poder baseia-se nos recursos econdmicos, financeiros ou, em geral, empresariais ou institucionais e exerce-se por meio do acesso aos meios de comunicagio. Nesse caso, a aquiescéncia é fabricada por mecanismos retéricos, por exemplo, por meio da repetigio ou da argumentagio. Mas, claro, com 0 apoio dos mecanismos tradicionais de controle de mercado, (3) Para além dessas formas prescritivas de discurso, as agées futuras também podem serinfluenciadas por descrigbes dos acontecimentos, ages ou situagées futuras ou evencuais; por exemplo, em previsées, planos, cendrios, programas ou alertas, algumas vezes combinados om diferentes formas de conselho. Os grupos de poder envolvidos nesses processos sfo geralmente profissionais (experts) e sua base de poder assenta-se muitas vezes sobre 0 controle do conhecimento € da tecnologia (Pettigrew, 1972). Os meios retéricos consistem, geralmente, na argumentagio e na descrigio dos cursos alternativos 52 —trmurasdodscursoeestatured pdr ¢ indesejados da ago. Mais implicitamente, relatérios académicos sobre o desenrolar econémico e social podem tet influencia sobre a agio futura dos individuos. (4) Varias modalidades de narrativas por vezes comune, portanto, possi- velmente influentes, tis como romances ou filmes, podem descrever a carga (in)desejivel de ages futuras ¢ podem recorrer a uma retérica com apelos dramaticos ou emocionais, ou a virias formas de origina- lidade estilistica ou temitica. Os grupos de poder envolviddos nesse processo formam o que se costuma chamar de as elites simbélicas. Um caso espectfico dessa classe de discurso sio as reportagens jornalistcas divulgadas pelos meios de comunicagio, que nao apenas descrevem 6 eventos atuais e suas possiveis consequéncias como apresentam essencialmente as ages ¢ representam as opinides das elites politica, econdmica, militar e social do poder. Basicamente, é por meio desse recurso que se fabrica a base consensual do poder e que o paiblico em geral fica sabendo quem possui poder e 0 que desejam os poderosos. Fssa é uma condicio crucial para o desenvolvimento da estrucura ideoldgica que dé sustentacio ao poder, mas também para as varias formas de resistencia (“conhece teus inimigos”) ‘A primeira ipologia mostra que o exercicio discursivo do poder dé-se pre- dominantemente pela via persuasiva. Os grupos ou instieuigdes de poder apenas raramente precisam prescrever © que os menos poderosos devem fazer, apesar de, em tiltima instancia, haver a possibilidade de essa diretivas serem decisivas no controle de terceiros, como & 0 caso especifco do controle estatal. Em vez disso, eles argumentam oferecendo justificativas ccondmicas, poiticas, sociais morais,eadministrando o controle das informagées relevantes, Dessa forma, © teor da comunicagao pode ser distorcido por meio da divulgacao seletiva de informagées que favorecam asclites do poder ou por meio da limitagao do-acesso ainformagoes desfavordveis 2 tas elites. © cumprimento dessas metas pode ser facilitado recorrendo-sea vitios meios reéricos ¢ artistcos. NIVEIS DE DISCURSO E DE PODER ‘Uma segunda dimensio vai além da simples tipologia dos géneros de discurso e de suas contribuigées para o controle social, Ela apresenta os varios 53 Discusoe poder eae niveis de discurso que podem favorecer, manifestar, expressas, descrever, 1, esconder ou legitimar as relagdes de poder entre os patticipantes do discurso ou entre os grupos aos quais pertencem. Portanto, como jé vimos antes, o poder pode set exercido primeito no nivel pragmatico, por meio do acesso limitado a atos de discurso ou do controle desses atos, tais como comandos, acusag6es formais, indiciamentos, absolvigdes ou outros atos institucionais de fala. Em segundo lugar, na interagio conversacional, um dos participantes pode controlar ou dominat a troca de curnos, as estratégias de autoapresentagio ¢ 0 controle sobre quaisquer outros niveis de fala espontiinea ou de dislogo formal. Em terceiro, a selecio do tipo ou género de discurso pode ser controlada pelos falances mais poderosos, por exemplo, na sala de aula, nos tribunais ou dentro de ambientes empresariais: algumas vezes, abre-se espago para hist6rias contendo experigneias pessoais; no entanto, com maior frequéncia, elas tendem a ser censuradas em favor de géneros de discurso controlados que tratam do assunto em questo, como, por exemplo, nos intetrogatérios. Quarto, excluidas as conversas do dia a dia, os temas deixam-se controlar, geralmente, pelas regras da situagio comunicativa, mas sua iniciagio, mudangas ou variagées so controladas ou avaliadas na maior parte das vvezes pelo falante mais poderoso. O mesmo vale para o estilo a retérica. DIMENSOES DO PODER A anilise das estruturas de poder permite-nos arrolar outras categorias relevantes, especificamente aquelas dimensées do poder que podem ter algum impacto sobre o discurso e sobre suas estruturas: as vias instituigies de poder, as estrucuras internas de poder dessas instituigGes, as relagées de poder entre os diferentes grupos sociais ¢ a abrangéncia ou o dominio do exercicio do poder por (membros de) essas instituig6es ou grupos. Abrindo mio de uma andlise mais decida sobre essas estruturas e dimens6es do poder social, argumentaremos aqui, simplesmente, que elas também se manifestam nas varias estrururas de escritas e falas "poderosas”. ‘Nessa lista, encontramos primeiramente as grandes instituigoes de poder, tais como os governos, os parlamentos, 05 érgies puiblicos, 0 judiciério, os militares, as grandes empresas, os partidos politicos, os meios de comunicagao, os sindicatos, as igrejas ¢ as instituigdes de ensino. Cada uma 54 —_____________rturas da discuracestrnuras do poder dessas instituigdes pode associar-se com seus géneros de discurso espectficos, eventos comunicativos, tépicos,estilos e retéricas. Em segundo lugar, héa hierarquia tradicional de posigio, posto ou status dentzo dessas insticuigées estas implicam diferentes atos de fala, géneros ou estilos, por exemplo, os que sinalizam autoridade ou comando. Em terceiro lugar, de forma paralela ou algumas vezes combinada com cessas instituig6es, encontramos relagées de poder entre grupos, tais como as que hé entre ricos ¢ pobres, homens ¢ mulheres, adultos ¢ eriangas, brancos ce negros, nacionais e estrangeiros, os que possuem formagio superior € os que nio a possuem, os heterossexuais ¢ os homossexuais, os religiosos e os indo religiosos, os moderados ¢ os radicais, os saudaveis ¢ os doentes, os famosos € os desconhecidos, e, em tetmos gerais, as relagbes de poder entre és Eles, Tanto nas interagées institucionais quanto nas interacécs do dia a. dia, essas relag6es de poder podem ser estruturalmente exercidas pelos membros dos respectivos grupos dominantcs. Como no caso dos membros institucionais, os membros de um grupo dominante podem fazer provir 0 poder exercido pessoalmente do poder geral do grupo a que pertencem, O efeito sobre o discurso, nesses casos, se mostrar particularmente ébvio no controle desigual do didlogo, da troca de curnos, dos atos de fala, da escolha de tépico e de estilo. Em quarto lugar, € possivel analisar 0 exercicio do poder quanto a seu dominio ou abrangéncia de aco c tipo de influéncia. Algumas instieuigées ‘ou seus integrantes lideres podem realizar atos discussivos que afetam, por inteito, paises, estados, cidades ou grandes organizacées, ou podem determinar avvida ea morte, asatide, a liberdade pessoa, o trabalho, a educagio ou a vida particular de outras pessoas, enquanto outras instituigdes ¢ seus membros «exercem um impacto menos amplo e menos sério sobre outras pessoas. Finalmente, podemos distinguir entre os varios tipos de legitimidade para essas formas de controle social: os que tém um controle total imposto ou mantido pela forca, como em uma ditadura e, em alguns dominios, também num sistema democritico de governo; ¢ os que exercem um controle parcial, sancionado ou por uma elite, uma maioria, ou por um consenso mais ou menos geral. Essas diferengas (graduais) refletem as possibilidades de sangao dos poderosos, bem como a aceitacio ou a resistencia dos que se sujeitam ao exercicio do poder. 55 lacus pcer. Essas diferengas nos modos de legitimagio também se manifestam em diferentes géneros, assuntos, estilos de discurso. As discuss6es, as argumenta- Ges. os debates, por exemplo, nao sio caracteristicos do discurso ditatorial. Dafa importancia da quantidade e natureza da legitimagio discursiva nessas diferentes modalidades de sistemas de poder. Pode-se prever que cada sistema politico, considerado como uma institucionalizagio do poder, por exemplo, por meio do Estado, esté ligado a seus préprios ¢ caracteristicos arranjos ou modbos de discurso. J4 que os principios (normas, regras, valores, metas) de legitimidade encontram-se mergulhados em uma ideologia, os pracessos de legitimagio também vio surgit como processos discursivos. ABORDAGENS ALTERNATIVAS Tendo essas varias dimensées do poder cm mente, deveriamos scr capazes de dar o préximo passo e estabelecer relagbes sistematicas entre essas dimensdes ¢ as varias dimensdes estruturais do discurso. No entanto, isso poderd ser realizado de formas diferentes e com base em perspectivas diferentes, complementarcs. Por isso, 0 cientista social pode comegar com uma analise das dimensdes do poder social mencionadas acima e, depois, investigar por meio de quais discursos ou propriedacdes discursivas expressam- se, exercem-se ou legitimam-se essas estruturas de poder. Essa abordagem (macro) favorece uma anélise mais geral ¢ integrada de virios géneros € propriedades do discurso relacionados com uma classe, uma instieuigio ou: um grupo (por exemplo, 0 discurso do sistema juridico ou o do poder patriarcal dos homens sobre as mulheres). De outro lado, o sociolinguista comecard normalmente com uma anilise das propriedades especificas dos uusos da linguagem ou do discurso ¢ tentard mostrar como esses usos podem variar ou depender de diferentes posicionamentos, relagées ou dimensdes sociais; por exemplo, os de classe, género, grupo étnico ou situagio. Essa perspectiva, em geral, dedicara uma atengio maior as propriedades lingufsticas do texto e da fala e adotaré uma visio mais geral a respeito das varias “circunstdncias" sociais de tais propriedades. Nés optamos por uma abordagem que combina as vantagens dessas duas alternativas, especificamente a analise dos (sub)géncros discursivos e dos eventos comunicativos em situagGes sociais (Brown e Fraser, 1979). Tal “analise de situacées” requer uma integragio da analise discursiva com 56 trturasdodiscuraneesrauras do poder 4 andlise social. Por meio de um estudo interdisciplinar das conversagbes cotidianas, dos diflogos em sala de aula, das entrevistas para emprego, dos encontros entre prestadores de servigo e seus clientes, das consultas médicas, das audiéncias nos tribunais, das reuniées de diretores de empresas, dos debates parlamentares, dos relatos de noticia, da publicidade ou da elaboracio de leis, entre muitos outros eventos comunicativos, estamos aptos a avaliat tanto as estruturas relevantes do discurso quanto as estruturas relevantes da dominancia e do controle no contexto social. Ou seja, compreender esses ‘generos comunicativos exige uma andlise da representagao participativa, das, estratégias de interacao, da troca de euro, da selegio de tépicos e cédigos, dos tegisttos estilisticos, das operagées retéricas ¢ também uma andlise dos papéis, das relacées, das regras, das normas e de outras restrigGes sociais que governam a interagao dos participantes na qualidade de membros de um ‘grupo social. Desa forma, apreendemos tanto as propriedades quanto os processos de escrta e fala, ¢ 0s micromecanismos da interacao social e da estrutura societal, Além disso, esse nivel e escopo de andlise permitem uma avaliagio sociocognitiva do conhecimento, opinides, atitudes, ideologias € outras representagées saciais que garantem o controle cognitivo dos agentes que atuam em tas situagées, Finalmente, essas microestruturas socias (por exemplo, uma aula) podem, por sua vez, estar relacionadas (por exemplo, por comparagio ou generalizacio) a macroestruturas sociais relevant tais como as instituigées (por exemplo, a escola, o sistema educacional ¢ suas idcologias) ou as relagbes sociais gerais (por exemplo, o dominio dos brancos, sobre os negros) (Knorr-Cetina e Cicourel, 1981). PODER NO DISCURSO: UMA REVISAO Nas segdes anteriores, apresentei uma sucinta andlise teérica do conceito de poder e suas ligagées com o discurso € a comunicagao. Testemunhamos como os poderasos tém acesso a varias estratégias capazes de permitir-lhes controlar a produgio material e simbélica da escrita e da fala e, assim, parte dos processos cognitivos que subjazem & administragao cognitiva e & fabricacio de consenso entre os menos poderosos. Em varias oporcunidades, essa discussdo mencionou algumas propriedades do discurso que sio afetadas especificamente por esse processo de controle (te) produtivo, como, 7

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