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“Eu não tenho autodisciplina! Tenho objetivos, mas nunca os atinjo.

Quando as
coisas ficam um pouquinho difíceis ou me deparo com um problema, simplesmente
desisto.”

“Minha vida está quase na metade, e eu ainda não consegui realizar a maioria dos
objetivos que estabeleci para mim. Sou tão brilhante quanto a maioria das pessoas
que conheço. Às vezes, fico ponderando se sou simplesmente preguiçoso ou não me
importo tanto quanto os outros em realizar coisas importantes.”

“Certa vez, um amigo e eu estávamos trabalhando neste emprego de construção, e ele


disse que iria tirar folga naquele dia e dirigir de Wisconsin até Denver para procurar
um novo emprego lá. Ele nunca havia estado lá, mas ouviu dizer que era um lugar
ótimo para se morar. Então, eu disse que iria com ele, simples assim. Sem planos,
sem perspectiva de trabalho, sem lugar para morar – nada! E nós dois nos pusemos
na estrada. Fico pensando: até que ponto isso é uma coisa estúpida?”

A falta de autocontrole o priva do livre-arbítrio. Esta é uma das consequências


mais trágicas do TDAH. Você pode achar que está fazendo o que deseja, mas, se
não consegue inibir seu comportamento, perde o tempo de espera entre um even-
to e sua resposta. Esse tempo de espera é essencial: ele lhe dá a chance de pensar.
Mais importante ainda, esse tempo de espera o capacita para escolher livremente.
Len, o rapaz que saiu espontaneamente para Denver com um amigo, pode ter se
sentido ótimo – livre e solto – quando partiu. Mas não demorou muito para ele
perceber que terminar em uma cidade estranha, sem amigos, sem trabalho e sem
dinheiro não era o que ele queria. Se tivesse parado por um momento ou dois para
pensar antes de agir, provavelmente não teria ido.
É isso que quero dizer com autocontrole: a capacidade de escolher outra coisa
que não seu impulso inicial, para poder obter no futuro algo que você quer mais ou
que é melhor para seu bem-estar e felicidade a longo prazo.
Essa capacidade de não reagir aos eventos está muito mais desenvolvida nos
humanos do que em qualquer outra espécie. Um veado que fareja a fumaça na flo-
resta provavelmente vai fugir do cheiro sem pensar. Uma pessoa que sente cheiro
de fumaça na floresta pode parar para pensar se aquilo pode ser um incêndio na
floresta, uma fogueira em um acampamento ou um lampião, e então agir de acor-
do. O “livre-arbítrio” é apenas outra maneira de dizer que temos a capacidade de
deliberar sobre nossas opções de agir, o que, por sua vez, oferece a oportunidade
de escolher o que será melhor para nós no futuro.
Com autocontrole, podemos direcionar nosso comportamento para o futuro
em geral, e para o que pode existir à frente especificamente para nós, em vez de
sempre nos engajarmos em ações automáticas que podem nos levar a lugar ne-
nhum (ou pode nos levar a Denver, onde não temos futuro). Podemos estar prepa-
rados para os amanhãs, para as próximas semanas, para os próximos meses e até
mesmo para os próximos anos na vida. Podemos nos organizar
com um olho nesse futuro.
E nesse futuro há muitas recompensas a serem colhidas,
como os objetivos mencionados pelas pessoas citadas no início
deste capítulo. Nesse futuro há também todos aqueles riscos
que podem ser evitados quando conseguimos antecipá-los e nos
planejarmos bem para eles. Sem autocontrole, terminamos em
locais onde na verdade não queríamos estar, sentindo-nos estúpi-
dos, culpados ou desmoralizados, e indolentes ou apáticos, sem
mencionar que ficamos à deriva.

Você pode encarar o autocontrole como um termo muito pesado. Quantas vezes,
desde que era criança, ouviu a ordem “Controle-se!”? Quantas vezes pensou consigo
mesmo que você o faria se pelo menos tivesse alguma ideia de como fazê-lo? Entender
como o autocontrole funciona vai aliviar o termo. Verá também que o autocontrole
é um processo com poucos pontos vulneráveis, em que o uso de uma estratégia ou
ferramenta pode libertar sua vontade para que você possa conseguir o que quer da
vida – não apenas neste minuto, mas no futuro que se estende a sua frente.
Estes são os seis principais componentes envolvidos no autocontrole:

O autocontrole é uma ação autodirecionada. Isto significa que, em vez de


agir em resposta direta a um evento, você para e direciona a ação para si
mesmo. Quando seu amigo disse que ia para Denver, se Len não tivesse TDAH,
provavelmente teria inibido durante tempo suficiente a resposta “Uau, isso parece
ótimo para mim também!” para pensar sobre o que partir poderia realmente
significar a longo prazo.
Essas ações autodirecionadas servem para mudar seu comportamento subse-
quente. Len podia ter decidido abanar a cabeça e dizer “Boa sorte!”. Ou poderia
ter escolhido dizer “Uau, isso também me parece ótimo, mas talvez eu possa ir
depois de você me dizer se deu certo”. Ou talvez ele tivesse optado por não realizar
nenhuma ação agora, mas tivesse reconhecido uma necessidade de pensar em
realizar alguma ação no futuro: se mudar de cidade parecia bom, mas ir para
Denver neste momento não funcionasse por várias razões, talvez Len começasse a
pensar sobre um local para onde pudesse desejar se transferir no futuro.
Essa mudança no comportamento subsequente está destinada a conseguir
um ganho líquido (maximização) de resultados positivos tanto a curto
quanto a longo prazo para o indivíduo. O comportamento está direcionado
para o futuro, mas será preciso também considerar as consequências imediatas
a serem enfrentadas para o melhor resultado final. Len podia ter de abrir mão
da consequência positiva de partir em uma exci-
tante viagem para conseguir um resultado positivo
maior mais tarde, como se mudar para Denver,
mas apenas depois de ter encontrado um emprego
naquela cidade. Com o autocontrole, sacrificamos
o passarinho que temos na mão para obter depois dois mais proveitosos. A
menos, é claro, que sejamos um adulto com TDAH, em cujo caso vamos con-
tinuar optando pelo passarinho na mão e nunca seguindo nosso caminho na
direção mais benéfica.
O autocontrole depende de uma preferência por recompensas maiores
adiadas em vez de recompensas menores imediatas. Se você não consegue
conceber o futuro ou não valoriza as consequências posteriores, não há razão
para o autocontrole, e ele não lhe será útil. Se Len não tivesse TDAH, poderia
não precisar pensar por mais de um segundo sobre o que preferia fazer – correr
para Denver hoje ou planejar uma mudança para algum outro lugar no próxi-
mo ano. Saberia imediatamente que realizar o sonho de ter um bom emprego e
uma casa acessível em um novo e belo lugar era mais valioso para ele do que a
diversão de partir sem um plano apenas para chegar lá imediatamente.

O autocontrole transpõe o lapso de tempo entre um evento, nossa reação


e um resultado. Podemos não necessitar de nenhum autocontrole quando o
intervalo entre o evento, a reação e o resultado é pequeno ou nulo.
Imagine que sua filha de 5 anos identifica o carrinho de sorvete vin-
do em sua direção. Ela lhe pede um sorvete, o carrinho para, você
compra um e dá para ela. Ela está completamente calma durante
a curta sequência dos eventos. Agora, imagine que sua filha tenha
ouvido o carrinho de sorvete, mas não consegue vê-lo. Ela tem de
conter sua excitação até descobrir se o carrinho está vindo na direção
dela e a que distância ele está. Quando ele chega a seu campo de
visão, ela cobiça aquele sorvete como se há anos não tomasse um.
Ela pula e grita, excitada, enquanto implora: “Papai, papai, lá está
ele. Posso tomar um sorvete?.” Então, você diz: “Bem, um sorvete vai estragar
o seu jantar. Que tal se comprarmos um e o colocarmos no freezer para mais
tarde?”. Isso requer todo o autocontrole que uma criança de 5 anos pode reunir
para inibir o impulso de chutá-lo nas canelas. Para uma criança dessa idade nesta
situação, o autocontrole pode envolver principalmente controlar as emoções.
Para um adulto que tenta continuar trabalhando para economizar e comprar
uma casa quando há dezenas de oportunidades
todos os dias para se gastar dinheiro aqui e ali,
todos os tipos de habilidades são requeridas para
exercer o autocontrole.
Quando o tempo entre o evento,
a reação e o resultado é longo, o autocontrole
ajuda a nos gerenciarmos em relação ao tempo e ao futuro. Ajuda-nos a unir
esses eventos desconectados no tempo em uma ideia coesa que podemos
conservar conosco para mantermos nossa visão na recompensa.
Como um adulto com TDAH, Len terá muita dificuldade para conseguir alcançar
o objetivo da mudança de cidade. Com o resultado tão distante, é provável que
ele se esqueça de todo o plano e faça pouco ou nada para se preparar. Ele pode
estabelecer uma data para se mudar, mas continuará tão despreparado para a
mudança quando o momento chegar quanto estava quando, por um capricho,
partiu com seu amigo. Neste caso, o autocontrole significaria que ele teria de
pesquisar as regiões dos Estados Unidos, despender um tempo toda semana em
buscas de emprego na área escolhida, descobrir quanto precisaria ganhar para
poder ter o tipo de moradia que ele quer, e mais – tudo isso antes de colher os
benefícios da mudança.

Para que o autocontrole ocorra, necessitamos da capacidade


para a visão retrospectiva e para a antevisão. Como uni-
mos os eventos, as reações e os resultados da vida quando há
grandes intervalos de tempo entre eles? Precisamos de uma
percepção fundamental do tempo – que há um passado, um
presente e um futuro – e ser capazes de conjeturar sobre o
futuro. Para especular sobre o futuro, temos de ser capazes de
recordar o passado e avaliá-lo para detectar possíveis padrões.
Esta recordação do passado, ou visão retrospectiva, proporciona
a capacidade de pensar sobre futuros possíveis, ou antevisão.
Isso impediria Len de sair para outro lugar sem
preparação, como aconteceu quando ele foi para
Denver.
O que você pode ter considerado como au-
tocontrole quando criança – ficar sentado quieto
quando lhe era ordenado, ficar quieto na sala de
aula quando realmente queria contar algo a seu
colega, comer apenas um bombom em vez de
toda a caixa – tem ramificações bem maiores na
vida adulta. Paradoxalmente, sem autocontrole,
você não pode ser livre. Vamos examinar em seguida as habilidades que compõem
o autocontrole.

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