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FRUSTRAÇÃO
CASTRAÇÃO
PRIVAÇÃO

Carlos Mario Alvarez

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FRUSTRAÇÃO - CASTRAÇÃO
PRIVAÇÃO

Copyright 2020 - Carlos Mario Alvarez

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer


processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc, sem a autorização por escrito.
Todos os direitos reservados desta edição 2020 para o autor.

Produção Editorial / Diagramação


Elisabeth Lucacs

Revisão
Marcelo Ivson

ALVAREZ, Carlos Mario


Frustração, castração e privação / Carlos Mario Alvarez - Rio de Janeiro - RJ

1. Psicanálise 2. Freud 3. Castração

carlosmario@terra.com.br

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Dr. Carlos Mario Alvarez - Psicanalista e supervisor clínico.
Professor convidado da Université Sorbonne (Paris 2).
Mestre em Teoria Psicanalítica (UFRJ)
e Doutor em Letras (PUC-Rio).
Professsor, Pesquisador visitante na universidade
Rutgers (2010/2011), NJ - EUA.
Membro fundador da Formação Freudiana (RJ).
Criador e curador do projeto em Mídias Sociais,
Psicanálise Descolada, onde desde 2010 realiza intervenções
nas plataformas digitais, articulando artes visuais, música,
psicanálise e estilo de vida.
Mora no Rio de Janeiro, com consultório no Leblon.

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A angústia não é uma doença
não é uma patologia
a angústia é o afeto em estado bruto
é o afeto na sua nascente
é o afeto flutuante
é afeto querendo alguma coisa

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FRUSTRAÇÃO, PRIVAÇÃO E CASTRAÇÃO

Nós sofremos de uma série de desorientações em geral


na vida, de caminhos, desentendimentos, mal-entendi-
dos. Por mais que a gente faça esforços para organizar,
para entender, nunca conseguimos. Nunca conseguimos
entender tudo totalmente, nunca estamos plenamente
satisfeitos. Estamos em busca de coisas relativas à exis-
tência do ser humano.
O ser o humano não é um objeto estanque, não é um
objeto inanimado. O ser humano é um objeto animado,
quer dizer que ele tem animus, ele tem alma. E a alma é
alguma coisa que vaga e que tem pleitos, tem carências,
tem buscas.
Nós não estamos numa situação de zero, ou de nada, uma
vez que nós estamos na pulsação, estamos pulsando. Es-
tar pulsando significa produzindo, e produzindo significa
que a gente sai do lugar, que não estamos estanques, que
não estamos parados. E porque não estamos parados, es-
tamos em movimento, e estar pulsando em movimento
significa que estamos inquietos, tem isso, nós estarmos
geralmente inquietos. Por mais que estejamos contentes,
por mais que estejamos satisfeitos com algumas coisas,
outras coisas não estão tão legais e às vezes está tudo um
horror, tudo uma droga. Está tudo um verdadeiro infer-
no. E nessas horas nós podemos até nos desesperar ou
podemos pedir ajuda, que é melhor, para tentar se orga-
nizar.
Existem vários subterfúgios, várias saídas que as pessoas

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usam para contornar essa dimensão que podemos cha-
mar, junto com o Freud, de Mal-Estar; o mal-estar que
é também o que faz a gente se movimentar. Melhor se a
gente consegue minimizar o mal-estar, melhor se a gente
consegue diminuir os efeitos da insatisfação, os efeitos da
angústia.
E nós sabemos que todo mundo, de alguma maneira,
atravessa momentos mais ou menos angustiados. A an-
gústia não é uma doença, não é uma patologia, a angús-
tia é o afeto em estado bruto, é o afeto na sua nascente,
é o afeto flutuante, é afeto querendo alguma coisa, é a
pulsação sem o encontro que deixe ela mais organizada.
Então, nós somos seres de angústia. E o que é a angústia
nesse sentido? Ela é um combustível, ela é combustão.
A angústia é ruim ou boa? Nem uma coisa nem outra.
A angústia pode fazer sofrer, mas a angústia é o que faz,
por exemplo, eu criar um projeto para mim. É eu sair da
minha zona de conforto. A angústia é o que me faz co-
nhecer uma pessoa e achar que ela vai construir algo legal
comigo. Eu fazer uma parceria; eu propor uma novidade
a mim mesmo; eu começar um esporte novo; eu tentar
uma habilidade. Quer dizer, angústia é vida. As pessoas
têm uma ideia meio errada de achar que a angústia é do-
dói. A angústia não é dodói. O que dói é o peito ardendo,
é a sensação de vazio que toma conta, ou até de desespe-
ro. É por isso que muitas vezes as pessoas têm recursos
como os ansiolíticos, como a própria terapia, as análises
que ela pode fazer; e vejam que quando fazemos um con-
traponto à angústia, um contra movimento; geralmente
conseguimos uma coisa legal.

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Experimenta correr, experimenta malhar, experimenta
respirar, experimenta fazer Yoga, experimenta cantar,
experimenta dar um mergulho no mar, experimenta o
sexo.
Vocês verão que as angústias vão modificando... até uma
conversa, até um abraço, uma pessoa que te acalente;
isso tudo são níveis de transição da angústia. Se a vida
é movida pela angústia, de uma certa maneira é porque
temos pulsação, e com a pulsação precisamos fazer algu-
ma coisa. Às vezes você tem a sensação de que a vida está
passando e você pensa “poxa, o que estou fazendo?”... ou
“minha vida está passando e o que estou construindo?”...
“mais um ano se passou e o que eu fiz?”... “eu falei para
mim no início daquele ano que eu iria conseguir, que iria
lutar, e chegou outro final de ano e vi que nada funcionou
como eu queria ou nem tudo funcionou”. É assim, não é?
Mas não desistimos.
Temos uma certa resistência pela vida e também tem re-
sistências da neurose. São coisas diferentes. A resistência
pela vida, é aquilo que mantém a gente pulsando e res-
pirando. A resistência da neurose é aquilo que não deixa
a gente mudar. Porque mudar, implica muitas vezes em
fazer esforços. E eu costumo dizer aos meus pacientes e
às pessoas que acompanham meu trabalho, é que nada
na vida vem sem trabalho. Trabalhamos para conquistar
não só dinheiro, posições, não só status, mas trabalhamos
para conquistar entendimento sobre a gente. A análise é
trabalho psíquico.
O que é que tem o Real haver com isso tudo? Primeiro de
tudo, precisamos entender que em psicanálise o Real não

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é a realidade. A realidade é aquilo para ser reconstruído,
refeito, burlado, para ser contestado, em grande parte.
Porque geralmente uma realidade não é tão real quanto
a gente queria imaginar que ela fosse, ou tão crente que
ela seja real. A realidade são construções. Muitas vezes a
mãe te dá uma realidade, o parceiro amoroso te traz uma
realidade, alguém te conta uma história, uma lenda, exis-
tem construções que dão a impressão de realidade, muita
gente quer impor a realidade para você poder, de uma
certa maneira, comprar aquela realidade, ficar comprado
naquela posição de realidade.
Só que o Real não tem realidade nenhuma. O Real é
completamente intangível, completamente imprevisível.
Na verdade, o real é o que dá a chance das multiplicações
das realidades.
Falar em frustração num primeiro plano, é falar daqui-
lo que, de alguma maneira, nos colocou presos em uma
expectativa e essa expectativa não se realizou. Falar em
frustração é falar daquilo que gostaríamos que aconte-
cesse, que supúnhamos que aconteceria e de repente nos
frustramos porque não era nada daquilo. Quantas vezes
você faz um certo esforço, investe em uma relação amo-
rosa e daqui a pouco, o negócio se desfaz e você percebe
que era propaganda enganosa, “ele me enganou, ele foi
malvado, foi perverso, ou ela tinha duas caras, ela era
histérica, falso brilhante, propaganda realmente engano-
sa... ”
Essas sensações podem existir, não cabe aqui saber se isso
procede ou não, mas a pessoa que fica na frustração ge-
ralmente congela, geralmente fica fixada na frustração, e

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ficando fixada na frustração, fica numa posição de vitimi-
zação, ela cria uma posição de “fui sacaneada, fui traído,
fui passado para traz”. Essa posição é uma posição passi-
va e quando a gente fica numa posição passiva, acontece
de não termos mais elementos para poder transformar a
realidade. E aí a realidade fica muito amarga, fica a reali-
dade do outro.
Quer dizer, fazemos do outro signatário do nosso des-
tino, vejam que isso é muito comum e isso é uma coisa
extremamente repetitiva na vida das pessoas.
No consultório eu escuto demais isso. As pessoas estão
colocando as responsabilidades das suas frustrações sobre
a rubrica do outro. E aí descascam um rosário inteiro de
lamentações sem que elas tenham a chance de olhar para
aquilo que nelas urge por uma posição, para uma postu-
ra. Então a criança, o bebezinho, o primeiro tempo dele
é tempo de frustração, por excelência, porque o bebezi-
nho depende demais da mamãe. A mamãe com o seio vai
lá e dá aquele paraíso maravilhoso para o bebezinho. E o
bebezinho aprende ali. E a mamãe é um invólucro, um
cobertor, é uma grande membrana, e se a gente ficar o
tempo todo neste tipo de sensação, bacana, membrana, a
gente tem grande chance de ficar afogado na frustração.
Então o primeiro tempo desta dimensão de falta é o tem-
po da frustração, e que se repete em vários níveis. A frus-
tração é a continuidade daquilo que você projetou como
ideal e não aconteceu; é o momento em que você se vê
desguarnecido de uma promessa que supostamente o ou-
tro te fez e não cumpriu ou que você esperou.
Podemos pensar a frustração como uma espécie de des-

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gaste do objeto, uma espécie de ausência do objeto e
um pleito recente, que não deu certo, não foi legal, e aí
muitas pessoas ficam nessa, nessa ladainha. Uma posição
diferente é você partir para o entendimento do que é a
privação. A privação tem uma outra questão, você não
fica ressentindo, que alguma coisa te faltou; na privação,
você ganha uma consciência que te falta alguma coisa,
aquilo não é possível, mas como você não está fixado na
exterioridade do outro, você de alguma maneira interio-
riza, a privação assimila a privação, e vai ficar tendo que
lidar com o imperfeito da privação, mas num nível de
construção.
Por exemplo, muitas pessoas gostam de comer muito, e
por anos vão comendo muito, esquecendo que o corpo
vai sofrendo e ficando privado de algumas capacidades
metabólicas, então os que ingerem muito açúcar, gor-
dura, engordam, ficam inadimplentes com exercícios,
começam a criar um volume corporal, e isso começa a
prejudicar o sistema cardíaco e tudo mais. Ou muitos co-
mem doces, carboidratos e começam a ver que sobe o
nível de glicose no sangue e isso pode trazer problemas
e tal.
Ora, é sempre uma matemática entre excesso, corte e
possível. Esse jogo, excesso - corte - possível, é o que dá
o molejo para a gente seguir adiante sem ficar parado,
preso no problema e fixado num tipo de organização, ou
seja, digamos que eu tenha privação de uma certa subs-
tância. Tenho que encontrar uma maneira de driblar esta
privação e dar uma resposta possível para mim. Veja que
já é diferente da frustração, onde eu fico fixado pedindo
volta daquilo que eu não posso ter, onde eu não sou ativo

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no sistema, onde eu não sou ativo na chance de fazer uma
coisa vir para mim.
Então as dimensões de privação dizem: “olha, não dá,
você não tem, mas vai se virar”, vai fazer alguma coisa
possível através desta privação. E isso faz com que muita
gente saia do lugar e se reinvente. Nós sempre temos for-
mas de reinvenção, mecanismos para se fazer um pouco
diferente.
E em um terceiro plano que interessa para pensar a di-
mensão do Real é a castração. Vejam que estou retoman-
do certas ideias freudianas e lacanianas. E foi o Lacan que
de uma certa maneira estabeleceu os 3 tempos do Édipo:
frustração, privação e castração.
A castração é a introjeção, absorção do limite, e aí se você
conseguir fazer alguma coisa muito sua, a partir disso, fa-
zer alguma coisa que talvez só você possa fazer por você.
Só você possa ter acesso. A castração é o tempo do Édipo
em que a gente superou papai e mamãe. Em que a gente
parou de adernar na frustração ou mesmo na privação,
em que você fica na agonística, ranhetando às vezes. E a
castração, de uma certa maneira, é uma liberação; uma
libertação da tua potência onde você vai dizer: “não, isso
não dá, isso não dá, mas achei que isso aqui dá, e por
enquanto vai ser assim”. E veja, nenhuma solução na vida
é para sempre. Vamos tentar entender o seguinte: a vida
não é resolvida. Não é resoluta, mas a gente faz uns gati-
lhos, umas manobras, damos uns jeitos, a gente dá uma
de artista, inventa um dispositivo. Depois aquilo se des-
faz, porque aquilo tem entropia. Entropia é essa força,
que está aí no universo que faz com que as coisas tenham

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fim, elas se desgastam.
Você comprou uma roupa, você usa porque ela vai se
desgastar. Melhor se desgastar no uso do que dentro do
armário. Comprou o carro, usou o carro, daí ele fica ve-
lho, começa a dar problema. Isso é com tudo, com corpo
humano, com os relacionamentos, então nós temos que
ficar neste processo de achar soluções, micro soluções,
soluções pequenas, às vezes não precisamos ter que fa-
zer tanto esforço, porque as soluções vêm, aparecem.
Podemos esperar, mas desesperar, jamais. O desespero
é ruim. O desespero é uma potência fora de controle, é
uma potência borrada, o desespero é a derrocada pela in-
transigência da angústia; a angústia se torna intransigente
e aí vem o desespero.
Então se essas dimensões de frustração, de privação e
castração são tomadas num nível de maturidade, aí po-
demos começar a equacionar melhor as coisas. Claro que
existem várias nuances e variações, porém, sabe aquela
coisa de, por exemplo, você faz um bolo, um doce, um
salgado, faz um objeto, você faz do seu jeito, do jeito que
você quer. Do jeito que dá. E quando você encontra o seu
jeito, talvez seja a melhor coisa. É o que eu chamo da sua
assinatura.
Então, essas ideias são para provocar-nos a pensar nos
três níveis da castração, no complexo do Édipo, que vem
Freud e passou para Lacan, e nós pensarmos em quais são
as chances de mudarmos alguma coisa, quando ficamos
na posição do ressentido, na posição daquele que foi saca-
neado, que foi traído, que foi amaldiçoado, em oposição
àquela chance que a gente tem de dizer “olha, não dá, não

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vai rolar, vamos pôr um fim nisso, vamos parar com isso,
mas vamos para frente, vamos progredir...”
Há que olhar também para as posições em que ficamos
muito viciados numa realidade. O legal é a gente sair da
realidade. Por isso que viajar é bom, por isso que mu-
dar de ares é bom, por isso que mudar de qualquer coisa
é bom. Até de marido, de esposa, de namorado, de na-
morada, mudar de trabalho, mudar de lado para dormir,
mudar a dieta, mudar a bebida, mudar os caminhos e
tudo mais. Essas mudanças vão proporcionando novida-
des, não mudamos só internamente, o externo também
muda a gente.
Tem gente boba que acha que a mudança depende só de
você, não, depende de você e de onde você está. O Feng
Shui por exemplo, as organizações das luzes que entram,
que saem, tudo isso faz efeito na gente. A gente não é um
ser sozinho, não é um ser individual. Se há uma pessoa
chata ao meu lado, de baixa energia e ela está minando
meu humor, e eu cair junto, provavelmente terei de fazer
uma grande força para aguentar aquela chatice.
Então, não pensem vocês que os outros não influenciam,
que as coisas não mexem com nosso humor. Mexem o
tempo todo. Mas uma coisa é você sacar isso e se organi-
zar, dar limites e dar o tempo. Aqui dá, aqui não dá... São
organizações. Outra coisa é você ficar na frustração e no
pleito de que “podia ser melhor e não está, gostaria que
fosse assim, gostaria? Vai atrás e faz! Faz alguma coisa. E
para de encher o saco! Para de encher o teu e o meu saco!
Vai fazer uma coisa melhor!

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COMENTÁRIO FINAL
Nós da equipe PSICANÁLISE DESCOLADA ficamos muito felizes em
compartilhar com você, ideias, reflexões e experiências da psicanálise.

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