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STEPAN, Alfred. Os Militares na Política – As mudanças de padrões na vida brasileira.

Trad.: Ítalo Tronca. Rio de Janeiro: Artenova, 1975, Cap. 4-5.

Resumo:

Parte II – O “Padrão Moderador” das Relações entre Civis e Militares: Brasil, 1945-
1964

Para Alfred Stepan, existe uma tensão potencial no relacionamento entre civis e
militares. Isto decorre de uma necessidade dupla dos governantes políticos civis: de
um lado necessitam de uma força armada como instrumento da política e da ordem
interna; de outro, não pode permitir que o poder militar usurpe o poder civil.

Na tentativa de entender esse relacionamento, Stepan apresenta os modelos


existentes na literatura, e conclui que eles não serviam para explicar o modelo latino
americano. Como tentativa de entendimento, elabora o “Padrão Moderador” como
modelo de interpretação típico para entender a realidade brasileira, no período 1945-
1964.

Segundo o autor, na América Latina predominam as “Sociedades Pretorianas”.


Ou seja, sociedades onde todas as instituições são politizadas, inclusive as Forças
Armadas. As instituições politizadas, porém, são fracas. Por isso, todas tentam cooptar
os militares para aumentar o seu poder político. O Executivo usa as Forças Armadas
como instrumento desse poder, enquanto que determinados grupos civis buscam
cooptá-los para controlar exatamente o Executivo, pois os demais poderes não têm
como fazer isso. Pelo seu lado, os militares, razoavelmente profissionalizados,
politicamente heterogêneos, e com certo grau de unidade institucional, rejeitariam o
governo militar como solução legítima para o problema do desenvolvimento. Os
militares aparecem, pois, como controlados (instrumentalizados,).

Em síntese, como um subsistema do sistema político (analogia com o sistema


biológico), embora com características particulares, caberia aos militares, segundo
esse modelo interpretativo, funcionar como árbitros da atividade política e, como tal,
providenciar uma intervenção moderadora para manter o sistema em equilíbrio. Em
outras palavras, segundo esse modelo interpretativo, os militares funcionariam como
moderadores da atividade política, tendo por tarefa a manutenção do sistema. O seu

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papel seria o de depor o chefe do Executivo e transferir o poder para grupos civis
alternativos.

Contudo, diferente do sistema biológico, o sistema social vive em contradição,


conflito. No Brasil, em particular, mudanças pós-1945 mudam condições do sistema,
que tende ao desequilíbrio. O Estado já não consegue suprir as demandas, e muda o
papel dos militares. O antigo já não dava conta da função a ser executada.

Como resultado, nesse modelo, os golpes militares se apresentam como


respostas lentamente desenvolvidas em conjunto por grupos civis e militares que
tentam cooptar as Forças Armadas para solucionar a crise.

Cap. 4 – Aspectos Civis do Padrão Moderador

Na América Latina, de um lado, os presidentes tradicionalmente procuram usar


as Forças Armadas como instrumento de poder político. De outro, os políticos pró-
regime – incluídos os editores de jornais –, no Brasil, tendem a apoiar o regime, mas
podem, ou não, apoiar o governo em momentos específicos. Em uma conjuntura onde
o Legislativo e o Judiciário não têm condição de controlar o Executivo, grupos civis
atribuem tal tarefa aos militares.

Acrescenta-se a esse quadro o fato de, em nossa Constituição de 1946, constava


que os militares deviam obediência ao presidente “dentro dos limites da lei”, o que
abria discussões sobre a legalidade da ordem presidencial. Esse papel foi
conscientemente determinado por certas camadas políticas. Embora tivesse existido
em outras constituições de nossa história, não havia tal cláusula na Constituição de
1937.

Tal argumento foi utilizada várias vezes por grupos que queriam controlar e/ou
depor o presidente. Em períodos de conflitos todos os grupos tentam cooptar os
militares e posteriormente opera-se o golpe – esforço combinado entre militares e
civis. Em suma, os grupos civis pró-regime legitimam o papel moderador dos militares.

Com base nesse quadro histórico, Stepan expõe duas hipóteses acerca dos
golpes militares. Adota, porém, a segunda:

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1ª hipótese: ocorre uma cisão entre o Executivo e os civis pró-regime, o que
aumenta a tendência de intervenção militar. Os dois grupos apelam aos militares e os
pró-regime unem-se aos anti-regime. O autor frisa que em situações de normalidade
não ocorrem cisões entre o Executivo e os pró-regime, o que torna mais difícil uma
intervenção militar.

2ª hipótese: o êxito ou o fracasso da intervenção militar gira em torno do grau de


legitimidade dado pelos civis ao poder executivo no seu cargo e aos militares como
moderadores.

Cap. 5 – O funcionamento do Padrão Moderador: Análise de 5 movimentos

Em momentos de crise, é preciso que haja crença na autoridade e na


legitimidade do governo, principalmente pelos que fazem parte dele ou pelos que são
chamados a usar a força por ele – o exemplo é Getúlio Vargas que teve a sua
autoridade questionada em 1945 e em 1954 (desta vez sobre o nível moral). A
legitimidade em questão é muito mais no nível qualitativo do que quantitativo das
forças de sustentação ou de oposição.

Quando o chefe do Executivo é questionado quanto à sua legitimidade por


grande número de civis poderosos, os militares são chamados para evitar o caos, o que
dá ao movimento um caráter defensivo. Se ocorrerem mortes, a culpa recai sobre o
presidente, e é preciso que os militares, como um todo, deixem de apoiá-lo. Só assim
evita-se o derramamento de sangue.

Os movimentos vitoriosos de 1945, 1954 e 1964, foram contra situações de fato,


e saíram vitoriosos; os de 1955 e 1961 foram contra presidentes que ainda não haviam
tomado poss. Nesse sentido, seriam dados contra “possíveis delitos”, dessa forma os
militares não conseguiram apoio. Em 1955, JK era o presidente eleito legitimamente.
Portanto, deveria tomar posse, mesmo que pairassem desconfianças contra a sua
pessoa. Em 1961, ocorre o mesmo com Jango.

Para Stepan, a legitimidade de João Goulart começou a ser questionada em fins


de 1963, pois havia um temor que não se chegasse as eleições ao fim de seu governo.
Segundo o autor, corriam rumores de que ele tentaria permanecer no governo como
ditador com o apoio dos comunistas. Este temor seria partilhado tanto pela direita e

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pelo centro, quanto pela esquerda. Exemplo disso foi a reprovação por amplos setores
da tentativa de Jango de decretar o estado-de-sítio.

 Sanção civil para intervenção militar


Quando em momentos de crise a autoridade o Executivo é questionada, grupos
civis não associados, se associam e entram em contato, sob diversas formas, com os
militares (contatos pessoais, jornais). Pelo seu lado, para que os militares decidam-se
pelo golpe é preciso que haja uma solicitação civil e uma coalizão entre eles e os civis.

O clamor pela intervenção militar denota a ilegalidade do Executivo e a função


dos militares de obedientes a lei, e não necessariamente ao presidente. Esse clamor
teria sido intenso em 1945, 1954 e 1964, e fraco em 1955 e 1961, que foram apelos
isolados que não conseguiram cooptar a opinião pública. Esse clamor é fundamental
pois, não sendo os militares um grupo unido, precisam de um forte clamor da opinião
pública para que possam convencer os não engajados e, assim, evitar o conflito
armado (guerra civil). O autor frisa ainda que podem haver questões internas que
levam os militares à ação. Porém, a opinião da elite civil é um forte propulsor para tal.

 Movimentos vitoriosos versus movimentos frustrados: análise comparada dos


editoriais

Stepan usa a imprensa para verificar o indicativo desse clamor, se concentra nos
momentos anteriores às citadas crises, e verifica que as discussões estiveram
presentes em todos os jornais nesses períodos. A questão da legalidade era levantada
não só no que se refere ao Executivo, mas também quanto a chamar os militares à
ação. Esses chamados representavam uma aprovação à intervenção militar, mas,
jamais um sinal de carta-branca. Cabia aos militares informar ao presidente que não
mais acatariam as suas ordens, e, em outros momentos, depô-lo efetivamente. Em
1945 foram chamados para garantir as eleições; em 1954 para supervisionar a
passagem de governo de Vargas para Café Filho; em 1964, por temor que Jango
fechasse o Congresso e governasse por decreto, foram chamados para resguardar os
três poderes, impedir a quebra da hierarquia e para que não permitissem que
elementos “subversivos” influíssem no governo.

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Ao contrário dos movimentos vitoriosos, em 1955 e 1961, não havia uma opinião
coesa da imprensa. Era preciso ganhar a opinião pública para que o movimento saísse
vitorioso. Reafirmando a sua hipótese, para Stepan, o sucesso dos movimentos variou
em função do grau de legitimidade que foi dado ao presidente e à ação dos militares.

 As limitações dos movimentos militares antes de 64


Para o autor, os militares brasileiros como os mais constitucionais, tinham uma
visão clara do seu papel: deposição do chefe do Executivo sem a possibilidade de
usurpação do poder. A intervenção militar poderia ser legítima, mas o governo militar,
não. Não havia clamor para que os militares assumissem o poder.

Em 1945 e 1954, houve um consenso entre os militares quanto a intervenção e


quanto ao grupo civil que deveria receber o poder. Em 1954, para a preservação da
unidade institucional, só agiram quando não havia mais perigo de polarização.

O autor frisa que, até 1955 ao menos, os militares não almejavam o poder.
Quando dos movimentos, os militares partidários do governo deposto não eram
expulsos, e sim transferidos. Até 1960, eram constitucionalistas, acreditando nas
soluções dos problemas através de um governo civil, e possuíam baixo grau de
legitimidade para assumir o poder. Até 1964, para Stepan, os militares não estavam
convictos de suas qualidades para governar o país. Já em 1964, foi questionada a
capacidade civil de solucionar os problemas e também a crença na incapacidade
militar de tomar o governo efetivamente. Então, os militares romperam com o padrão
moderador, depuseram o chefe do Executivo e assumiram o poder político.

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