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o 0545.D, ) oS > p . Fels, Danie hens, Dib dare os hoch odiod,* as necaosh MnO Sa Se 1964-2004 40 ANOS DO GOLPE DITADURA MILITAR E RESISTENCIA NO BRASIL ANAIS DO SEMINARIO UFRJ © UFF * CPDOC ¢ APERJ Leraas ] DITADURA E SOCIEDADE: AS RECONSTRUCOES DA MEMORIA Daniel Aarao Reis “A esstncia de uma nagio... é que todos sejam capazes de esquecer muitas coisas” Ernest Renan MEMORIA E HISTORIA Sao conhecidas as artimanhas da meméria. Imersa no presente, preocu- pada como futuro, quando suscitada, a meméria ¢ sempre seletiva. Provocada, revela, mas também silencia. Néo raro, ¢ arbitréria, oculta evidéncias rele- vantes, ¢ se compraz em alterat ¢ modificar acontecimentos ¢ fatos cruciais. Acuada, dissimula, manhosa, ou engana, traigoeira. Nao se trata de afirmar que hé memérias auténticas ou mentirosas. As vezes, é certo, é posstvel flagrar um propésito consciente de falsificar 0 passado, mas, mesmo neste caso, 0 exercicio nio perde o valor porque a falsificagéo pode oferecer interessantes pistas de compreensao do narrador, de sua trajetéria do objeto recordado. Por outro lado, ¢ mais freqiientemente, embora querendo set sincera, a me- méria, de modo solerte, ow inconsciente, desliza, se faz. ¢ se refaz em virtude de novas interpelacées, ou inquietagdes ¢ vivéncias, novos achados ¢ angulos de abordagem. O propésito deste artigo! € visitar criticamente certas “batalhas” de meméria a respeito de processos cruciais de um passado recente da histéria de nosso pais: a génese ¢ a consolidacao da ditadura militar, as lucas que se travaram contra ela, particularmente a luta armada, ¢ 0 proceso lento, segu- ro ¢ gradual através do qual os militares abandonaram o proscénio da cena politica. Como se sabe, em Histéria, quando ainda se desenrolam os enfrenta- mentos nos terrenos de luta, ou mal se encerram, o sangue ainda fresco dos feridos, ¢ os mortos, sem sepultura, jé se desencadeiam as batalhas de memé- ria, Nelas 0s vitoriosos no terreno haverao de sc desdobrar para garantir os troféus conquistados. E a vitéria que fora sua, no campo de luca, poderéo perdé-la na memoria da sociedade que imaginavam subjugada. 119 Porque o tempo da voltas inesperadas. Os derrotados de ontem, na luta aberta, podem set os vitoriosos de amanha, na meméria coletiva. Nas bata- thas de meméria, jogo nunca esté definitivamente jogado, as areias so sempre movedligas ¢ os pontos considerados ganhos podem ser subitamente perdidos. O intuito do texto néo ¢ formulas, recuperar ou restabelecer verdades. Mas.compreender como e por que determinados exercicios de meméria tm sido empreendidos, a ldgica interna, as incoeréncias ¢ as fravuras, ¢ as possi- veis conseqiiéncias pata a construgio de uma sociedade democritica nestes brasis do século XXI. A DITADURA MILITAR: GENESE Tentemos comegar pela conjuntura anterior & intervengéo de margo de 1964 que instaurou a ditadura militar. Nela se acumularam as forgas que se enfrentaram num grande embate, o mais complexo violento, ¢ de maiores dimensGes sociais, que até entéo conhecera a Republica brasileira, Quando tudo pode ter comegado? Na sucesso do tempo, sempre flui- do e continuo, o historiador depara-se com o desafio de estabelecer referén- cias sem escorregar no puro arbitrio. Compartilho o ponto de vista de mui- tos que apontam agosto de 1961 como um marco inicial.? Deu-se entao a rentincia de um presidente eleito, Janio Quadros, havia apenas sete meses no poder. O quanto este lider carismitico despercara de esperangas positivas, nas eleigdes que o consagtaram, € na posse, em janeiro de 1961, desencadcaria, agora, com a remiincia, de perplexidade e de decepgio. Os ministros militares, nomeados porele, no se conformaram. De modo atabalhoado urdiram o golpe: impedir a posse do vice-presidente eleito, Joao Goulart, o Jango, que estava no momento, longe, em visita a China Popular, acusando-o de vinculos com o sistema ¢ com o legado de Geutilio Vargas, que, segundo eles, fora derrotado pelo renunciante? ¢ também com 0 comunismo internacional. Entretanto, contra os primeiros prognésticos, que imaginavam uma vi- téria r4pida, 0 golpe nao prosperou. Foi contido por um movimento de re- sisténcia democrética liderado pelo entao governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, cunhado ¢ correligiondtio de Jango. Agindo com determina- do ¢ ousadia, Brizola alertou ¢ mobilizou a populagao de Porto Alegre, for- mou uma cadeia nacional de comunicagées, a rede da legalidade, ¢ persuadiu o general Machado Lopes, comandante do III Exército, a mais poderosa grande unidade do Exército brasileiro, sediado no Sul do pats, a resistir com ele ao golpe. 120 Referindo-se 4 tradi¢ao dos militares brasileiros em ganhar, ou perder, batalhas, apenas fazendo ameacas ou comunicando intengdes, Brizola lan- cou: “Desta vez, eles nio vio ganhar pelo telefone.” De fato, nao ganharam. Quem ganhou, mas também pelo telefone, foi o préprio Brizola. Entretanto, temendo enfrentamentos, Jango aceitou negociar a posse, ocorrida em 7 de setembro de 1961. Mas assumiu a presidéncia com os po- deres castrados por uma emenda parlamentarista votada poucos dias antes a toque de caixa e de clarins pelo Congreso Nacional. Passada a ameaga da refrega, conjurada mais uma batalha de Itararé,‘ 0 importante para nossos propésitos é verificar como as orcas em presenga analisaram e interpretaram 0 ocorrido. As direitas ficaram aturdidas. Jé perplexas com a rentincia de Janio, quedaram-se completamente desorientadas com o fracasso da aventura golpista. Mais tarde, rememorando os acontecimentos, muitos narrariam 0 quéo dificil seria atar € reatar 0s fios de um proceso conspiratério contra Jango.’ A opiniao centrisra, largamente majoritéria, ¢ com a qual se identificava 0 presidente empossado, embora ele prdprio fosse de esquerda, respirou ali- viada. Jango percebia a fragilidade da alianga em que se apoiava, ¢ tentaria a partir de entéo manobrar com ela, exercitando a uradigao de arbitragem € conciliagao que herdara de seu mestre e padrinho politico, Getilio Vargas. Desde 0 inicio, deixara clara a intengao de recuperar os plenos poderes presi- denciais, mas, por cdlculo indole, nao deu mostras de escolher, ou preferis, métodos de confronto. As exquerdas, surpreendidas com a rdpida vitéria, conheceram uma es- pécie de cuforia. Tenderam a esquecer duas circunstancias associadas, ¢ deci- sivas, da vitétia contra a tentativa de golpe militar: o fato de que assumiram, ao lado de Brizola ¢ do III Exército, uma posigao defensiva, ¢ o de que esta posi¢ao defensiva articulara-se em torno da preservagao da lei. Posigao defen- siva, ¢ de defesa da lei: por estas razbes fora possivel vencer os golpistas. Esquecé- lo, no futuro, teria, como se verd, profundas ¢ desastrosas conseqiiéncias. Encerrada a grave crise institucional, abriu-se uma conjuntura critica de mitiltiplas dimensées, que iria num crescendo até fins de margo de 1964. Antes, porém, de apresentar a crise ¢, sobretudo, de como as forgas po- liticas a analisaram, valeria a pena tratar do contexto internacional ¢ de seu impacto no desenvolvimento do processo histérico brasileiro. Viviam-se entao os tempos da guerra fria entre os EUA € a URSS. As duas superpoténcias empenhavam todos os recursos no sentido da polariza- 728 cdo das contradig6es existentes em escala mundial em torno de seus interes- ses universalistas c expansionistas. Tentavam, com seus aliados em cada pats, fazer de cada drea de tensao, de cada conflito, um momento do choque maior de dois projetos civilizacionais. Os partiddrios da lideranga dos EUA falavam, segundo 0 jargao da época, na defesa da livre iniciativa, dos valores liberais, do ocidente, da civilizagao crista. Os que de, algum modo, simpatizavam com a URSS, enfatizavam a justia, o progresso, a libertagao nacional, as reformas € a revolucao social. Ambos os lados defendiam a democracia, acusando-se reciprocamente por desprezé-la, mas, em toda parte, tinham com este regi- me uma relagdo meramente instrumental, nao se furtando a pisotear ale- gremente os valores e as instituigbes democraticas sempre que isto lhes parecesse importante para fazer avangar seus interesses imediatos ¢ 0 alcance de seu poder. Nos anos 50 € 60 do século XX, no ambito do entao chamado terceiro mundo, a guerra fria tornara-se quente. Embora fosse posstvel relacionar pro- cessos de transicao pacifica, marcados pela conciliac4o, o que predominava, no imagindrio, na midia, no vocabulério e no terreno, era 0 confronto vio- lento, a luta armada, reformas arrancadas pela forca, guerrilhas e revolugées sociais. A guerra do Vierna, retomada desde o inicio dos anos 60, a guerra da Argélia, encerrada em 1962 com o reconhecimento da independéncia do pais, as guerras drabe-israelenses, 0 agressivo nacionalismo pan-drabe nasserista, a guerra civil no Congo, as guerrilhas na Africa subsaariana. Nas Américas ao sul do Rio Grande, avolumava-se uma nova onda nacionalista, de cardter ia. Desdobravam-se movimentos sociais ofen- popular, reformista e revolucion: sivos nas cidades e guerrilhas rurais. A revolucao cubana, vitoriosa em 1959, re- presentou um dpice neste processo. A stia radicalizacio politica ¢ social, a trans- formagao do processo em tevolucao socialista (1961), a expulsio de Cuba da Organizagéo dos Estados Americanos, patrocinada pelos EUA, a crise dos mis- seis, em outubro de 1962, que levou o mundo a beira de uma terceira guerra mundial, todos estes fendmenos evidenciam, principalmente no terceiro mundo, uma fase histérica em que a politica se associava constantementea enfrentamentos violentos, decididos pelo confronto de forgas ou/e pela huta armada. O Brasil nao conseguiria naturalmente ficar imune a esta atmosfera. Mas é preciso evitar a idéia corrente — e distorcida — de que o pais era um mero joguete nas mos das superpoténcias. Nem as direitas eram manipuladas pelo imperialismo norte-americano, nem as esquetdas, pelo cura, ou pelo dedo, de Moscou. Jargées de época, de considerdvel eficécia propagandistica, néo dio conta, porém, da autonomia politica de que dispunham as forcas antagonicas. 122 Feita a ressalva, passemos & crise, cuja peculiar importancia na histéria republicana jé foi ressaltada. Nao se trataré-de descrever as etapas ¢ os princi- pais acontecimentos do proceso de radicalizagao que desembocou na ins- tauracio da ditadura militar.’ O que importa, para os propésitos do artigo, é chamar a atengio para os grandes tragos dos embates que se travaram, para as forcas em presenga, e, principal mente, para a forma como interpretaram, na época, ¢, depois, os acontecimentos vividos, ou seja, para como elaborarama meméria do que se passara. Animados pela vitéria contra a tentativa de golpe de agosto de 1961, desencadearam-se em todo o pais amplos movimentos sociais populares: cam- poneses, trabalhadores urbanos, principalmente do setor ptiblico ¢ das em- presas estatais, estudantes e graduados das Forgas Armadas. Greves econdmi- cas e politicas, manifestagoes, comi jd se disse, algo semelhante na histéria republicana brasileira. Desejavam, em sintese, melhorar as condigdes de vida ¢ de trabalho ¢ também os niveis até ios, invasées de terra, nunca se vira, como entdo alcangados de participagao no poder politico. Havia neles a percepgio de que o surto desenvolvimentista dos anos 1950, embora tendo promovido grande mobilidade geogrdfica e social, nao distribuira eqiiitativamente as benesses ¢ 0s lucros auferidos, nem ampliara de forma significativa a demo- cratizagao do Estado ¢ das instituigées. As demandas enfeixaram-se gradati- vamente num programa, o das reformas de base, porque, alegava-se, era preci- so reformar as bases do sistema econdmico ¢ do regime politico. Reforma agraria, urbana, bancaria, financeira, universitdria, educacional. Reforma das politicas publicas, em especial do estatuto dos capitais estrangeiros, que de- yeriam ser controlados ¢, no limite, em certos casos, expropriados. ‘Ao longo do processo de lutas, os movimentos reformistas foram adqui- rindo um claro cunho nacionalista, antiimperialista (leia-se: contra a prepon- derncia dos capitais estrangeiros) ¢ estatista, dada a importancia conferida ao Estado ¢ ao lugar central que ocuparia, nas propostas de reorganizacao da economia ¢ da sociedade. A partir de 1963, quando Jango recuperou enfim 05 plenos poderes presidenciais, e considerando o imobilismo das elites ¢ classes dominantes, que nao parcciam sensiveis as demandas populares, os movimen- tos radicalizaram-se cada vez mais, empolgando crescentes setores sociais. No inicio do ano seguinte, jé se podia falar num movimento reformista revolucio- nario principalmente se consideradas as alas mais radicais do Partido Traba- lhista Brasileiro/PTB, do PCB/Partido Comunista Brasileiro, da Frente Par- lamentar Nacionalista e da Frente de Mobilizagio Popular, miniparlamento 123 alternativo construido pelas forgas populares mais decididas. No ambito das esquerdas organizadas, como expresso do processo em curso, € 0 incenti- vando, multiplicavam-se organizacoes politicas claramente definidas pelo enfrentamento revolucionério: Partido Comunista do Brasil/PC do B, Acao Popular/AP, Movimento Revolucionério Tiradentes/MRT, Ligas Campone- sas, Movimento Nacionalista Revoluciondrio/MNR, Organizacao Revolu- ciondrio-Marxista /ORM, entre outras, atestam o fenémeno. Com imprensa prépria e grande atuacdo junto aos movimentos sociais, apareciam no cendrio com um peso despropotcional ao mimero efetivo de seus militantes, pressionan- do as forgas politicas mais tradicionais a radicalizarem também suas posigées.? Nos primeiros meses de 1964, configurava-se uma clara ofensiva politi- ca reformista-revoluciondria dos movimentos mais radicalizados. Crescia a descrenga na possibilidade de que as reformas pudessem ser conquistadas nas margens legais. As eleigdes realizadas em outubro de 1962, para o parlamen- to federal e para um certo ntimero de governos estaduais, evidenciaram 0 peso considerdvel das direitas ¢ das forgas centristas, que resistiam as reformas de base. Inspiradas pelas revolugées vitoriosas em varias pares do mundo, em particular pelos éxitos aparentes da revolugao cubana, também pelos cho- ques ¢ enfrentamentos travados em diversas regides do Terceiro Mundo, os setores ¢ organizac&es mais radicais ousavam jé propostas de ruptura. Brizola falava num inevitdvel desfécho, atribuindo ao termo conotagées apocalipticas. No congresso de fundasao da Confederago Nacional dos Trabalhadores da Agricultura/Contag, apareceu e foi ovacionada uma palavra de ordem que sintetizava diagndsticos ¢ prognésticos: reforma agrdria na lei ou na marra."° Estavam longe as esquerdas de entéo, em particular os setores mais radi- cais, da plataforma de resistencia de agosto de 1961. A posigao defensiva, de defesa da legalidade, metamorfoscara-se em posicao ofensiva e, se fosse 0 caso, contra a lei. As direitas, amplamente derrotadas em agosto de 1961, cedo se rearti- cularam. De inicio de forma lenta, ainda confusas ¢ desorientadas, pouco a pouco, ganhando ritmo e vigor. Os partidos conservadores comegaram a se mover, enue os quais, a Uniao Democrdtica Nacional/UDN, com seus dois lideres de estatura nacional, Carlos Lacerda e Magalhaes Pinto, governadores respectivamente da entao Guanabara e de Minas Gerais; 0 Partido Social Progressita/PSP, liderado por Adhemar de Barros, dai a pouco eleito gover nador de Sao Paulo, em 1962; ¢ 0 proprio Partido Social Democratico/PSD, formalmente da base politica de Jango, mas cujos setores mais radicais, de 124 direita, iriam ajudar a vertebrar novas organizagées politicas extra, ou supra- partidérias: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais/Ipes ¢ 0 Instituto Bra- sileiro de Acgao Democratica/Ibad."! Os éxitos obtidos nas eleigées de 1962, quando ganharam os governos estaduais de Sao Paulo, Rio Grande do Sul, Parand, entre outros, consolidando também maioria na Camara e no Senado fe- derais, impulsionaram as direitas, conferindo-lhes determinacao e ousadia. Num outro plano, a Igreja Catdlica e sua ctipula institucional, a Confe- réncia Nacional dos Bispos do Brasil/CNBB, claramente tomavam partido por posicées conservadoras. Tenderam a caracterizar nos movimentos popu- lares uma inspiragao, ¢ uma dindmica, comunizantes. O fantasma da reyolu- 4 cubana assombrava: ld também uma revolugio nacionalista ¢ democrati- ca transmudara-se numa revolugio socialista ¢ numa ditadura revoluciond- ria, levando um pais catélico para a drbita da Unido Sovietica, sede ¢ centro do materialismo ateu. Ora, segundo o finado Pio XII, nao formalmente revo- gado pelo aggiornamento promovido por Joao XXIII, o comunismo era in trinsecamente mau. Nao viria ele, na esteira das reformas de base, assolar 0 maior pais catélico do mundo, a Terra da Santa Cruz? Nao se pode dizer que a Igreja, como um todo, derivou para posigdes de direita. Mas € fato que a instituigao, na grande maioria, ¢ na cipula, adorou posigées de agressiva re- sisténcia as reformas e aos movimentos que as defendiam. Nao gratuitamen- te, logo depois da vitéria do golpe militar, de marco de 1964, a CNBB aben- Goaria, com sua autoridade, os vitoriosos. Quanto as Forgas Armadas, ¢ apesar das mutagGes efetuadas por Jango nos principais comandos, passariam a questionar, de forma gradativa, o rumo dos acontecimentos, principalmente a partir do momento em que os gra- duados das diversas for¢as incorporaram-se no movimento das reformas de base. Ameacados nos fundamentos da disciplina ¢ da hierarquia, condiges indispensaveis para o exercicio de comando de quaisquer forcas militares re- gulares, 0s oficiais da Marinha, da Aeronautica ¢ do Exército pressionavam Jango a se afastar de movimentos que tendiam a sair dos marcos institucionais. Dois episédios contribuiriam para consolidar grande parte da oficialidade em posigées de direita, para as quais, alids, j4 se encontravam vocacionadas, pela propria natureza das instituicdes a que serviam: a insurrei¢gao dos sargentos de Brasflia, em setembro de 1963, e a insubordinacao da associacao dos ma- rinheiros no Rio de Janeiro, em marco de 1964. Restaria mencionar os capitalistas, pudicamente conhecidos como em- presdrios, cujo papel absolutamente crucial, embora desvendado, ainda con- 125 tinua nao obtendo a atengao merecida.” Temiam que as reformas de base, uma vez implementadas, subvertessem os padrdes habituais de dominagao ¢ as taxas de lucro. Foram pegas decisivas na atticulagio do Ipes e do Ibad, no comando da grande midia —jornais ¢ televisées —; no financiamento de pro- jetos ede organizagées ¢ na rhontagem dos contatos e aliangas nacionais internacionais. Toda esta frente, bastante heterogénea, constituiu um verdadeiro movi- mento civil, expresso em encontros, comicios ¢ nas famosas Marchas da Fa- milia com Deus, pela Liberdade, reunindo milhées de pessoas em todo 0 pats, fundamentais para legitimar as posiges favordveis & intervengéo militar golpista. Conferiram bases sociais 4 alianga entre 0 Dinheiro, a Cruz ¢ a Es- pada que derrubou o governo Jango. O interessante a notar, no entanto, é que as direitas, ao contratio do que ocorrera em agosto de 1961, apareciam agora em posigées defensivas, de de- fesa da legalidade ¢ da democracia, justificando o golpe como um tltimo re- curso para salvara democracia. De sorte que as direitas terao passado por uma mutacao oposta a das esquerdas. Enquanto estas, inebriadas pela vitéria de agosto de 1961, passavam a ofensiva politica, ¢ desafiavam abertamente a legalidade existente, aquelas situavam-se em defesa da legalidade e da ordem democratica, articulando o movimento ofensivo a partir de posigées defensi vas, embora seja certo dizer que muitas de suas forcas organizadas manifes- tassem um superior desprezo pelos valores democraticos ¢ conspirassem cada vez mais abertamente no sentido do golpe. desféecho, como desejava, ¢ anunciava Brizola, mas em sentido contrario a suas expectativas, ocorreu, como se sabe, em fins de marco de 1964. De um lado, o reformismo revolucionario das esquerdas. De outro, as direitas ¢ os movimentos conservadores, contra-reformistas € contra-revoluciondrios. Ga- nharam desta vez as direitas, depois de mais uma série de eletrizantes batalhas de Itararé, resolvidas, como sempre, pela tradicional arma do telefone. A partir de 12 de abril de 1964, o pais entrava na longa noite da ditadura militar. Encerrado 0 embate no campo de luta, iniciaram-se imediatamente as batalhas de meméria. As direitas no poder, enquanto durou a ditadura militar, esmeraram-se em cultivar a meméria do golpe como intervengio salvadora, em defesa da democtacia ¢ da civilizagao crist@, contra 0 comunismo ateu, a baderna e a corrupsao. Para isto mobilizaram-se grandes meios, propagandisticos e edu- cacionais."* O esforgo, no curto prazo, teve resultados aprecidveis, sem diivi- 126 da. A partir de um certo momento, jé todos, ou quase todos, passavam a se teferit ao golpe militar, que de fato se verificara, como revolugdo, como os golpistas gostavam de referir a intervengao militar. Entretanto, progressiva- mente, na medida mesma em que a-ditadura foi se tornando impopular, ¢ que se foi mostrando insustentével a versio de que uma ditadura podia sal- isa var, ou construir, uma democracia, € que a sociedade passou, cada vez ma aderir € a simpatizar com os valores democriticos, as versdes de esquerda, também formuladas desde o momento seguinte a derrota, passaram a apare- cer com mais vigor. Nesta memoria, apagaram-se a radicalizagao eo confron- to propostos pela maré reformista, sobretudo pelos setores mais radicais, de- sapareceu o impeto ofensivo que marcata o movimento pelas reformas de base, evaporou-se o reformismo revolucionario. Neste quadro, as esquerdas, ¢ Jango em particular, ressurgiram como vétimas bem intencionadas, atingidas ¢ per- seguidas pelo movimento golpista. A ameaca revoluciondria, alegariam desde sempre as esquerdas, inexistira na prética, nao passara de infelizes declaraces retdricas ¢ metaféricas de um punhado de liderangas esquerdistas desavisadas, um fantasma, uma espécie de bicho-papio, habilmente explorados pelas di- reitas na manipulagéo deste profundo sentimento humano que, posto a ser- vigo da politica, pode gerar, segundo as circunstancias, uma tremenda ener- gi gorilas, estas versbes predominariam, quase incontrastdveis, a partir dos anos 6 0 medo."? Para desespero dos militares golpistas, estigmatizados como 1980, quando houve a redemocraticagao do pats. De sorte que as esquerdas, derrotadas no campo dos enfrentamentos sociais, histéricos, puderam ressurgir vitoriosas, nas batalhas de meméria. A CONSOLIDACAO DA DITADURA: DA CELEBRACAO AO ESTIGMA A ditadura militar instaurou-se com grandes propésitos, Sua “vanguar- da” politica mais consistente, 0 Ipes,"” desejava destruir 0 sistema legado por Vargas ¢ remodelar o pais. Entretanto, a frente heterogéna que havia con- quistado © poder impds limites a estas ousadias. Por outro lado, esta mesma frente impediu uma radicalizagio exacerbada do arbitrio, permitindo-se bre- chas por onde puderam manifestar-se setores contrariados com as politicas governamentais ¢ até mesmo forgas de esquerda, que recobraram alento, prin cipalmente nas classes médias, na midia ¢ nos meios artistico-culturais, cujas manifestagdes sempre alcangam uma grande repercussio. 127 Os militares, estigmatizados como gorilas, foram perdendo popularida- de elegitimidade. Dificuldades econdmicas, geradas por uma rigida politica monetarista, ¢ politicas, em virtude dos problemas decorrentes de gerenciar as miltiplas forgas que haviam participado do golpe, desgastavam o poder. Derrotados nas primeiras eleicdes pds-golpe, em 1965, recorreram a forga bruta, reeditando o mecanismo dos atos institucionais. Mais tarde, em fins de 1968, percebendo uma erosao ainda maior de sua capacidade de diregio politica, deram um golpe dentro do golpe: 0 Ato Institucional nt 5. Embora referindo-se a ameacas de subversdo da ordem, o que de fato os preocupava era a questdo das dissidéncias no proprio interior das direitas, que ameagavam fugir ao controle, como se evidenciou na tentativa de abertura de um proces- so contra o deputado Marcio Moreira Alves, proposta pelo governo militar € recusada pela maioria no Congresso Nacional. Fechou-se a cortina, comegaram os anos de chumbo. No entanto, ao mesmo tempo, o pais j4 retomara um ciclo ascendente de desenvolvimento econémico, que se prolongaria até 1973: o milagre brasileiro, gerando con- tentamento e euforia, potencializados pela conquista do tricampconato mun- dial de futebol ¢ pela recuperacao da auto-estima nacional. Sao conhecidos os slogans da época: Brasil, poténcia emergente. Ninguém segura este pais. Num contexto de grande mobilidade geografica esocial, aparecia um pais estavel € préspero: anos de ouro para os que se beneficiaram — e nao foram poucos — com as benesses proporcionadas pelo progresso material. Aditadura dispunha de altos indices de popularidade, os estddios aplau- diam o ditador de turno (Garrastazu Médici), 0 regime volcava a legitimar- se, reagrupando a ampla frente de forgas de direita e de centro que sustentara a intervengao militar, agora em nome da éficiéncia ¢ da modernizagao real- mente existente. Quem nio estivesse gostando, que se retirasse: Brasil, ame-o ou deixe-o. Ou entao, que enfrentasse 0 brago duro da repressao € a tortura como politica de Estado, executada pelos servigos de inteligéncia das forcas armadas, devidamente centralizados pelo governo e financiados ¢ apoiados pelos expoentes do grande capitalismo nacional." As esquerdas reagiram diversamente a derrota de 1964. Depois de um primeito momento de aturdimento e desorientagao, que se expressou, como costuma acontecer depois de grandes fracassos, numa ex- traordindria fragmentagio orginica, decantaram-se duas grandes tendéncias. De um lado, os moderados, que preferiram empenhar-se na luta pela redemocratizagao do pais, nas margens da lei, por estropiadas que estivessem, 128 a sombra das liderangas e das forcas politicas que ainda podiam se articular no pais legal. Suas propostas tiveram alguma vigéncia até a edigao do ALS. A partir de entao, submergiram, s6 reaparecendo a partir de 1974, no quadro da politica de distensao lenta, segura ¢ gradual, inaugurada pelo quarto dita~ dor de turno, o general Geisel.” De outro lado, os radicais, jogando todas.as fichas na uropia do impasse. Emergiu entao uma esquerda revoluciondria, Formulava andlises catastréficas (0 capitalismo nao tinha alternativas para 0 pais), apostava na exasperagio das contradigées sociais ¢ politicas, e, em conseqiiéncia, propunha uma ofen- siva revoluciondria contra a ditadura, através de insurreigoes de massa ou da luta armada.” ‘As duas alas também divergiam a propésito das circunstancias que pto- vocaram a derrota de 1964. Enquanto os moderados lamentavam o excesso de ousadia do movimento reformista revoluciondrio anterior a 1964, 0 que, segundo eles, involuntariamente contribuira para a coesao das forgas centtistas edircitistas (0s chamados desvios esquerdistas), os revoluciondrios, ao contré- rio, deploravam a falta de audacia deste mesmo movimento, o que levara a0 despreparo politico e militar para o enfrentamento decisivo (os desvios direitstas) Nao houve jeito de se chegar a um acordo. Entretanto, os tempos eram mesmo desfavordveis as esquerdas. Em suas miltiplas organizagées e parti- dos, cada ala a seu modo, ambea foram derrotadas. As propostas moderadas no vingaram, postas na ilegalidade ou neutralizadas pelo arbicrio da ditadu- ra. As radicais, igualmente, foram destrufdas em combate desigual contra a represséo politica do regime. Em meados dos anos 1970, todas as organiza- goes de esquerda estavam praticamente dizimadas, ou decisivamente enfraquecidas, os principais dirigentes mortos, ou nas prisées ou nos exilios sem fim. Suas forgas, dispersas, tenderiam a se reorganizar na esteira dos movimentos que tiveram lugar na segunda metade dos anos 1970. Dois Presidéncia da Reptiblica de um novo ditador, 0 general Geisel, com uma proposta de transigdo controlada & democracia. De outro, as eleigdes realiza- contecimentos marcariam o ano de 1974. De um lado, a posse na das em novembro, assinalando uma grande vitéria do tinico partido legal da oposigao, o Movimento Democratico Brasileiro/MDB. Os anos seguintes assistiriam ao progressivo deslocamento da sociedade brasileira, ¢ de suas elites politicas e econdmicas, no rumo da defesa do restabelecimento das instituigoes democréticas. Passaram a compartilhar esta orientagéo as decisivas forgas de centro e boa parte da propria direita. Porém, nio foi um processo linear, nem tranqiiilo. 129 Forgas de extrema-direita, particularmente as concentradas na chamada comunidade de informagées (servigos de inteligéncia das forcas armadas/poli- cia politica), resistiram como puderam, pressionando, ameacando, urdindo golpes, assassiriando de forma escandalosa presos indefesos, praticando atos de terrorismo.”! Por outro lado, muitos lideres do capitalismo nacional e po- liticos de expresso temiam que os militares pudessem perder o controle da abertura, ensejando a volta dos fantasmas de subversao, agora controlados. O préprio ditador, lider do processo e autor da proposta de distensao lenta, segura e gradual, hesitava quanto aos meios e aos objetivos. Entretanto, eram agora muito fortes as pressdes pelo fim da ditadura. No plano internacional, a guerra fria dera lugar a relagdes distendidas entre as duas superpoténcias, falava-se mesmo que os EUA ¢ a URSS esta- vam prestes a converter o planeta num vasto condominio. O presidente Jimmy Carter, eleito em 1976, defendia com vigor o respeito aos direitos humanos € 08 regimes democraticos. No Brasil, a Igreja Catélica mudara radicalmente de lado, substituindo a béngao aos militares pela condenagéo ao capitalismo selvagem, & tortura e a0 arbitrio. O MDB, fortalecido pela vitdria eleitoral, ganhava legitimidade politica ¢ apoio social. Até mesmo setores importantes da base politica do governo inclinavam-se pela distenséo e pela democracia. Entre os préprios militares, conscientes dos perigos de derrapagem engendrados pela crescente autonomia dos aparethos de repressdo, crescia a adesao as propostas de distensio, isolando os radicais que desejavam permanecer grudados nas formulas dita- toriais. Ou seja, a ditadura, como férmula politica, perdia legitimidade aos olhos de grande parte dos de cima: capitalistas, chefes militares, politicos de expressio, formadores de opiniio. Finalmente, mas néo menos importante, as prdprias esquerdas, no seu conjunto, superavam as diferentes propostas de confronto ¢ passavam a acolher, ea elaborar, perspectivas democraticas e de participacao nas lutas institucionais. Diversos movimentos sociais € politi- cos, animados por estas forgas, desempenharam importante papel no proces- so da redemocratizacao, mostrando, muitas vezes, rara coragem, pois, se hoje se sabe que a democracia foi reconquistada no pais, na época de modo ne- nhum esta questo era considerada como dada, inclusive porque, como jd se disse, ainda havia forcas que apostavam na, ou simplesmente se conforma- vam coma permanéncia por um tempo ainda indefinido da ditadura militar. De sorte que a liberalizacdo do regime foi progredindo, entre avangos ¢ recuos, pacotes e porradas, transacoes e transigées, a brasileira, até que foi pos- 130 sivel liquidar a censura e, um pouco mais tarde, revogar os atos institucionais. Nem tudo o que fora previsto nos estados-maiores acontecera. Mas o pais recu- perara a democracia, ou suas premissas essenciais, em,ordem ¢ trangiiilidade. No processo a nagao foi se metamorfoseando. E jé ali néo havia mais partidérios da'ditadura ¢ todos eram convictos democratas. Figuras da maior expressio, favordveis & instauragio do arbitrio e, durante muitos anos, parti- darios de sua continuidade, e seus béneficidrios, surgiam agora visitando pre- sos politicos e defendendo a democracia, ¢ fosse alguém duvidar da aurenci- dade de seus propésitos, seria imediatamente estigmatizado como mesqui- nho revanchista. Chegou um momento em que néo sc sabia mais como pu- dera existir naquele pais uma ditadura tao feroz. A forga daquela maré demo- crdtica, tao disseminada, sucitavaa questao de como fora possivel aquela gente ter aturado tantos anos o arbitrio dos militares, ¢ nao logo escorragado dita- dura tdo repudiada? Cada um a seu modo, todos haviam resistido. Resisténcia, a palayra fora encontrada. Virou um mote. Seria preciso agora universalizé-la. De modo que nao houvesse naquela refrega vencedores ¢ ven- cidos, pois era grande 0 animo da conciliagao. A LUTA PELA ANISTIA OU A UNIVERSALIZACAO DA RESISTENCIA DEMOCRATICA A luta pela anistia arrostou tremendas dificuldades. Hoje, passados 25 anos da aprovagao da primeira lei de anistia, em 1979, mais de 15 anos de- pois da aprovacao da Constituigéo de 1988, restabelecidas as plenas liberda- des democraticas, nao é muito facil recuperar a atmosfera de tensdo que pre- valecia nos estertores do regime ditatorial, mesmo depois de revogados os atos institucionais ¢ a censura a imprensa ¢ aos meios de comunicagao. Enunciada desde antes do AI-5, para os perseguidos depois do golpe de 1964, a proposta de anistia desapareceu da cena durante longos anos para retornar A consideragao da sociedade no processo de abertura promovido pelo governo Geisel. Mas enfrentaria poderosas resisténcias. No governo e fora dele, nas forcas de direita ¢ de extrema-direita e mesmo em setores de centro que recusavam estender uma eventual anistia aos chamados crimes de sangue.> Empreendida de inicio por pequenos grupos de familiares ¢ amigos de presos ¢ exilados, trabalhando em condigoes de extremo risco, porque sujei- tos ao total arbitrio da ditadura ainda vigente, com uma coragem que nunca seria demais enaltecer, a idéia da anistia foi progredindo lentamente no pats, 131 principalmente nas grandes cidades, entre os estudantes universitdrios, inte- lectuais ¢ formadores de opiniao. Dus vertentes cedo se destacaram: de um lado, os que desejavam uma anistia ampla, geral ¢ irrestrita ¢, além disso; uma apuragao conseqiiente dos ctimes da ditadura, com o desmantelamento dos érgios da policia politica, a famigerada comunidade de informagées, responsdvel pela execugio da tortura como politica de Estado. De outro, uma tendéncia desejosa de alcangar uma anista que reconciliasse a familia brasileira, uma esponja suficientemente es- pessa para conseguir que todos esquecessem tudo € nada mais rescasse sendo a construgio da democracia nos horizontes que entio se abriam. Prevaleceu na sociedade a segunda formulacao, concretizada na anistia rectproca (beneficiando torturados ¢ torturadores), afinal efetivada em fins de agosto de 1979. A pequena margem com a qual o Congresso a aprovou, ¢ ainda assim excluindo do seu alcance um conjunto de acusados, diz bem do conservadorismo daquela sociedade que emergia apenas de uma longa noite _ditatorial. Do ponto de vista das relagées entre meméria ¢ histéria, entretanto, € para além das diferengas de concepsio, jf consideradas, presentes no proces- so de luta pela anistia, houve uma tendéncia extraordindria, ¢ unanime, em consagrar uma profunda metamorfose na recuperagao da luta armada contra a ditadura militar. ~ Como jé foi referido, desde o perfodo anterior ao golpe, formaram-se no pais tendéncias e organizagées de esquerda dispostas ao confronto violen- to com o poder. A perspectiva reformista revoluciondria traduzia-se, entre _muitas outras, pela pala¢ra de ordem: reforma agraria na lei ou na marra. Depois da instauragao da ditadura militar, estas tendéncias constitui- riam a chamada esquerda revoluciondria. Tinham por que se chamar assim. Sob 0 impacto das revolugées vitoriosas, ou em curso, nos anos 1960 (Cuba, Vietna, Argélia), propunham a destruicio da ditadura militar e do capitalismo e a construcao de uma sociedade socialista, regida por uma ditadura revolucion4- ria. Podiam divergit, e divergiam, ese consumiam nestas divergéncias, a respeito de como nomear 0 processo que desejavam empreender, mas havia um acordo basico no que se desejava realizar: nada menos do que a revolucionarizagao social, politica e econémica, profunda e radical, da sociedade.”? Imaginavam o capitalismo enredado em contradigGes insanaveis, e que a sociedade estava madura para a aventura revolucionaria. E desencadearam ages armadas com 0 objetivo de conduzi-la nesta dire¢4o com uma ousadia e uma determinagao sem limites. Nao mais estavam dispostos a permanecer 132 numa tradigao estéica de morrer pela revolugao, mas se sentiam dispostos, se fosse 0.caso, a matar por ela. Encarnavam, sem diivida, um espirito ofensivo que re- cuperava as tradigdes de ousadia das grandes revolugées vitoriosas do século XX. Entretanto, as propostas revoluciondrias nZo encontraram respaldo ria sociedade. E certo que, em determinados momentos, algumas agées espeta- culares chegaram a atrair simpatia de importantes setores da populacao dos grandes centros urbanos. Efémera simpatia. De modo geral, a sociedade no se empolgatia pela luta armada. Os ecos das comemoragées pelos gols marca- dos no México pela selecSo tricamped mundial ressoariam mais altos e cobri- iam os gritos dos que estavam nas camaras de tortura da Oban e dos Doi- Codis. E, assim, aquela energia e aquela coragem foram despedacadas e tritu- radas, nas cidades e nas dreas rurais, pela policia politica da ditadura Enquanto se consumava a destruicio das esquerdas revoluciondrias, ga- nhando corpo com asua completa aniquilacio, jd se elaboravam andlises cri- ticas e autocriticas a respeito das propostas de luta armada. No exilio e no Brasil, mesmo entre muitos que haviam se envolvido diretamente no proces-- so, crescia uma profunda revisao critica de avaliagdes, estratégias e métodos. Como sempre acontece nestas situac6es, nao foi simples, nem Ficil, nema li- near, Perderam gradativamente forga as teses apocalipticas, baseadas nos impasses, no confronto e no recurso forca armada. Sem que muitos perdes- sem a perspectiva revoluciondria, aquelas esquerdas descobriam os valores, ¢ a imporvincia, da democracia. Criaram-se assim as condigGes para que, no interior da luta pela anistia, se operasse uma notével reconstrucdo: a luta armada ofensiva contra a dita- dura militar, visando & destruicao do capitalismo ¢ instauragao de uma dita- dura revoluciondtia, ou seja, 0 projeto revoluciondrio transmudou-se em re- sisténcia democrdtica contra a ditadura. As organizagées revoluciondrias, malgré elles-mémes, foram rectiadas como alas extremadas da resistencia de- a i euqzzq-f—©:CmCmhphphCpCrCrC luzes do regime ditatorial, como todos, ou quase todos, haviam resistido, aque- les bravos rapazes ¢ mocas de armas na mao ganhavam scu lugar, legftimo, como 0s desesperados de uma nobre causa, 0s equivocados de uma causa justa, agora, afinal, triunfante: a redemocratiza Por estas raz6es, mereciam a anistia, mesmo os que tinham se envolvido nos crimes de sangue. Ese, em 1979, nao foi ainda possivel incorpord-los to- dos sob 0 manto da anistia, mais tarde, em edigdes sucessivas, todos seriam agraciados, podendo, inclusive, postular reparagées morais ¢ indenizagoes materiais ao Estado.?> 133 DA CONSTRUGAO HISTORICO-SOCIAL DA DITADURA A NAGAO DE DEMOCRATAS Sao evidentes as dificuldades da sociedade brasileira em recordar 0 pe- riodo da ditadura militar. Os brasileiros nao devem se autoflagelar por isto (um cacoete nacional), nem se imaginar como particularmente desmemo- riados, como se costuma dizer. A rigor, nao se trata de algo original. Também asociedade francesa, mais de meio século depois, ainda tem dificuldade de se colocar frente a frente com a ocupacao nazista e com a reduzidissima resis- téncia que ofereceu ao invasor €& ocupacao.* O mesmo se poderia dizer, entre muitos € muitos exemplos, dos alemaes em relagao a Hitler e ao hitlerismo, ou dos russos quando pensam na ditadura de Stalin. Sempre quando os po- vos transitam de uma fase para a outra da histéria, e quando a seguinte rejeita taxativamente a anterior, h4 problemas de meméria, resolvidos por reconstru- gOes mais ou menos elaboradas, quando nao pelo puro e simples esquecimento. A sociedade brasileira, depois que aderiu aos valores ¢ as instituicées democraticas, enfrenta grandes dificuldades em compreender como partici- pou, num passado ainda muito recente, da construgio de uma ditadura que definiu a tortura como politica de Estado. E, apesar de o regime ter sido con- siderado abomindvel, nao 0 expulsou a pedradas ou a tiros, antes compade- ceu-se de um processo de transi¢ao pelo alto, lento, seguro e gradual ¢ de uma anistia recfproca. Mas a ditadura militar, nao hé como negé-lo, por mais que seja doloroso, foi um processo de construgao histérico-social, nao um acidente de percurso. Foi processada pelos brasileiros, néo imposta, ou in- ventada, por marcianos. Reconhecé-lo pode ser um exercicio preliminar para compreender seus profundos fundamentos histéricos € sociais ¢ para criar condigGes para que o abomindvel nao volte a assombrar € a atormentar a his- téria destes brasis. O presente artigo tencou considerar alguns aspectos da historia recente da ditadura militar, relacionando determinados acontecimentos ¢ episddios A meméria que se construiu e se continua a construir a respeito. Na génese da ditadura, tendeu-se a apagar o grande embate social. O projeto reformista revoluciondrio cvaporou-se, transformado em um facntas- ma. As esquerdas foram vitimizadas. Os amplos movimentos de diteita, pra- ticamente apagados.2” Os militares, estigmatizados, gorilas, culpados tinicos pela ignominia do arbfcrio. A ditadura, quem a apoiou? Muito poucos, rarfssimos, nela se reconhecem ou com ela desejam ainda se identificar. Ao contratio, como se viu, quase todos resistiram, Mesmo a esquerda revoluciondria transmudou-se numa inventada resisténcia democritica de armas nas mios. 134 E assim a nacao que construiu a ditadura absolveu-se ¢ se reconstruiu como uma nagaio democratica, reconciliando-se, reconciliada, legitimando, uma vez mais, a sugestio do pensador francés, E. Renan, que, ha mais de 100 anos, jé dizia, sem nenhuma sombra de cinismo: “O esquecimento, ¢ eu di rei mesmo 0 erro histérico, s40 um fator essencial na criagao de uma nagéo... assim, 0 progresso dos estudos histéricos ¢ freqiientemente um perigo para a nacionalidade.”* BIBLIOGRAFIA ASSIS, Denise. Propaganda e cinema a servigo do golpe, 1962/1964. Rio de Janeiro: Mauad/Faperj, 2001. CAPITANI, Avelino Bioen. A rebelido dos marinheiros. Porto Alegre: Artes ¢ Oficios, 1997. CASTELLO BRANCO, Carlos. A rentincia de Janio, um depoimento. Rio de Janeiro: Revan, 1996. . Introdugéio & revolugao de 1964, Rio de Janciro: Artenova, 1975. D'ARAUJO, Maria Celina, SOARES, G. A. Dillon, CASTRO, Celso (Orgs.) Visdes do golpe. A meméria militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume & Dumara, 1994. ae ea bo: a meméria militar sobre a repressao. Rio de Janeiro: Relume & Dumara, 1994. A volta aos quar dis. A meméria militar sobre a abertura. Rio de Janeiro: Relume & Dumara, 1995. DEBRAY, Régis. 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Campinas: Ed. da Unicamp, 1997 136 NOTAS * Asidéias centrais deste artigo foram originalmente apresentadas no Seminario: 40 anos do golpe (1964- 2004), promovido no Rio de Janciro ¢ em Niterdi, entre 22 ¢ 26 de margo de 2004, pelos Departa- menios de Historia da UFF/Nticleo de Estudos Contemporineos e da UFR), pelo CPDOC da Fun- dagao Getulio Vargas e pelo Arquivo Pablico do Rio de Janeiro/APERJ. Ligeiramente modificadas, ¢ entiquecidas pelos debates que provocaram, foram tambéin apresentadas no Semindrio: Pensando 1964, promovido pelo Centro Cultural Banco do Brasil, entre 30 de margo e 2 de abril de 2004, no Rio de Janeiro (25 de margo) e em Sao Paulo (1 de abril) *LABAKI, Almir, 1961; CASTELLO BRANCO, Carlos. 1996; MARKUN, Paulo e HAMILTON, Duda, 2001. > Pela legislacio vigente na época, vorava-se separadamente para presidente e vice-presidente. Assim, Jinio Quadros, apoiado por uma ampla coligagio liderada pela Unido Demoeratica Nacional/UDN (que tinha em sua chapa Miltom Campos, politico mineiro da UDN, como vice-presidente), elegeu- se com Joao Goulart, que era vice-presidente de outra chaps, encabegada pelo Marechal Henrique Lott, candidato a presidéncia apoiado pela coligagio formada pelo Partido Social Democrtico/PSD e pelo Partido Trabalhista Brasileiro/PTB. * A batalha de Itararé, em 1930, entrou para os anais da histéria como a maior batalha convencional da América Latina... que ndo houve. Caso acontecesse, teriam entrado em choque as tropas “revolucioné- rias” da Alianga Liberal, que vinham do Sul, ideradas por Geetilio Vargas, Osvaldo Aranha e Géis Monteiro, eas forgas que defendiam o governo legal de Washington Luis. Entretanto, ambas as forgas retiraram-se para cvitar confrontos c resolveram a luta recorrendo i arma que se tornaria usual entre os miliares brasileiros: 0 telefon. > Adorarei a0 longo do artigo as categorias clissicas de direica, cenceo ¢ esquerda, Por dircita, entenderei as forsas conservadoras, alérgicas a mudancas e dispostas a manter o status quo. Centtistas sio as ten- déncias da moderagio e da conciliagao. Segundo as circunstincias, podem se inclinar favoravelmente a reformas, desde que dentro da lei ¢ da ordem, ou podem apoiar solugoes de forca para deter as refor- mas. A esquerda se situardo as forgas favoraveis As mudangas em nome da Justica e do Progresso sociais. Empregarei as categorias sempre no plural por entender que, em cada termo, agrupam-se posigdes, liderangas ¢ forsas diversas, das mais moderadas 3s mais radicais © Cf GASPARI, Elio. 2002; D'ARAUJO, Maria Celina, SOARES, G. A. Dillon, CASTRO, Celso (orgs.) 1994. 7 Parao perfodo 1961-1964, cf. CASTELLO BRANCO, Carlos, 1975; DINES, Alberto er allii, 1964. DREIFUSS, René, 1981; MORAES, Denis, 1989. * Quer-se referit com o termo um proceso, ou um movimento, que, embora ainda comprometido, com reformas, as apresenta de tal forma que sua realizagio tende a implicar rupruras revoluciondrias. A rigor, nos processos histéricos concretos, no hi, nem nunca houve, uma munalha da China entre re- forma e revolugdo, Basta atentar para as grandes revolugdes do século XX. O conceito no Brasil foi consagrado por Carlos Nelson Coutinho, mas pode ser referido, a meu ver, i conjuntura politica ante- rior &instauragao da ditadura militar no Brasil e, especialmente, is alas radicais dos movimentos sociais que lutavam pelas reformas de base. No entanto, mesmo no interior do PCB, explicitavam-se as rela- ges entre reforma e revolugio. Cf. DIAS, Giocondo: Sentide revolucionério da uta pelas reformas. In Novos Rumos, n. 255, de 10 a 15 de janeiso de 1964. Cf. igualmente FERREIRA, Jorge, 2004. Cf. as publicagdes do PCB: A Voz Operdria, e, particularmente, 0 semanitio Novos Rumor, editado a partir de 1959; as do PC do B, especialmente A Classe Operdria, e as da Organizagio Revolucionéria Marxista, em particular a revista Marxismo milcante e 0 jornal Politica Operdria, 137 ™ A palavra de ordein foi amplamente agitada no congresso de fundacio da Confederagio Nacional dos Trabalhadores na Agricultural Contag ¢ difundida por toda a imprensa de esquerda, mesmo pelos partidos mais moderados de esquerda, como 0 PCB. "© estudo de René Drei giosas © militares que levaram 3 forma tiveram na sociedade brasileira, Cf. igualmente o estudo organizado por ASSIS, Denise, 2001. ® Cf. PARUCKER, Paulo E. C., 1992. Etambém CAPITANI, Avelino Bioen, 1997. 28 Os trabalhos recentemente publicados por Elio Gaspari, citados, comprovando o que René Dreifuss, 4p ct, também ja havia assinalado, evidenciam a ativa participagio dos capitalistas nacionais na ucdidura ¢ desencadeamento do movimento golpista ¢, mais tarde, no financiamento da policia politica, Sem diivida, também foram eles os grandes beneficidrios do milagre econdmico brasileiro. Apesar disso, contint- am sendo relativamente “esquecidos” quando se exercita a meméria sobre o perfodo da ditadura militar jf citado, cf. n. 7, desvendou as articulagbes entre liderancas civs, reli- 10 € A acho destas organizagées, assim como o impacto que Particularmente no periodo em que foi presidente o general Garrastazu Médici, organizou-se uma [Assessoria de Propaganda, que desempenhou um grande papel nas campanhas publicitirias do “Brasil Grande”. Na mesma época, foram constituidas as disciplinas de Educagio Moral e Civica (primeiro rau), Organizagio Social e Politica do Brasil/OSPB (segundo grau) e Estudos de Problemas Brasilei- ros/EPB (ensino superior), todas obrigatorias, e imaginadas na perspectiva de inculcar valores e pro- postas politicas & juventude brasileira. 15 A descaracterizasao e a diluisio da ofensiva reformista revoluciondria foram amplamente difundidas pela imprensa de esquerda, desde 0 periodo imediacamente posterior & vitéria do golpe. O cardter deds- tico da derrota serviu de argumento para provar as inconsisténcias das supostas ameagas de esquerda, A interpretagao seria retomada pelo excelente filme: Jango, de Silvio Tendler, e pelo trabalho de Caio Navarro Toledo apresentado no Seminario a respeito dos 40 anos do golpe militar, promovido no Rio de Janciro em 2004 (cf. nota 1). Cf. igualmente: TOLEDO, C. Navarro, 1997. ° Cf D'ARAUJO, Maria Celina et ali (orgs.), op. ci, ¢ também 1994 e 1995. Em 2004, a Biblio- teca do Exército langou, em dez volumes, uma extensa colegio de depoimentos de militares sobre 0 golpe ea ditadura militar, urna rentativa de reganhar terreno nas intensas batalhas de meméria que se travam atualmente na sociedade brasileira. ” Cf. a obra organizada por Denise Assis, citada na nota 11. As diividas remanescentes que ainda poderiam subsistic seriam definitivamente esclarecidas pelos trabalhos de Elio Gaspati, cecentemente publicados, 2002/ 1 ¢ 2.¢ 2003. J& h4 muitos anosnio é mais possivel sustentar a metfora dos “pordes” para designar os “6rgdos” repressivos. Eles atuavam na “sala de visitas” da Ditadura, pois a tortura era uma politica de Estado. » E importante registrar que os remanescentes da esquerda moderada, depois de 1974, nio puderam representar, em larga medida, sendo o papel de “forca auxiliar” do Movimento Democritico Brasileiro Cumpriram um importante papel “militante”, mas sem conseguir marcar um perfil especifico, ou uma alternativa propria, no processo de redemocratizagio do pais 2 A esquerda radical, para alm da mirfade de organizagGes que a consticufa, estruturava-se em duas vertentes: as que propunham o enfrentamento armado (asées armadas, guerrilha urbana e/ou foco guerrilheiro rural), os chamados militariseas, inspitados pelo castrismo, guevarismo ou maoismo; € os que preconizavam grandes insurteigées de massa, chamados mastttas, que se apoiavam nas referéncias da revolucéo soviética de 1917. Ambas as vertentes, e muitos dos prdprios moderados, cultivavam @ utopia do impasse, o1 seja, a idéia de que o capitalismo nio seria capaz de oferecer alternativas para 0 pais. Tais formulagoes, diga-se de passagem, apoiavam-se em tenomados trabalhos académicos (Celso Furtado, Octavio Ianni, entre outros) e em convicgdes amplamente difundidas em todas as correntes de esquerda da época, nacionais e internacionais. 138 11 Do assassinato de Vladimir Herzog, em 1975, ao atentado do Riocentro, em 1981, foram intimeros 65 atos de terrorismo dos “érgios" de repressio no sentido de deter a transicio pelo alto no rumo da redemocratizagao do pats. A partir de um certo momento, porém, em ver de intimidar, fizeram mais forte 0 movimento pela redemocratizagao. % No jargio da época, eram considerados crimes de sangue os que configurassem atentatos as vidas de pessoas. 3 Cf. REIS FILHO, Daniel Aardo ¢ SA, Jair Ferreira, 1985. A leitura dos documentos politicos da esquerda revolucionétia da época, reunidas nesta coletinea ¢ disponiveis, dentre outros, no Arquivo Piiblico do Rio de Janeiro, de Séo Paulo ¢ da Unicamp (Arquivo Edgar Leuenroth), evidenciam 0 sen- tido revolucionario e ofensivo de suas propostas. Outras interpretagdes, alternativas, podem ser encon- tradas em GORENDER, Jacob, 1998; e RIDENTI, Marcelo, 1993. A formula é de Regis Debray, 1974. 25 Depais da primeira lei de Anistia, em 1979, outras leis foram ampliando o alcance da anistia, até a uiltima, 2 Lei n® 10.559, de 13 de novembro de 2002. 2 E conhecida a cruel anedora norte-americana segundo a qual se a Franca fosse esperar pelos franceses para obter a libertasio do pais estaria hoje, certamente, falando alemio. » £ interessante, ¢ bastante sintomatico, que, até o momento, nao existam trabalhos académicos sobre as Marchas da Familia com Deus pela Liberdade ou a respeito das bases sociais da ditadura militar no Brasil. Neste sentido, uma importante lacuna tende a ser preenchida por uma dissertagio de mestrado, orientada pelo professor Carlos Fico, do Programa de Pés-graduacao em Histéria Social da Universi- dade Federal do Rio de Janciro/ UFRJ. Foi preciso esperar 40 anos para que tivéssemosium primeiro inventério das Marchas... Cf. PRESOT, Aline Alves, 2004. : CE RENAN, E. Quest-ce quiune nation? 1992, p. Al 139

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