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Fernanpo HENRIQUE CaRDOsO O MODELO POLITICO BRASILEIRO E Outros Ensaios 5? EDICAO 5) Capriruto IIT O MODELO POL{TICO BRASILEIRO (*) Quase todos, vencidos ou vencedores, se surpreendetam com a forma como se deu a ruptura do sistema politico brasi- leiro em 1964 e com o tipo de regime que se implantou subse- qiientemente. Nao me refiro apenas A falta de resisténcia do nacional-populismo e 4 rapidez de sua desagregacio, mas A natuteza e expansao tanto da intervencao militar como de suas conseqiién politicas. Inicialmente a discussio sobre 0 cardter do movimento de 1964 limitou-se a disputa retérica em torno da questao “golpe ou revolucio”? Os que desfecharam o golpe alegavam a quali- dade revolucionétia da instauragio do novo governo (embora no se refetissem de inicio a um novo regime) dizendo que a base social do movimento militar fora ampla, como as passeatas que antecederam a revolta militar demonstraram. Nelas se vira uma impressionante mobilizacio da classe média acomodada e dos setores politicamente ativos do empresariado e da oligarquia agriria. Os perdedores nao acreditayam na atgumentagao, ale- gando que apesar da mobilizacdo urbana em favor do golpe, ele fora desfechado quando 0 apoio das massas ao presidente Gou- lart estava aumentando, Portanto, as passeatas e a mobilizacao politica contra 0 governo tinham mais o cardter de uma contra- -ofensiva politica do que de um movimento revoluciondrio. Em termos objetivos, parecetia especioso indagar se houve um “golpe de Estado” ou uma “‘revolucdo”. Formalmente, nao cabe dtividas, houve uma intervenco dos militares que inter- tompeu a vigéncia de um governo constitucionalmente estabe- (*)_ Apresentado em semindrio na Universidade de Yale em 23/4/1971. 30 lecido. Substantivamente esta intervencdo se deu no momento em que eram postas em pratica pelo governo medidas politicas de ‘“mobilizagio de massas, demagégicas ou nio — pouco importa no momento — em torno de alguns dos objetivos do regime nacional-populista: reforma agrdtia, ampliacdo da sindi- calizagao, redistributivismo, regulamentagao do capital estrangei, ro, crescente estatizacao etc. A intervencdo militar teve, neste sentido, o cardter de um movimento de conteng4o. Economica- mente parecia claro que o sistema cstava progressivamente ca- minhando para um impasse, com a inflacéo galopando, a taxa de crescimento econémico decrescendo, dificuldades crescentes com a balanca de pagamento e assim por diante. Por estes mo- tivos o movimento de 64 procurou legitimar-se como restaura- dor da economia e como um movimento favordvel & definigao de um padrio de desenvolvimento baseado na livre empresa, contra o estatismo econémico que se atribufa ao governo de- posto (*). Essa caracterizacao do movimento de 64 nio abrange, en- tretanto, suas conseqiiéncias politicas e sociais, nem permite compreender a natureza do regime que com ele se implantou. Um dos mais argutos observadores estrangeiros da histéria politica recente, Phillipe Schimitter, qualificou o golpe de 64 como um “movimento restaurador”. Indubitavelmente, no pla- no social ¢ no plano econémico ele teve inicialmente este cardter. Terd sido assim também no plano politico? LEst4 claro que a ninguém (e menos ainda aqueles que deram o golpe) ocorreria pensar que 64 significon uma revolucao, na acepc&o corrente (*) Fago apenas alusdes As raizes estruturais da crise politica de 1964 porque o assunto ¢ complexo ¢ escapa aos objetivos precisos deste artigo. Por trés da crise institucional esta o fenémeno muitas vezes designado como auge do processo de substituigio de importagées. De fato tratava-se da necessidade de recompor os mecanismos de acumu- lacio e de recolocar esta altima num patamar mais alto capaz de aten- der ao avango verificado no desenvolvimento das forcas produtivas. Esse Proceso requereu, entre outras politicas, a de contencdo salarial e des- mantelamento das organizagdes sindicais e politicas que, no periodo populista, haviam permitido que os assalariados lutassem e conseguissem diminuir os efeitos negativos que a acumulagio inicial exerce sobre os salérios. Para andlise do proceso estrutural subjacente A crise politica de 1964 ver CARDOSO, F. H. — “Raizes estruturais da crise politica brasileira”, in Mudancas sociais na América Latina, Sio Paulo, DIFEL, 1969. Publicado originariamente em Les Temps Modernes, Paris, oct. 1967. a1 da palavra, isto é, uma modificagéo nas bases do poder de tal modo que camadas sociais € economicamente antes dominadas tivessem passado, depois de 64, a dispor de maior poder de de- cisio, Entretanto, essa ressalva nao desqualifica a indagacéo sobre a natureza polftica do movimento de 64. Quem teve seu poder aumentado: a oligarquia agrdria? a burguesia? que setor dela? os militares enquanto “grupo funcional”? 0 conjunto das Forcas Armadas ou algum setor em particular? os representantes do capital estrangeiro? quais? os americanos, especialmente, dado o papel comparativamente importante das companhias ¢ do governo americanos nos dias decisivos de marco e abril de 1964? Por outro lado é preciso indagar, quaisquer que tenham sido os grupos que prevaleceram depois do golpe, sobre a natureza e o alcance do regime que se instaurou: a intervencdo das Forcas Armadas teré sido (ou ser4) uma acao simplesmente corretora do processo politico? Os militares voltario aos quat- téis depois de “restaurada a democracia”, deixando em funcio- namento 0 jogo dos partidos, ou a intervengio militar acabard por se constituir uma etapa de transigao pata formar um regime autoritério estavel que, embora venha a ser presidido por um civil e exiba partidos em funcionamento nao se apoiard neles? Hé quem veja na continuidade dos sete anos de controle militar, na existéncia embrion4ria de uma doutrina politica de Estado e na pratica da violéncia, bem como em outros tracos do mesmo tipo que ocorrem no regime atual, o renascimento do fascismo. Outros, acreditam que tudo isso sao episédios passa- geiros e que a intenc’o democrdtica dos “revolucionérios hists- ticos” de 1964 prevaleceré. Neste caso, o ressurgimento da democracia sera uma questo de tempo. A variabilidade das respostas comumente dadas a essas questdes deriva, de uma parte, de interesses muito concretos: uns defendem, outros criticam o regime, seja porque fazem opgdes polfticas definidas, seja porque tém interesses em jogo. Mas por outta paste, essa variabilidade deriva também da difi- culdade em conceituar processos sociais de tipo novo. Ao dizer isso, adianto algumas conclusdes deste trabalho: eu creio que o regime que terminou por se instaurar ndo teve o caréter de uma volta ao passado, como pensam alguns analis- tas que insistem na continuidade da histéria contemporinea brasileira desde 1930, com o interregno de 1945-1964. Pelo contrério, ele expressa uma tearticulacHo politica que se baseia 52 em alteragdes no modelo social e econdmico de desenvolvimento que prevalecia anteriormente. Neste sentido, nao fosse para evitar a confusaéo semantica e a manipulacao politica dbvia que ela permite, seria mais correto dizer que o golpe de 64 acabou por ter conseqiiéncias “revoluciondrias”, no plano econdémico. Antes de mostrar que tipo de transformagio foi essa, con- vem csclarecer que apesar dos tragos comuns que o movimento de 64 € o regime militar atual tém com respeito a formas ante- tiores de autoritarismo havidos no Brasil (para nao mencionar as relacdes com outros tipos de regime forte da América Latina e de outras regides), nao me parece que se possa explicar a situagao atual em termos de uma continuidade histérica. Por certo, o regime e sua ideologia, na medida em que sao autorité- tios € que véem no Estado centralizador e na burocracia os instrumentos bdsicos da “formacio da nacionalidade”, aproxi- mam-se da organizacao politica e das idéias que prevaleceram durante o Estado Novo. Nisto tém razio historiadores como Skidmore que véem no perfodo 1945-1964 0 desvio de uma tendéncia continua. Entretanto, é mais importante sublinhar que além dos elementos bésicos da cultura politica brasileira, ¢ do tipo de autoritarismo que lhe corresponde, existem dife- rengas importantes na caracterizacio atual do regime autoritario do Brasil (7). Que mudangas foram estas? Em termos gerais, houve uma alteracdo no préprio pa- drio de desenvolvimento econémico e na correlagao de forcas que o sustentava. Por certo, essa alteracdo deu-se antes de 1964 no que diz respeito ao estilo de desenvolvimento econémico: desde 0 governo Kubitschek perdera forca o modelo de desen- volvimento que, nascido no final dos anos 30 — com a side- rurgia de Volta Redonda, se se quiser dar um marco — ganhara forca durante a guerra e se transformara em orienta¢ao politica relativamente clara durante o segundo governo de Vargas (1) Este capitulo j4 estava redigido quando tomei conhecimento do livro de Alfred Steppan sobre as mudangas no padrao das interven- ées militares no Brasil. Stepan mostra os efeitos das mudangas gerais a que aludo sobre as instituicdes militares e sobre o tipo de interven so politica que elas exercem atualmente. Existem pontos de coincidéncia, neste aspecto, entre este artigo € 0s trabalhos de Steppan, Schimitter ¢ Malori Pompermayer, na me- dida em que também estes analistas apontam a emergéncia de novos estilos de atuacao politica no Brasil, 53 (1950-54), Com efeito, naquela época o papel do Estado nos investimentos para a construgio da industria de base e em seto- res pioneiros da producio de bens de consumo durdvel era decisivo. Mesmo que esse tipo de politica econdmica tenha sido antes a conseqiiéncia de contingéncias priticas do que de uma ideologia nacionalista, seus efeitos sobre o estilo do desen- volvyimento econémico eram acentuados: Estado, capital nacio- nal e investimento externo (principalmente através do finan- ciamento as obras publicas), nesta ordem, constituiram as molas para o desenvolvimento. Com a politica econémica de Kubits- chek, de rdpida industrializagdo e de ampliacao do consumo industrial de massas (isto é, da classe média urbana), comegou a haver uma inflexfo no que diz respeito aos grupos que atua- vam nas decisdes sobre a politica econdmica, na forma como se dava o investimento e no seu controle. As bases sociais e poli- ticas sob que assentava o regime populista (seja em sua etapa autoritdria, sob o Estado Novo, seja nos periodos democraticos, de Kubitschek, Goulart ou mesmo Janio Quadros) comecavam a deixar de corresponder, cm forma varidvel, aos sctores de classe que controlavam as forcas produtivas. Acresce a isso que a organizacéo econémica capitalista sofrera também, no plano internacional, modificacdes acentuadas na ultima década. Para resumir, as corporagdes internacionais passaram a diversifi- car nfo sé os ramos de atividade econémica sob seu controle, mas a localizacdo das fabricas, deslocando algumas delas para areas periféricas. Disso derivou maior interdependéncia na esfera produtiva internacional — visto 0 sistema econdmico mundial do Angulo dos centros de decisio — e uma modificacdo nas formas de dependéncia que condicionam os estilos de desen- volvimento dos paises que se integram na periferia do capita- lismo internacional. Por certo, a empresa piiblica, o Estado e os capitalistas locais continuaram a existir e a atuar. Mas o eixo hegeménico do sistema de poder e a base dindmica do sistema produtivo modificaram-se. Neste novo contexto, ganhzram importancia os grupos sociais que expressam o capitalismo internacional, sejam eles compostos por brasileiros ou por estrangeiros, por empresas brasileiras que se associam 4s estrangeiras ou por estas diretamente. Entretanto, também ganharam influéncia os seto- tes das Forcas Armadas e da tecnocracia que — por serem antipopulistas — estavam excluidos do sistema anterior, mas que em funcSo de suas afinidades ideolégicas e programaticas 54 com o novo eixo de ordenacao politica e econdmica constitui- ram-se em pega importante do regime atual: assumiram tanto fungdes repressivas no plano social, como modernizadoras, no plano administrativo. Simultaneamente alterou-se a posicao re- lativa na estrutura de poder dos antigos setores dominantes. Perderam prestigio e poder os setores agrérios tradicionais que nao se redefiniram em fungio da forma como se dé a nova expansao do mercado e a reorientacéo da politica econdmico- -financeira. Paralelamente, perderam prestfgio e poder os se- tores da classe média burocratica tradicional e os representantes politicos das classes que sustentavam o antigo regime. Assim, foram marginalizados os lideres sindicais que faziam a mediacao entre os trabalhadores e o Estado, bem como os “politicos pro- fissionais” que expressaram no passado, ao nivel politico, as aliancas de classe que, depois de terem servido de sustentacao para a Repiblica Velha (1889-1930), refizeram-se para dar viabilidade ao “nacional-populismo”. A hipotese imediata para explicar esta mudanca na posicéo de forga relativa dos atores polfticos principais e para mostrar a atticulagao entre as distintas forcas sociais € que o estabeleci- mento do processo de acumulacdo necessitava da prévia desar- ticulago dos instrumentos de pressdéo e defesa das classes po- pulares, tarefa que o golpe de 64, no seu aspecto repressivo, cumpriu imediatamente. A aceitagio pela burguesia, no pri- meiro momento, do aumento de interferéncia militar para lo- grat aquele objetivo, custou, nos momentos seguintes, a impos- sibilidade de tetomada do controle civil do processo politico. Para conter a ‘“‘pressio de baixo” foram tomadas medidas que implicaram nfo apenas na liquidacio do regime populista, mas da prépria expressao politica direta da burguesia: o sistema de partidos ficou A matgem do sistema de decisdes e as formas de organizacio e pressao politica da classe média e da burguesia, que nunca foram sdlidas, passaram a depender de contatos e aliangcas com os grupos militares e tecnocrdticos que ocupavam o Estado, A burguesia perdeu por isso pontos de apoio e massa de manobra para fazer valer seus interesses politicos imediatos. Para caracterizar 0 modelo politico instaurado depois de 1964 é preciso apontar, entretanto, nao sé as bases sociais e econémicas de sua sustentacéo, mas o mecanismo de poder que o torna vidvel. Para isso é de pouca valia saber se os militares sao “‘de classe média” ou se a burguesia esté “a margem do mecanismo de decisdes” porque este estd nas maos de um grupo a7 funcional, composto por militares e tecnocratas etc.(?). Bem como constitui um falso problema insistir que os protagonis- tas do golpe de 64 pettenciam 4 classe média e que o aparelho do Estado est4 controlado por grupos e indivfduos da classe média, Em que sociedade capitalista nao é assim? S6 por excegao os cargos do Estado, mesmo os de cipula, séo preen- chidos diretamente por empresdrios. A questio nfo esté em saber guem ocupa funcées no Estado, mas que tipo de politicas podem ser implementadas dentro de um quadro estrutural que teflete a relagio de forcas das classes sociais. Esta telagio de forgas se expressa, no plano mais geral, pelo que hoje se chama de um “modelo de desenvolvimento”, Entretanto, nio h4 motivos pata crer que o modelo de desenvolvimento econémico adotado subordina, de forma ime- diata, o regime politico, nem tampouco para acteditar, reciproca e simetricamente, que dado um regime politico seja -possivel inferir de suas caracterfsticas as politicas econdmicas que serao postas em pratica. E dbvio que existe uma relacio entre eco- nomia e sociedade, mas nfo é menos evidente que houve cami- ahos politicos varidveis para chegar ao desenvolvimento capita- lista, ¢ para controlar politicamente sociedades baseadas em economias capitalistas, desde a instauragio do parlamento libe- tal britanico ou a repiblica federativa, burguesa e democritica americana, até ao centralismo autocrético bismarkiano, ou, em outra etapa, ao fascismo em distintos paises, passando por mil- tiplas formas de democracia burguesa, de absolutismo monér- quico, de ditadura militar etc. Nem € diferente, por outro lado, a histéria recente do socialismo e de suas miltiplas vias poli- ticas: as tentativas de democracia plebiscitdéria unidas 4 autocra- cia carismética do modelo chinés, os intentos de democratizacio do regime burocrético (quase todos frustrados) em algumas re- ptiblicas socialistas, a autocracia burocrdtica estalinista, as tenta- tivas atuais de colegiado burocrético no regime soviético etc. Nao obstante, em algumas explicacdes do modelo politico brasileiro existe um resquicio de visio linear nas relacdes entre a economia e a politica, na dupla forma em que essa relagao pode ser estabelecida. Por vezes o Estado é concebido quase (2) Veja-se a critica de F, Fernandes a esas concepgdes em “The meaning of limitary dictatorship in present day in Latin Ame- rica”. (In The Latin American in residence lecturers, Toronto, Univer- sity of Toronto, 1970). 56 como o “comité executivo” da burguesia; dai a suposicéo de que uma vez estabelecido por esta um estilo de desenvolvi- mento dependente ¢ associado, caiba ao Estado definir politicas que supdem a passividade econdmica do Poder Piblico e que, por isto mesmo, correm o risco de levar o pais 4 estagnacio; ao mesmo tempo, a cumplicidade dos interesses dominantes com 0 capitalismo internacional, levaria, segundo alguns autores, 4 implementagao de formas de controle politico cada vez mais autoritdrias para manter um estilo de desenvolvimento exclu- dente no que respeita A forma de organizacao econémica. No polo inverso da linearidade entre economia e politica, isto é, quando se privilegia o plano politico, existem interpre. tagdes que, também mecanicamente, tomam os “projetos politi- cos” dos gtupos no Poder como condicionante absoluto do processo social, tanto no seu aspecto politico quanto no seu aspecto econémico. Nas duas vertentes desta modalidade de interpretagio a explicacio das mudangas ocorridas se faz por intermédio de uma espécic de falécia metodolégica que trata intencdes subjetivas como se fossem forcas sociais reais. No primeito caso, diante do “peso das estruturas” explica- -se a mudanca fazendo intervir forcas sociais que nao sao parte integrante do modelo estrutural proposto. Este é caracterizado como se nele nao existissem contradigdes internas capazes de constituir fontes de atrito e focos de mudanca. Assim, suposta a continuidade da agéo da burguesia industrial, por exemplo, depois que ela inaugura um estilo de desenvolvimento, ter-se-ia a homogeneidade de seu comportamento ¢ a conformidade qua- se automética dos subsistemas politicos e institucionais aos designios dos setores hegeménicos das classes dominante. Para que ocorram mudangas, apela-se a intervencio de grupos sociais distintos da burguesia, os quais, sem que o modelo proposto diga por qué, passariam a atuar em direco diversa dos inte- tresses dos empresdrios. FE dessa forma que aparecem no hori- zonte das possibilidades os grupos ‘‘de classe média” aos quais se passa a atribuir a capacidade, nao prevista na anélise estru- tural, de mudar a orientaco dos grupos de Poder. E por este caminho que algumas andlises politicas de fun- damento estruturalista se tornam normativas. Passam a fazer ptoposigdes com o intuito de reeducar os “donos do Poder” pata que eles percebam os “verdadeiros interesses da Nagio”. Uma vez percebidos estes, seria possivel, independentemente 37 do que a anélise estrutural sugerira, encaminhar a acao politica para objetivos diferentes dos que estéo sendo cumpridos pelas forcas social e economicamente dominantes. Daf também que se procure, neste estilo de andlise, mostrar que existe uma opo- sicao real entre os interesses particulares dos “cidadaos arma- dos” enquanto patriotas e enquanto membros da classe média, e os resultados das polfticas que sob sua égide esto consoli- dando os interesses do capitalismo internacionalizado. A cons- ciéncia desta contradicéo levaria os detentores do poder a limi- tar os interesses da base econémica do regime, em beneficio dos interesses da maioria. No segundo caso, quando a interpretagio do modelo polf- tico j4 parte de uma concepg%o na qual os projetos de acao politica pairam indeterminados sobre a sociedade e a economia, nfo existe diferenca entre a andlise e a ideologia proposta pata motivar o desenvolvimento politico: a prépria andlise é volun- tarista e ideoldgica. Vejamos alguns estudos que, a despeito de sua inegdvel contribuigéo para a andlise do processo politico brasileiro, pa- decem, parcialmente, de algumas das limitagdes apontadas acima. ECONOMIA E POLITICA Celso Furtado (°), analisando 0 modelo politico brasileiro, viu com discernimento que havia uma peculiaridade naquilo que chamou de Estado Militar: o cardter burocrdtico que essa forma de dominagio assumia no Brasil. Entretanto, pressupunha em sua anélise inicial que o Estado Militar buscaria a estabilizagao social e que a preservacao do status quo pagaria o prego de um desenvolvimento mais ou menos lento. O modelo econémico adequado a este projeto seria 9 da diminuicio do ritmo de investimento urbano-industrial em beneficio da produgdo agrd- ria. Com este tipo de “expansao horizontal da economia” seria possfvel absorver mio-de-obra sem alterar as fungdes de pro- (3) FURTADO, Gelso — “De Yoligarchie & T’Etat militaire”. Paris, Les Temps Modernes, (257): 278-601, out. 1967. _ Edi- ¢4o brasileira em Brasil: tempos modernos, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1968, pp. 1-24. 58 dugio, isto ¢, sem recurso & tecnologia moderna, ¢ seria possivel ipso facto, conter as press6es sociais. Furtado tomava em consideragio uma tendéncia ideoldgica existente: depois do golpe de 64 o liberalismo tradicional — ao qual se costuma atribuir o carter de ideologia do setor agrério e da classe média tradicional — parece ter aspirado a este tipo de politica econémica. Entretanto, ainda segundo Celso Fur- tado, nio sé o controle burocratico do Estado exercido pelo exército seria pouco apto para atender as pressdes de uma so- ciedade que jd atingira um estdgio avancado de diferenciagao social e de mobilidade entre as classes, como, por esta razio, as classes médias — ator privilegiado da cena politica — desen- volveriam trés tipos possiveis de reacio: a) uta pela retomada da democracia formal; b) tentativas, a partir principalmente da juventude, de mobi- lizagao das massas especialmente as rurais, para contrapor- se ao Estado Militar; c) infiltracio do estamento militar por ideologias favordveis ao desenvolvimento “autenticamente nacional”, ideologias estas que também encontram base em setores de classe média. A alternativa de restabelecer um desenvolvimento autenti- camente nacional foi elaborada no livro “Um projeto para o Brasil”, sem, entretanto, ganhar apoio entre os setores mais pré- ximos do Estado. A expectativa de um modelo de “pastorizagio” parece estar baseada implicitamente no estilo de raciocinio linear a que alu- di ecima: o Estado Militar executa uma politica em fungao da base social sobre que assenta. No caso brasileiro, Furtado considera implicitamente que esta base é oligérquica, por um lado, dependente, por outto, pois os setores da burguesia que prevaleceram com o golpe de 64 sio favordveis a um padrao de desenvolvimento associado ao capitalismo internacional e a ela subordinado, Por isso, a estabilidade social é valorizada e encontra na ruralizagio seu ponto de equilibrio. Assim, entre as pressdes do setor latifundidrio, do capitalismo internacional, dos empresdtios locais etc., 0 Estado Militar escolhe a linha de menor resisténcia, aquela capaz de favorecer eo mesmo tempo as pressdes destes setores e a dindmica estamental militar que necessita preservar a ordem e, dentro dela, a posigéo hegeméd- 59 nica das forcas armadas. Furtado viu com realismo as limita- des deste tipo de progndstico pois percebeu que o grau de diferenciacdo econémica e social do pais daria maior probabili- dade de éxito a modelos mais dinamicos economicamente e mais flexiveis politicamente. Passou a cogitar, entdo, das chances da via de desenvolvimento auténomo e menos excludente politica- mente, Daf a formulagio do seu projeto de desenvolvimento baseado, outra vez, na capacidade que teria o Estado para, sob © impulso da classe média, conter os excessos do capitalismo internacional e apoiar a via nacional de desenvolvimento. Volta- va-se assim a um modelo anterior de desenvolvimento — 0 nacionalista — com algumas modificagdes politicas: a nova cor- relagdo de forcas havia quebrado o outro termo da_alianga antiga, o populismo. A politica proposta seria dessa forma, nacionalista e racional, porém nao mais populista. Sendo racio- nal (tecnocratica) buscaria algum esquema de redistribuigéo de renda que fortalecesse € ampliasse 0 consumo, sem acarretar prejuizos para a acumulacao, O prtojeto parece ter-se dissipado no horizonte das possi- bilidades pela falta de combatentes: setores da classe média inseridos no Estado e os empresérios nacionais trilharam outros caminhos, como logo veremos, deixando 4 margem este tipo de politica. Este modelo continha mais uma proposicéo pata a acéo do que uma anélise da situagio (embora, como indiquei, estivesse baseado numa caracterizacdo da estrutura social e eco- némica), Sua ineficdcia politica indica talvez 0 anacronismo da versio da ideologia nacional-desenvolvimentista baseada na su- posicaéo da existéncia de uma classe média politicamente capaz de sustenté-la. Nem por isso a andlise de Furtado deixa de apontar para uma tematica que, noutro contexto, continua pre- sente. Que significa entretanto o nacionalismo na presente situagao brasileira? Antes de tentar responder a essa indagaciéo, convém apre- sentar as idéias de outro analista politico que tem uma contri- buicdo importante neste campo e que, como Furtado, explorou as possibilidades da via “autenticamente nacional” do desenvol- vimento. Refiro-me a Hélio Jaguaribe (*). Para este autor (4) Conforme JAGUARIBE, Hélio — “Etabilité sociale par le “colonialfascisme”. Paris, Les Temps Modernes (257): 602-623, out. 1967. As citagdes adiante sio feitas com base na edicao brasileira: “Brasil: estabilidade pelo colonial-fascismo?”, Brasil: tempos modernos, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1968. 60 existem trés alternativas polfticas fundamentais para permitir um processo de desenvolvimento em condigdes étimas e cada uma delas serd aplicavel operacionalmente segundo as condicdes especificas de cada pais. a) o “nacional capitalismo”, que supde uma alianca entre se- tores progressistas da burguesia nacional, da classe média e do proletariado, sob a lideranca neobismarckista do chefe do governo, para a formagéo de um partido nacional do desenvolvimento; b) 0 “capitalismo de Estado”, que se efetiva no governo por intermédio de um golpe que dé o controle do poder a setores progressistas das classes armadas e da tecnocracia, os quais formam uma espécie de “partido da revolugio nacional”, utilizando como base pata isso, o préprio apa- telho do Estado; c) o “socialismo desenvolvimentista”, que supde a conquista do poder por uma elite revolucionaria que mobilizar4 as massas e utilizar4 formas socialistas de gestao e acumulacao, Programaticamente, parece que Jaguaribe postulava para o Brasil de antes de 64, em face das condigdes sociais e politicas ai prevalecentes, o modelo de desenvolvimento “nacional capi- talista”. Depois desta data, parece haver-se inclinado para o modelo de ‘“‘capitalismo de Estado”, em razao das modificagdes havidas. Entretanto, na prdtica, o modelo politico que Jaguaribe vé fortalecer-se € 0 do ‘“colonial-fascismo”. Como Jaguaribe est4 mais interessado em tornar invidvel esta tendéncia do que em fazer sua exegese, no elaborou analiticamente as probabilidades e requerimentos a ela associados. Ainda assim descreveu algu- mas de suas catacteristicas no caso brasileiro (*). Entre elas, assinala que o colonial-fascismo requer: a) o fortalecimento do Estado, nio mais para garantir maio- tes condigées de interferéncia na vida econémica, mas para preservar a estabilidade por intermédio da utilizagao da maxima capacidade de coercao; (5) JAGUARIBE, Hélio, op. cit, pp. 25-47. 61 b) estreita integracao politica e econédmica do Brasil no sis- tema ocidental, tal como os Estados Unidos o estao estru- turando (satelitizacio) ; c) restabelecimento, sob supervisdo estatal, do livre mecanis- mo de mercado, para assegurar As empresas privadas o controle e a direc&o integrais da economia, Com um modelo deste tipo ter-se-ia o desenvolvimento econémico sem modificacéo da ordem social, assim como teria ecorrido com o fascismo na Itdlia e na Alemanha, Entretanto, dada a situagfo de dependéncia da economia brasileira, a bur- guesia local, diferentemente da alema ou da italiana, nao teria condigdes para imprimir o dinamismo requerido pela economia, nem haveria uma relaco entre o empresariado e um partido de classe média para assegutar o modelo tipicamente fascista. Dai © designativo de colonial para esta modalidade de fascismo. No governo Castelo Branco, especialmente em funcao de sua politica econémica e da concentragao do poder coetcitivo do Estado, Jaguaribe via tendéncias acentuadas na direcio da instauragaéo de um modelo colonial-fascista. As condigdes bési- cas de seu funcionamento estavam sendo expressamente pre- paradas pela politica do governo. Entretanto, Jaguaribe nao Pensa que o modelo colonial fascista possa prevalecer no Brasil. Primeiro porque “‘o modelo fascista colonial, apds alguns anos, agtavaria de tal modo o desequilibrio entre o crescimento da populagdo e a criagio de novos empregos, em todos os nfveis de ocupacao, que a nova classe dominante cedo seria obrigada a adotar uma espécia de politica de apartheid para impedir os camponeses de emigrar para as cidades e 14 formar explosivas massas marginais” (*), Em segundo lugar porque a “economia dominante precisa de matérias-primas da economia dependente © nao pode dar a esta, em troca, qualquer assisténcia ou pro- vocar qualquer efeito dinamico de crescimento se a economia dependente, além do seu setor de exportacio, nao se desenvolve com um mercado doméstico, uma economia autoconcentrada. O modelo colonial fascista, entretanto, visa ptecisamente a impedir as mudangas sociais que seriam exigidas pata o desenvolvi- mento de uma economia auténoma e endégena” (7). (6) JAGUARIBE, Hélio, op. cit, p. 43. (7) JAGUARIBE, Hélio, op. cit, p. 44. 62 Como concluséo, Jaguaribe nao acredita que o regime mi- litar brasileiro tenha probabilidade de manter-se enquanto pre- valecer a orientago colonial fascista que o incapacita para resolver os impasses estruturais referidos acima. Assim, como a longo prazo o regime militar é incompativel com a comple- xidade do setor urbano-industrial, uma vez dilufdos os temores que levaram a burguesia e a classe média a aceitar a politica colonial fascista, haver4 provavelmente alteracdes politicas e sécio-econdmicas, Neste caso, duas podem ser as alteragdes: ou bem os militares restituem o poder as forcas sociais margina- lizadas politicamente e aos partidos politicos, embora alguns militares a eles se afiliem, ou entao deverio modificar de ma- neira essencial o significado do regime. Inicialmente, em 1967, Jaguaribe acreditava que a pri- meira hipétese teria mais chance. Atualmente parece inclinar-se para a segunda alternativa como a mais provavel (*). Examinemos mais detidamente os dois esquemas propostos até aqui. Ambos supdem que o modelo de desenvolvimento econdmico que estd sendo implementado é pouco dinamico. E © que sc pode inferir da tendéncia a “pastorizacao” e¢ 4 estagna- Gao referidas por Celso Furtado e as qualidades que Jaguaribe atribui ao lado colonial do modelo fascista brasileiro, pois para ele as relagdes atualmente existentes entre colénia e metrdépole seguem o padrao de uma economia exportadora de matétias- -primas, sendo vistas, portanto, como impeditivas para o desen- volyimento. Essa avaliacio da falta de dinamismo econémico permite deduzir duas conseqiiéncias. Primeiro, que os fiadores do regi- me, os militares, adotam uma politica de estabilizagao social que pressupde a estagnacio econémica, A correspondéncia entre a base social do regime — a oligarquia agraria — e sua politica econdémica levaria a isso, sendo os militares o instrumento desse fiat, independentemente da sua politica propria de grupo. Se- gundo, que a alternativa para resolver o impasse é a volta a um padrao de desenvolvimento autenticamente nacional, posto que a falta de dinamismo do sistema deriva de seu cardter de- (8) Conforme JAGUARIBE, Hélio — “Enfoques sobre a Amé- rica Latina: andlise critica de recentes relatérios”, apresentado na reu- niao do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales — CLACSO — realizado em Bariloche em novembro de 1970. 63 pendente. Como a burguesia brasileira, ou seus setores hege- mé6nicos, mostraram-se mais inclinados a um tipo de desenvolvi- mento associado-dependente, a base social para o projeto de desenvolvimento auténomo teria de ser buscada em outras forgas sociais. Dentre estas a classe média é o ator estratégico e nela, alguns grupos funcionais, como setores das préprias forcas armadas ou a tecnocracia ptblica, pareceriam ser decisi- vos. Nas condigées brasileiras seriam estes os atores adequados para levar adiante um processo de desenvolvimento autentica- mente nacional. Neste passo, pergunto: um esquema deste tipo est4 assen- tado na andlise de tendéncias efetivamente existentes, ou se inspita (ao mesmo tempo, ou principalmente) num modelo normativo? Com efeito, a andlise mostraria outra tendéncia como de resto os prdprios autores citados acima reconhecem: o padrao de desenvolvimento dependente-associado nao é desprovido de dinamismo, nao est4 baseado na ruralizagdo com prejuizo da industrializacdo, nem leva a intensificagéo de uma simples relagéo entre paises exportadores de matérias-primas e impor- tadores de produtos manufaturados Ao contrério, a caracterfstica da relagdo de dependéncia que esté sendo implantada em paises como o Brasil, a Argen- tina ou o México é 0 de que ela se baseia numa nova divisto internacional do trabatho, pela qual parte do sistema industrial dos paises hegeménicos é transferida, sob controle das corpo- tag6es internacionais, pata as economias periféricas que lograram alcangar previamente certo avanco no desenvolvimento indus- trial. Em outros trabalhos tenho me referido a este processo como sendo de “internacionalizagio do mercado” (®), em con- traposigéo A etapa anterior de uma industrializagao substitutiva de importagdes controlada em parte pela burguesia nacional e pelo Estado, Esta claro que tanto Celso Furtado como Jaguari- be tém presente este processo e o analisam. Nao tiraram, toda- via, todas as conseqiiéncias desse padrao de desenvolvimento quando definiram os atores privilegiados pela cena politica ¢ as politicas alternativas que estes poderiam implementar. (9) Veja-se CARDOSO, F.H. e FALETTO, Enzo — Depen- dentin, y desarrollo en América Latina, México, Siglo XXI, 1969, esp. cap. V. 64 De fato, o modelo de desenvolvimento dependente que esté sendo posto em pratica permite dinamismo, crescimento econdmico ¢ mesmo mobilidade social, pelo menos no setor urbano-industrial da sociedade. E certo que ele provoca atrito entre as classes, € provavelmente “marginalizador” e seus efci- tos n@o impedem as desigualdades: concentra rendas e aumenta a miséria relativa. Tudo isto leva 4gua a critica do sistema. Mas esta critica serd especifica a este sistema particular, que tem uma expressao polftica burocrético-repressiva, como adiante se verd, ou & forma capitalista de acumulacio e desenvolvi- mento? Por certo, haveria outras vias, capitalistas, para o desen- volvimento (e € neste sentido que se fundamentam as politicas Propostas pelos autores a que fizemos refer€ncia). Elas provoca- tiam, em graus distintos, e atingindo a grupos sociais diversos, efeitos conflitivos. Tecnicamente seria possivel imaginar vias mais igualitdrias para o desenvolvimento e quicd menos “marginali- zadoras”. Mas politicamente, nas condigdes atuais, que forcas so- ciais implementariam 0 modelo altetnativo? A andlise dos autores aqui indicados mostra que suas esperancas, para implan- tar um modelo de desenvolvimento autenticamente nacional, deslocaram-se-da burguesia para a classe média, e em especial pata a acdo dos militares. Como se implementaria um modelo capitalista sem os capitalistas, ou tendo-os a reboque de forcas nacionalistas que sabem, de antemao, que nao podem contar com a burguesia? Pela via de uma revolugao da classe média? Essas reflexdes nao visam a responder mecanicamente as diividas que 0 processo histérico coloca para a intelectualidade brasileira. Nao penso que 1964 estivesse inscrito inexoravel- mente na Idgica econédmica da histéria. Antes penso que o processo politico joga um papel ativo na definicéo do curso dos acontecimentos. Ou seja: se é certo que a inflacdo, o acerba- mento da luta de classes, a dificuldade de manter o ritmo de expansao capitalista nas condigdes sécio-econdmicas prevalecen- tes durante o governo Goulart radicalizaram as forcas politicas e€ moveram as bases institucionais do regime, o movimento insurrecional foi uma das safdas possiveis e nfo a Unica, como se interpretaria a partir de uma visao economicista da histéria. Entretanto, depois que, politicamente, as aliancas de classe se deslocaram para implementar um dado modelo de desenvolvi- mento, as alternativas para ele tém que ser buscadas ao nivel das forcas sociais existentes, as que defendem e as que real ou potencialmente negam o status quo. 65 Neste sentido, e deixando de lado perguntas demasiada- mente gerais, parece claro que, a partir da situacao politica criada em 1964, as pressdes dos grupos de classe média acima teferidos, antes de se dirigirem para a implantacio de um “ca- pitalismo sem capitalistas”, t8m ido noutro sentido. Suas ques- t6es praticas enderecam-se a saber se é possivel um desenvolvi- mento-associado, baseado no dinamismo da empresa privada, tanto estrangeira como nacional, que divida areas de atuacdo com o Estado e permita a insergao dos setores mais qualificados da classe média no sistema de decisées. E evidente que nio foi este o ponto de partida de 1964. O “projeto” do governo Castelo Branco era, com reservas, politica e economicamente “liberal”, dentro das condigées em que o liberalismo opera nos paises subdesenvolvidos: executivo forte, representacao partiddria expurgada (para evitar riscos de pressdes 4 esquerda), economia de mercado com forte regula- mentagao estatal, fortalecimento da empresa privada, abertura da economia nacional ao capitalismo internacional. Nao estava previsto no modelo nem a modernizacao burocrética do Estado, nem o crescimento acentuado que teve o setor publico da eco- nomia. Antes, espetava-se um aporte macico de capitais estran- geiros, que nao ocorreu durante o governo Castelo Branco, e politicamente havia apego tanto as formas democrdticas restau- tadas, isto é, sem populismo (a famosa questio do respeito ao Calendario Eleitoral, ainda que com riscos limitados para o re- gime exemplifica isto), como se previa menor peso corporativo do exército nas decisdes politicas, em beneficio dos partidos, ¢ portanto dos setores da burguesia que a eles estavam acoplados. Nao foi um modelo deste tipo, entretanto, que as Forgas Armadas implementaram: assumitam, como objetivo politico, € certo, o teforcamento do executivo, previsto pelo projeto poli- tico governamental, mas puseram-no sob seu controle direto, modificando, por exemplo, 0 modo de funcionamento da Casa Militar ¢ da Casa Civil da Presidéncia da Repiblica, aumentan- do o controle do Conselho de Seguranca Nacional e, dentro dele, da Secretaria Geral, criando o Servigo Nacional de Infor- macoes, estabelecendo setores de Seguranca Nacional nos Minis- térios e autarquias, em suma, ligando mais e mais os érgios de planejamento e controle do executive aos das forcas armadas e especialmente ao Estado-Maior. Passaram também a sustentar politicas com objetivo de controlar certas dreas econémicas ¢ de manter o crescimento econémico. Com isto tornaram possivel 66 que a dinamizacao do modelo de desenvolvimento industrial-de- pendeate, definindo como suas — porque justificadas pela poli- tica de seguranca nacional — as metas de intensificar a centra- lizacdo administrativa e de paralisar o protesto social, ajudaram a tornar o aparelho estatal mais eficaz administrativamente e, a0 mesmo tempo, mais repressor. O desmantelamento das orga- nizagdes de classe dos assalatiados e a “tranqiiilidade politica” obtidas com a repressao facilitaram, naturalmente, a retomada do desenvolvimento, isto é, a acumulagao capitalista em escala ampliada. Estabilidade social com dinamismo econémico seria a ex- Pressdo para resumir o estilo de politica adotada. Ainda assira é preciso qualificar melhor 0 que se entende, neste contexto, por estabilidade: trata-se da manutengio de um padrao de orga- nizagio social (a sociedade de classes) dentro do qual, entre- tanto, a mobilidade nao somente é posstvel como ideologica- mente estimulada, a condicéo de que nao exista um processo politico de mobilizagio que ponha em risco o sistema. Trata-se, pois, de um conservantismo moderno, que, no plano ideoldgico, quer manter socialmente aberta uma sociedade politicamente fechada que se baseia no dinamismo da empresa capitalista, pu- blica ou privada (19), E isto que explica, possivelmente, a telagZo entre os atores politicos principais (os militares e em grau de subordinacio a burocracia tecnocrética), investidos de tanto poder para imple- mentar, no fundo, uma politica econémica que atende aos inte- tresses da burguesia internacionalizada deixando-a simultanea- mente 4 margem do sistema politico formal. Explica, ao mesmo tempo, a apatia complacente das classes médias urbanas, para nao mencionar a quase euforia adesista dos setores desta que véem uma chance de incorporar-se, pela empresa privada, pela empresa priblica ou por intermédio do préprio Estado, no carro desenvolvimentista. Houve uma base de acordo possivel entre (10) As dificuldades objetivas para que essa estratégia se man- tenha com @xito nio devem naturalmente, ser minimizadas, a comegar Pelos limites existentes para a mobilidade social no contexto de um Padrao de desenvolvimento econémico que é marginalizador, Além disso, se mesmo os regimes populistas mantinham seu equilibrio instdvel © garantiam o processo de acumulacio econdmica gracas A exploracio ilimitada dos trabalhadores do campo e A sua marginalizagio politica, © regime burocratico-autoritario atual encontra limites ainda maiores, neste aspecto, para implementar a estratégia acima. 67 o Estado e a burguesia. Esta abriu mao momentaneamente de parte dos controles politicos tradicionais (0 sistema de partidos, as éleicdes etc.) e dos instrumentos de definicfo de simbolos e de difusio ideolégica (a liberdade de imprensa, 0 habeas-cor- pus, o pluralismo doutrinério, a educagao liberal) que passaram a responder mais diretamente as pressdes do Estado e ao con- trole militar. Além disso, a sociedade civil cedeu terreno ao Estado na regulamentacao da vida econdmica. Por outro lado, os militares assumiram implicitamente os interesses econdmicos do empresariado como se eles fossem os da Nagao e definiram 4reas, de maior ou menor influéncia, que passaram a ser prefe- tenciais para a acao da empresa privada. O dinamismo econé- mico do sistema assim estruturado abriu perspectivas favoraveis para a absorcao dos grupos e camadas mais, modernos das classes médias, que, por seus interesses ou propésitos, estivesem ligados a burguesia. Nao fosse assim, de fato o Estado seria, sem rebucos, 0 “comité executivo da burguesia” (neste caso, do capitalismo internacional) ¢ os militares, 0 brago armado da oligarquia. Se isso fosse verdade tornaria simples as andlises politicas ¢ trans- formaria 0 processo social num continuo nao contraditéric, ou pelo menos, no qual as contradigdes existentes reduzir-se-iam apenas aquela que inclui, de um Jado, as classes dominantes, alinhadas harmonicamente sob a égide do Estado, e, de outro, as classes dominadas, exclufdas do Estado e quase expulsas da sociedade civil, Entretanto, o que permitiu a estabilidade rela- tiva na alianca entre militares, burguesia e classes médias foi a formulagio de um modelo de desenvolvimento e um regime po- Iitico que, sem eliminar as contradigdes entre estas diversas facgSes que, claro est4, nfo eram antagOnicas, tornou-as compa- tiveis em face de inimigos maiores, estes sim, antagénicos, re- presentados pela ameaca de uma politica favordvel as classes populares. Até que ponto se justifica, nestas condigées, falar em processo revoluciondrio ou em consegiiéncias revoluciondrias do golpe de 64? Nao seria mais aplicdvel a expressao “contra-re- volucao” vitoriosa? Nao é ‘simples a resposta, quando nfo se trata de pura questao semantica. Efetivamente, o movimento de 64, em si mesmo e nos seus desdobramentos, buscou e conseguiu consoli- dar a ordem social por intetmédio da represséo. Neste sentido teve conseqiiéncias claramente reaciondrias, Terd sido integral- 68 mente contra-revolucionério? Alguns dos seus protagonistas créem que sim, na medida em que consideram o regime anterior como tendo conotagSes tevolucionérias. De fato, havia, espe- cialmente entre 1963 e margo de 1964, uma conjuntura que poderia ser qualificada como de pré-revolucioniria: o Estado se decompunha parcialmente e a mobilizacao social e polftica talvez supetasse os mecanismos de integracio de que a ordem politica dispunha. Dificilmente, entretanto, essa conjuntura poderia ter resultado numa revolucao pela falta dos instrumentos adequados para isso: metas claras, uma polftica nfo oportunista por parte dos grupos de esquerda que predominavam na situacéo, em su- ma, organizagdes capazes de aprovcitar para seus objetives a decomposicio do Estado. E, principalmente, a “‘alianca popu- lista”, para vincular as massas, os grupos de classe média e a burguesia, baseava-se em setores do proprio Estado que se liga- vam, pela teia de relacdes polfticas que mantinham e pelos inte- resses que sustentavam, a uma base econdémica nfo sé intrinse- camente nao-revolucionéria, posto que proprietdéria, como atra- sada. Tinha como um de seus suportes estruturais, além disso, a nfo incorporago politica e a supetexploragio econdmica da populacao rural, processo que permitia a sustentagio do regime por intermédio de aliancas com os partidos conservadores clien- telisticos, como o P.S.D. O golpe de 64 deslocou o setor nacional-burgués € o grupo estatista-desenvolvimentista da posicao hegeménica que manti- nham, em proveito do setor mais internacionalizado da burgue- sia, mais dindmico e mais ‘“‘moderno”, porque parte integrante do sistema produtivo do capitalismo internacional. A politica econémica e tanto quanto ela, a reforma da administrago e do aparelho do Estado potenciaram as forcas produtivas do “capi- talismo contemporaneo”. A economia integrou-se mais profunda- mente ao sistema capitalista internacional de producao, ou seja, a relagdo entre os centros hegeménicos e a economia depen- dente passou a dar-se dentro do contexto atual da economia capitalista mundial que nao exclui a possibilidade do desenvol- vimento industrial e financeiro nas economias periféricas. A acumulaggo urbano-industrial — que vinha crescendo desde o perfodo de Kubitschek — passou a preponderar no desenvolvi- mento do capitalismo no Brasil. Por certo, a exploracao de matérias-primas ou de produtos agricolas continua desempenhando um papel economicamente importante. Mesmo neste caso, entretanto, ocorrem modifica- 69 gGes: passam a articular-se formas de exploracdo associada entre Os monopélios internacionais e as empresas locais. Neste es- quema de associacao nfo estao excluidas as empresas publicas, como exemplificam os consércios mineradores de ferto e man- ganés. De igual modo, persistem outras caracterfsticas de subor- dinagao, como o endividamento externo ¢ a dependéncia tecno- légica, além de intensificar-se o controle do setor industrial privado por empresas estrangeiras, Nao obstante, o papel do metcado interno serd importante para as prdpries empresas estrangeiras. Por outro lado, a politica de exportagdes visando diversificar a pauta de intercdmbio, diminuiu 0 peso relativo dos produtos primérios tradicionais (produzidos quase exclusi- vamente por empresdrios locais) em beneficio da produgao industrial ou de minérios semi-industrializados, que expressam © novo tipo de associacao. Quanto as empresas piblicas, passatam a funcionar cres- centemente no novo modelo como S/A (corporations), nos mesmos moldes, com a mesma liberdade — por fim com os mesmos resultados — das empresas privadas. O papel da PE- TROBRAS na constituicio da inddstria petroquimica é indica- tivo deste processo: funciona em associag¢do com empresas inter- nacionais e locais atuando como empresa lider no consércio. Com isso diminuiu a oposigéo entre empresas publicas e pri- vadas ¢ deu-se, politicamente, a alianca entre grupos funcionais, “de classe média’”” — os militares, a tecnocracia, os burocratas — ainda que de tendéncias nacionalistas, e os grupos que repre- sentam ou constituem a burguesia internacional e a burguesia nacional-internacionalizada. Que sentido tem, diante deste quadro, reviver o ideal da Nagao baseado no pressuposto econdmico de um setor empresa- tial local ativo e de um Estado a ele ligado, que faca uma ponte com a massa popular? Nao terao ruido as bases econdmicas (a empresa estatal auténoma e a empresa privada nacional inde- pendente) de tal projeto? Nao ser4 um anacronismo continuar pensando a Empresa Piiblica como germe daquele modelo? Como poderfo atuar os teferidos setores nacionalistas da classe média? Se nao quiserem limitar-se a sustentar uma ideologia que nao aponta caminhos prdticos para sua implementagio, eles serfo obrigados a redefinir radicalmente 0 contetido do naciona- lismo, ao ponto de nao ser possfvel compreender a luz do voca- bulftio politico anterior a 1964 0 que se entende hoje por nacionalismo. 70 E neste sentido limitado de uma “revolugdo econémica burguesa” que se pode pensar nas conseqiiéncias revolucionérias do movimento politicamente reaciondtio de 1964. Ele pds a burguesia nacional em compasso com o desenvolvimento do ca- pitalismo internacional e subordinou a economia nacional a formas mais modernas de dominacao econémica. Neste sentido modernizou a maquina estatal e langou as bases para a imple- mentacao de um setor ptiblico da economia, que passou a inte- gtat-se no contexto do capitalismo internacional. Por certo, os que acreditam que a burguesia nacional dos paises dependentes pode realizar uma revolugo burguesa nos mesmos moldes da revolucao francesa ou da revolugéo ameri- cana mostratao os “enttaves estruturais” que permanecem e que limitam o alcance das transformagdes econémicas havidas no Brasil, Eu nao penso, entretanto, que a burguesia local, fruto de um capitalismo dependente, possa realizar uma revolucdo econémica no sentido forte do conceito. A sua “revolugaéo” consiste em integrar-se no capitalismo internacional como asso- ciada e dependente. Lutando, naturalmente, para obter o mé- ximo de proveito possivel. Mas limitada por um processo obje- tivo: a acumulagao capitalista nas economias dependentes nao se completa. Ou seja, a “caréncia de tecnologia prépria” — tal como este processo é percebido vulgarmente — e a utilizacio de uma tecnologia importada (capital intensive, com todas as suas conseqiiéncias disso) indicam apenas que o capitalismo dependente é capenga: nao desenvolveu um setor avancado de produgio de bens de capital. A acumulacio, expansao ¢ realiza- ¢G0 do capital do setor produtivo local requer seu complemento dinamico e dele depende: a insetcéo no capitalismo internacional. Este desenvolve efetivamente o setor de producio de bens de produgao que permite a expansao do setor de producdo de bens de consumo (ainda que durdveis) dos paises dependentes. Foi essa revolucGo limitada de uma economia ¢apitalista dependente que o golpe de 64 veio a facilitar, na medida em que reprimiu as classes trabalhadoras, conteve os saldrios, am- pliou os canais de acumulagao e, ao mesmo tempo, pds de lado — mesmo que o processo nao seja definitive — os empecilhos ideolégicos e organizacionais que dificultavam a definicao de politicas de associacgio entre o Estado, as empresas nacionais e os trustes internacionais. 71 REVOLUGAO E INSTITUCIONALIZAGAO: AS QUESTOES POLITICAS A existéncia de uma base econémica pata um novo acordo polftico entre as classes nao elimina, contudo, 0 atrito politico entre os grupos no poder, nem muito menos a existéncia de forgas de oposicéo. Ainda uma vez, entretanto, as andlises politicas mais am- biciosas do regime vigente no Brasil pecaram por uma visio linear dos acontecimentos. Quando nao, os modelos politicos construidos parecem estar téo rentes aos acontecimentos que se desmancham com a mesma rapidez com que os ziguezagues da politica vao destruindo os projetos que os grupos de poder claboram, Estes ziguezagues, nao obstante, dao margem a for- macio de estruturas de poder que, se nao foram previstas nem desejadas pelos atores politicos, alguma relacéo devem guardar com as forcas politicas existentes. Sendo assim, mais do que perguntar quais foram as estra- tégias ¢ os projetos dos governos, é necessério -identificar as forcas polfticas existentes, delimitar o marco em que operam € avaliar o resultado de sua atuacao, Antes de tentar indicar estas tendéncias, farei, como na secao anterior, um sumério ctitico das interpretacdes contidas em artigos de Candido Mendes de Almeida e Roberto Campos, autores cuja contribuicio sobressai na andlise polftica recente. Candido Mendes, sendo possivelmente quem mais elaborou o problema dos modelos de desenvolvimento politico vigente no Brasil, viu-se na contingéncia de quase refazer seu esquema explicativo a cada mudanga de governo, talvez por ter tentado captar através de interpretagdes ad hoc a variedade das mani- festagdes politicas do regime. Assim, sob 0 governo de Castelo Branco, Candido Mendes viu_o nascimento de um “modelo paradigmético” de elite de poder ("). Esta elite, formada pela Escola Superior de Guerra (que prepara tanto militares como civis), era homogénea, céns- cia de sua responsabilidade histérica, ¢ dispunha de uma ideo- logia politica eficaz, baseada na “Doutrina de Seguranca Nacio- nal”, Elaborou e comecou a implementar um projeto de desen- (11) Veja-se MENDES, Candido — “Sistemas politicos e mode- Jos de poder no Brasil”, Rio de Janeiro, em Dados, v. 1 (1) 1966: 7-41; e ainda o artigo citado na nota 12. 72 volvimento nacional que, nas condigdes de um regime autocré- tico mas modernizante, implicava em reformas sociais € eco- némicas consistentes. O modelo de elite de poder, na versio castelista, tetia sido capaz, ainda, de evitar o desbordamento de poder pessoal, na medida em que o ptesidente presetvou a margem méxima de poder coercitivo, mas utilizou-se antes como um fator de ameaca potencial do que de acio afetiva. Com isso foi possivel evitar a formalizagio de uma ditadura. Entre as caracteristicas do regime de elite de poder no governo Castelo Branco, segundo Candido Mendes, é preciso destacar tanto sua negativa 4 aplicacao do compromisso politico pela incorporagao de novos grupos na alianga de poder, com o propésito de evitar que se desfigurasse o cardter exemplar do circulo restrito dos que tinham acesso ao mando, como a recusa da busca de uma legitimagao consensual, que poderia ser tentada pela utilizacgao de simbolos dotados de forte poder mobilizador. Dessa forma, o governo Castelo Branco ter4 sido uma va- riante do regime de elite de poder que pretendeu instituir um governo democratico e tecnicamente reformado através de uma estratégia de implantagdo de reformas econdmicas e politicas. Para isto a elite militar se aliou a elite tecnocrdtica, 0 que, no dizer de Candido Mendes, “permitiu ao castelismo situar o gtupo dirigente (...) A margem de qualquer determinacdo obje- tiva, de classe ou outro denominador social para seu acesso ao nivel de decisdo nacional” (12). Em trabalho anterior Candido Mendes havia caracterizado talvez mais realisticamente o govetno Castelo Branco, chamando atengio para o fato de que, além da existéncia dessa elite de poder tecnocrética-militar, o regime tinha como uma de suas caracteristicas a de que o exército, principalmente depois da candidatura Costa ¢ Silva, passara a atuar ostensivamente nas decisées nacionais e que, por outra parte, 0 modelo politico po- detia ser “caracterizado como uma “tecnocracia” na forma de (12) MENDES, Candido — “O governo Castelo Branco: para- digma e prognose”, Rio de Janeiro, em Dados, (23): 98, 1967. Note-se que em trabalho mais recente (“Elite de poder, democracia e desen- yolvimento”, Rio de Janeiro, em Dados (6): 57-90, 1969, Candido Mendes volta a insistir que o governo Castelo Branco, no tendo re- corrido a técnicas de “autenticagao” — ou seja, & forma que a legi- timagao assume nos governos da elite do poder — tornou-se vitima de uma tentativa de validagio politica baseada quase exclusivamente num Projeto de desenvolvimento econémico dependente do exterior. 73 um novo Estado Autoritério, que forneceria as condicdes insti- tucionais para a realizacio do planejamento econémico do pais, estabelecido em bases de um centralismo extremo” (1). O modelo de “elite de poder” sofreu percalgos com a su- bida do governo Costa ¢ Silva. Candido Mendes reinterpretou-o. Por certo, a eleicdo de Costa e Silva estava insctita como ‘ vitdvel, na légica do sistema estabelecido no pafs” (*) e legiti- mava a dinamica natural do regime, na medida em que a can- didatura Costa ¢ Silva “se identificava com a conquista e a consolidagao do estrato militar da vida nacional como um esta- mento restaurado e fortalecido, disposto a assumir uma fun¢ao competitiva e polar no exercicio das competéncias de poder em que se constituiu o atual Estado brasileiro” (8). Isto porque “independendo de colocagao programftica e assumindo mesmo, do ponto de vista técnico, o feitio populista pela representativi- dade rigorosamente objetiva de um estrato dado da vida nacio- nal, isto ¢, o Exército, esta candidatura nao terd dificuldade alguma em se colocar, formalmente, na seqiiéncia anterior, neste elemento formal. abrangendo, inclusive, 0 compromisso com a contacto dos modelos econdmicos do governo Castelo Bran- co’ : Apesar das dbvias dificuldades para conciliar o governo Costa ¢ Silva com as caracterfsticas do modelo “‘elite de poder” — evidenciadas pelas ambigiiidades dos textos citados — o autor insiste em que o controle da politica pelo exército, atuando como um “grupo de status” (estamento), garantiria as qualida- des necessérias para manter incélume a tipologia. Mesmo par- tindo de um modelo de elite de poder, 0 governo Costa e Silva teria condigGes, segundo Candido Mendes, para permitir a tran- sigéo para uma chefia bonapartista. De dentro da dominacao estamental militar surgiria um caudilho. Esta transformagZo su- poria, naturalmente, uma politica de redistribuiggo de renda e uma ampliacio do pacto do poder (entrevista pela presenga ati- va, na época, da Frente Ampla). E ela teria como condigio o cuidado de evitar a volta a um estilo de intervencao tutelar dos (13) MENDES, Candido — “Sistema politico e modelos de po- der no Brasil”, op. cit., p. 9. (14) Idem, ibidem, p. 17. (15) Idem, idem, p. 17. (16) Idem, idem, p. 17. 74 militares na politica, tal como a tendéncia “dutrista” (#7) pode- tia inspirar. Ao contrério, a saida bonapartista teria de implicar um maior comprometimento das forgas armadas, que, aprovei- tando-se da inclinacdo “managerial” de setores militares (por exemplo, a atuacéo do General Albuquerque Lima a frente do Ministério do Interior) bem poderia pér em pratica um estilo politico nasserista (1°). Ao que parece, deparamos outra vez com um tipo de ané- lise que vai do modelo 4 racionalizagiio de situagdes ocorridas € se aproxima de uma visio normativa. Nesta, o nacionalismo militar ressurge como alternativa para o modelo de desenvolvi- mento adotado. Entretanto, o autor chamara expressamente a atencZo para o caréter privativista da pol{tica econémica que estava sendo posta em prdtica (talvez mesmo exagerando a tendéncia antiestatista do governo Castelo Branco), assim como mostrara as condicdes de “‘vécuo de poder” (#) que levaram a emergéncia dos regimes militares. Em que forcas sociais, pois, estaria apoiada essa tendéncia nacionalista? O engano na caracterizacao do processo politico se deveu, neste caso, a que foram tomados muito a sério os projetos e a ideologia dos atores politicos e, ao contrério do que ocorre com os autores analisados na segdo anterior deste artigo, que exage- tam o condicionamento estrutural, chegou-se a pensar que os go- vernos de “‘elite de poder” funcionam num vazio social, no qual a tecnocracia, o poder presidencial e os grupos castrenses che- gados 4 elite de mando, operam tecnicamente. Os analistas mencionados na seco anterior atribufam um peso exagerado as bases sécio-econémicas da politica (avaliando-as, as vezes equi- vocadamente), Na interpretagio de Candido Mendes, ao con- trdrio, os atores politicos séo personagens de um enredo que é quase puramente ideolégico e obedecem a uma Iégica politica alheia 4 base social e econémica. O problema inicial na anélise do governo “paradigmético” de Castelo Branco nao deveria ser o da coeréncia t{pico-ideal do (17) Refere-se aqui ao estilo de tutela militar exercido pelo exér- cito sob inspiragéo do Marechal Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro da Guerra de Vargas durante o Estado Novo e, posteriormente (1946- -1950), presidente da Repiiblica. (18) Veja-se, a esse respeito, MENDES, Candido — “O governo Castelo Branco: paradigma e prognose”, op. cit. especialmente p. 110. (19) Conforme MENDES, Candido — “Sistema politico e mo- delos de poder no Brasil”, op, cit., especialmente p. 14 ¢ 15. 75 seu projeto politico, mas o de perguntar-se por que, na verdade, tal projeto nao péde implantar-se inteiramente. E de todos sabido que o Ato n.° 2 (outubro de 1965) seguiu-se as eleicdes estaduais, nas quais o governo saiu parcialmente derrotado. Houve um condicionante externo ao “miicleo de poder” que levou ao Ato n° 2. A tropa, contréria ao cumprimento do ca- lendétio eleitoral, impés um ucase ao presidente. Este capitu- low e ampliou o “‘pacto de poder”. Ampliou-o tanto que teve que aceitar a imposicao militar da candidatura Costa e Silva. Por qué? Por que o sistema castelista se aferrava as eleisdes, a legalidade? Que forcas impeliam-no a isso, e quais se reve- laram contra essas diretivas? A partir de questdes deste tipo, simples e diretas, talvez fosse possivel recuperar o netvo da politica, isto ¢, 0 conflito. . Ao contrétio da visio racionalizadora que vé no processo politico a realizagio do projeto de uma elite, um enfoque obje- tivo veria, antes, oposigdes entre grupos dentro do sistema de poder e entre estes e os que estao fora dele, tentando impor suas diferentes normas, Retenhamos, por agora, apenas uma contradi¢io interna € outra externa ao sistema de poder: no governo Castelo Branco a tendéncia politica inspirada pelo préprio chefe de Estado ¢ apoiada em setores ponderdveis dos partidos, se propunha 4 “ins- titucionalizagao” da Revolugdo. Isto é, buscava alguma forma de legitimidade que terminaria pot estar consagrada num Es- tado de Direito, Dentro do Exército, entretanto, havia grupos —a “linha dura” — que queriam “radicalizar mais o processo”, ou seja, levar mais longe a Juta anticomunista e anticorrupsao, pata o que se fazia necessétio o controle militar estrito do sis- tema de decisdes, Estes grupos tinham, possivelmente, duas vertentes, uma nacionalista e outra moralista, que podiam coin- cidir ou nao nas mesmas pessoas. Ambas correntes eram anti- comunistas. Colocavam-se, em conjunto, 4 direita do governo e desencadeavam acdes suficientemente vigorosas para, em cir- cunstincias de crise, pér em xeque o governo. Fora do nticleo de poder, atuava a “‘oposicio”. No fim do mandato de Castelo Branco, essa se compunha, além do MDB, recém-criado (que funcionava no jogo de partidos como oposigz0), dos remanes- centes do antigo regime. Com a eleicio de Costa e Silva, manifesta-se mais clara- mente a tendéncia apontada anteriormente: o exército comesava a atuar corporativamente e a ocupar um Estado que fora mo 76 dernizado pela administragao anterior, © regime, sob Costa e Silva, vai abrir-se para segmentos da outrora desafiante burgue- sia nacional, através do prestigio que certos setores nacionalistas (responsaveis em parte pelo movimento do qual resultou a candidatura Costa e Silva) lograram obter no governo. O significativo do periodo, entretanto, nao ser4 o paterna- lismo do marechal-presidente ou seus impulsos populistas. A politica econémica continuard sendo, apesar da declaracao oficial em contrario, de “‘arrocho salarial”; nao seré significativo tam- bém 0 tio ambicioso nasserismo, pois o representante dessa corrente, o Ministro do Interior, perdera a posicgio num con- fronto sobre a politica econdmica claro e direto com o Ministro da Fazenda. Este representava a tendéncia oposta, de desenvol- vimento pelo fortalecimento da empresa (nacional, estrangeira e ptiblica, associadas). Antes, o que chama a atencao é que nova- mente o presidente desencadeard uma estratégia de “abertura democritica’”. Tratard de reativar o jogo partiddtio, ampliaré as liberda- des politicas, fara apelos 4 unio nacional. Quando cresce a Oposicao (passeatas dos cem mil, primeiros atos guerrilheiros, oposic¢ao franca do MDB ao regime, Frente Ampla etc.), nova- mente, uma oposi¢ao interna poe em xeque o governo. Essa oposicao partia da “jovem oficialidade”, dos setores nacionalis- tas do exército e dos ultra. Como conseqiiéncia edita-se 0 ATO >, que praticamente transforma o presidente num ditador, sob fianga das Forcas Armadas, por pressio de grupos de fora e de dentro do governo. Era o Exército, como instituigfo, que assu- mia as presses dos uléra, A cena repete-se, ainda sob o governo Costa e Silva — sem as manifestagdes puiblicas ¢ populares de oposicio — com as tentativas de reconstitucionalizagao, que partem.de setores da cupula palaciana (supde-se que apoiados pela “classe politica”, pelos remanescentes dos partidos), A reconstitucionalizacdo nao tem éxito, aparentemente por causa da doenca e subseqiiente afastamento do presidente. De qualquer maneita, a oposicao a nova tentativa de institucionalizacio j4 havia crescido e mesmo sem a doenga de Costa ¢ Silva seria provavel uma crise politica. Neste meio tempo, hé dois fatores, um econdmico, outro politico, que devem ser considerados. O primeiro diz respeito a tetomada do crescimento econdmico, O segundo, se telaciona com a emergéncia, especialmente a partir de fins de 1968 e 1969, da oposi¢gio armada. 7 © quadro entretanto é 0 mesmo até o fim do periodo Costa e Silva: o governo, apoiado em parte no exército, em parte nos partidos, tentando “institucionalizar” a revolucio. esquetda e a direita, desencadeiam-se ages, que passam a con- dicionar-se reciprocamente, e que vetam, em citcunstancias cx- tremas, as estratégias desencadeadas pelas liderangas governa- mentais. Por tras deste jogo, as decisdes de politica econémica seguem um curso telativamente auténomo e os grupos de inte- resse unem-se em torno dos favores e da politica governamen- tal, dando um apoio equilibrador, se nao ao presidente ou & lideranca, ao Regime. Que Regime € este? A eleicao do presidente Médici dei- xou claro o modelo em jogo. Apesar das presses nacionalistas e do prestigio castrense atribuido ao lider dessa corrente, a decisio fundamental, que afastou a candidatura Albuquerque Lima & presidéncia, teve as seguintes caracterfsticas: a) foi tomada pelo estrato superior da butoctacia militar (os generais de 4 estrelas); b) obedeceu a critérios burocréticos de hierarquia e repre- sentacdo corporativa; c) impediu o risco maior para o Exército como burocracia dominante: sua desagregacao pela proliferacio de tendén- cias e facgdes, que o predom{inio da tendéncia nacionalista e a ctistalizagdo de uma oposigao acarretariam; d) implicou, portanto, numa conciliagdo entre correntes de dentro do Exétcito. E o gue é mais significativo: em nome da hierarquia, da disciplina ¢ da coesio a decisio foi acatada pelos que perderam, apesar de, possivelmente, serem majoritdérios dentro da tropa. Com a Instituigfo Armada, como corporagéo, assumindo em forma crescente o controle do Estado (isto é, de outta buro- cracia, também esta modernizada pelas administracdes anterio- tes), implantava-se um modelo relativamente estdvel de domi- nacio burocratica. Dentro deste modelo os riscos de rigidez burocrética sio compensados pelo fato, j4 apontado, de que a economia (inclu- sive ptiblica) tomou forma nitidamente empresarial, e porque o contetido tecnecrético da Administracio € acentuado. O Regi- me baseado neste modelo de dominacéo burocrético-militar nao deixa de implementar, naturalmente, polfticas que interessam a 78 sua base social: com elas se beneficia a burguesia internacionali- zada, o ptéprio grupo militar, as classes médias ascendentes, especialmente os segmentos profissionais e tecnocriticos e, en- quanto houver ctescimento econémico, alguns setores das cama- das populares, sempre e quando o governo sustente polfticas redistributivistas. O objetivo primordial das Forgas Armadas fora definido como sendo o de fortalecer o Estado e garantir a seguranca na- cional: nao existe choque direto entre essa concepcio e 0 estilo de desenvolvimento econémico adotado. Dentro deste esquema cabem, inclusive, press6es nacionalistas. A condic&o de que se mantenha o carater “associado” do desenvolvimento e que den- tro dele caiba um Estado forte. O modelo €, portanto, de dominagao autocrdtica, sob con- trole burocrético-militar ¢ est4 assentado em bases economica- mente dinamicas. AUTORITARISMO E DEMOCRACIA A partir deste quadro comecou a difundir-se a crenca de que existe uma relacao estreita entre desenvolvimento econémico e autoritarismo e de que este € condicao para aquele. Nao importa, neste momento, discutir os fundamentos da suposigao (mesmo no caso atual, a retomada desenvolvimentista é anterior ao Ato 5 € sofreu percalgos em 1969, depois dele). Esta crenca encontrou adeptos entusiastas, como era de prever-se, dentro do préprio estamento militar, de setores empresariais, de segmen- tos das classes médias tecnocrdticas e das classes médias ascen- dentes, Por seu turno, dada a orientacdo nacionalista de alguns grupos aléra, pretende-se, as yezes, validar o autoritarismo com argumentos pseudonasseristas. A essa ideologia se opdem, grosso modo, os remanescentes do castelismo e a oposigao de fora do regime (parte da esquerda e da intelectualidade, a Igreja etc.). A defesa mais candente da compatibilidade entre a demo- cracia ¢ o modelo de desenvolvimento associado, que est4 sendo posto em prética — e portanto de critica ao nacional-autorita- tismo veio de um antigo ministro de Castelo. Roberto Cam- pos (7°) alinhou os argumentos centrais da tese, tomando de (20) Veja-se a série de artigos publicados em O Estado de S. Paulo sobre o “Modelo brasileiro de desenvolvimento”, nos dias 7 a 24 de julho e 1.2 ¢ 8 de agosto de 1970. 79 empréstimo aos cientistas politicos americanos (Apter, Almond e Verba) a linguagem, o modelo e a intencéo: “A opgao politica que nos convém — e que é na realidade a opcao consagrada pela Revolugéo de 1964 — € a de democracia participante com um Executivo Forte. O modelo apropriado € o da reconci- liagdo, pois que nossa sociedade, pelo menos em algumas regides, ja transitou da fase de modernizacao para a de industrializa- cao” (74). Para isso, se requer um executivo forte, o funcionamento do sistema partidério ¢ um mecanismo de “reconciliagéo popu- lar”, baseado na informacéo e na comunicagio entre elite e massa. Este modelo evitaria os riscos dos sistemas mobiliza- dores e autocrdticos e permitiria a substituigao da coacao pela informaco, sem incorter nos equivocos e riscos do “populismo distributivista” ¢ da “excitago nacionalista”. A base do regime consensual estaria dada pelo pluralismo econémico, como con- digéo para o pluralismo politico e pela mamutengao de uma sociedade aberta, gracas ao aperfeicoamento de canais de mobi- lidade social, como a educagao. Novamente, esté-se diante de uma andlise que condicionou estritamente o politico ao econdmico (dado um sistema econd- mico pluralista ter-se-4 provavelmente pluralismo politico), bem como de uma visao normativa. Os fatos esto indicando mais coagéo e menos informacio, apesar do pluralismo econémico. Isto quet dizer que o regime militar, sobre ser burocrdtico € totalitério? Existem tendéncias neste sentido, mas ainda nao so hegeménicas no Estado. Falta uma doutrina racionelizadora (a doutrina do Estado ainda é “democrdtica”) ¢ um partido mo- bilizador. Por enquanto existe uma autocracia militar-burocré- tica, economicamente desenvolvimentista. O regime daré o salto? : A resposta nfo pode, outra vez, ser buscada no nfvel ideo- Iégico. A tual correlacio de forcas politicas mostra que a0 tedor do eixo estabilizador da burocracia estatal-militar reagru- pam-se, em torno dos partidos consentidos, os antigos interesses politicos. Estao, naturalmente, submetidos ao ctivo centraliza- dor ¢ estabilizador do Regime, como a escolha prévia dos go- (21) Citagdo extraida do artigo publicado no dia 17/6/1970, O Estado de S, Paulo, p. 5. 80 vernadores pelo presidente demonstrou. As Assembléias Esta- duais repetiram a fungio ritual do Congresso Nacional que elege presidentes previamente indicados. Por outro lado, as de- cisGes de politica econémica parecem manter-se numa. esfera relativamente auténoma do circulo politico, delas participando os grupos emptesariais quase corporativamente. Este sistema, simultaneamente centralizado, burocrdtico e empresarial, tem sido capaz de gerar politicas, propor objetivos, e de mobilizar simbolicamente a populacio por intermédio de ideais de fortalecimento da Patria. Ele procura legitimar-se (melhor diria, como Candido Mendes, autenticar-se) gtacas aos €xitos econémicos. As crfticas a repressdo séo respondidas com cifras sobre o desenvolvimento, na mesma perspectiva dos ana- listas que ctéem que economia e politica tem uma cofrespon- déncia direta. Entretanto, o sistema tem dois desestabilizadores, um no seu interior, outro alheio e oposto a ele: a repressdo incontro- lada ¢ a aco armada de esquerda. Além disso, por nao conse- guir institucionalizar-se, encontra em cada periodo de sucesso um momento de crise. Ao poder de veto dos grupos ultra, que condicionam o pro- cesso politico brasileiro desde o governo Castelo Branco, veio somar-se 0 do aparelho reprtessivo e dos grupos armados de esquerda. Nenhum dos dois extremos parece, neste momento, estar cm condigdes de gerar objetivos politicos e implementé-los. Mas ambos, reciprocamente, condicionaram o Regime e podem frear polfticas oriundas dele. Além disso, na medida em que impedem maior permissividade polftica, diminui a capacidade do regime absorver grupos opositores e de gerar politicas capa- zes de passar pelo crivo da “‘participacao critica” dos que a ele Se opdem mas nfo querem perder influéncia politica no Estado. As probabilidades de que se agravem as condigdes de coa- sao em detrimento da informagéo (para dizé-lo de maneira eufémica) dependero da capacidade que tenham os setores go- vernamentais do Regime ou as forcas que se opdem a seus aspectos mais repressivos (como a Igreja), para frear a corrida da violéncia politica, Nao creio, novamente, que exista uma inevitabilidade favordvel ao totalitarismo (2), Mas nfo acre- (22) Essa afirmacio nao significa que a alternativa do totalita- rismo seja uma “abertura democrdtica”, Refiro-me apenas a estabiliza- 81

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