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S | sentimenros EOUCACAS' . ne cont 99 Aimportancia de um “Nao A psicoterapeuta infantil Asha Phillips diz que a incapacidade dos pais modernos de contrariarem os filhos estd.a criar uma geracdo de tiranos. No seu livro “Um Bom Pai Diz Nao” explica como impor-lhes limites. Desde o berco. TEXtO DE RAQUEL MOLEIRO SENTIMENTOS “Mais do que dizer nao, o importante é manté-lo” ASHA PHILLIPS explicou ao Expres- 0 como a sociedade actual, de maes trabalhadoras, sem nenhum tempo ¢ com muito sentimento de culpa, e 0 aumento das familias monoparentais, cstdo a estimular a permissividade parental Porque é tao dificil dizer ndo? Ao negarmos algo, ao contrariarmos uma vontade, somos impopulares e gera- ‘mos conflitos. E fugimos disso, E uma heranga do pés-guerra. As pessoas passaram a achar que tudo 0 que era rigido era fascista, Nés, os pais que viveram o flower power, tornémo-nos to contra tudo isso que comegdmos a fazer 0 oposto. O legado negativo dos ‘anos 60 foi deseducar. Essa geracio ‘educou outra que eresceu desampara- da, com demasiada liberdade. Acestrutura actual de famitia, com pat ‘e mae a trabathar, ou mesmo monopa- rental, nao facilita a tarefa. Hi uma enorme culpa, por parte das maes que trabalham, e que sentem que no se dedicam a tempo inteira aos filhos. 0 facto de terem de os deixar faz ‘com que pensem nao estar a cumprir bem o seu papel. E como a maioria ddas mulheres ainda tem a exclusivida- de das tarefas domésticas mal chega E diz-se sim para compensar 0s filhos e para amainar a culpa... No quere- ‘mos discusses porque tivemos sauda- des deles 0 dia todo, queremos que hos achem amorosas. E por isso ndo ddizemos “Chega de televisio” ou “Esta nna hora de ir para a cama” Quando é que é demasiado tarde para se comecar a ditar limites? Nunca. S6 que quanto mais tarde mais dificil. 0 ‘deal 6 comecar quando 0s filhos so bebés. Chegar & idade escolar sem regras, por exemplo, pode ser muito complicado, A forma como os miidos reagem 20 “ndo” tem um enorme impacto na sua capacidade de se adap- EVISTA UNKA-25/07/2008 tarem, fazerem amigos e aprenderem na escola. Tentar impor regras a um adolescente que nunca as teve é quase uma impossibilidade. Hé erros praticos que se dever evitar? maior € os pais quererem ser perf tos. Por exemplo, com as bebés: cus- ta-thes ouvi-los chorar e por isso eor~ tem até eles ao minimo rufdo. Mas varias investigagBes recentes dei- xam-me descansada como mie: con- cluiram que é bom nfo acertar sem- pre, que 0 ajuste perfeito no ¢ benef co, O que é bom para o desenvolvimen- to é existirem acertos, erros e reparas. E isso € que & a vida real. Todos os pais querem ser perfeltos. Mas isso é 0 que interessa as pais. Nao 0 que interessa ao filo. 0s fithos podem tomar decisses? Claro que deixé-los decidir, de vez em quando, dé-lhes independéncia, iniciati- va, criatividade. E maravilhoso ver 0 ‘seu entusiasmo e energia. Mas no benéfico dar-Ihes demasiada escolha, porque depois torna-se uma responsa- bilidade deles e isso & de mais quando se é crianga, Podem, por exemplo, opinar sobre o que vao comer? Ui. Nao sei como é em Portugal, mas em Inglaterra a hora da refeigdo tornow-se terrivel. Imagine-se ‘que se tem trés criangas, e uma quer ‘comer massa, outra carne e a outra é vegetariana, e a mie cozinha trés refeigies diferentes. Isso € de loucos. Devese dizer: “Fsta é 2 refeicto hoje, ‘eu sou tua mie e sei o que é bom para tie por isso é isto que vamos comer.” “Se estd a tentar impor limites, comece nas alturas féceis do dia — nunca de manhé, quando se corre para a escola” ‘Se no quer, paciéneia. Porque se a nossa erianca quer massa todos os dias e nds satisfazemas esse eapricho, entdo quando vamos comer a casa de amigos ou na escola eles no vio querer comer porque nao é massa, E, aia mde tem um grande problema, E tudo uma questio de flexibilidade e de (s pais fazerem o seu filho sentir que cle se consegue adaptar as coisas do ‘mundo ¢ que ndo é sempre o mundo gue se adapta a ele. E dormir na cama dos pais, é prolbido? [Nao hié um no ou um sim claro, Sea crianga dorme bem, se os pais dor- ‘mem bem néo hé problema. Mas se isso é feito mais pelos pais do que pelas criangas, se é 0 pai que precisa de conforto, entio esti errado. Eo que fazer durante as birras no supermercado, com as criangas que ‘esperneiam no cho? Mais uma vez, do hé uma regra magica. Se acha que {esta hd demasiado tempo no shop- ‘ping e que a crianga esta cansada, entio a culpa é dos pais e é altura de ir para casa. Se, por outro Indo, pas- sam o tempo todo “eu quero, eu que- +0", € muito importante nao ceder. E se a erianga se atira para o chao, que isso nao afecte os pais porque é quan- do nos preocupamos com o que os ‘outros comentam que se tomam deci ‘bes erradas. Podemos deixt-la esper- near por § ou 10 minutos, esperar que acabe e continuar o que se estava a fazer. Regras dao-thes estrutura, um objectivo e, depois, o sentimento de vit6ria quando o alcangarem. Mas como podem os pais saber quan- do devem dizer sim ou dizer no? muito diffel, Olivo no encerra nenhuma formula seereta, porque ela simplesmente no existe. F importan- te ndo dizer sempre ndo, porque seria ridiculo, temos que escolher 0s nossos ‘nos’ com muito euidado, os verdadei- Famente importantes. E quando os escolhemos temos que os segurar, no ceder. O que realmente no & bom para as criangas é dizer nfo, nfo, nfo depois dizer sim. Porque assim nun ‘ca saber quais s4o 0s limites. E uma crianga usard os nossos argumentos, a nossa linguagem, e vai lembrar-se sempre daquela vez em que dissemos sim — “Se naquele dia deixaste porque no deixas hoje?” S80 muito légicos e encostam-nos a um canto com os seus argumentos. Hi alguma altura do dia mais propicia para a transmissio dessas regras? Se esti @ tentar impor limites comece nas alturas faceis do dia — nunca de ma- ‘ha quando se corre para a escola e para o emprego. Bf ‘Maria tem trés anos € adora @ palavra “no”. Gosta de dizé-la — com dedinho indicador a aba- nar e cabeca a acompa 4 nhar 0 compasso —em relagio & sesta da tarde, a arrumagio dos brinquedos, ‘hora de ir dormir, a escuridao do quarto, 20s sapatos que ndo sio ténis, & roupa que nfo tem a “Hello Kitty", & comida que no é massa, ao brinquedo que nao seja plasticina, ao canal de televisio que nao seja o Panda, a0 DVD que nao tenha o Ruea, rua onde no cexista um parque. A resposta pronta e negativa s6 muda para sim, se a mie disser no. Porque na boca da mama a palavra perde a graca, limita-lhe as vontades ilimitadas, traga fronteiras centre o possivel que ela ndo quer e 0 impossivel que deseja, gere-Ihe 0 com: portamento infantil. “Impor barreiras i, negar algo custa, mas é uma forma de amar. £ uma prenda que se dé aos filhos e que Ihes assegura uma entrada firme no mundo real”, explicou ao Expresso a psicoterapeuta infantil Asha Phillips, autora de “Um Bom Pai Diz Nao", um livra best-seller mundial angado agora em Portugal. Confessa a mae da Maria que dizer nao nem € uma tarefa heretilea, 0 pior mesmo é manté-o, Porque a seguir as ‘res letrinhas ver logo a tristeza chan- rageante da petiz, ou a insisténcia repe- tida & exaustdo que leva 20 nos temo re OZERNAO AC PeRNissiouce Few cOnseOuEN: CAS TERRES. ESADACRIR ‘IRENOS QUE NAO AGEN REAGIR ADvERSIDADES: limite a paciéncia de qualquer adulto, ow a vergonha que sobe vermelhia a0 rosto materno ‘quando a birra se esparrama no chiio do supermercado. “Os pais modernos tém muita \ificuldade em dizer nio aos filhos e essa permissividade ‘tem consequéncias terriveis Estio a eriar pequenos tiranos, ‘que nfo sabem reagir a adversi- dades porque nunea foram contraria- dos, Ou entio criam criangas medricas, absolutamente dependentes, que no sabem fazer nada sozinhas.” Jaa imaginar a Maria no seu pedes- tal de ditadora, ou com 40 anos ¢ gru- dada que nem lapa & casa dos pais, a ‘mae vai procurar socorro e solugGes no livro de Asha, O titulo € duplamente apelativo (ainda que faga torcer 0 nariz, ‘quanto & tirada Logica de que é mau pai ia ies Asta PHILUPS,PsIcOTERA ESCREVEL A PRINEIRA VER. ‘Sho 50 LVRO eM 1895, UN 80 PERDIGO NA ARTE DE GIZER NAO AS DUAS FLIES, PROCUROU LIVROS QUE A BOUDASSEM. CONG NEO ENcontrou. EScRevEl (0B, COM DASE NOS CASOS (QUE TeaToU nA TANT EhiweACREDTE Se QUISER SANDS Hose © CONSULTO™ {AVEUOS ANOS 60 EM PARIS ENCONTRA WA FONTE OA Si PeRwssivioube ~ © PARTE DA {ADK NA INDIA, ACTUALMENTE, EXERCE A NIVEL PARTICULAR. IRTENBENDO CRLANCAS. FaMiLas € CASA, EM LON. RES. NA SEMANA PASSADA EsTeve en Liseon pare DPRESENTAR AVERSIO PORTUGUESA Se “SAYING NO ‘ATRABUGA “UM BoMPaI DZ RAG" (E0iTORA LUA De PAPEL) NAG A SanSFA? PLENAMENTE SSENCERRA UM CERTOJUIZO De vaLoR' = was aDoRA DERESCENTS NO CANTO INFERIOR DREITO DA cHPa: IMPOR LRaTES EUMA FORMA DE AM 7 { | aquele que diz. sim). Nao id pai que no ddeseje ser perfeito e ponho as duas ‘mifozinhas no lume se algum tem certe- zas absolutas sobre os limites que deve {impor aos filhos para atingir essa pleni tude parental. Pode dormir de luz ace- sa? E na cama dos pais? Quantas horas de televistio? Pode escother o que vai comer? E 0 que vai vestir? O que fazer perante uma birra? Quando se pode sim? E quando se deve comegar a izer no? E quando é tarde de mais, para comegar a tracar limites? Apsicoterapeuta britanica conhece cada ‘uma das diividas de cor, rise sempre ‘quando se sente como o manual de instrugBes onde os pais querem encon- trar solug6es concretas. “Nao ha uma resposta tinica nem o meu livo é de ‘eceitas”, diz com um sorrisaaberto. ‘Mas reconhece-se nestas diividas. Ela também é mle, de duas raparigas agora {if adultas, e foi a sua enorme dificulda- de em contraris-las que a levou a procu: rar literatura de ajuda. Como no en- controu, escreveu ela o livro —a primei- ra edigdo € de 1999 —, dividido por conselhos para bebés, criangas dos dois ‘05 cinco anos, os anos da escola primé: ria e as adolescentes. “Os limites devem comecar a ser colocados quando ainda andam ao colo. E geralmente nessa altura que dizemos, pela primeira vez sim quando deviamos ter dito nao". Para Asha, 05 erros come- tidos pelos pais nesta fase prendem-se com a ansiedade de tudo quererem fazer e sempre bem. Ao minimo tudo do bebé, a mie entra no quarto. Mal abre os olhos pega-the. Mal ouve um cchoro dé-the de comer. A chucha cai ¢ ‘a me apanha, O bebé quer colo ea mnie dé. “Os pais querem o seu bebé sempre a sorrir, fazemthe todas as vontades, dizem que sim a tudo ¢ ele cconsegue tudo sem esforgo. Nem Ihe dio a possibilidade de descobrir o que consegue fazer sozinho”. (0 medo dos pais de errar é grande, ‘mas em ver de transmitirem seguranga asfixiam 0 desenvolvimento da sua independéncia e criam eriangas infli- es ¢ inadaptadas. “As vezes acertamos, ‘outra no. E normal. Nao existem pais ‘ou mies perfeitos, nao se espera que acertemos sempre. Aliss, 0 encaixe perfeico — uma mée que poupa o flo a {odo e qualquer tipo de irritagao — nao é benéfico, A recuperagio de um desen- ‘contro promove 0 desenvolvimento, ¢ & certo que serio sempre mais as vezes tem que as necessidades do bebé sto satisfeitas do que 0 inverso.” Dizer néo a um bebé € nfo ir a cor- rer para o quarto quando ele choramin- sea, € deixé-lo encontrar a chucha sozi- rho, € permitir que ele descubra uma fonte de conforto alternativa & mae ou ao pai (0 polegar, por exemplo). Dizer no é nao deixar a luz do quarto acesa ou nfo mergulhar a casa num silencio sepuleral, para que o bebé eresca no mundo real. “Nesta fase, 0 estabeleci- ‘mento de limites surge nao tanto como

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