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02 de outubro de 1992, um dia ensolarado, em um apartamento de uma família tradicional, um

homem chamado Januário Noronha assiste tv com sua filha. Quando em terminado momento, ao
fundo, um toque de telefone, sua esposa atende e segundos depois ela o chama dizendo que era o
Coronel Ubiratan. Ele se levanta e recebe o telefone, do outro lado da linha o Coronel ordena que
Noronha vá para a delegacia imediatamente, ele até questiona o que é tão importante que atrapalha
sua folga, mas não obtém respostas.

Noronha faz um suspiro como se já estivesse estressado com a situação, tendo uma pequena idéia do
que se tratava. Noronha veste suas calça jeans e coloca os sapatos, pega uma bolsa que já estava
pronta para o dia seguinte, se despede rapidamente de sua família, sua esposa estranha um pouco,
mesmo compreendendo que aquele é o trabalho dele, e lhe dá um beijo preocupada, ao sair sua filha
acena se despedindo, ele a retribuí e fecha a porta, no momento que sai anda por um corredor, vira a
direita em direção ao elevador onde uma senhora segura a porta para que ele possa entrar, e então
agradece com a cabeça. Durante 1 ou 2 minutos ambos ficam ali naquele silêncio constrangedor
rotineiro, a porta se abre e ele se apressa em direção ao estacionamento, pensando ao longo do
caminho "que tipo de intervenção será dessa vez?". Ele entra em seu carro e sai, em alguns minutos
chega no quartel onde já se depara com várias viaturas saindo, ele entra, e vê alguns colegas de
trabalho fardados e se preparando, rapidamente os comprimenta, ele vai direto pra um cômodo e
começa a se trocar, instantes depois sai daquele mesmo cômodo uma pessoa completamente
diferente, usando uma farda preta e bem protegida, capacete, colete, granadas, segurando um fuzil
intimidador, o que lhe faz pensar que não está pronto para uma simples operação, está pronto para
uma guerra. A partir daquele momento é explicado ao Noronha que dois presidiários haviam
começado uma confusão e dela se formou algo maior e que eles teria que intervir para que a ordem
fosse retomada, (pausa dramática os três procuram olhares na plateia e falam juntos ) custe o que
custar.

O caminho para o Carandiru parecia uma eternidade, pois ele não fazia ideia do que o esperava,
chegando no local se depara com uma cena de puro caos, parecia que estava de frente aos portões do
inferno onde ele observava as confusões que se formavam na multidão, parentes de presidiários
atacando o batalhão, e os policiais agredindo fisicamente qualquer um que ousasse intervir no
trabalho deles. Enquanto a viatura tentava passar entre os policiais que abriam o caminho para
entrarem na prisão, pessoas gritavam e jogavam pedras na viatura que passa rapidamente e enfim
atrevessa acerco de policiais. Naquele momento, mesmo para um homem tão rígido como Noronha,
ele se sentia como uma criança com medo do bicho papão (uma pausa para quem fala procurar
alguém q pareça frágil), por mais que esse sentimento tomasse conta dele, percebeu que os outros
policiais que estavam ali dentro do carro ficaram com uma coragem fora do normal, como se
estivessem "drogados de adrenalina". Após chegarem nos portões, ouve-se o barulho da porta de
metal se abrindo, todos descem de maneira sincronizada do camburão, onde seus passos lembram
trotes de cavalos, enquanto marchavam em direção aos portões do inferno, estranhamente Noronha
faz o sinal da cruz.

Andando de maneira uniforme, os membros da tropa de choque andam em um corredor escuro da


prisão, ecoam gritos de socorro e desespero de uma formas inimagináveis, dobrando a esquina do
corredor, Januário Noronha se depara com a visão mais petubadora de sua vida, que ao mesmo
tempo lhe dá uma estranha ponta de prazer, policiais jogando corpos na vala do elevador, outros que
prendiam grupos de presidiários em uma cela e atirando bombas lá dentro em sequência, um chão
banhado em sangue, como um mar vermelho.

Nesse momento, vendo toda aquela bagunça na sua frente, foi que Januário realmente entendeu
porque foi convocado para estar ali, e o que ele estava prestes a ter que fazer, ele vai até um dos
policiais que estavam ali, ao chegar perto, Noronha percebeu que ele está fora de si, certamente
alterado, sob efeito de alguma coisa que mexeu com sua cabeça, mas mesmo assim ele decidiu
perguntar se ele sabia como tudo isso tinha começado, o policial, dizendo de uma de um jeito
acelerado e bem alto, comenta que por ali havia negligência da direção á respeito do saneamento
básico, e dois detentos acabaram encontrando um rato morto na caixa d'água e muito provavelmente
isso foi o suficiente pra transbordar um ódio que estava sendo guardado muito tempo então eles
começaram uma discussão que foi crescendo, assim começando uma rebelião. O policia nem se
despede e já sai com tudo na direção que Noronha acabou de vir, então ele indo á direção oposta,
corre adentrando ainda mais aquele inferno, deixando para trás tudo aquilo, mas quanto mais
adentrava a penitenciária, mais as coisas iam piorando, os gritos cada vez mais altos, á esquerda no
fim de um corredor, encontra um presidiário com uma faca improvisada em suas mãos, ele parecia
estar assustado, o detento tremia, mas mesmo assim, começa a correr na direção de Januário,
gritando e erguendo a faca para atacá-lo num ato desesperador de lutar por sua vida, Noronha não
perde tempo, pega o seu fuzil e atira bem na barriga do presidiário, que instantaneamente cai no chão
fazendo um estrondo que ecoa pelo corredor inteiro, ele fica parado por alguns segundos ali, apenas
processando o que acabou de acontecer, Januário começa a sentir uma onda de adrenalina subindo
por seu corpo, sentindo uma vontade muito grande de se mover, então começa a correr, procurando
por mais presidiários, o sangue que cobriam o chão dos corredores deixou de ser algo que causava
repúdio e se tornou uma necessidade de mais, agora, veias saltavam em sua testa e cobriam a parte
branca de seus olhos, sua pupila dilatada é um reflexo inexplicável, qualquer um que aparecesse em
sua frente e não estivesse fardado, ele atirava sem nem se importar quem realmente era, chegou em
um ponto que tudo aquilo virou um jogo pra ele, uma competição com o próprio ego de quantas
pessoas ele iria conseguir matar, matou cinco, seis, sete…

Por mais que tudo aquilo de alguma forma fosse divertido e estranhamente satisfatória, já estava
ficando no automático, e no estado em que estava, ele precisava estar pilhado cem por cento do
tempo, então decidiu animar um pouco mais a brincadeira doentia que ele havia começado, tentar o
jogo de presa e predador, correndo pelos corredores em busca de seu alvo perfeito, ele vai atirando
nos que não o satisfaziam, até que enfim ele encontra a pessoa perfeita, era um homem baixo, bem
magro, cabelos escuros e suava que nem um porco assustado, uma presa perfeita para ser seguida por
uma raposa, quando o detendo se vê frente a frente com o policial, ele sai correndo, para uma pessoa
com pernas pequenas, ele corre bem rápido, ele estava mais para uma lebre, pequena, porém ágil,
Noronha estava correndo atrás dele, isso lhe dava um prazer tão grande que ele até soltava algumas
risadas involuntárias, uma risada grotesca e demoníaca, até que o detento vira sua esquerda no
corredor e some da visão de Noronha, mas quando Noronha chega no fim, ele se depara com um
corredor de celas fechadas sem saída, e no centro, o presidiário mais assustado do que nunca,
Noronha vai dando passos para frente, enquanto o homem ia se escorando cada vez mais na parede,
talvez pensando que se forçasse mais um pouco, seria capaz de atravessa-lá, era possível sentir os
batimentos cardíacos de Januário em seu rosto, pulsando com tanta força que parecia que sua testa
saltava pra frente, ele fica frente a frente com o detento, tão perto que era capaz de sentir a
respiração ofagante em seu rosto, o membro da Tropa de Choque pega seu fuzil e coloca bem no meio
da testa do homem, que já estava de olhos fechados, apenas esperando seu momento chegar,
Noronha ainda pergunta quais são suas últimas palavras, o detento apenas pede para que ele acabe
com isso de uma vez, Januário esboça um sorriso de canto e então aperta o gatilho, esperando os
miolos do detento pintarem a parede, mas tudo que escuta é um "click" ele aperta o gatilho de novo,
e de novo, e tudo o que ganha em respostas são vários "clicks", sua munição tinha acabado.

(PAUSA, RESPIRAÇÃO PROFUNDA, OS ATORES SE OLHAM... E DEPOIS DO TEMPO NECESSÁRIO).

05 de dezembro após o grande massacre que ocorreu à mais ou menos dois meses atrás, o policial
precisou de acompanhamento psicológico, então três vezes por semana tinha encontros com seu
terapeuta Marcos para tentar "melhorar" (se é que isso é possível) psicologicamente de tudo aquilo
que o pertubava. O policial se indignava com o que a televisão estava dizendo, que tudo tinha
começado com uma discussão em um jogo de futebol, se perguntava quem seria o trouxa que
acreditaria que um massacre teria um início tão besta como esse. Januário se tornou um homem
traumatizado com o que aconteceu, ele era um desgraçado, nojento, doente, um verme, mas não um
pscicopata, ele voltou pra casa naquele fatídigo dia e comprimentou sua família como se nada tivesse
ocorrido, mas muita coisa havia mudado dentro dele, aqueles "demônios" que Noronha permitiu que
tomassem seu corpo nunca mais foram embora, eles nunca mais deixaram que ele vivesse sem se
drogar com os seus remédios tarja preta, que ouvisse a palavra Carandiru sem se estremecer ou
entrar em choque, ou que pudesse levar sua filha para ir no parquinho, sem que os gritos, risadas e
alta quantidade de gente lhe causa-se crises de ansiedade. A cabeça dele sempre estava presa no
passado e além de tudo isso havia a mídia em cima da tropa de choque, em algumas semanas ele
receberia uma intimação para depor sobre o caso ao lado de outros 73 policiais. Ele tentava seguir em
frente, procurava um gatilho que o incentivaria a seguir em frente, mas quando ele pressiona esse
gatilho, a única coisa que recebe como resposta, é um "click".

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