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PGR e rumos do Ministério Público

A função de Procurador/a-Geral da República (PGR) é essencial para o bom funcionamento


do sistema de Justiça, para a defesa da democracia e para a promoção dos direitos humanos no Brasil.
A escolha de quem exercerá tal cargo interessa a toda a sociedade e a todos os poderes do Estado e
pede reflexões sobre o desempenho das funções do Ministério Público que vão bem além daquelas,
também importantes, relativas ao processo de nomeação do/a PGR.
O Ministério Público, com um histórico de relevantes contribuições à promoção e proteção
de direitos coletivos e sociais no país, consolidou-se como instituição essencial à Justiça. Contudo,
especialmente a partir do conhecimento de atos abusivos cometidos em várias iniciativas da Lava
Jato, percebe-se um preocupante rebaixamento da credibilidade do Ministério Público Federal,
agravado na atual gestão da PGR, que possui pouca liderança interna e baixo nível de articulação com
a sociedade brasileira. A situação se acentuou com a diminuição da alocação de recursos humanos e
materiais para as funções de defesa dos direitos humanos e dos interesses sociais, o que reduziu a
capacidade da instituição de atender às demandas das populações mais vulnerabilizadas no país.
Para superar esse cenário, é necessário que o Ministério Público desempenhe as suas funções
de defensor do regime democrático, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, em diálogo com as demais instituições de Estado, observando-se ao mesmo tempo a
efetividade de sua atuação e a autocontenção necessária ao equilíbrio dos Poderes da República.
Reassumir o perfil que lhe foi atribuído pela Constituição de 1988 significa reconduzir o Ministério
Público ao cumprimento dos objetivos da República, especialmente de construção de uma sociedade
livre, justa e solidária, sem pobreza, marginalizações e discriminações de qualquer natureza.
Neste momento de reconstrução do projeto democrático brasileiro, também deve ser
impulsionada a correção dos rumos do MPF, fazendo-o mais democrático, transparente e permeável
às necessidades da sociedade; um MP que equilibre sua autonomia com o controle social e com o
sistema de freios e contrapesos próprio de um Estado Democrático de Direito.
Mostra-se fundamental também que a instituição reoriente o exercício balanceado de suas
múltiplas funções, tanto com o reforço do seu papel de defensor dos povos indígenas e dos demais
povos e comunidades tradicionais, do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e dos
direitos dos trabalhadores, como também considerando mais fortemente as desigualdades sociais,
raciais e étnicas da população na sua atuação criminal. Em especial, deve atuar para reduzir a
disfuncionalidade de um sistema penal que promove o superencarceramento de crimes sem violência
e não consegue dar conta de crimes graves. Além disso, a defesa intransigente das garantias
fundamentais e o enfrentamento da violência estatal devem superar os argumentos próprios do
populismo penal, incapaz de solucionar os problemas reais da segurança pública no país.
Reconhecemos, ainda, que o aperfeiçoamento do MPF não passa por estratégias de
constrangimento, nem pelo controle político da instituição, mas deve realizar-se por um paradigma
de assunção de responsabilidades perante o conjunto da sociedade brasileira, de prestação de contas
de suas atividades e de equilíbrio no desempenho de seu mandato constitucional. Para tanto, é
necessário refletir sobre a democratização de poderes no âmbito interno, com o estabelecimento de
mecanismos de controle e revisão das decisões do/a PGR, como arquivamentos em procedimentos de
investigação criminal perante o STF, a limitação do seu papel na definição da composição de câmaras
de coordenação e revisão e o exercício de seu papel no controle de constitucionalidade, com a
possibilidade de que o Procurador/a-Geral do Trabalho e o/a Procurador/a Federal dos Direitos do
Cidadão tenham voz nos temas relacionados às suas funções específicas. Também o estabelecimento
de quarentena para a assunção de cargos externos e a vedação da recondução do/a PGR,
eventualmente combinada com aumento do mandato, fortaleceriam a autonomia e equilibrariam a
relação com os demais Poderes.
A administração da instituição, por sua vez, precisa fundar-se na garantia de equilíbrio na
distribuição de ofícios e de recursos entre as funções criminal e as de defesa do regime democrático
e de promoção dos direitos difusos e coletivos. Em paralelo, é inadiável o aprofundamento da política
de inclusão por meio de cotas raciais, étnicas e sociais, de modo a aumentar a representação da
diversidade da população brasileira no Ministério Público da União (MPU), assim como a adoção de
uma política abrangente de igualdade de gênero, que contemple a superação das barreiras que atingem
as mulheres no ingresso na carreira, nas promoções por mérito e no exercício das funções diretivas.
Igualmente, é necessário promover e valorizar a formação humanista ampla e interdisciplinar no
concurso de ingresso dos membros do MPU, bem como desenvolver projetos de formação
permanente em temas relacionados à democracia e aos direitos humanos.
Reestruturar a ouvidoria, de modo a que seja ocupada por pessoas externas ao MP, escolhidas
em processo realizado com ampla participação social, e dotar a Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão de autonomia administrativa e de espaços de representação social, reforçariam a capacidade
de o MPF responder às demandas da sociedade civil e de ser um agente mais ativo de promoção e
proteção dos direitos humanos.
Propomos, pois, que o processo de escolha do/a próximo/a PGR seja também oportunidade
para que o Governo, os membros do Ministério Público, das demais instituições do sistema de Justiça
e do Poder Legislativo, lado a lado com a Sociedade Civil, se engajem em um debate sobre o resgate
e o reforço do Ministério Público como instituição fundamental à democracia brasileira, à promoção
dos direitos humanos e à justiça social.

Junho de 2023.

Assinam (membros do Ministério Público):

1 Analucia Hartman Procuradora da República


2 Cláudio Fonteles Subprocurador-geral da República aposentado
3 Deborah Duprat Subprocuradora-geral da República aposentada
4 Edmundo Antonio Dias Procurador da República
5 Ela Wiecko Subprocuradora-geral da República aposentada
6 Eugênia Augusta Gonzaga Procuradora Regional da República
7 Felício Pontes Jr. Procurador Regional da República
8 Flávia Cristina Tavares Tôrres Procuradora da República
9 Gabriel Pimenta Procurador da República
10 Helder Magno da Silva Procurador da República
11 José Godoy Bezerra de Souza Procurador da República
12 Julio José Araujo Junior Procurador da República
13 Márcia Zollinger Procuradora da República
14 Marco Túlio de Oliveira e Silva Procurador da República
15 Maria Capucci Procuradora da República
16 Mario José Gisi Subprocurador-geral da República aposentado
17 Mario Lucio Avelar Procurador da República
18 Marlon Alberto Weichert Procurador Regional da República
19 Martha Carvalho de Figueiredo Procuradora da República
20 Raphael Luis Pereira Bevilaqua Procurador da República
21 Sérgio Rodrigo de Castro Pinto Procurador da República
22 Thaís Santi Procuradora da República
23 Wagner Gonçalves Subprocurador-geral da República aposentado
24 Walter Claudius Rothenburg Procurador Regional da República
25 Wilson Rocha Fernandes Assis Procurador da República
26 Natália Lourenço Soares Procuradora da República
27 Lucas Costa Almeida Dias Procurador da República
28 Ana Letícia Absy Procuradora da República
29 Bruna Menezes Procuradora da República
30 Emanuel de Melo Ferreira Procurador da República
31 Domingos Dresch da Silveira Subprocurador-geral da República aposentado
32 Walquiria Picoli Procuradora da República
33 Tiago Modesto Rabelo Procurador da República
34 Marco Antonio Delfino Procurador da República
35 Luís de Camões Lima Boaventura Procurador da República
36 Paulo Thadeu Gomes da Silva Procurador Regional da República
37 Felipe Fritz Braga Procurador da República
38 Samara Yasser Yassine Dalloul Procuradora da República
39 Sadi Flores Machado Procurador da República
40 Paulo Taubemblatt Procurador Regional da República
41 Márcio de Figueiredo Araujo Procurador da República
42 Leandro Mitidieri Figueiredo Procurador da República
43 Álvaro Augusto Ribeiro Costa Subprocurador-geral da República aposentado
44 Jorge Mauricio Klanovicz Procurador da República
45 Duciran Van Marsen Farena Procurador Regional da República
46 Dilton Carlos Eduardo França Subprocurador-geral da República aposentado
47 Felipe de Moura Palha e Silva Procurador da República
48 Régis Richael Primo da Silva Procurador da República
49 Paulo Leivas Procurador Regional da República
50 Tarcísio Henriques Procurador Regional da República

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