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SECRETARIA DO INTERIOR E JUSTICA FA. PERETRA DA COSTA ANAIS PERNAMBUCANOS 1666 — 1700 VOL. IV ARQUIVO PUBLICO ESTADUAL RECIFE-PERNAMBUCO 1952 MW Bancees ZPD LE. 4 Francisco Augusto PEREIRA da COSTA 1666 ANEIRO 11 —~ Provisio do cabido metropolitano da Bahia, sede vacante, concedendo licenca para se fundar um convento de carmelitas na vila de as Goiana, em Pernambuco, a requerimento do pa- dre Fr, Alberto do Espirito Santo, vigario provincial da ordem no Brasil, em satisfagdo as solicitagées ¢ empenhos dos mora- dores da localidade, e por ficar o de Olinda a grande distan- cia. A ésse requerimento acompanharam as respectivas li- cencas do paroco da freguesia ¢ do provisor do bispado em Pernambuco. Em 1 de novembro déste mesmo ano deu coméco as obras de construgao do convento o padre Fr. Sebastido dos Anjos, no terreno para éste fim doado pelo capitao-mor Filipe Caval- oria, de canti de Albuquerque, tratando-se de uma obra pro taipa, tendo apenas seis celas e uma pequena igreja. A pedra fundamental do edificio foi solenemente langada naquele dia pelo mestre-de-campo general André Vidal de Negreiros, entao residente na logalidade, no seu Engenho Novo, e para cujas cbras muito concorreu ¢le, gragas & sua generosidade e senti- mentos religiosos. Assim. mesmo modestamente construido o convento, foi destinado para recoleta da vigararia da ordem, e teve o titulo de Santo Alberto, naturalmente como uma homenagem de gra- tidio e respeito ao promotor da sua fundacao, o referido vi- gario provincial Fr. Alberto do Espivito Santo; e assim per- maneceu até o ano de 1679, em que o padre Fr. Marcos de Santa Maria, sendo prior do convento, deu comégo a constru- g&o de um outro, de pedra e cal, bem como a sua igreja, como 4 A. PEREIRA DA COSTA ainda hoje existem, sendo a pedra fundamental dos novos edi- ficios langada pelo mesmo general Vidal de Negreiros, no dia 28 de dezembro daquele ano, para cujas obras legou éle no primeiro codicilo do seu testamento, datado de 9 de janeiro de 1680, cento e vinte arrébas de acucar branco, pelo tempo de dez anos. Por provisio régia expedida pelo Conselho Ultramarino em 7 de novembro de 1681 tiveram os religiosos um auxilio de — “cem mil réis cada um ano pelo tempo de dez anos, para a construgéo do seu convento da vila de Goiana, em atengao ao ensino ptblico de filosofia e teologia que ministravam, e aos scus servigos de prédicas e missdes;” — e pelo tempo adi- ante, comecando a igreja a arruinar-se, acudiu D. Joao V aos seus reparos, mandando um auxilio de duzentos mil réis por ano durante um qitingiiénio, para cujo efeito baixou em 21 de janeiro de 1726 uma C. R. dirigida ao provedor da fazenda real em Pernambuco, o capitio-mor José do Régo Barros. Refere o padre carmelita Fr. Manuel de Sa, nas suas me- morias histéricas da ordem, que — André Vidal de Negreiros, governador que foi do reino de Angola, do Estado do Maranhéo ¢ da capitania de Pernambuco, foi quem fundou o convento da vila de Goiana, determinando que fésse para recoleta da vigararia, ¢ pos-Ihe o titulo de Santo Alberto. — Os padres déste conyento tinham a seu cargo a missdo da Baia da Trai- cio, na Paraiba. O templo e o convento séo de uma fachada de arquitetura paupérrima, inestética mesmo; ¢ pequena como é a clausura, consta apenas de scis celas, dois saldes e das necessarias acomo- dagics de servigo. A igreja, porém, de dimensdes regulares e sofrivel decoragio, é bem construida, e tem em frente um al- teroso cruzciro de pedra, de um belissimo trabalho escultural, que uma Jenda popular refere que, se algum dia ruir por terra o conyento, encontrar-se-a nos fundamentos désse cruzeiro o cabedal necessdrio, em moedas de ouro, para a sua reconstru- cao. Em 1677, Fr. Jodo de S. José, que ocupa o cargo de prior do convento, requereu e obteve do padre comissario provincial ANAIS PERNAMBUCANOS 5 da ordem em Pernambuco, Fr. Francisco Vidal de Negreiros, a introdugao da reforma carmelitana, segundo as novas regras entaéo adotadas na provincia de Turao, na Franca, 0 que sen- do apresentado a deliberagdo do capitulo definitério da Bahia, éste o aprovou em reuniao capitular de 1 de julho de 1679, sendo depois confirmada pelo capitulo-geral da ordem em Roma, aos 29 de junho de 1680, sendo entio geral dos carme- litas o padre Fr. Fernando de Tartaglia. Fr. Joao de $. José, como prior que era do convento de Goiana, foi nomeado comissario da reforma em Pernambuco, ja em pratica, com os seus companheiros de clausura Fr. Cristévao de Cristo, Fr. Manuel da Assungéo e Fr. Angelo de S. José, que a promoveram, com o fim de seguirem, em comu- nidade, a mais estreila observancia na vida claustral. No con- vento do Carmo do Recife se vé 0 retrato de Fr. Joao, a dleo, sobre tabua, e de vulto natural, com esta legenda: Vera effigies venerabilis P. Fr. Joannis a S. Josepho. Fundatoris Conventuum Reformatorum in Stato Pernambucensi. Na igreja do convento de Goiana, sob a invocagéo de Santo Alberto, um dos Tuminares da_ religido carmelitana, existem duas irmandades eretas, do Divino Espirito Santo ¢ do Senhor dos Passos, de antigas instituicdes; ¢ anexa ao tem- plo, a capela da Ordem Terccira, sob a invocagaéo de Santa Te- resa de Jesus. Foi na igreja deste convento que a 16 de agésto de 1809 recebeu as aguas lustrais do batismo, ministradas pelo religio- so Fr. Antonio da Espectacio, 0 lendario goianense Desem- bargador Joaquim Nunes Machado, tao notavel do nosso mo- vimento politico de 1818, morlo no combate travado com as forgas do govérno, no largo da Soledade, a 2 de fevereiro do ano seguinte. Os bens patrimoniais do convento em 1868, segundo uma demonstracao que tivemos presente, constavam do seguinte: um sitio de terras em que esta situado o engenho Japomim, no distrito de Goiana, e de que se paga foro perpétuo ao conven- to, o qual Ihe fora doado por Sebastido Rodrigues Garcez, Ana Soares Guedes e Feliciana Guedes, como se vé da respectiva 6 F, A. PEREIRA DA COST escritura publica lavrada aos 22 de abril de 1693;.doze mora- das de casas térreas, situadas na Rua do Rio, em Goiana; uma propriedade de terras ‘no Jugar denominado Agua Branca na comarca de Nazaré; as terras em que esta situada a fazenda de criagdéo de gado chamada Pendéncia, no interior do. Ceara; e algumas terras foreiras ao convento, na cidade de Goiana. A renda anual déste patriménio andava entdéo em*.. +s... 1:8003000; mas em 1744, como encontramos, constava o pa- triménio do conyento, .aléim das terras do engenho Japomiin, de quatro casas no Recife, outras tantas em Goiana, e de um sitio, uma fazenda de gado e uma légua de terra na ribeira de Jaguaribe, cuja renda andava entio em 141$800. Tais vanta- gens subiam. a mais, com uma ordinaria de 508000 assinada pela coroa, ¢ a renda da sacristia, que anualmente orgaya em 2005000. AGOSTO 31 —- Toma posse do cargo de ouvidor-geral da comarca de Pernambuco o licenciado Manuel de Freitas Reis, ocorrendo para isto lastimaveis fatos caracterislicos da época. Exercia o cargo, por provimento régio, o Dr. Lourengo de Azevedo Mota, cm exercicio desde o primeiro de abril de 1662. Verido uma noite em umas pendéncias, narra Loreto Coulo, recoiheu-se ao convento do Carmo de Olinda a tratar da sua cura, onde o mandou prender o governador Jeronimo: de Mendonga Furiado, pelo juiz ordinario Jofio Pessoa Bezer: ra, cm execugdo de wna ordem régia, que, sendo cncarregada ao Licenciado Manuel Moniz, que viera provido no cargo de ouvidor-geral, nao executou dita ordem. Por csla causa, e porque se ndo apresenicu ao governador para_o reconhecer por ministro régio, o suspendeu, e mandou a camara de Olinda Ihe nao desse posse, nem o reconhccesse por-ouvidor desla provincia; porém, entendendo os yereadores que deviam obedecer & ordem de el-Rei, e nao ao preceito do ANAIS PERNAMBUCANOS 7 governador, Ihe deram posse; mas nao obstante a posse, que The deu a cAmara, o féz o governador suspender, e nomeou em ouvidor ao Licenciado Francisco Franco Quaresma, natural da Paraiba, que tomou posse em 2 de outubro de 1664, a quem nao quis confirmar o conde vice-rei da Bahia, que nomeou o Licenciado Manuel de Freitas Reis, que tomou posse em 31 de agésto de 1666, e serviu até 25 de agdsto do ano seguinle, quando passou o cargo ao Dr. Manuel Diniz da Silva, despa- chado por provimento régio. 1667 ANEIRO 24 — André Vidal de Negreivos assunie f interinamente o cargo de governador da capita- nia, e o dirige até 13 de junho do mesmo ano. Ss Achava-se entaéo éle em Pernambuco, no seu engenho Destérro, de volta de Angola, cujo govérno deixara em fins de 1666; e dado o fato da deposigio do governador Jerénimo de Mendonga Furtado, foi nomeado pelo vice-rei do Brasil, Conde de Obidos, para assumir interinamenle a admi- nistracéo da capitania, resolugao esta que foi comunicada aos oficiais da Camara de Olinda, pelo mesmo vice-rei, em carta de 6 de novembro de 1666, ¢ ao proprio André Vidal em carla de 10, a qual comega assim: “Suponho que tera V. S. vencido a molestia, e o enfado da jornada, mas quando V. S. cuidava que vinha a lograr do deseango de sua Caza, comegara a ex- prementar o trabalho, e os nous cuidados desse gouerno.” Comunicando o vice-rei ao govérno da metrépole tédas as ocorréncias de Pernambuco, e a nomeagao interina de André Vidal, recebeu le posteriormente nomeagao régia para o mes: mo cargo, como consta da seguinte comunicagao oficial: “Ouvidor, Vereadores ¢ Procuradores da Camara de Per- nambuco; Eu El Rei vos envio muito saudar. Enquanto nao chega Governador a essa Capitania fui servido encarregar do govérno dela a André Vidal de Negreiros, por entender 0 fara com todo o acérto, que pede meu servigo; na forma da Carta que Ihe mando escrever, ¢ éle vos mostrara, do que vos mando avisar, para que o tenhais entendido, e cumprais, e facais dar cumprimento as suas ordens pela maneira referida, como eu 16 F. A. PEREIRA DA COSTA espero de vés. Escrita em Salvaterra de Magos, a 19 de feve- reiro de 1667. --- Rei. Conde de Castelo Melhor. Para a Camara de Pernambuco.” Diz Fernandes Gania que nio achando el-rei conveniente que se conservasse éle neste govérno, mandou-the substituto antes de finda seis meses de adminis Mas como vimos, a sua nomeacao foi para dirigir 0 govérno enquanto nao che- gava governador a capitania, de sorte que éle proprio teve cién- cia de que se tratava de uma nomeacio temporaria, e portan- to, nado podia estraphar a préxima nomeagado de um governa- dor efetivo. Nao houve por conseguinte, desalencio alguma da parte do govérno para com André Vidal, ja velho e adoen- tado, e cansado por longos anos de servicos, quer militares, quer de administragao pttblica, em Pernambuco, Maranhio e Angola. Esta segunda administragdo de André Vidal, en Pernam- buco, de que nado resta a menor dtivida, nao sé em vista dos documentos que mencionamos, como das referéncias que fa- zem dela Fernandes Gama e Abreu e Lima, foi posta em dttvi- da por Varnhagen no catalogo dos governadores das capiianias do Brasil, inserto na primeira edigio da sua Histéria Geral, sem dizer com que fundamento, ¢ na segunda cdicio da mes- ma obra omiliu o nome déste governador, sem ditvida por lhe parecer liquidado semelhanie assunto! Além dos documentos mencionados restam ainda varios outros, entre os quais as seguintes cartas do vice-rei Conde de Obidos, constantes do respectivo livro de registros, que eluci- dam completamente o fato: Carta para o governador de Pernambuco André Vidal de Negreiros, sébre varias matérias. & datada de 16 de fevereiro de 1667, e comega: —. “Nesta ocasiao receby varias cartas de V. S. sobre diferentes materias, a que faco resposta nesta brevemente plo nam cancar a V. S.” Carta para o Capitéo-mor da Capitania de Hamaraca. De 26 de feverciro de 1667. Carta para os Oficiais da Camara de Itamaraca. Da mes- ma data. ANAIS PERNAMBUCANOS 1 Estas duas cartas versam sobre a nomeag&éo de André Vidal, e comecam ambas nestes térmos: —- “A André Vidal de Negreiros encarreguey 0 Gouerno da Capitania de Pernambuco e das mais annexas”... E portanto um fato histdricamente constalado éste segun- do govérno do yelho e lendario mesire-de-campo gencral André Vidal de Negreiros, em Pernarnbuco. JUNIO 13 — Carta régia dirigida 4 Camara de Olinda, co- municando a nomeacéio de Bernardo de Miranda Henriques para 0 cargo de governador da capitania: “Juiz, Vereadores e mais Oficiais da Camara da vila de Olinda; — Eu El Rei vos envio muito saudar. Por confiar de Bernardo de Miranda Henriques, por quem é, e pela satisfagdo que tenho de sua pessoa, que no govérno dessa Capitania me servira como déle se deve esperar, houve por bem de o encar- regar déle, ¢ para que melhor possa cumprir com sua obriga- ¢4o, vos encomendo tenhais com éle téda a boa correspondén- cia, que convém, fazendo-lhe as lembrangas do meu servico, e bem comum, que vos parecer necessarios, procedendo nisso e em tudo mais com a autoridade e respeito devido a sua pes soa e lugar; e remetereis certidao dirigida ao meu Conselho Ultramarino pelas primeiras embarcagées, do dia em que Ber- nardo de Miranda tomar posse. Escrita em Lisboa ao 1.° de abril de 1667. — Rei. Conde de Arcos. — Para os Oficiais da Camara da Vila de Olinda.” Bernardo de Miranda Henriques tomou posse do govérno no dia 13 de junho de 1667, e dirigiu a administragio da ca- pitania até 28 de outubro de 1670. : Era filho de Anténio de Miranda Henriques, gentil-homem da camara do principe D. Pedro. Serviu no: exército, féz a campanha da aclamagao de D. Joao IV, e atingiu a postos ho- norificos. : Da administragiio de Bernardo de Miranda nada consta de notavel. Sabe-se apenas que concorreu muito para a recons- 12 F. A. PEREIRA DA COSTA trucdo da igreja matriz do Corpo Santo. De sua vida também nada consla. Entretanto, nao foi éle menos ganancioso do que o seu an- tecessor, metendo-se em especulagdes comerciais; e absorveu-se tanto nos seus negocios particulares, que se desvion do cum- primento dos seus deveres, ¢ se descurou imenso do bem pabli- co confiado aos seus cuidados. Queixas amargas foram dirigi- das contra éle, mas bem tarde se providenciou contra os seus desmandos Queixando-se a Camara de Olinda de haver Bernardo de Miranda, no tempo do seu govérno, comprado os couros das reses que se mataram nos currais da vila, por menos da metade do seu valor, contra a vontade de seus donos, ameagando-os com prisédes e degredos e exercendo grande opressio sébre os moradores, baixou o govérno uma Carla Régia em 23 de ja- neiro de 1671, ordenando ao seu sucessor que determinasse a0 ndicante que the tirava a residéncia de devassar também sobre os motivos da queixa. Arbitrario c¢ despdtico, Bernardo de Miranda mandou prender na enxovia a um homem qualificade, Domingos Ro- drigues Monteiro, juiz ordinario ¢ presidente da Camara de Igarassu, por haver ordenado a prisio do escrivao de érfios que tinha subtraido dinheiros do respeclivo cofre ¢ cometido outros crimes, mandando ao mesmo tempo o governador re- Jaxar a prisdo do criminoso. A Camara representou ao rei con- tra semelhantes arbitrariedades, e as providéncias niio se fize- ram esperar, reparando a Carta Régia de 28 de janciro de 1671 o ato de Bernardo de Miranda, e obrigando sua fazenda para pagamento do desfalque. Teve também éle contestagdes com a Camara de Hamara- ra, cujos molivos nio podemos penetrar, mas do que resultou ser processado, como consta da Carta Régia de 6 de novembro de 1671, mandando que se recolhesse ao juizo competente — “os autos que se proccssaram entre partes os oficiais da Ca- mara de Itamaraca ¢ 0 Governador Bernardo de Miranda Hen- riques, que 0 governador-geral Alexandre de Sousa Freire re- colhera a si, ocultando-os.” ANAIS PERNAMBUCANOS 13 Lancando mio, sem competéncia, dos quintos das entradas dos mocambos, ou quilombos dos escravos, foi severamente repreendido pelo vice-rei em carta de 28 de abril de 1669, em que disse peremptoriamente sébre o assunto: — “Vejo o que V. S. diz acérca dos quintos das entradas dos mocambos. V. S. sabe muito bem que sé os generais tém quintos.” — Em outra carta, datada de 20 de selembro de 1670, féz-Ihe ainda © mesmo vice-rei graves censuras pelo seu mau procedimento no goyérno. Nao sendo reconduzido no govérno, findo o triénio da sua administracao, recondugio essa que naquele tempo importava a maior prova de confianca do soberano, entregou a gestao dos negécios da capitania a Ferndo de Sousa Coutinho, nomea- do para o suceder, no dia 28 de outubro de 1670, e demoran- do-se & espera de transporte, aqui faleceu, em dia que se igno- ra, como ignorado também era éste fato. Nenhum historia- dor nem registro algum 0 menciona; mas isto consta de uma Carta Régia, que em seguida trasladamos para melhor eluci- dagio do fato: “Fernio de Sousa Coutinho. -- Eu o Principe vos envio muito saudar. Por convir ao meu servigo ter noticia da fazen- da, ou efeitos pertencentes a Bernardo de Miranda Henriques, que ai faleceu, que se embarcarem por ordem de seus testa- menteiros, ou herdeiros para éste Reino, yos encomendo tenhais particular cuidado, e vigilancia, que antes que parta dos por- tos de vosso govérno embarcacaéo alguma, chameis o mestre, ou capitio dela, ¢ dando-lhe juramento, mandareis fazer tér- mo, e obrigacio por éle assinada, que declare o que trouxer pertencente ao dito Bernardo de Miranda, os seus herdeiros, ¢ que neste Reino nao entregara aos ditos herdeiros, ou outra qualquer pessoa, a quem vier consignado, sem ordem do meu Conselho Ultramarino, e pelo mesmo Conselho me enviarcis por vias, 0 térmo e obrigagio de cada mestre, ou capitao, ¢ mandareis juntamente o traslado auléntico do testamento, ou apontamentos, quando fizesse uma ou outra coisa Bernardo de Miranda, também por vias, o que vos hei por muito encar- regado, e que esta Ordem tenhais em segrédo para dardes a 14 F. A. PEREIRA DA COSTA sua execucfio a tempo de as. embarcagdes haverem de fazer viagem para éste Reino, ou seus portos désses de Pernambuco, dando-me de tudo conta, ¢ do mais, que sobre éste particular entenderdes convém a meu scrvico. Escrita em Lisboa aos 19 de junho de 1671. —- Principe. Para o governador de Per- nambuco.” : Sordido ¢ avarento, recebendo de D. Afonso VI a nomea- cio do cargo de alcaide-mor da Bahia, Bernardo de Miranda vendeu-o depois a Francisco Teles de Menezes. # que éle pre- feria o dinheiro a honras! 1668 AIO 24 — Sagragio de D. Estéviio dos Santos, nono bispo do Brasil. Da sua cleigio sabe-se apenas que fora no my reinado de D. Afonso VI, sob a regéncia do principe d. Pedro, e que fora o primeiro bispo confirmado pelo papa Clemente X. Sébre a sua sagracio, porém, consta 0 se- guinte de um escrito contemporaneo sob o titulo de “Mons- truosidades do tempo e da fortuna”, modernamente impresso em Lisboa: — “Em o domingo da Trindade, 24 de maio de 1670, se sagraram em o mosteiro de S. Bento da Saude os bis- pos da Guarda ¢ da Bahia dispensados por breve particular de Sua Santidade para screm sagrados por wn bispo, que foi o nuncio, e duas dignidades; e estas depois no domingo seguinte sagraram em 0 mesmo mostciro ac bispo de Leiria, e dali por diante se foram sagrando todos em varios dias ¢ lugares.” D. Estévao dos Santos chegou a Bahia em 15 de abril de 1672, mas ignora-se o dia da sua posse. Entretanto, é de pre- sumir que ésse ato tivesse Jugar a 23 ou 24, porquanto, por portaria do governador-gei conde de Barbacena, datada de 22 do mesmo més, ¢ expedida ao provedor-mor da fazenda real, mandou éle dar seis barris de pélvera para a salva do tomar posse do Senhor Bispo déste Estado. D. Estévao dos Santos era conego regenle de S. Teotd- nio, e ocupou apenas por pouco mais de um més a cadcira epis- copal do Brasil, porquanto faleceu logo no dia 6 de junho do mesmo ano, ¢ foi sepultado na Sé, junto 4 pia da agua benta, cobrindo os seus restos mortais uma pedra com epitafio. 16 F. A. PEREIRA DA COSTA Sobre o seu falecimento diz 0 seguinte a mencionada obra Monstruosidades do tempo e da fortuna: — “Por éssc tempo co na corte a nova da morte do bispo da Bahia d. Estévao, que Deus levara, em 6 de junho déste ano de 1672. Dizia-se gue fora ajudado dos escandalos, achaque que presumem os que desejam eternizar as vidas, ou pelo que amam, ou pelo que interessam, O veneno que a todos mala é a morte. Na parte mais sensivel do seu crédito o feriu quem o notou de ambicioso, porém nao Ihe podera tirar o que a piedade catélica concede aos que acabam a vida com todos os sacramentos. Em o mosteiro de S. Bento os recebeu; a sepultura em a Sé, junto & pia da agua benta; nao sci se foi sua a escolha do lu- gar.” Estas palavras deixaram entrever que alguma’ coisa de noldvel ocorreu para assim apressar a morte do prelado, e que a sua memoria foi ultrajada pelos golpes da maledicéncia. Contudo, teve d. Estévio dos Santos solenes exéquias, ce- lebradas na catedral da Bahia, em que pregou o notavel ora- dor ¢ poeta brasileiro fr. Eusébio de Matos ,cujos panegirico, sob o titulo de Orag&o ftimebre nas exéquias do Ilmo. e Reydmo. sr. d. Estévio dos Santos, bispo do Brasil, celebra- das a 14 de julho de 1672, teve publicagao péstuma, em Lisboa, no ano de 1735. A data do falecimento déste prelado, que colhemos da mencionada obra, Monstruosidades, contemporaneamente es- cvita, e que é a mesma do catalogo dos bispos do Brasil, inser- to nas Constituigdes do Arcebispado, seis de junho, esta em desacordo com a que da d. Antonio Caetano de Sousa no Ca- talogo dos Arcebispos da Bahia, que vem nas ‘Memorias da Academia Real da Histéria Portuguésa”, do ano de 1721, que é seis de julho, bem como a do epitafio gravado sébre o mar- more que sela os seus restos mortais, o qual, em todo 0 caso, aqui o consignamos: — Sepultura de d. Estévao dos Santos, do conselho de sua majestade e bispo déste Estado do Brasil, faleceu em 6 de julho de 1672 com circunstancias tio mira- culosas em sua morte, que qualificaram a grande opiniio das muitas virtudes que teve em sua vida. ANAIS PERNAMBUCANOS 17 JUNHO 8 — Bula do papa Clemente TX, confirmando a Instituigdo religiosa das Irmas de Caridade, ou Filles de Ja Charité, como ¢ a sua denominagao candnica. Esta congregagio religiosa, destinada ao servico dos po- bres enfermos, e amparo das criangas enjeitadas, foi instituida por S. Vicente de Paulo e madame Legras, e data de 25 de marco de 1631, quando prestou ela os seus primeiros votos, segundo a regra ou estatutos da congregagao, organizados por S. Vicente. Madame Legras, nascida em Marillac, na Franga, em 1591, e falecida em 1662, cra oriunda de preclara familia, e viva do gentil-homem Antonio Legras, secretario da rainha Maria de Médicis, e foi a primeira superiora da congregagao. Logo apés a nossa cmancipacao politica, lembrava o vis- conde da Pedra Branca as irmés de cavidade como necessarias ao bom servico dos estabelecimentos de caridade no Brasil; mas sé em 1849 é que vieram clas, com destino a Mariana, por iniciativa do bispo diocesano D. José Antonio dos Reis, onde fundaram um colégio ¢ um hospital. Poucos anos depois foram admitidas no Rio de Janeiro por empenhos do conselhciro José Clemente Percira, confian- do-se-Ihes o servico interno dos estabelecimentos de caridade; depois na Bahia, a chamado do arcebispo D. Romualdo, mar- qués de Santa Cruz, e em Pernambuco em 1857, de conformi- dade com um contrato cclebrado entre o presidente da pro- vincia, o consclheiro Sérgio Teixeira de Maccdo, e o superior da Missao, em Paris, sendo a principio incumbidas do servigo do Hospital Pedro II ¢ logo depois da Casa dos Expostos e Colégio das Orfas. As primeiras religiosas que chegaram, em numero de seis, tinham como superiora a irma Lesat, e por capeldo o padre lazarista C. Lavalier. Em 1859 fundaram um colégio para a educagao de meni- nas, com 0 titulo de S. Vicente de Paulo, cujo estabelecimen- to funciona em um bom prédio situado na Estancia, de pro- pricdade das irmas. 18 F. A. PEREIRA DA COSTA As irmds de caridade em Pernambuco prestam obedién- cia a superiora-geral da Missao, em Paris. Neste ano baixou uma carta régia ordenando, que nos pos- tos militares vagos no Estado do Brasil fossem somente pro- vidos os que tivessein servido, ¢ que se proyessem os oficios de justica e fazenda sdmente em pessoas domiciliadas no mesmo Estado, e filhos destas, as conezias, dignidades e outros benc- ficios eclesidsticos, advertindo o soberano ao Conselho Ultea- marino e & Mesa da Consciéncia e Ordens que se regulassem absolutamente nos provimentos por estas determinagoes, por estar bem ciente dos bons e honrados servicos que os brasilei- ros prestaram ao Estado. Originou esta resolucao régia a atitude do procurador ou representante do Estado do Brasil 4s cértes entao celebradas em Lisboa, apresentando esta mocio: “OQ Brasil em quarenta anos de guerra continuada pade- ceu muito, e seus moradores sofreram infinilas misérias e hos- lilidades na defensa daquele Estado, onde a maior parte déles se assinalaram em muitas ocasides com singular valor ¢ des- pesa das suas fazendas; com que a ésle respeito deve V. Alteza ser servido mandar, que os postos de milicias que vagarem no dito Estado, sejam somente providos os quc néle tém servido a V. Alteza, e da mesma mancira nos ditos moradores os ofi- cios de justiga ¢ fazenda, como também em seus filhos as igre- jas, conezias e dignidades, pois é justo que despendendo seus pais e seus avds as fazendas, derramando seu sangue e perden- do muitos a vida, sejam os postos, cargos e honras do dito Estado concedidas a éstes sujeitos, em quem concorrem as partes e qualidades necessarias.” A esta proposta respondeu o principe regente do reino, depois D. Pedro II, langando éste despacho no documento: — “Ao Conselho Ultramarino e Mesa da Consciéncia, mandavei ANAIS PERNAMBUCANOS 19 advertir 0 que me cae que me parece justo.” —.Efetivamen- te foi a mogao enviada aquela Mesa com éste despacho régio: — “Veja-se na Mesa da Consciéncia e Ordens esta copia de um capitulo, que entre outros me ofereceu em Cortes o Procura- dor do Estado do Brasil, para que tendo-se noticia da respos- ta, que 4 margem dela lhe mandei dar, tenha lembranga a Mesa do que me representa aquéle Estado. Lisboa 3 de agdésto de 1668.” AGOSTO 6 —- Carta régia dirigida & camara de Olinda co- municando a nomeagdo de Fernaéo de Sousa Coutinho gover- nador da capitania, nestes térmos: “Oficiais da Camara da Capitania de Pernambu — Por confiar de Ferndo de Sousa Coutinho, Fidalgo da minha Casa, por quem é, ¢ pela satisfagdéo que tenho de sua pessoa, que no Govérno dessa capitania me servira como déle se deve esperar, houve por bem de o encarregar déle, e para que melhor possa cumprir a sua obrigagéo vos encomendo tenhais com éle téda a boa correspondéncia gue convém, fazendo-Ihe as lembran- gas de meu servigo, e bem comum, que vos parecerem neces- sarios, procedendo nisso e em tudo o mais com autoridade e respeito devido & sua pessoa e lugar. Escrita em Lisboa a 6 de agdsto de 1670. — Principe. — Para os Oficiais da Cama- ra de Pernambuco.” A sua posse'teve lugar no dia 28 de outubro de 1670, ¢ o seu govérno se excedeu até 16 de janeiro de 1674, quando faleceu. Fernio de Sousa Coutinho, segundo Loreto Couto, — “nasceu em Pernambuco, e foram seus avos Ambrésio de Sou- sa, filho natural de D. Jorge de Sousa, comendador de Azam- buja, na ordem de Cristo, capitao-mor da armada da india, e 20 F, A. PEREIRA DA COSTA governador da Mina, e de D. Ana Vaz; ¢ 0 dito Ambrdsio de Sousa passando a esta provincia (Pernambuco), casou com D. Justa de Azevedo, filha de Aires de Magalhaes, c tiveram: Jorge de Sousa, que foi casar ao Rio de Janciro com D. Maria de Galegos, de quem teve dois filhos sem estado; e Paulo de Sou- sa, que passou a Lisboa, e casou com D. Mariana Henriques, filha de Diogo Henriques Sodré, governador de Cabo Verde, e de sua mulher Margarida Soarcs, e déste matriménio nasceu o dilo Fernéo de Sousa Coutinho.” Tratando D. Antonio Caetano de Sousa, de Fernaéo de Sousa Coutinho, na sua Histéria Genealédgica, nao assinala o lugar do set nascimento, mas sémente o de seu pai D. Paulo de Sousa, -— que nasceu no Brasil e viveu em Lisboa, parecen- do assim que seus filhos nasceram naquela cidade. Mas Lo- reto Couto, que esereveu dez anos depois da publicagio do vo- lume da obra de D, Antonio, em que trata éle de Ferndo de Sousa, livro ésse que nao The era desconhecido, porquanto quase que lileralmente transcreveu a noticia genealdgica sobre o mesmo governador, que ai se encontra, talvez tivesse bons fundamentos para afirmar que Fernao de Sousa nasceu em Pernambuco, ainda mesmo que acidenlalmente, na estada tem- poraria de alguma viagem que seus pais, porventura, fizessem » Brasil. Fernio de Sousa Coutinho cra militar, serviu com gran- ‘a da restauragéo de Portugal, que rom- peu cm 1610, foi capitio de infantavia e de cavalaria nas pro- vincias do Alentejo e do Minho, e depois foi premovido a te- nenle-gencral de cavalaria, e a general de artilharia, — “posto de reputtagio na gue que excrcitou com valor e ciéneia militar.” — Pelos bons ser- vigos que prestou, leve o habilo da ordem de Cristo, e em 1666 uma comenda de lole de seis mil cruzados, e uma alcaida- mor. Nomeado governador de Pernambuco, foi-Ihe dado um Regimento especial, dalado de 19 de agésto de 1670, “para sa- ber a forma em que se ha de haver no govérno”, o que foi comunicado & Camara de Olinda por Carta Régia da mesma ANAIS PERNAMBUCANOS, 21 data, a que acompanhou um traslado do mesmo Regimento, assinado pelo secretario do Conselho Ultramarino, Manuel Barreto de S. Paio, a fim de ser registrado tanto na Camara, como na Provedoria da Fazenda Real. Dirigindo Fernao de Sousa Coutinho o govérno da capita- nia, por pouco mais de trés anos, nada consta de notayel, a nao sev a instalagéo da Casa da Moceda em 1673, para a qual deu éle o competente Regimento em 23 de juiho do mesmo ano. Sobre a sua conduta e honestidade, também nada consta. Entretanto, foram os seus bens confiscados, como consta da Carta Régia de 27 de janeiro de 1678, pela qual mandou o go- yérno da metrépole entregar ditos bens & sua irmaé D. Mar- garida Coutinho, reservando-se porém a quantia de 56885, que havia éle despendido contra as ordens reais! Este governador teve algumas divergéncias politicas com o governador-geral do Brasil, Afonso Furtado de Mendonca Castro do Rio e Menezes, Visconde de Barbacena, de cujo fato nada consta das nossas cronicas, vindo sémente ao nosso nhecimento para agora o registrar, simplesmente como 0 en- contramos, na patente régia de mercé de capitéo da fortaleza de Santa Cruz da Ilha de Itamaraca conferida a Miguel Rodvi- gues Sepilveda em 23 de marco de 1686, mencionando, na enumeragaio dos seus servigos: — “e no zelar (como capi- téo-mor governador da capilania de Ilamaraca) as ordens que se passaram do govérno-geral da Bahia quando houve as di- vidas entre o governador Afonso Furtado e Fernao de Sousa Coutinho nas matérias de jurisdigdo, que o dito governador Ihe agradeceu por carta sua.” Terminando o tempo do seu govérno — com grande es- plendor do seu nome, na frase de Loreto Couto, cujo procedi- mento Ihe assegurava outros maiores empregos, — esperava © seu sucessor para entregar a administragio da capitania, quando adoeceu gravemente, e recolhendo-se ao hospicio des padres congregados de S. Filipe Néri, em Santo Amaro de Agua Fria, nos arredores de Olinda, ai faleceu, e foi sepultado no corpo da igreja da mesma casa, hoje em ruinas, na parte "O- 22 F, A. PEREIRA DA COSTA da Epistola, como se vé do seguinte epitafio gravado sobre a pedra que selou a sua campa: Aqui jas Fern.¢° de Sovza Coutinho G.oF q. foi des- las Capitanias de Per- nambuco, irmao desta Congregagaéo do Oratorio do Brazil. Fale- ceu em esta casa de S. Amaro a 16 de Jan.'° de 1674. Pede hv P® nosso Ave Maria pello amor de Deos. £sle epilafio foi lavrado em uma grande laje de marmore de Lisboa, tendo no alto, em relévo, as armas de sua familia, com uma coroa de conde sébre o escudo, a qual se conserva na sacristia da igreja de Santa Teresa, do Colégio das Orfas, em Olinda, para onde foi removida a fim de ser aproveilada como solcira, ou outra qualquer coisa, como tantas outras que também foram transportadas da mesma casa, para igual fim. Felizmente escaparam duas campas de semelhante van- dalismo, que ao menos ali se conservam, ainda que atiradas a um canto: — a de Fernao de Sousa Coutinho, que é um belo monuinento de epigrafia, pelo seu esmerado trabalho artisti- co, ¢ a do Dr. Manuel Pessoa de Figueiredo, que foi prelado do Rio de Janeiro, e faleceu na referida casa em 1673. Por morte de Fernéo de Sousa Coutinho, assumiu o go- vérno da’ capitania uma junta governativa composta dos dois coronéis comandantes dos regimentos ‘da guarnigado de Olinda, e do presidente da Camara do Senado da mesma cidade, cujos nomes se ignoram; os quais governaram a capitania por puu- cos dias, porquanto, tendo-se terminado o triénio do govérno de Sousa Coutinho, ja estava nomeado, e de viagem, o seu su- cessor, D. Pedro de Almeida, que chegou a Pernambuco e to- mou posse do govérno no dia 6 do seguinte més do seu faleci- mento. ANAIS PERNAMBUCANOS 23 AGOSTO 19 — Regimento dado pelo principe regente e governador dos reinos de Portugal e Algarves a Fernando de Sousa Coutinho, nomeado governador e capitao-general de Pernambuco, para pelo mesmo se reger durante o seu govérno na capitania. Extenso documento, lavrado no palacio real da cidade de Lisboa pelo secretario-de-estado Manuel Barreto de Sao Paio, e constante de vinte e oito longos artigos, foi comunicado A cdmara de Olinda por carta régia da mesma data, e assim registrado nos seus competentes livros, como igualmente 0 foi na Secretaria do Govérno e na Provedoria da Fazenda Real. Consignado na sua integra no livro Descrigéo de Pernam- buco com parte da sua histéria e legislagio até o govérno de D. Marcos de Noronha em 1746 e mais alguns documentos até 1758, que corre hoje vulgarizada com o titulo de Informacio geral da Capitania de Pernambuco, nos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Volume XXVIII de 1908, vem en- fim, também por nds consignado, no fim do nosso trabalho -— Governadores e capitaes-generais de Pernambuco 1654 — 1821 —que figura na Revista do nosso Instituto Pernambucano, ns. 65 — 70 de 1907. Esse Regimento ficou obrigatoriamente extensivo aos go- vernadores da capitania, e assim mandado de novo registrar nos livros da Secretaria do Govérno pelo governador Henri- que Luis Pereira Freire, em 1 de setembro de 1740, por haver desaparecido o seu primitivo registro, de 1670. Além das obrigacées impostas no aludido Regimento, das constantes da legislacéo geral portuguésa e de varias obras da historia nacional, com relagdo as obrigacées e prerrogativas dos governadores das capitanias do Brasil, consta mais o se- guinte, particularmente referente aos de Pernambuco: Carta Régia dirigida ao governador D. Manuel Rolim de Moura, em 14 de novembro de 1724, ordenando a execucado das ordens da Secretaria-de-Estado, Conselho Ultramarino e Govérno-Geral do Estado do Brasil, a quem se devia dar conta do govérno da capitania. A. PEREIRA DA COSTA 24 Alvaraé de 18 de setembro de 1668, para nao consentirem que se desse cumprimento sendo as ordens que fossem expe- didas pelo Conselho Ultramarino, Secretaria-de-Estado ¢ Ex- pediente. Idem, de 19 de setembro de 1744, mandando execular as ordens passadas pelo Tribunal das Contas do Reino e Casa. Idem de 26 de outubro de 1722, mandando que dessem conta do estado do govérno da capitania ao governador-geral, ainda mesmo quando nao houvesse novidad Carta Régia de 20 de outubro de 1714, dirigida a Félix José Machado, mandando executar as ordens do governa- dor-geral com a mesma prontiddo que as de S. Majestade. Alvara de 27 de maio de 1716, declarando que, como su- bordinados ao govérno-geral, devem executar as suas ordens. Carta Régia de 23 de agdsto de 1663, dirigida a Francisco de Brito Freire, determinando, obrigaloriamente, a sua resi déncia oficial em Olinda. Idem de 10 de outubro de 1669, dirigida ao governador Bernardo de Miranda Henriques, sobre 0 mesmo assunto. Idem de 2 de marco de 1689, escrita ao general Antonio Luis Gongalves da Camara Coutinho, também ordenando a residéncia dos governadores na cidade de Olinda. Cartas Régias de 21 de julho de 1704 e 31 de agésto de 1706, permitindo aos governadores permanecerem na praga do Recife durante 0 tempo da expedigdo da frota real Eram obrigados a visitar as fortificagoes. Carta Régia di- rigida ao governador Félix José Machado, em 7 de fevereiro de 1713. Propunham os militares para a promogaéo dos postos va- gos. Alvai de 22 de outubro de 1733 e de 11 de marco de 1734. Proviam os postos de ajudante das for régia de 22 de dezembro de 1694, Deviam ter todo o cuidado em que os soldados salisfizes- sem as obrigacées de catélicos, aplicando-os 4 confissiio, Car- ta Régia de 13 de margo de 1690. Nao deviam consentir que os conventos dessem homizio aos delingiientes de qualquer natureza. Carla régia de 4 de ficacdes. Carta ANAIS PERNAMBUCANOS 26 margo de 1713. Sdbre éste assunto existem ainda outras or- dens reais. Nao consentiam que se fizesse descobrimento de minas sem expressa ordem régia de permissio. Carla régia de 18 de abril de 1730. Nao podiam intrometer-se nos negécios da administragio da justica, tanto civil como criminal. Carta régia de 7 de ou- tubro de 1709; e nem tio pouco nas eleigées das cAmaras mu- nicipais. Carta régia de 7 de fevereiro de 1691. Além das mencionadas disposigdes existem ainda muilas outras, codificadas ou nao, com relacio a tropa de primeira e segunda linha, administragdo da fazenda publica, navios de guerra e mercantes, comércio estrangeiro, indios, secsmarias ¢ outros assuntos. ‘ Vencimentos e vantagens dos governadores. — Sendo proibido aos governadores comerciarem nas suas capitanias, por lei de 3 de setembro de 1720, comunicada ao governador Manuel de Sousa Tavares por carta régia de 29 de margo de 1721, foi entio marcado aos governadores de Pernambuco o ordenado de 4.500 cruzados (1.8008000) anuais. Sobre esta proibigio existem ainda outras ordens régi: Nomeado governador da capitania D. Manuel Rolim de Moura, reclamou éle que aquela limitada quantia era insufici- ente para tratar-se decentemente no govérno, uma vez que nao podia comerciar como os seus antecessores, e sendo aten- dido, foi.aumentado o s6ldo dos governadores da capitania com mais 6008000 anuais, por proviso de 23 de maio de 1721. Ficaram perecbendo portanto 2:1008000 anuais. Reclamando ainda Rolim de Moura, alegando a cares da vida na colonia, e mesmo nao ser justo, que percebendo o governador do Maranhao 7.000 cruzados, tivesse 0 de Per- nambuco 6.000, sendo de maior graduagio, e precisar tra- tar-se com Iuzimento, para o que eram precisa’ grandes des- pesas, pedia assim, que Ihe fésse marcado o soldo de 8,000 cruzados, pelo que baixou uma provisdo em 17 de outubro de 1721 consignando mais mil cruzados, com a declaragio, po- rém, que isso era uma graca especial A sua pessoa, e que ndo 26 F, A. PEREIRA DA COSTA serviria de exemplo para os seus sucessores no govérno. Ficou assim D. Manuel Rolim de Moura percebendo os vencimentos de 2:800$000 anuais, mas os seus sucessores ficaram somente com 2:400$000. Além dos seus vencimentos percebiam mais 1:322$000 de propinas dos contratos dos impostos arrematados na capitania, mas trienalmente, quando se verificavam as arrematagoes de tais imposigées, de conformidade com as provisdes de 11 de marco de 1726 e 18 de abril de 1739. No caso de vacancia do cargo por falecimento do gover- nador, tomava conta do govérno o bispo diocesano ou o mes- tre-de-campo mais antigo, segundo o Alvara de 7 de abril de 1704, expedido para prevenir o caso do falecimento do gover- nador Francisco de Castro Morais, e serviam éles com o mes- mo poder, jurisdic&o e aleada dos governadores ¢ capitiies-ge- nerais. Serviam no govérno por trés anos. Alvara de 26 ‘de se- tembro de 1601, podendo porém ser reconduzidos. SETEMBRO 20 — Portaria do governador-geral do Bra- sil, Alexandre de Sousa Freire, mandando que se pusesse ver- ba nos ordenados de Santo Anténio de Pernambuco. é Em 13 de setembro de 1685 mandou 0 governador da ca- pitania, Joao da Cunha Souto Maior, abrir assento de praga~ a Santo Anténio a fim de seguir para a guerra dos Palmares, e expediu as necessarias ordens de pagamento ao sindico do conyento de S. Francisco da cidade de Olinda, do séldo e far- damento que Ihe competiam; e por carta régia de 23 de junho" de 1692 foi mandado, que o séldo a que éle tinha direito cor? resse pelos cofres do senado da camara daquela cidade. Efetivamente partiu o Santo para a referida campanha, acaso confiada a sua imagem a um religioso franciscatio, Fr. André da Anunciagio, que marchou como capelao das, tropas ANAIS PERNAMBUCANOS . 24 T expedicionarias, e somente regressou quando terminou a guer- ra, com a completa destruigéo da famosa republica palmarina. Como uma nota curiosa da época, chegou aos nossos dias um requerimento em verso dirigido ao Conselho Ultramarino, por um soldado, que solicitava recompensas pelos servigos que prestara na campanha dos Palmares, no qual se refere a Santo Anténio, e invoca mesmo o seu testemunho em favor das suas alegacdes. Eis a curiosa Petigéo Ao Conselho Ultramarino Que tao justiceiro ¢, Zebedeu praca de pé Filho de Braz Vitorino, Bem mogo, quase-menino, Para Palmares marchou Pelo que la se estrepou Sendo um dos desgragados, Que voltaram aleijados E por fim nada ganhou. Ali de arcabuz na mao Dia e noite combatendo De fome e frio morrendo, Descalco, de pés no chao Ao lado do valentio Félix José dos Agéres Que apenas viu dos horrores O painel desenrolar-se Foi tratando de moscar-se Com grande sofreguidao. Do que venho de narrar, Apesar de ser bol6nio, Pode o padre Santo Anténio Muito bem corroborar; O que néo é de esperar 23 F. A. PEREIRA DA COSTA Proceda d’outra maneira, Atenta a sua fieira Sua afeigio, valentia, Pois junto a mim noite e dia Nao desertou da trincheira. Fle viu, bem como eu, Quando o combate soou Quando a cornela tocou A gentle que enlio corre; A essa foi que se deu Como garbosa e valente Terras, dinheiro, patente Com grande injustica ¢ agravos P’ra aquéles que aos vis escravos Nio trataram como gente. A yés Conselho afamado Que a justica sé visais, Para que ndo amparais O pobre do aleijado? Que no mundo abandonado Sem ter quem Ihe estenda a mao, Tem por certo a perdigao Da vida, pois quase morto S6 podera ter conférto Se o fizerdes — capitio. A carta régia de 23 de junho de 1692, sébre as despesas e contas da camara de Olinda, diz, — que a melhor das refe- ridas é a praca de soldado que os oficiais da camara mandam pagar ao Senhor Santo Anténio, e que sempre foi érro duvi. dar-se desta praga e despesa, —- ficando assim resolyidas as duvidas que a respeito surgiram, por parte do ouvidor da co- marca, na tomada das ditas contas. Escrevendo o governador D. Lourengo de Almeida ao so- berano em 13 de setembro de 1716, comunica-lhe, que em una revista de mostra que passara 4 infantaria, se Ihe apresentou ANAIS PERNAMBUCANOS 29 uma petigio de Santo Anténio, alegando-se nela, que tendo éle grandes servicos, percebia apenas o sdldo de praca de soldado, pelo que o promovera ao pésto de tenente da fortaleza do seu nome, Santo Anténio dos Coqueiros da Barra do Recife, ou forte do Buraco no istmo de Olinda, com o sdido mensal de 2700, 0 que foi aprovado por proyisio do Conselho Ultrama- rino de 30 de abril de 1717. Tendo a camara de Igarassu em consideracgio — “os grandes favores e mereés que o conselho tinha recebido do glorioso Santo Anténio, padroeiro dos religiosos capuchos da mesma vila, e que o dito Santo, em todos os dominios da mo~ narquia portuguésa onde havia milicias vencia soldos de gene- ral, coronel e mais postos pela grande protecdo que déle ex- perimentavam os portuguéses; e como nado podia deferir a stiplica que Ihe fizeram os ditos religiosos, ponderando que nao havia na n concorréncia de esmolas bastantes para a sua sustentacio e paramentos da igreja, e nem milicias da qual pudesse requerer soldos para 0 mesmo Santo, pretendiam que o alistassem nos livros do senado para vencer éle a pro- pina de vinte ¢ sete mil réis, que a cada um dos vereadores se costumayva dar anualmente; — “e assim, pedia a cdmara ao soberano por carta que Ihe dirigira em 20 de maio de 1754, que houvesse por bem conceder-Ihe a permissio de alistar o dito Santo como seu vereador, yencendo destarte a respectiva propina: sébre o que resolveu el-rei por provisio de 23 de novembro do mesmo ano, mandando, porém, que havendo sobejos nos bens do conselho se desse a esmola de 27$000 anualmente ao dito Santo, com o titulo de Protetor da Camara. Em 1819 pretenderam os padres franciscanos, a titulo de esmola, que Santo Anténio fésse promovido ao pésto de sar- genlo-mor; porém vindo o seu requerimento dirigido ao sobe- rano, a informar, ao governador Luis do Régo Barreto, opés-se éle a semelhante pretensio, ponderando na sua informacio datada de 30 de agésto do referido ano: “A esmola que ésses religiosos pedem de sdldo de sargen- to-mor, tendo gozado até agora da do sdldo de alferes, pare- ce-me excessiva, e muito mais porque, sendo pedida a titulo 30 F. A. PEREIRA DA COSTA de postos conferidos a Santo Anténio, oficial que nunca mor- re, haq de necessariamente chegar um dia a gozar debaixo déste. titulo do séldo de marechal-de-exército, e do que mais poderem inventar, e entéo serdo sustentados a custa da real fazenda, 0 que nao me parece preciso.” A peticdo foi indeferida, e Santo Anténio gozou alé 1890 ‘do sdldo de alferes, na razio de 10$500 mensais, em virlude da proviséo de 19 de novembro de 1750. NOVEMBRO 6 —- Bando do governador Fernao de Sousa Coutinho, publicado ao som dé caixas, proibindo o uso de ar- thas, e mandando que todo aquéle que se encontrasse com arma de fogo, ainda mesmo descarregada, fésse trateado com : trés tratos de corda a braco sélto na polé, que se mandou le- vantar na praca do Recife, parecendo assim. que aquéle instru- mento’de castigo vinha de época recente, naturalmente do tem- po do govérno de Bernardo de Miranda: Henriques (1667 — 1670). ‘Aquela pena foi extensiva a de degrédo para o Ceara, pelo mesmo motivo, por um outro bando expedido no dia 26. Sousa Coutinho, por um novo bando datado de 20 de ou- tubro ‘de 1672, comina ainda a pena de degrédo para o-Ceara, e a tratos, naturalmente na polé, aos militares fugitivos de seus postos na guerra dos Palmares. : » A polé era um barbaro instrumento, de suplicio, que se levantava nas pragas publicas para castigo de certos crimes, em geral correcionais; existiu em Pernambuco, e dela nos dei- xou Fernandes Gama a seguinte descrigio: | “Consiste em um mastro de altura proporcionada ao fim, arvorado a prumo, tendo na extremidade superior um brago, no fim do qual estava présa uma roldana, em que passaya um cabo, ou corda, cujas pontas chegavam ao chao. “Em uma das extremidades dessa corda amarrava-se 0 condenado por baixo dos bragos, e entao era guindado alé to- car na roldana; mas logo que chegava a essa altura, soltava-se a corda de repente, e a vitima era precipitada; porém nao to- cava em terra porque a outra extremidade’da corda estava présa de ‘sorte a produzir ésse resultado.” Ja Bluteau, anteriormente, tinha assim descrito a polé: “ym madeiro comprido, e na parte superior feito a modo de ANAIS PERNAMBUCANOS 81 forca, e na extremidade dela guarnecida de uma polé com cor- da, com a qual se levantava no ar o padecente com as maos atadas detras das costas, e se deixava cair até perto do chao com tao grande impeto, que se Ihe deslocavam os bracos.” Tal era a polé, que infelizmente, gracas a legislacéo cri- minal do tempo, existiu entre nds. A polé era também apli- cada a delitos militares, como se vé das Novas Ordenancas que baixaram com o Alvaré de 2 de fevereiro de 1708, arts. 165, 167, 181, 190 e 201. A data da introdugdo da polé em Pernambuco é desco- nhecida. Anteriormente & dominacao holandesa, que comegou em 1630, nada consta da sua existéncia; mas no periodo da- quela dominacao verifica-se que se usava de tao barbaro ins- trumento de suplicio. Um escrito holandés dessa época con- signa dois fatos de tratos infligidos na polé. Referindo-se o seu autor as ocorréncias de 8 de setembro de 1646, escreye: Hoje foi agarrado um soldado, e apoleados dois, que queriam fugir para o inimigo; e em 12 de outubro, diz que foram en- foreados quatro soldados, e apoleado um, por igual motivo. Ja em 1630, como se colige de Richshoffer, existia o supli- cio da polé entre os holandeses, e positivamente o do potro, em que se punham a tratos os individuos que incorriam em certos crimes, ou para se arrancar a confissio de outros de que féssem acusados. O principe Mauricio de Nassau, em uma carta dirigida da cidade de Wesel aos Estados Gerais da Holanda em 29 de ja- neiro de 1616, refere-se também 4 polé, quando trata da ren- dig&o do forte real do Bom Jesus em 1635, depois do que, como escreve, foram os principais portuguéses torturados e igados pelos bracos, com o fim de se extorquir dinheiro pelo seu resgate, apesar de haverem sido tomados debaixo da pro- tecao dos holandeses. Parece, portanto, pelo que fica dito, que a polé foi intro- duzida em Pernambuco pelos holandeses; mas os portuguéses acharam-na depois tao conyeniente para a repressdo de certos crimes, que adotaram-na e conseryaram-na por muifo tempo. Em 1670 como vimos, ja funcionava a polé, levantada no bairro do Recife, em Fora de Portas, abaixo da capela de 382 F. A. PEREIRA DA COSTA . S. do Pilar, como se vé de uma data de terras na localidade concedida em 1682 ao capitao-mor Joao do Régo Barros, em cujas confrontagées se faz men da polé na indicada situa- gio, entio um pouco afastada do povoado. Em comegos do século XVII foi a polé retirada daquele Jocal, e levantada no bairro de Santo Anténio, no centro do povoado, na sua principal artéria, a Praga do Comércio dos batayos, a futura Praca da Unido e da Independéncia, que entao, e por semelhante motivo. recebeu o nome de Praca da Polé, que manteve por muito tempo. Colocada junto a uma cacimba que a municipalidade mandou abrir no centro da praca para servidao pablica, linha também a polé uma outra aplicagéo, porquanto scrvia de nora para se tirar Agua da refe- vida cacimba; e ali permaneceu por muitos anos, até que foi remoyida para outro local, em época porém desconhecida, mas onde ja nfo existia em 1763, como consta de um docu- mento da época, que tivemos em nossas méos, um recibo do pagamento de foros do terreno de um prédio situado no Largo da Polé velha que vai para o Rosario. Retirada a polé daquela praca, ignora-se em que local foi cla de novo levantada, e nem mesmo até que época fun- cionou. Sabe-se, porém, que no govérno do capitdo-general Manucl da Cunha Menezes (1769 -- 1774), ainda era costume aplicar-se a pena de tratos na polé, pelo fato de haver aquéle governador prendido a um soldado e expedido ordem para ser apoleado no dia imediato, o que dcu lugar a um Jeyantamen- to geral da tropa, e cujas conseqiiéncias scriam gravissimas, se 0 governador, nao refletindo na sua melindrosa situagao, ca- prichosamente insistisse na arbitraria resolugéo que tomara. Chamava-se a execucéo da pena da polé, apolear ou dar tratos de polé, tao barbaros e de tao fatais conseqiiéncias, que segundo Fernandes Gama, condenar a um desgragado, por exemplo, a trés tratos, isto é, passar por trés vézes pelo bar- baro choque, era o mesmo que condena-lo 4 morte, porque, necessariamente, ou morria logo, ou pelo menos ficava doente por todo o resto de sua vida. Mesmo aquéle que passava por um sé trato, nunca mais tinha sate. ANAIS PERNAMBUCANOS 83 A tao horrivel castigo féz um poeta do tempo o seguinte sonéto: Hlorrendo ergastulo suportara quédo, Cruéis masmorras que da luz vedada, Umida e fria, ligubre, abafada, Que aos proprios carcereiros causam médo: Funebres tumbas, horrido segrédo, Onde o ar delgagado, a vida amada, Emm terriveis anscios sufocada Anigiila o mortal embora cedo: Para tudo seguira firmemente, Sem ceder de meu ser, da minha fé, Embora fésse vitima inocente: Preferiria 0 péso da galé, O gancho, a forca, a frigida corrente Pra nao sofrer um trato de polé. A polé foi também introduzida no Ceara pela Junta das Missdes de Pernambuco, que tinha jurisdigdo eclesidstica, mi- litar e politica, nao sé na prépria capitania como nas demais subaltet ao seu govérno, cujo tribunal, em sua reuniao de 20 de abril de 1701 mandou levantar uma polé na Ribeira de Jaguaribe, para serem tratados todos os Tapuias Paianis, pelas hostilidades que faziam aos moradores e muita mortandade ao gado, como narra F. Soares de Mariz. A Inquisic&o, a Santa Inquisig¢éo, ou o Tribunal do Santo Oficio, como penas preliminares 4 da fogueira, na qual o infe- liz que Ihe caia nas garras era queimado vivo, tinha a de torturas, aplicada por instrumentos proprios, entre os quais 0 Regimento de 1640 estabelecia o da polé, — moitéo seguro no teto da sala das torturas, onde era suspensa a vitima, com pesos aos pés, deixando-a cair em brusco arranco sem tocar no chao. 34 F. A, PEREJRA DA COSTA NOVEMBRO 22 — Carta régia expedida em virtude de uma representagio da camara de Olinda sébre a extingao de um banco de areia que se havia formado no porto do Recife, e que trazia grandes embaragos e perigos A navegacao, e assim recomendando o govérno da metrépole ao governador da ca- pitania, que ouvindo a mesma Camara, e mais pessoas habili- tadas, acordasse nos meios praticos de remediar o mal, ¢ in- formasse sébre o assunto para se resolver a respeito. Em carta de 2 de setembro de 1671, dirigida ao principe regente D. Pedro, deu conta o governador Ferndo de Sousa Coutinho daquela incumbéncia, e reclamou providéncias com o fim de se evitar o crescimento do aludido banco, sobre o que havia informado a Camara de Olinda, bem como algumas pessoas cientes na matéria, entre as quais, sem divida, figu- rava o engenheiro Antonio Correia Pinto, que viera para Per- nambuco no ano anterior, em servigo da sua profissdo, e acaso procedeu aos estudos necessdrios ao melhoramento do pérto. Veio entdo a Carta Régia de 6 de agésto de 1672, dando varias providéncias para se evitar o crescimento do banco, ordenan- do especialmente o fechamento da Barreta, que entdo existia, nas proximidades da ilha do Nogucira, —- para que por ali néo tivesse o rio desaguadouro, — bem como proibindo que os navios que trouxessem lastro de areia o deilassem no porto, — a fim de evitar-se a obstrugao da barra. O porto do Recife, que na frase do engenheiro Luis Leger Vauthier, é uma das obras mais belas e mais interessantes da natureza, é formado pela juncio dos rios Beberibe ¢ Capiba- vibe, que descendo juntos, depois da sua confluéncia, desaguam no Oceano, e flanqueado a leste por uma linha reta de recifes, que se estende desde a barra alé a Ilha do Nogueira, e a oeste, pela parte oriental do bairro peninsular de S. Fr. Pedro Gon- calves, ou do Recife, formando assim um largo canal, que constitui o seu ancoradouro interno, e assim protegido por aquéle possante, inabalavel e natural quebra-mar, é completa- mente seguro e abrigado das agitagdes do mar e da firia dos ventos, por qualquer lado que se manifestem O pérto do Recife pela sua vantajosa posigdo geografica, no ponto mais oriental da América Meridional, é 0 tnico do ANAIS PERNAMBUCANOS 35 Brasil fadado pela natureza para ser 0 emporio universal de Sum comércio ativissimo; colocado como que providente ata- laia 4 navegagdo que percorre a costa do Brasil, — essa es- trada naval do mundo, — ésse canal navegavel do Oceano Atlantico para evitar as calmarias das costas africanas, a pro- digalizar-Ihe t6da a sorte de recursos e refrescos necessarios, € portanto, ocupando, sem duvida, —a mais bela posi¢éo comer- cial do mundo, no dizer de Law, ¢ Blount; 0 mais importante do Brasil, na frase de Muchez, pela sua topografia, cujo tra- fico comercial atrai a si a marinha mercante de todo o orbe civilizado; foi, portanto, 0 mais ambicionado pelas grandes nagdes comerciais da Europa desde os primeiros anos do sé- culo XVI, como a Franga, a Inglaterra, a Espanha, a Holanda, cujas tentativas e mesmo posses temporarias a histéria nos relata; e por fim, até mesmo Portugal, no periodo das nossas Jutas emancipacionislas, como estacgio naval e centro de ope- racdes para acudir de pronto os ameacados pontos da riquissi- ma possessio do Brasil, que, uns apds outros, se iam pronun- ciando em prol da causa separatista. Na primeira fase dos tempos coloniais, sob os dominios de Portugal e da Espanha, quando, alias, ja eram conhecidos os defeitos do porto por varios acidentes, que as crénicas coe- vas nos transmitiram, entre os quais o da nau Santo Anténio, gue em 1565, quando seguia para a Europa com importante carga de géneros coloniais e varios passageiros, entre éles o donatario de Pernambuco, Jorge de Albuquerque e 0 nosso poeta da Prosopopéia, Bento Teixeira, foi de encontro aos bai- xos de Olinda, arrastada pela maré ¢ ventos contrarios, donde a custo se salvou com grandes danos ¢ avarias; em todo éssc tempo nada se féz em beneficio do porto da mais prospera ¢ importante possessio do Brasil, ja bastantemente freqiienta- da de navios, e de uma atividade comercial relativamente im- portante. Veio a Holanda, cuja dominagao se estendeu de 1630 a 1654, e enldo foi o porto convenientemente estudado, ¢ inicia- dos mesmo alguns melhoramentos, como o alteamento da muralha natural de recifes por meio de pareddes reforgados 36 F, PEREIRA DA COSTA a partir da barra do Picéo para o N., sem duvida como ele- mento de vantagem preparatoria & ja assentada resolucdo: de liberdade de comércio as colénias do Brasil, de que Pernam- buco era ja o emporio de todo o que se fazia entre a metrdpole hholandesa e as suas possessdes das. indias Orientais e Ociden- tais, e em cujo porto tocavam de tornaviagem ou de arribada nado sé os navios da Holanda, como os de tédas as nacdes mercantes. Com a evacuagio dos: holandeses, e consegiiente restau- racio da soberania portuguésa, encontram-se apenas vagas ¢ lardias medidas atinentes ao melhcramento do pérto do Re- cife, meias medidas, porém, incompletas, e que nada de efcito produziram; e das quais, como um clemento histérico de tio justa aspiragdo e gerais reclamos dos povos de uma impor- lante capitania, ¢ que tanto concorria para as rendas da me- lrépole, que tudo absorvia, daremos conta, segundo as épocas em que surgiram as resolugdes de lais medidas. Era neste ano capitio-mor goyvernador de Ilamaraca o capitao Jerénimo da Veiga Cabral, como consta de uma carta do governador-geral Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonga, Visconde de Barbacena, datada de 19 de dezembro daguele ano, Conjeturamos, contudo, que a sua nomeagao vem do ano anterior, porquanto, no de 1668, encontramo-lo servindo na guarnigio da Paraiba, no posto de capitao de in- fantaria. Em 1672 foi Veiga Cabral préso e privado do seu pésto pelo governador de Pernambuco, Ferniio de Sousa Coutinho, mas recorrendo ao referido governador-geral, ordenou éle a cAmara do scnado da capitania de Itamaraca, por carta de 16 de feverciro, que ficasse governando enquanto se conservasse préso o capitio-mor; na mesma data se dirigiu-ao auditor da capilania para mandar soltar nfo sé ao capitao-mor, como também as oulras pessoas que se achavam présas; e também ANAIS PERNAMBUCANOS 87 ao ouvidor para tirar informagées do caso das prisdes. Por carta de 17 se divigiu também ao governador de Pernambuco, ordenando-Ihe que mandasse soltar o capitao-mor, declaran- do-lhe que a capitania de Itamaraca era isenta do seu govérno, por scr imediatamente sujeita ao govérno-geral do Estado do Brasil. Em 28 de maio do mesmo ano de 1672 dirigiu-se de novo o governador-geral a Fernio de Sousa Coutinho, sobre a ju- risdigéo da capitania de Itamaraca, e em 30 escreveu ao ca- pitéo-mor Veiga Cabral, sobre se conservar a capitania iscnta da jurisdigaéo do govérno de Pernambuco. Veiga Cabral ainda vivia em 1691, e morava em Itama- raca. Por uma ordem régia expedida neste ano ao governador Fernado de Sousa Coutinho, Ihe foi mandado que organizasse as tropas de ordenangas nado sé em Pernambuco mas ainda nas outras capitanias do seu distrito, em todas as suas paré- quias, compostas dos seus respectivos moradores, formando companhias com os seus capitées e mais oficiais necessarios, fornecendo-lhes 0 govérno o competente armamento, e orde- nando os dias de exercicio que Ihe parecesse, segundo as dis- posicdes do Regimento Geral das Ordenangas, quer com rela- gdo a infantaria, quer a cayalaria; provendo o governador todos os postos milicianos das ordenangas do seu govérno ¢ distrito, “nas pessoas mais idéneas e capazes, sem dependéncia do governador-gera!l do Brasil.” A existéncia dos corpos de exército de segunda linha, mi- licias ou ordenangas, vem ja de longa data, porquanto remon- ta-se aos tempos dos donatdrios, como vimos, e reorganizada ha guerra da restauragio, Ihe coube representar proeminente papel. As diversas companhias das freguesias, reunidamente formavam um corpo, com maior ou menor numero de pragas, segundo a sua populacao, sob o comando de um capitao-mor, nomeados por trés anos, findos os quais se Ihe mandava tirar residéncia pelo ouvidor-geral, de cujo resultado se daya con- tas ao rei; mas depois tiveram os capitaes-mores nomeacao vi- 38 ¥F, A. PEREIRA DA COSTA lalicia. Foi em virtude de uma orden régia de 1699 que se criou em cada uma das freguesias um capitao-mor e mais cabos de milicia, a qual determinou que para todos os postos s¢ nomeassem as pessoas mais poderosas, incumbindo-se-lhe além do servigo militar, auxiliar aos magistrados cm suas diligencias e execugdes de justiga. Em 1739, porém, foi re- duzido o ntimero dos corpos de ordenanga, ordenando-se que sd houvesse wm em cada cidade ou vila, com o seu capi- tao-mor, sargento-mor e ajudante, extintos todos aquéles que nio tivessem exercicio, e proibida a criag¢éo de novos tercos. Mas, ao que parece, havia um comando-geral das ordenangas, porquanto por patente régia de 21 de maio de 1666 foi nomea- do wm “coronel de infantaria da ordenanga de téda a capitania de Pernambuco,” cuja escolha recaiu em Anténio Jacome Be- erra, que militara em téda a campanha contra os holandeses, desde 1630 alé 1654, e chegara pelo scu merccimento aquele posto de coronel, e servira naquele cargo, até que foi nomeado mesire-de-campo de um dos tergos de infantaria de linha, re- cebendo em prémio dos seus servigos o féro de fidalgo escu- deiro ¢ a aleaidaria-mor de Goiana. No tempo do governador D. Pedro de Almeida (1674 ~ 1678) havia uma Companhia da ordenanca de mogos sol- teiros da freguesia do Cabo de Santo Agostinho, para a qual nomecou éle capitéo-comandante a Gaspar Vanderlei, cuja pa- tenle teve confirmacio régia por uma expedida a 8 de novem- bro de 1678. Em 1709 havia uma Companhia de soldados volantes de mogos solteiros, ancxa ao térgo de infantaria de linha da pra- ca do Recife, comandado pelo coronel D. Joao de Sousa, como se vé da patente de capiléo daquela companhia conferida pelo governador Scbastiao de Castro e Caldas, confirmada por pa- lente régia de 9 de janciro daquele ano. Em 1711 havia uns Regimentos de mogos solteiros, de que encontramos noticia de trés, a um dos quais pertencia & freguesia de Jaboatéo, e era comandado pelo coronel Manuel Carneiro da Cunha. Os outros dois tinham por comandantes os coronéis D. Joo de Sousa e Joio Salgado Acidli. De tais us ANAIS PERNAMBUCANOS 89 milicias, enfim, encontramos noticia de que havia em 173 alguns tercos yolantes de mocos solteiros da capitania, de uni dos quais era sargento-mor, naquele ano, Leonel de Abreu Lima, quando foi nomeado capitéo-mor do Ceara, como cons- ta da patente de sua nomcagao. No tempo do governador Henrique Luis Pereira Freire (1737 — 1746) deu-se uma nova organizacéo nas tropas de segunda linha, porquanto foram criados alguns tergos de au- xiliares comandados por mestre-de-campo, como em Portugal, em virtude da ordem régia de 21 de abril de 1739, sendo-lhe permitido por uma outra de 3 de setembro de 1741 fazer as primeiras nomeagées e expedir as patentes da respectiva ofi- cialidade, e dai por diante ‘pelo rei, mas sob proposta do go- vernador. Os oficiais e pracas dos tergos auxiliares gozavam de varios privilégios e isencdes em virtude de Alv. de 4 de novembro de 1645, e os oficiais gozavam das mesmas honras e prerrogativas que os do exército, e com excegdo dos sar- gentos-mores e ajudantes, os demais oficiais nao venciam sdl- do algum. Em virtude da referida ordem de 1739, extingui- ram-se os trés regimentos de auxiliares que havia, a que cha- mavam dos Volantes, comandados por tenentes-coronéis, ¢ criaram-se também os regimentos de cavalaria de Goiana, Igarassu, Cabo e Serinhiem. A organizagao dos corpos auxiliares, feita pelo governador Henrique Luis, teve aprovacdo régia por Prov. de 31 de agosto de 1740. Em 1746 podia a capitania mobilizar de um momento para outro, um pé de exéreito respeilavel, composto de 14.929 pra- gas, como se yé do seguinte quadro das férgas de primeira ¢ segunda, entdo existentes: Recife. — Um térco de infantaria paga com 708 pr uma companhia de artilharia com 123, nove de auxiliares com 545, duas de cavalaria com 126, duas de Henriques com quatro de ordenangas com 328, uma dos familiares do Santo Oficio da Inquisigéo com 49 e uma dos privilegiados com 52, total — 2.086 pragas. 40 F. A. PEREIRA DA COSTA Olinda. — Um tércgo de infantaria paga com 682 pracas, uma companhia de auxiliares com 60, uma de cavalaria com 69, uma de Henriques com 175 e quatro de ordenangas com 628, total — 1.254 pracas. Varzea. — Duas companhias de ordenangas com 151 pra- cas, e uma de cavalaria com 72, total — 223 pracas. S. Lourengo. — Duas companhias de ordenancas com 133 pragcas, trés de cavalaria com 179, trés de auxili 201 e uma de Henriques com 54, total — 567 prac S. Antéo. — Trés companhias de ordenangas com 241 pragas, uma de auxiliares com 65 e uma de cavalaria com 67, total — 373 pracas : Jaboatao. —- companhias de ordenangas com 145 pracas, uma de cavalaria com 63, duas de auxiliares com 136 e uma de Henriques com 55, — total — 399 pracas. Muribeca. — Trés companhias de ordenancas com 302 pracas, duas de auxiliares com 112, duas de cavalaria com 114 e uma de Henriques com 83, total —- 611 pracas. Cabo. — Cinco companhias de ordenangas com 333 pra- cas, quatro de auxiliares com 247 e duas de cavalaria com 142, total — 722 pragas. Ipojuca. — Quairo companhias de ordenangas com 321 pracas, quatro de auxiliares com 241 e uma de cavalaria com 63, total — 625 pracas. Igarassu. —- Cinco companhias de ordenangas com 438 pracas, duas de auxiliares com 137, uma de cavalaria com 57 e uma de Henriques com 77, total — 713 pragas. Tracunhdem. — Oito companhias de ordenangas com 532 pragas, uma de cayalaria com 77 e uma de Henriques com 76, total — 685 pracas. Maranguape. —- Trés companhias de ordenangas com 132 pragas. Goiana. —- Cinco companhias de ordenangas com 290 pra- gas, cinco de auxiliares com 244, quatro de cavalaria com 207 e una de Henriques com 236, total — 977 pragas. Tejucupapo. -- Uma companhia de ordenangas com 158 pracas, uma de auxiliares com 71 e uma de cavalaria com 98, total — 327 pragas. ANAIS PERNAMBUCANOS AL Destérro (Itambé). — Duas companhias de ordenancas com 114, uma de auxiliares com 63 e umd de cavalaria com 54, total — 231 pracas. Itamaraca. -— Uma companhia de ordenancas com 123 pracas, trés de auxiliares com 181, trés de cavalaria com 171 ¢ uma de Henriques com 44, total — 519 pracas. Serinhaem. Seis companhias de orde as com 337 pragas, trés de cavalaria com 155, seis de auxiliares com 3! ¢ uma de Henriques com 86, total —~ 919 pragas. Una. — Duas companhias de ordenangas com 11!) pra- cas, duas de auxiliares com 119 ¢ uma de Henriques com 53, total — 321 pracas. Araroba (Cimbres). —- Uma companhia de ordenan com 58 pracgas e duas de cavalaria com 108, total —- 166 pra gas. O nimcro das pragas mencionadas atinge a 11.850; mas para chegar-se ao total de 14.929 que demos, convém acres- centar mais 3.079, das Alagoas, e da freguesia de Taquara, que entao pertenciam a Pernambuco, cujas pragas cram assim distribuidas: 2 companhias de indios com 120 pragas; 31 de ordenangas com 2.286; 2 de auxiliares com 121; 7 de ca’ laria com 388; e 2 de Henriques com 164, que atingem ao aludido mimero de 3079 pragas. = 1671 ANEIRO 15 — Junta convocada pelo governador Ferndo de Sousa Coutinho, no pago do senado da camara de Olinda, para tratar de um pedido a de socorro de tropas feito pelo governador de Angola, Francisco de Tavora, pelo perigo em que se achava a capitania, com a derrota do exército portugués na batalha de Congo, caindo mortos os seus chefes e a maior parte da sua gente, e assim exposla a colénia a grandes perigos, por- quanto apenas Ihe restavam uns 500 homens de guarnigdo a praga. Pedia entio referido governador a remessa de duzentos infantes, com {6da a brevidade, e os mais bem exercitados, para que pudessem suprir a falta dos que acabaram. Desta junta, presidida pelo governador de Pernambuco, fizeram parte os consclheiros de guerra Joao Fernandes Vi- eira e André Vidal de Negreiros, Cristévao de Barros Régo, ex-governador de S. Tomé, 0 mestre-de-campo D. Joao de Sousa, 0s coronéis Zendbio Acidli de Vasconcelos e Antonio Jacome Bezerra, comandantes dos regimentos do Recife e de Olinda, o provedor da fazenda real capitio Joio Gomes de Melo, e os membros da camara de Olinda Jodo Pessoa Bezerra, Joao Cavalcanti de Albuquerque, Joao Teixeira da Silva, Braz Varela de Lira, Baltasar Leitao de Vasconcelos e Anténio Bor- ges Uchoa. Exposta a questéo pelo governador, ce descendo a consi- deragées varias, conclui, que da conservagéo de Angola de- pendia tambéin a déste Estado, -— cujas fabricas acabariam faltando-Ihe © servico da cscravaria, que dali se conduz para todo éle; — ¢ 1é, enfim, duas cartas régias de 12 de novembro 44 F, A. PEREIRA DA COSTA de 1663, as quais ordenam, em ocasides de menos perigo, que por suspeita de que poderia scr infestado o reino de Angola, se socorresse éle desta capitania de Pernambuco prontamente, 4 custa da fazenda real. Foram todos de comum parecer, na frase do competente térmo entio lavrado, que se mandasse 0 solicitado sacorro, de cuja resolugaéo deu logo conta Fernéo de Sousa Coutinho ao governador-geral do Brasil, Alexandre de Sousa Freire, que respondendo por carta de 21 déste més ¢ ano, aproven a to- mada resolucéo, e muito o louvava pelo seu esforco no ime- diato despacho do solicitado socorro. A expedigéo partiu para o seu destino em uma fragata, e foi comandada pelo capitio Joio Furtado de Mendonga, ten- do como ajudante da infantaria 0 tenente Manuel Pereira, am- hos oficiais briosos e de servicgs muito notaveis na campanha contra os holandeses, como consta das suas respectivas paten- tes de nomeagao. : Em. virtude de noves pedidos de socorros pcio mesmo governador de Angola, partiram mais neste ano para aquela capitania duas outras expedigdes,. constando cada uma tam- hém de 200 pracas de infantayia: A primeira, que levou um capelio, foi comandada pelo capitio Joo Mendes Fidres, que militara com muita distingéo na guerra da restauracio de Pernambuco, nomeado em 5 de marco; e a segunda pelo ca- pit&o Manuel Pereira de Azevedo. FEVEREIRO 16 — Procurando os .governadores da ca- pilania intrometer-se nas eleigdes municipais, represeniou a Camara de Olinda sébre tio abusivo procedimento, respon- dendo-lhe o soberano por CG. R. désie dia, que por uma oulra de igual data dirigida ao governador Fernando de Sousa Cou- tinho, se mandava ordenar que se-nio intrometesse éle, nem os governadores que lhe sucedessem, nem tdo pouco os ofi- ciais da fazenda e guerra nas eleigdes das cimaras nem em nomearem pessoas para servirem de tesoureiro das mesmas,

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