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A Estérica DE LUKACS ‘TRINTA ANOS DEPOIS’ Nicolas Tertulian ‘A Estética de Lukdics, trinta anos depois de sua publicagdo definiti- va — dois grossos volumes com o titulo original de Eigenart des “sthestischen -, por mais surpreendente que parega, ainda nao recebeu 0 ‘{ratamento critico que merece. Seria falso dizer que nao existem comen- tarios (nés mesmos dedicamos estudos ao pensamento estético de Lukies'), mas ainda esperamos por uma anélise exaustiva de sua estru- tra, das suas principais teses e de seu rico desdobramento categoria ‘Um certo fechamento do filésofo no universo de suas proprias idéias, forjadas desde a segunda década do século (as idéias desenvolvidas nhs ‘duas primeiras redagdes de sua Estética - a Heidelberger Philosophie der Kunst ¢ a Heidelberges Asthetik, escritas entre 1912 ¢ 1918 - sio no ‘cesencial conservadas na forma final), assim como sua relativa indiferen- ‘gas outras importantes aquisicdes do pensamento estétice contempors- neo justificam tm pouco a marginalizacao de sua Estética, E sintomatico, por exemplo, que as referéncias As teorias estéticas de Croce, Ingarden on Devery e observagées sobre a arte de Heidegger ou Gadamer (¢ verda- de que Lukées estava acabando seu manuscrito quando surgi Wahrheit und Methode) praticamente inexistam em seus escritos. A psicanélise € ‘apenas citada, e de maneira critica, ¢ claro, A tinica flosofia da arte eon- tempordinea que merecen e até despertou um pouco de sua atengao foi a de Nicolai Hartmann. = qadugio de Jeanine Pires, professora do Departamento de Citncias Sociais da Univer: TS Tederal de Alagoas. Reviso de Ivo Tonet, professor do Departamento de Filoso fia da Universidade Federal de Alagoas. 1 “Tertulian, N. Georges Lukes. Btapes de sa penséeesthétique. Paris, Le Sycomore, 1960. 13 Loxics # 4 aTuaLipape Do wazxisyo Abordando um segundo aspecto do problema, poderiamos ressal- ar que um sistema estético publicado na segunda metade do século XX nao pode dispensar uma confrontagio efetiva com a pritica dos grandes artistas modernos, Proust ou Kafka, Faulkner ou Musil, Picasso ou Klee, Stravisnky ou Schonberg. Ora, uma das principais Objecdes feitas a Estetica de Lukiics, desde o inicio, era justamente o fato de cla nao levar em conta, de forma concreta, algumas das experiéncias mais importantes da arte moderna (nos referimos aqui ao artigo, nivel, que George Steiner dedicou a ele na Times Literary St : em junho de 1964). Ignorando as grandes manifestacdes da arte de nosso século, dizem a maioria das criticas, essa Estética corre o risco de se perder no tempo. Esses argumentos sio fortes e € preciso analisélos com atengio. De ara responder A primeira série de objegdes, € necessério dizer antes de mais nada que a Ls¢ética de Lukécs esta longe de se situar numa Posicdo excentrica em relacdo as outras importantes correntes da estética filos6fica contemporinea, as quais 0 texto nao faz referencia, f importan- te esquematizar, rapidamente, a geistesgeschichtleche Lage (colocagio historico-espiritual) dessa Estética, em comparacdo a outros sistemas angas e analogias profundas, além das diferencas radicais de principio, ‘Tomando como pontos de referencia de um lado a teoria de Croce so- bre a arte como “intuigéo lirica”, como expressio do lirismo fundamental da alma, teoria elaborada em polémica direta com a idéia da arte como mimese, e, de outro lado, no pélo oposto, 0 pensamento de Heidegger so. bre arte como “revelacdo do Ser” (Offenbarung des Seins), pensamento que se define justamente em oposicio direta a idéia de que a arte seri pressio da alma” ou “do vivido" (Ausdruckserscheinung von Scele, 16s poderiamos considerar a concepcéo estética de Lukics um tipo de ‘media ou mesmo uma coincidentia oppositorum, Nossa tese se confirma no fato de que a arte, na Estética de Lukécs, aparece também como “consciéncia de si do género humano” (Selbst bet ein der Menschengattung), expressio de uma subjetividade Purificada, intensificada e enriquecida em relagio a subjetividade pritica~ ido nos parece to distante da intuigio lirica de Croce -, e como » Sintese ¢ reflexo das determinagoes objetivas do mundo — num ido proximo da reabilitagéo da mimese grega de Gadamer, mbremos que a idéia principal da estética da juventude de Lukécs “cariter vivido” (Erlebnishaftigkeit) da experiéncia estética. A ra descrita como a expresso privilegiada da “subjetividade pura” “puro vivido", desprovidos de si s praticas e de suas ade- plano epistemol6gico, no A Esrética pe LuxAcs TRINTA ANOS DEPOIS ‘io de obra de arte como -spago teérico do neokantismo. Sua definicao de ol Jmaterose Mi monada sem janelas), valorizando o cardter auto- suficiente do mundo artistico, nfo é a idéia de Croce de obrade arte como wares opostos, formam uma qualidade cons- ‘uma aproximacao com a tendéncia simétrica da estética de Gadamer eogerer pry: cegiriereanereed de forma contundente a tradicional Erlebnis c, polémica explicta com a sjetvinmo da este kantianaesobretudo neokantian e,submeten- do a uma critica aguda a visio reducionista do estetismo (Gadamer denun- ciao empobrecimento da arte pela “di uncaio estetizante”, peladstshetische Interscheidung), tenta, gracas & reabilitagéo da mimese, reincorporar & tute aque tua eubttnci elena, Mas au lam sto neces- Sérias importantes distingtes, Nio € necesséria muita perepiccia para notar que o Ser em Lukécs e o Ser em Heidegger sio realidades totalmente diferentes. A estrutura filoséfica bésica da estética lukacsiana do realismo encontra-se, em nossa opinifio, na critica desenvolvida pelo jover contra 0 idealismo subjetivo (o que ele chamava de Reflexionsphi Kant, ete Jacobi, como também "intulgto intelectual” de Schelling subetivismo de Schletermacher, em nome dos direitos imprescritvls etividade eda riqueza das determinacées abjtivis do mundo infin degger, num retorno ao pensamento pré-socrtico, que ainda no ia essas dualidades do pensamento metafisico, situa 0 Ser fora des- emo suitoobjeto enquanto em Lakes, que assimilow integral a hegeliana do idealismo subjetivo, interpretando-o a luz do samento de Marx, 0 Ser se identifica com 0 mundo hist6rico-social em concretude particular ecom 0 mundo da natureza, com o qual o primei- tem uma troca permanente. Lowes #4 arox, Mas a diferenga mais i a importante em relagio ao pensamento de Healegrer ede Gadamer€ que a estétea de Lakes Seeders ies Hsolada no quadro da Erlcnisdsthtik: mesmo sendo sua subjetividad eatéea mito diferente dag de Kant «doo neokantanos, devi sao PPeetiioiearatsrmeato no mundo objetivo ¢ A eua velorizario da Hiqesn din determinages deste mundo, Tater eee we Gadamer, partindo de suas premiseas heidi tenton tm evalorizago da alegoria,enquanto Lukes PEC achat Gio goethian entre siboloealegora, ao defender com mumerosos =e 8, no primeiro capitulo de sua Estética, a arte simbolica cor a rica, A aversio de Lukécs ao con de Croce), contra as abstragée: na presenga de certas tonalidades e de di s e de uma certa atitude vivi regna o tecido da obra como uma substincia homogenea, ragdo na arte e contra o qui amar de seu incorrgiel concen gra Cen eec nt de raf para conse td gue existe no mundo." a Brecht lefendendo a literatura fundamentada sobre as grandes ee aces edtoras (a mina ou odinheiroem Zola) eironizando 0 aoe smo esto de Lakes, que dava referencia a formas nan ne | Ee ee = alos “sem alma” (o que evara Brecht a dizer que os “fat fee "ea destimanizagio sto a expressio da es cata Marat fflete,€ no da atitue do eseriorem E Saa ice) Maas cht provavelmente atribuia a Lukics a volta da estética da ng (ators da empl, qe ele dtestava profundamente. Mas 8 oportunidad de explicay, em diferentes momentos de es janto eeu pensamento diecordava, de forma dlreia, da \coria ele era um adversrio, 1g. Respondendo a Hans ‘A Esrémca ps LUKACS TRINTA AXOS DEPOIS Paul Bouget ou Jakob Wassermann, por tevado, a de Gerhart Hauptmann; € que da literatura pequena, como a de exemplo; ou, em um nivel mais el a arte verdadeira produz necessariamen' ‘em relagio aos sentimentos evocados. eee vopes em sua Estéica, quando analisa o Paradoxo sobre o om ode Diderot, ox quando polemiza com Brecht sobre averfremd! sixties procura precisar que aarte implica uma “objetivacio” ot {io dos sentimentos, endo sua express dire, o que Supe dor $30" filleagem, um olharcritco. A “consciénciade si” (a Selbsthouy ) TJeigue ele fala € justamente a atsvacto dessa zone profunn do nosso ex, {que domina os sentimentos imediatos. A divergencis com Brecht reside no tne Ge que, para Lukdcs, esse “distanciamento” € realizado oxclastt te pela configuracio (a Gestaltung) das situagdes ¢ dos ‘estados de espirito, pelos efeitos trigicos, tragicomicos ou ebmicos, por ‘exemplo, em tma pega peatkekhow, e nao por um “efeito de distanciamento” ostensivo, que dic: braria a eminéncia da configuragso. Jibito de dizer - escrevia ele numa carta a Cesare Cases ‘io poética Brecht nos mostra a filha da S icamente tréigica, todo te um “efeito de distanciamento’ sr intermedisria da estética de L tuigio pura” e da teoria da arte como “revel bbjetivistas da arte como “imitagéo da natureza” se mente agora. E, tanta energia n madiura a idéia de que a vocagio da arte ‘mais secretos ¢ os mais di inteses” afetivas ¢ intelec- aoe yas pela "consciencia des! transcendem umn experiencia empires) “ontologia moldada sob 0 se to eninismo’filoséfico”, “nfo diferente do Diamat stalinisa”, 0” terreno do anal representante da nao menos banal, “teorta do reflexo”* Tam sustentar essa concepgio somos obrigados a fazer, dessa ver, Wit Troximagao com a toria do mais conhecido e mals autorizado repre” a erica enomenolbgica, Roman Ingarden. Sabemos que 0 l6sofe és adotou rio dominio da ontologia e da teoria do conhecimento unt ue ado seu mestre Edmund Husserl. Ingarden Hidade de “objeto intencional” por exceléncia, erutia seu iro 7 17 Lukes 8 & xTUALIDADE Do MaRxISO Percgkm como missio ativar os horizontes da subjetividade. O caminho de ikfics nos parece bem préximo do de Ingarden. A aproximagio poderia ir A tese de Lukécs sobre o “objeto indeterminado” da obra ), necessariamente presen tena inavéncia do oben exo, e que a constenca do meni ian ir” Com sua imaginacao. A idéia lnkacsiana sobre a ind ‘necesséria da obra de arte - em nome da. qual ele rejeitava eaten Shee rigdas. 0 Jogo das analogias poderia continua, por exemplo, entre os spontamentos de Lukes sobre a substancialidade da obra de ate at de Ingarden sobre suas “qualidades metafsicas” (o tigi - demoniaco, o sagrad: 0 ae Seruoniac,o sagrado, 0 grotesco etc), correspondendo as zones Enfim, Adorno mesmo, em sua Teoria est ducao primeira, a Frithe Einleitung), tentando dio entre oformalismo da estética de Kant (no qu vo de suas premissas teria esquecido “a vode su i wecido “a profundidade ea bra de arte) €0 “conteuulismo” da estética de Hegel, que pens, x ) que ele retoma qui neat, om den de ds Undine dr Kins ( caters & argumentagao de Lukics sobre a indeterminagl ccna ty nici Principal sobre “a missio desfetichizante da arte") que retomava eobre 0 estético a antiga critica contra a reificagio, que mare lamente 0 pensamento de Adorno. ° coer Pensamento estético de Lukics encontrou, desde 0 reastncas, que surgi no momento das famosas polemicas tow oon 1980 sobre o expressionismo ¢ o relismo, mas que viveram reviravolas tinda mais espetaculares durante as duas fltimas décadas, mals preci (rente @ partir da publicagio do célebre artigo de Adorno “Eapresste ersshnumg” (Uma reconetingtoextorquida) pm la durante a Primeira Guerra Mundial, lendo o manuse Juventude da estética de Lukées, Ernst Bloch’ mostrava ao amigo ean [A Esrézica pe LURACS TRINTA ANOS DSEOIS discordancia sobre os “pontos essenciais”. O pensamento de Bloch, ris- pido, tumultuado, impregnado de uma forte tendéncia escatol6gica, nao combinava com o culto da forma, da plenitude ¢ da totalidade harmoniosa que, aseu ver, dominava os escritos de Lukics. Em uma carta em novem- bro de 1916, ele admitia ter a impressio de que o pensamento estético de seu amigo gravitava em torno de uma “metafisica da forma”, que a apro- ximava de maneira surpreendente do “realismo”, no sentido medieval do termo; como se 08 elementos € as estruturas da obra de arte refletissem as esséncias atemporais: precisa, no forma do necessite de justificativ «1. € no existe contradic, fato de que aquele que €0 jista mais puro no que con: Estado seja o mesmo realista com relagio a forma artéstica, parecido de alguma maneira com Petrus Ramus, que definia o niimero de sflabas , € Joico, o Ingar da palavra na frase, como reflexo e niimero da logica real das situagoes? A carta de Bloch contém, in nuce, a critica que ele vai desenvolver ais tarde sobre a posicio estética de Lukécs: a acusagio de neoclassicismo que aparece como um refrfio em sua teoria. Admirador do fragmento, da interrupgio, das mediagoes bruscas (lie jahen Vermittlungen) na definigao de uma realidade caracterizada pela mudanca das antigas relagbes sociais € pelo surgimento de novas relagées de producao, Bloch defende o direito & existéncia de artistas “irregulares”,filhos legitimos das épocas de crise. O gosto de Lukiics pela totalidade acabada e pelo equilibrio imposto pela forma Ihe parecia uma contradicao com as exigéncias de um dancas ¢ rupturas (Bloch nao hesitava em falar do “classicismo epigonal” de Lukics). Mas Lukécs ficou inflexivel em sua convicgio de que a voca- ‘cao da verdadeira obra de arte € criar um “mundo” em que a pluridimen- sionalidade deve refletira riquezae a complexidade das relagées daconsciéncia com oreal. Quando Hans Mayer falou da “unilateralidade” de sua dialética (Bingleisigkeit), Lukes lembrou, na carta j4 mencionada, o essencial de ‘suas divergéncias com Bloch e com os outros autores adversérios quando do debate sobre o expressionismo: Foi justamente eu que exigi uma pluridimensionalidade, uma plurilinea- ridade (eine Mehrgleisigkeit) da realidade figurada, enquanto Bloch e meus ‘outros opositores trabalhavam com uma plurilinearidade somente na sub- Jetividade. Caso a acusagio de neoclassicismo, formulada por Bloch, pudesse ter alguma justificativa em relacio a algumas andlises do.jovem Lukes (referimo-nos ao elogio que ele fazia as tragédias de Paul Ernest) estética da maturidade toma totalmente caduca essa acusagao: 0 com “forma” construido na grande Esté dle qualquer concepcio académica ou neoclacaien ae fio oPosto ieocliissica da arte. A discussio ‘que esta tiltima exerce sobre a conf A a en vez “destruida pela matéria™’ ee) ae artistas como Hugo von Hofmannsthal ou stia uma superestimacao dos efeitos imediatos da forme’ colocando em primei comprecneaan Primeiro lugar 0 peso decisivo da “substancialidade” (dy uma carta de 1912, do critico, exposto la por Lukacs, ‘a. Ao critico platéni Wve € a critica francesa em das obras, “ressonancia e numa concepgéo assim agindo, ele se : : suias polémicas com ua Concepgao estética seria recusada de um posto. Nao seria tanto pela grande atencao © seus seguidores, de vista totalmente * Takes, re nd, 1968. p. 798 e ss 20 A Esrérica pt LUKACS TRINTA ANCS DEFOIS dada ao contetido sécio-hist6rico das obras literérias que ele seria critica- do, mas pelo fato de que ele se restringia ao plano puramente “estéti- co”, no sentido mais tradicional do termo, adotando como medidas as reagbes emocionais (0 prazer estético) ¢ 08 efeitos catérticos. fo prazer que the guia, nfo aluta, o objetivo, a caminhada (Es gehe thm jum den Genuss allein, nicht um den Kampf, um den Ausweg, nicht um den Vormarsch) - dizia Brecht. Em seu estudo consagrado ao debate Brecht-Lukics, Werner Mittenzwei observa também: Para Brecht, que tinha o hébito de abordar todas as questdes artisticas do itico, e de classe, Lukics era tio letrado ou ainda esteta, ‘se questionava sobre 0 arcabougo politico do mundo 0 bi6grafo de Brecht, que den a acusacéo de estetismo ainda mais polémica. No capitulo intitulado “Es geht. um des realismus", ele observa que Lukics néo poderia evitar a exigéncia da Kunsterlebnis, de escrever as reagbes emocionais suscitadas pelas obras de arte. Volker, que delineia sem querer 0 ponto essencial da controvér- sia, pensava estar destruindo Lukiics dizendo que ele se interessava de- mais pelo “aspecto tragico” de uma peca como Mae Coragem, enquanto, segundo ele, ‘Mae Coragem no interessa de forma alguma para Brecht... pois, iteressa é que o espectador entenda por que a Coragem é destruida. Mas € justamente essa antinomia entre compreensio intelectiva € sentimento que é contestada por Lukiics. O sentimento trégico, longe de ser um obsticulo a inteligéncia dos fatos que acontecem em cena, é, pelo contririo, o motor, porque ele toca no ponto central de nossa personalidade. ‘A acusagio de “estetismo” nao € a que normalmente encontramos na maioria dos adversérios de Lukécs. De Adorno a Susan Sontang, de Harold Rosenber ou Hans Mayer e ainda outros admiradores de Benjamin, de Bloch ‘ow da Escola de Frankfurt, as criticas visam a indiferenca ou até acegueira de Laikécs diante do caréter aut6nomo ¢ irredutivel das obras de arte, diante que Adomo chama de Formgesets (‘a lei da forma”). Esse daltonismo est co de algumas obras da maturidade ocorreria, segundo os criticos de [aul orrigivel, a sua tendéncia dk dade nio € tio simples. A imagem da posigio estética de muitas vezes apresentada por seus adversérios de forma reduc [Lumkes # A xTuALIDADE DO MARXISMO caricatural. Falou-se e escreveu-se em varios locais que ele teria negado to- talmente a grande literatura de vanguarda de nosso século: Kafka, Joyce, Proust e Musil, Brechte Beckett. Fritz Raddatz, em um texto sobre Lukics € ‘Adorno, Der holzene Ring, dava como prova da ojeriza de Lukcs & literatura moderna o fato de ele ndo ter consagrado nenhum estudo analitico a um escritor que pertencesse A vanguarda do século XX. Susan Sontang, em seu texto The literary criticisme of George Lukiics, culpa o historicismo exacer- Dado do flésofo (assim como todas as criticas vindas da linha de Hegel Marx, como de Adomo e Benjamin) por uma certa insensibilidade em rela- ‘glo ao valor intrinseco daarte. Assim se explica, segundo ela, a incompreensio de Lukes diante do modernismo do século XX. Lukécs foi varias vezes chamado a explicar sua posigao sobre os es- critores de vanguarda. Seus argumentos nao eram tio indiferenciados como diziam seus adversirios, cujos métodos, muitas vezes, no passa- vam de amélgamas. ‘Durante uma conversa com Stephen Spender, publicada na Encounter, ele ressaltava, por exemplo, as iniimeras criticas que tinha a Proust € a Joyce. Admitia de forma franca ¢ embaragosa que havia lido Ulysses com dificuldades; esse tipo de literatura Ihe parecia uma variével refinada do naturalismo moderno. Sua opiniao sobre Proust era bem diferente. “Em sua obra Em busca do tempo perdido, ele tem uma imagem correta do mundo ~ ele dizia -, ¢ nao uma fotomontagem naturalista, pretensiosa € grotesca de associagées”. O valor de um romance, dizia ele, tem o poder ide enriquecer nossa experiéncia de vida, ¢ Proust parecia compreender totalmente essa preocupagao, e isto em detrimento das reservas, muitas vezes formuladas, que Ihe inspiravam a unilateralidade de sua represen- tagio do tempo. O mesmo tipo de respostas Lukécs dava ao escritor cana- "im Kattan; a entrevista foi reproduzida pela La Quinzenale novembro de 1966. de Lukécs sobre Kafka sofreu uma certa evolugio. Em O inaugural e o paradigma da literatura de vanguarda que Lukées apreciava, A alegoria de que o autor de O processo gostava era, num terminado momento, acusada de destruir o universo poético (era a par~ s consideragées que Lukées formulava aalternativa: Franz Kafka 1s Mann?). Mas, mesmo nesse livro, as paginas dedicadas a a compreensio passional por suta obra ~ 0 que o proprio Adorno reconhece de forma irénica em seu artigo “Expresste Versénung”. Posteriormente Lukacs esclareceu sua opi- nidio sobre 0 autor de O castelo de forma claramente positiva. Podemos perceber sobretudo na Estética, mas também em alguns preflicios e car- tas, Em fevereiro de 1968 ele escrevia para o critico brasileiro Carlos ‘A Esréca et LUKACS TRINTA ANOS DEPOIS 1ido mm jidamente seu livro sobre. Yemen a a de forma bastante insu- sbra de Kafka. Nessa carta, alids: rere Sank jomentos, Lukéics ‘estabelece uma comparagee Leah oe a Saltando a semethanga entre esses °° autores que ocuparam, cad ‘uma posigao singular em relac Tntsstcae utopica, els triam criado wm vamativas de eet tempo, enqwanto seus plo) teriam descrito a realidade de cional do termo. Fazendo uma analogia a forma nova @ obra de Kafka, em relacao a0 4 ‘pequeno livro em 1957, met wa da amp! scritor de Praga feta do ingles. Dessa for- imitindo do ‘visio de Kafka durante seu Benseler, no dia 8 de dezembs Ftd inplicta aqui una dislticn do proprio coneeh® pode ser deixado de Indo por um diecurso ds POS Pemgunrda, Se, como parece, Luksics reviu sua Ps ‘Beckett se torna também insuster de estéticn ‘sua opinidio sobre Mas Adorno 9 enganes Beckett nto ean deformagh ea da condigéo humana, 10 Kafka 2 deformagio monstr#osa ito homens, 22 cose ee er eaminoo de Becket. 8 negations do i .egativa ee Musil, se a atitude de Luks € muito mais Ned vonclusoes, a anélis nas ono alison atentamente 08 dols prime samc O homem sem quatidades (0 que, alt, tz de que ele néo dedicou nenhum au exertion de ven pry oe arto, pabllcado em 1979 pela revista hanger Helicon, com LLUwACS A ATUALIDADE DO sABEISSIO titulo “Totentanz der Weltanschanungen’, fazia parte de um estudo mais Jongo, que ficou inédito, chamado Grande hotel abismo. Lukiies faz ali ‘uma radiografia ideolégica muito profunda do romance de Musil. Essa anilise, longe de ser compreensiva, valoriza os aspectos satiricos do ro- mance, ressalta.a forca critica do romancista quando da evocagio da “danca ‘la morte das ideologias” na cidade de Viena antes da Primeira Mundial. Mas nao deixa de mencionar 0 atoleiro (das Steckenbleinben) do personagem principal, Ulrich, e do romancista mesmo, na mentalidade io social que ele abomina. Em 1958, Emest Fischer publicava um artigo na Sinn und Form em fazia um elogio a Musil chamando-o de “grande escritor”, Nessa oca- Lukécs Ihe explicou em uma carta a “diferenca sutil” que existia entre 10 julgamento estético. Ele compreendia to bem quanto seu amigo Emest Fischer a autenticidade da experiéncia invocada por alguns escrito- res importantes de vanguarda, mas no poderia deixar de mencionar a treiteza de seus horizontes, em nome de uma outra representacao da ‘clo humana em nossa época, que ele entendia mais objetiva e profunda. A dificuldade - escrevia ele a Ernest Fischer ~ esti no fato de que ‘goes na imagem do homem também apareciam de forma trig zer, em pessoas que persegulam o bem, que softiam com essas distorgde: ponto de vista objetivo acreditavam lutar por elas. Eu acho ga entre nds est no fato de a a diferen e n6s na visio de Musil -s de Lukiies sobre a literatura moderna esto em perfeita com sta flosofia da hist6ria e sua estética. Ele era niio me- is consciente do que Adorno e do que seus infimeros outros adversirios extraordindria extensio de alienacéo no mundo contempordineo (0 que ele chamava de a “‘pan-manipulagdo”) de suas conseqiiéncias fu sobre as relacées entre 0 individuo e a sociedade e sobre a condigo huma- nna em geral, Mas ele estava convencido de que, mesmo evocando a mais terrivel confusiio e a mais total degradagao, o verdadeiro artista jamais per- de em sett en profundo, de onde nasce a capacidade criadora de sua imagi- gio, a medida do que € justo e do que é injusto, do que € auténtico do ilo-auténtico no homem (das Echte umd das Unechte des Menschen). capitulo de sua Estética, intitulado “Der Mensch als Kern Lukics a substincia estética da te condicionada pela existéncia de uma -rsonalidade do artista (personalidade no sen- “A Esriiica pe LURACS TRINTA ANOS DEFO'S famosa distingho de Croce), Croce e Laks mantinhasm, aoe, orn asee de amino Pe or Ol ‘problema da “pers- de adie eo bomen como “conch” (Schale).O prema de mmc pra kos estava Jonge de ser paramente cog Fn tc as a or re dentico a Pormegesinnung, &disposico forma pet Tt ds le guniza a materia de eua obra. A homogencizagio da 00s qo a para Lakics € uma condicéo sine qua non de sve oo ca caine onipresenga latente desea perepectiva, enraizaia rie mana do artista, em seu sentimento do mundo iO gue o atraia, o fascinava emt tm romance Como Figs Moranie, mas também nos ditimos dramas oe sorge Semprun ou no romance de Styron Set nt one anges st itgcaem relagio anegatividade das situoco sascha da de anid a qual mergthava dese mundo degradado ou atroz. ‘orma de cumplicidade com a nega Saultaria, provocando esperangas, a imensi "Nos dltimos anos de suas vidas, Lutkiics maneira bastante viva. Parece-nos evident eunezohnten Jahrsgunders (Bl ‘am livro em homenagem a Heinrich como uma resposia polémica is teses Je See « wava abertamente ou indiretamente na Teoria om a polemizava berate em una cata abertaenderegad na la época a Rolf Hochhuth. f ‘ ee ava, eestaera sua principal objegio, que Lukes adepto de uma antropologia invariante, cua pedro em seria 0 “in duo” (o sujeito), com suas particul 1a tink do ele, determinado uma mudanga radi 0 moderna in er rages oo processo de massiiacto, a ndlviie, ii 805 imprescritiveis. A fande antOaoma junto com seus pretensos direitos INT! rea nas, no que elas tém de mais autént Si io da forga critica que Thes 5 LowAcs i A ATUALIDADE DO MaRXISO nessas condigées, fundamentado na idéia de que a substdncia humana indestrutivel (para retomar uma expressiio de seu mestre Lukics), foi declarado por Adorno como “fora de questo”. O cerne da controvérsia aparece claramente aqui. Lukéics recusava o que na visio de Adorno Ihe Parecia uma resignacdo e uma capitulacdo diante do mal. I precisamente grandes obras: ocontinuum da aliena- ivel quanto muitos pensam, inclusive 0 ao nao é autor da Dialética negativa. Muitas das anélises que faz: na Ontologia do ser social mostram que ele no minimo tinha a mesma consciéncia que Adorno da amplitude da lagao da vida e das consciéncias nas duas esferas do mundo, por exemplo no capitulo sobre a alienacio. Mas 0 “humanismo” ao qual ele permanece fiel nao tem qualquer relacdo com o humanismo abstrat significante ¢ pacifista denunciado corretamente de maneira justaem Ador- 0. Sua anélise do mundo contemporineo era muito mais detalhada e ‘mais bem articulada que a de seu oponente; ele no estava de forma algu- disposto a se curvar diante da “irracionalidade da sociedade burguesa i fase tardia’ segundo Adorno, “nao pode ser compreendi- da economia politica” e a mergulhar numa “ontologia do desespero” (como o fez Adorno; cf., sobretudo, na conclu- sito da carta aberta a Rolf Hochhuth Muito pessimista in concre carta a Cesare Cases, Likics mmo dizia no inicio de 1965 em uma se cansava de procurar as razées so- ir a contestacdo para conter a extensao do mal. O catastrofismo wa repulsa. Ele o ironizou no Grande hotel abismo em que Ador- wa. Conseqiiente com suas convicgées filoséficas, continuava a defender, no terreno da estética, o realismo criti Beckett o valor exemplar de uma pega como A Diirrenmatt, ow as dltimas pecas de Brecht, No sentia mais proximo de Bart6k do que de Schénberg; na pintura va fato de que o grande exemplo de Van Gogh e de Cézanne nao tivesse ‘sido seguido no século Xx. Sua visdo multidimensional da sociedade con- temporiinea e a caracteristica “concreta” de seu humanismo orientavam suas preferéncias estéticas. Ironia do destino, ele reencontrava nesse combate contra a alienagéio €0 mal, nessa recusa de capitular diante do que existia, a antiga palavra de ordem da Escola de Frankfurt: Nichtmitmachen. “Ich mache meine tal era o jargiio que ele recomen- “ontempordneos. Podemos Ihe acusar do fato de ter sempre 1m tanta conviccao no que ele chamava de indestrutibilidade LuKAcs HOJE” Nicolas Tertulian argo. inciar a morte jornal Le Monde do dia 19 de margo de 1994, ao anu ¢ do eseitorlemao Walter Janka, fazia um resunnido obituério do falecido: Em 1951 ele fe nomen pra des da Auf Verlag Bors Reson trig), que digi uté 1956, ano em que fl acusudo de “nigh conte reveluciondri, sendo depots preso por um periodo de cinco anos, de haver defendido Gyorgy Lukics, um escritor hiingaro detido apés 0 e&- ‘magamento da insurrelgio de Budapeste. a “ ” wivio valeu a Walter Mas quem € este “escritor hiingaro” cujo com Janka cinco anos de pristo? £ bem possfvel que oe inae de Gene kes, que em outros tempos levava pessoas @ daniee al telovisto, como Frangois Bondy, ou sem, como o poeta Stephen Spender, que o entrevistou para a Encounter. i spec caro, em outros tempos! Hoje esse “milionésto do wer undo a formula do poeta inglés, nfo € mais nem ldo, nem traded, ninito pelo coatrrio,€ trucidado com base em algumas leads, que di ponsam a leitra de suas obras, ruminadas por alguns de seus opon tes: caminhos pouco adaptados & época do telefone cel Lom TLembremo-nos de que, em outros momentos, prestvanios alent a todas as erties vindss dos regimes do Leste aue denuncivan a pré- tea social e politica lf instaurada e que no tinham mas quase nada ext comum conto pensamento de Marx, pensamento que eles préprios di- ‘iam seguir. E que testemunho seria mais valido que 0 de um fl6sofo mar- asta que subia do que estava falando? Nos sabfamos que Luks era Inarxista e que denunciava, enquanto marxista, as préticas do “socialis- + Tradugio de Jeanine Pires, professore th Feo de Alas Rei de fa'dn Uae Ree de Al

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