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Caminhosdaimprovisao PDF
Caminhosdaimprovisao PDF
1.Música
Bibliografia
ISBN:978-85-64282-14-8
Ademir Junior
2ª edição
Brasília - DF
2018
Dedicatória
Hamilton de Holanda
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
pág 28
Parte 1 Melodia
1
ESCALAS
pág 36
2
ARPEJOS
pág 62
3
INTERVALOS
pág 78
Parte 2 Harmonia
4 CONCEITOS
pág 96 INICIAIS
5 MODOS
pág 102 GREGOS
6 HARMONIZAÇÃO
pág 112DAS ESCALAS
7 SONORIDADE
pág 134DAS ESCALAS
8 APLICAÇÃO
pág 170 HARMÔNICA
9 NOTAS
pág 184 EM COMUM
10 ALTERAÇÕES
pág 190
11 SOBREPOSIÇÕES
pág 208DE ACORDES
Parte 3 Linguagens
12 FUNDAMENTOS
pág 220
13 ESTRUTURA
pág 230
14 EXPRESSÃO
pág 244
15 FRASEOLOGIA
pág 254
16ARTICULAÇÃO
pág 268
17pág 282
RITMO
Parte 4 Prática
18pág 310
ESTUDOS
19pág 338
TOCAR
20pág 364
TRANSCREVER
Parte 5 Percepção
21 SINESTESIA
pág 388
22 SOCIAL
pág 414
23 AUTO-
CONHECIMENTO
pág 432
24 LEGADO
pág 458
Coda
25 MEU CAMINHO
pág 474
“Eu sabia que era um grande improvisador, arranjador,
clarinetista, saxofonista etc. e tal, mas, com grande surpresa, ao
folhear este seu trabalho, me deparei com ideias extremamente
profundas. Descobri um pensador. Um filósofo experiente. Os
exercícios propostos são de uma abrangência profunda. Servem
para a vida inteira! Este livro nos contempla com uma variedade
muito grande de sutilezas que envolvem muita inteligência, vivên-
cia, consciência e um talento especial. Altamente recomendável
para quem quer trilhar os caminhos não só da improvisação mas
também da Música como um todo! Parabéns, Ademir!”
Spok
“Que presente Ademir Junior nos dá com seu livro
Caminhos da Improvisação!
Nelson Faria”
Introdução
A improvisação está na alma de todos. Você improvisa todos
os dias na vida, talvez sem perceber. Sua improvisação começa no
pensamento e se mostra nas brechas entre as obrigações e leis a
cumprir. Sua criatividade resolve problemas, cria novas situações
e realidades todos os dias. Na música a criatividade é o motor, a
energia é o combustível, o som é o passageiro, você é o veículo,
e sua improvisação é o mundo em que o som se manifesta com
uma liberdade imprevisível e admirável.
INTRODUÇÃO
dos autores, suas motivações e o que visaram estabelecer.
o autor
INTRODUÇÃO
Caminhos da Improvisação | 33
INTRODUÇÃO
1
MELODIA
ESCALAS
Ferramentas Iniciais
Toda criatividade depende de recursos para que possa ser
expressa. Mesmo na improvisação livre, por mais que se use ou
pense em liberdade, o músico precisa de infinitas ferramentas
para usar a cada momento. São tantos conhecimentos que se
torna difícil nominar, porém deve-se ter uma base deles, pois,
se você prevê construir um prédio, vai precisar prever todos os
recursos a fim de não ficar com a obra inacabada.
O conhecimento auxilia a criatividade e jamais deve ser visto
como uma barreira; antes serve de suporte, pois ele também se
divide em várias formas, como o que se adquire por informações,
instinto e emoções.
É claro que nem todas as pessoas têm todas as ferramentas,
mas o que faz a diferença na criatividade é como você usa cada
ferramenta. Não é o muito, mas como se usa, e nisso consiste
uma verdadeira arte, que cada um desenvolverá a sua própria
maneira.
Por outro lado, devemos levar em conta a facilidade que
temos no acesso a diversas informações de qualquer ordem, e,
para a criatividade musical, tudo vale: efeitos, escalas, timbres,
ritmos e inúmeras ferramentas.
MELODIA
Nessa parte do livro, trataremos do conhecimento das
ferramentas necessárias.
A grande diferença em conhecer e praticar será o caminho
livre nos mais diversos estilos.
Naturalmente, buscar conhecimento leva tempo, e domi-
nar, então, dependendo do assunto, poderá levar uma vida.
Isso depende muito também da personalidade de cada
um. Pessoas mais extrovertidas são expansivas e práticas, já
pessoas introvertidas por essência podem ser mais reflexivas e
desenvolver mais o lado teórico das coisas.
Para o aprendizado, isso também será levado em conta, pois
a paciência também é uma ferramenta que pode ser desenvolvida
até mesmo para quem não costuma praticá-la tanto. Assim como
é para viver, o risco também é um desafio para quem gosta de
manter os pés no chão.
Na música, toda a nossa personalidade aflora naturalmente,
e isso se mostrará quando você estiver tocando, estudando,
compondo, arranjando, improvisando e produzindo. No
aprendizado, não é diferente!
Na minha experiência como professor e palestrante de
cursos, tive oportunidade de conhecer diferentes personalidades
e ver como elas reagem a uma nova informação.
Algumas sentem sono quando as águas se aprofundam
demais, e outras não piscam durante horas aguardando sempre
mais. O aprendizado, então, se mostra como uma experiência
única para cada um.
Melodia
MELODIA | Escalas
Melodia é a parte soberana da música. É a mensagem
principal, que se codifica para cada ouvido em sons sucessivos.
É a parte que estabelece a canção ou o tema.
MELODIA | Escalas
com a imagem de escalas, intervalos ou arpejos.
Nosso ouvido ocidental é influenciado a dizer o que é belo e
o que é abstrato por causa das diversas culturas que absorvemos
com o passar dos tempos. Sendo assim, temos melodias que se
consagraram e outras que não obtiveram tanta atenção.
Músicos que se destacam pelo senso melódico parecem
cantar aos ouvidos do grande público, fortalecendo a ideia de
que melodias são como frases faladas, e, quanto mais coerência
ou simplicidade, mais empatia por parte de quem ouve. Claro
que tudo isso é subjetivo, pois o abstrato e o belo são padrões
estabelecidos, mas é importante aprender com a história, para
que se criem novas histórias.
MELODIA | Escalas
nas suas formas mais tradicionais. Vemos isso no Chorinho, no
Swing, no Bebop, no Frevo e no Samba.
Já no Jazz modal, as melodias se evidenciam nos modos
e nem sempre obedecem aos arpejos verticais dos acordes. Em
algumas vezes, tornam-se um pouco diagonais ou em graus
descolados, e isso acompanhou o movimento da bossa nova,
que misturou bem as harmonias do Jazz ao Samba e adicionou as
tendências melódicas e harmônicas de aplicação da época.
A música pop também contribuiu muito para a criação de
lindas melodias, com a simplicidade dos sons com ênfase no
sentimento produzido pelos ritmos pops.
Por meio de poesias, as melodias na música brasileira
também ganharam sons mais complexos como nas canções de
Chico Buarque e Toninho Horta.
Surgiram melodias com ênfase em divisões rítmicas mais
complexas e menos lineares, como é o caso do repertório de Dja-
van, que evidencia muito isto e fez disto um estilo pessoal com
diversos exemplos em suas obras. Gilberto Gil e outros composi-
tores, depois dos anos 70, evidenciaram essa parte rítmica. Outro
grande nome nos mostrou mais complexidade e beleza melódica
com riqueza harmônica e rítmica: o Guinga.
No Brasil, existem dezenas de compositores que se tornaram
referência pelos detalhes de suas canções, sendo importante a
pesquisa sobre suas obras. Nomes como Pixinguinha, Tom Jobim,
João Donato, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rosa
Passos, Cartola, Noel Rosa, Moacyr Santos, Egberto Gismonti,
Hermeto Pascoal, Severino Araújo, Ernesto Nazaré, Chiquinha
Gonzaga, Heitor Villa Lobos são algumas referências, mas a lista
é enorme e sabemos disso.
Nossa música brasileira tem grande destaque no quesito
melodia e isso deve servir de fonte de pesquisa e inspiração para
qualquer improvisador e compositor.
No Jazz, a música de Miles Davis, Herbie Hancock, Wayne
Shorter e Coltrane evidenciou o contexto harmônico, porque,
no Jazz modal, as melodias se deslocavam do som dos acordes,
passando a circular livremente nas notas da escala. Temos muito
a pesquisar em cada compositor e suas melodias.
Certa vez, Mike Trace, professor da University of Louisville,
em 1999, me deu um conselho após me ouvir tocar um solo
na casa Thomas Jefferson, aqui em Brasília. Ele disse: “Nunca
deixe de produzir melodias, se concentre nelas.” Nunca vou me
esquecer disso.
Melodias são histórias que fazem qualquer um viajar com
você, se souber contar. Por isso, é tão forte no mundo a cultura
das canções com grande senso melódico.
MELODIA | Escalas
verdade é que dificilmente algum novo caminho da música nos
faz voltar ao local original. Muito mais que um mergulho ao
fundo do mar, o conhecimento se trata da expansão do universo,
do nosso universo; é uma dilatação de autoconhecimento sobre
quem somos. Cada informação nos conduz um pouco mais nesse
sistema interior que é tão imenso quanto o universo visível.
As melodias nos darão esse passaporte. Não precisamos ter
medo ou preconceito quando o assunto é criar, compor e fazer
arte. Devemos ser sinceros e compenetrados nessa busca que
jamais terá fim e nos mostrará que seremos sempre melhores a
cada passo, pois é isso que a música de fato é: o casamento de
energias em trânsito livre no tempo e espaço da vida, metafísica,
espiritual, transcendental e mais que real, pois o real é muito mais
o que não pode ser visto com os olhos desse mundo ilusório.
Criamos e criaremos novas realidades a cada fóton de luz,
por meio das notas e suas combinações. Essa viagem só tem
início e é uma passagem apenas de ida, ida por meio do maior fio
condutor da criatividade musical, a melodia.
Escalas
Se a harmonia é o chão para a melodia, as escalas servem
de caminho. São pistas a serem escolhidas para um destino.
Escolher o uso de determinada escala é saber exatamente para
onde deseja ir ou, pelo menos, por onde deseja passar.
No início do pensamento criativo, você pode se sentir meio
perdido ao ver um acorde assim: G7(#9).
Isso pode parecer mais uma placa de trânsito dizendo
“PARE”.
Sem o devido conhecimento do que fazer, isso pode parecer
complicado. Faltará exatamente o caminho por onde seguir.
Lembro-me, nos meus 15 anos, quando ainda não entendia
bem harmonia, via um acorde desses e não sabia mais o que fazer,
primeiro porque não sabia distinguir ouvindo entre um acorde
de sétima maior e sétima menor. Então um acorde desses soava
muito esquisito.
O conhecimento melódico deve-se unir sempre ao
harmônico e vice-versa. Os dois dependem um do outro. Por isso
a relevância de entender a importância e o uso das escalas.
No campo harmônico, é comum o uso e a liberdade de uma
ou mais escalas para um acorde. No início, pode parecer liberdade
demais ter pelo menos 7 notas a sua disposição, mas, se você não
tiver isso, o que teria então?
MELODIA | Escalas
Nossa cultura tenta nos acostumar sempre nos convencendo
com o mínimo, e por isso perdemos bastante tempo deixando de
avançar de forma coesa.
Existem outras possibilidades de estudar o processo das
escalas a fim de passear por todos os tons e alcançar boa fluência
de execução.
1) Ciclo de Quintas – Progressão em Sustenidos - Sentido
Horário
E¯ Cm F#m A
Tons
Fm Enarmônicos C#m
A#m A¯m
A¯ E¯m E
B¯m G#m
D#m
D¯ B
F#
C# C¯
G¯
MELODIA | Escalas
Às vezes lutamos mais com a paciência, concentração e
disciplina do que com sustenidos ou bemóis.
Paciência
Quero reforçar, nesse ponto do livro, a questão da paciência.
Acredito que a paciência envolve uma rica visão em acreditar
que onde você investe seu tempo lhe renderá frutos, caso
contrário não há porque esperar; mas, se existe essa percepção,
então a mente e o corpo se ajustarão à causa.
Paciência envolve respirar, contar sem sofrer e ter paz ao
contar. Qualquer causa, luta ou batalha envolve isso, e ninguém
sem paciência alcança êxito em algo relevante. O imediato não
pertence às coisas profundas como é o caso da música, arte que
exerce a prática do tempo de forma absoluta.
O uso do tempo de forma estratégica serve aos sábios e aos
tolos, pois os tolos se afogam no tempo como se ele fosse finito,
já os sábios navegam no tempo enxergando sua infinitude.
O uso da paciência está em não perder tempo, aproveitando
o tempo das pequenas coisas, pois tudo que é grande é composto
de infinitas e pequenas coisas.
A paciência pode ser um dom, mas também pode ser
encontrada e praticada. O contrário da paciência é a ansiedade,
que suga o oxigênio do corpo e do cérebro.
No estudo musical, esse entendimento tem que ser
MELODIA | Escalas
e nem pretendo colocar aqui todas possíveis, pois, em algum
momento do estudo aprofundado de escalas, haverá uma mistura
sem fim de sons e nomes que, se você mergulhar nisso, vai acabar
se tornando mais teórico do que prático, e o que mais pretendo
aqui é apontar o caminho, deixar as portas abertas e aguçar sua
curiosidade para buscar o que há de melhor para si mesmo. O
melhor caminho sempre será encontrado na prática, pois ele
tem a ver com sua personalidade e percepção, então somente a
Caminhos da Improvisação | 53
experiência do fazer, repetir e buscar vai mostrar a cada um se
ele deve se valer de muitas ferramentas ou de poucas para seu
processo criativo. Todas as escalas escritas na sequência irão
partir da nota Dó como base.
Escalas Orientais
No sistema de música oriental, existem diferentes tipos de
escalas que são usadas em cada região. Essas escalas se tornaram
populares pelos povos durante os tempos e chegaram até nós,
mas são pouco praticadas na nossa música ocidental. Algumas
delas se assemelham com outras nossas, mudando apenas o
nome, já outras não são encontradas entre nossas escalas mais
MELODIA | Escalas
conhecidas.
O sistema indiano de notas lida com 22 notas dentro de
uma oitava chamada de Shrutis.
É um sistema de microtons em que são estabelecidos 12
tons principais chamados Swara.
Os 7 tons são considerados como Swaras primários.
MELODIA | Escalas
10. Shuddha Ma
11. Tivra Ma
12 . Tivra Ma
13. Tivratara Ma
14. Shuddha Pa
15. Atikomal Dha
16. Komal Dha
17. Trisruti Dha
18. Shuddha Dha
19. Atikomal Ni
20. Komal Ni
21. Shuddha Ni
22. Tivra Ni
Algumas escalas indianas se assemelham aos modos que
conhecemos, já outras não são comumente usadas em nosso
cotidiano, mas revelam grande riqueza e podem servir de
sugestão de pesquisa para diferentes sonoridades e estilos.
Bilaval Jônio C D E F G A B
Kalyan Lídio C D E F# G A B
Khamaj Mixolídio C D E F G A B
Bhairav Árabe C D E F G A B
Purvi C D E F# G A B
Marwa C D E F# G A B
Kafi Dórico C D E F G A B
Asavari Eólio C D E F G A B
Bhairavi Frígio C D E F G A B
Todi C D E F# G A B
MELODIA | Escalas
Escalas Pentatônicas
Maior C D E F G A B
Menor
C D E F G A B
Natural
Menor
C D E F G A B
Harmônica
Menor
C D E F G A B
Melódica
Maior
C D E F G A B
Harmônica
Diminuta C D E F F# G# A B
Tons C D E F# G# B
Blues C E F F# G B
MELODIA | Escalas
Nordestina C D E F# G A B
Bebop Maior C D E F G G# A B
Bebop Menor C D E E F G A B
Bebop
C D E F G A B B
Dominante
Bebop
C C# D# E F# G G# B
Alterada
Purvi C D E F# G A B
Marwa C D E F# G A B
Todi C D E F# G A B
Bhairav C D E F G A B
Árabe Menor C D E F# G A B
Enigmática C D E F# G# A# B
Napolitana C D E F G A B
Chinesa C E F# G B
Japonesa C D F G B
Pelog C D E G A
Japonesa
C D F G A
In-Sen
Pentatônica
C D E G A
Maior
Pentatônica
C E F G B
Menor
Pentatônica
C D E G B
Mixolídio
Pentatônica
C D E F# A
Lídio
Pentatônica
C E F A B
Frígio
Pentatônica
C E F G A
Dórico
Cromática C C# D D# E F F# G G# A A# B
Conceitos gerais
MELODIA | Escalas
Pratique:
1. o solfejo interno de cada escala e o som aprendido;
2. cromáticos;
3. tríades;
4. tétrades;
5. posições fechadas;
6. posições abertas;
7. repertório.
Caminhos da Improvisação | 63
2
Cada músico pode criar sua própria forma de estudar
os arpejos, pois estas irão sempre obedecer a harmonias
estabelecidas. Existem várias possibilidades para criar exercícios,
e você pode seguir também alguns processos para esse estudo.
MELODIA | Arpejos
2. Estabelecer uma harmonia modal.
Diatônicos
O seguinte quadro contém 9 exemplos de exercícios de
arpejos.
A) Pratique além do que está escrito, não se prendendo apenas
ao exemplo;
B) o que está escrito serve de guia para linhas melódicas
partindo de arpejos;
C) pratique nos 12 tons;
D) pratique da mesma forma em outras escalas e tons;
E) com o passar do tempo, procure criar suas próprias formas
de arpejos nas diferentes escalas.
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MELODIA | Arpejos
Cromáticos
Caminhos da Improvisação | 67
MELODIA | Arpejos
Nos 16 exercícios, foram usadas as formas diatônicas,
cromáticas, tríades, tétrades e posição fechada. Vamos agora
para algumas formas abertas de arpejos. Nas posições abertas, as
possibilidades se multiplicam, então você pode usar os exemplos
como dicas, trabalhar diferentes formas a cada exercício e ainda
criar muitos outros.
Caminhos da Improvisação | 69
MELODIA | Arpejos
Pensando harmonicamente
Uma outra forma de criar estudos de arpejos é pensar
harmonicamente.
Nos exemplos passados, foram escritas partituras com
notação musical para cada motivo, mas, se os arpejos são acordes
tocados melodicamente, podemos pensar também apenas
harmonicamente. Nesse caso, deixamos de pensar de forma
horizontal e passamos a pensar de forma vertical, ainda que seja
para executar de forma melódica.
Usando esse raciocínio, basta pensar em acordes e assim
diversos padrões saltarão em sua mente. Então você pode criar
padrões simples e depois mais complexos. Vamos a alguns
exemplos:
Caminhos da Improvisação | 71
MELODIA | Arpejos
Pensando em graus
Vimos dois exemplos muito eficientes para o estudo dos
arpejos, um que organiza a mente de forma horizontal e outro
Caminhos da Improvisação | 73
de forma vertical. Agora vamos adicionar à nossa prática alguns
modelos de pensamento em graus.
Usando o número dos graus de 1 a 7, é possível criar muitas
formas de estudos.
A sequência pode também variar entre diatônica, cromática,
ou de forma intervalar.
A) Diatônico
• Estabeleça o tom;
• estabeleça a escala;
• pratique o som pensando em números;
• com o tempo, você estará acostumado a ouvir o som
MELODIA | Arpejos
dos números que pratica. Não force a mente: o cérebro
vai organizar isso naturalmente.
Exemplos:
135, 246, 357, 461, 572, 613, 724 - Faça isso em todos os tons.
B) Cromático
• Estabeleça o tom;
• caminhe para baixo ou para cima de meio em meio tom;
• guarde bem o som dos números ou graus;
• cada sequência deve ser praticada em todos os tons.
Exemplos:
Caminhos da Improvisação | 75
358; 7835; 1#47; 1365; 135#4; 158.
C) Intervalar
Pode ser uma sequência simples também, porém combinada
a um intervalo sequencial como de segundas maiores, terças
menores ou maiores, quartas ou quintas:
17635#4 em 2M
MELODIA | Arpejos
#2358 em 3m
154 em 3M
153153 em 4J
5313 em 5J
MELODIA | Arpejos
Intervalos
Os intervalos compõem, nota após nota, os sons de uma
melodia. Assim como os arpejos e escalas, eles estão, o tempo
inteiro, gerando relações de sons entre duas notas.
Sobre esses saltos ou distâncias de uma nota a outra, está
uma poderosa ferramenta da melodia. A combinação e arte dos
sons, tanto de forma emotiva quanto planejada por meio dos
intervalos, constrói toda a imagem estética de uma melodia.
A distância de uma nota a outra forma lentamente um
jogo de peças que, se analisadas uma a uma, não fariam nenhum
sentido, mas, quando feitas sob um verdadeiro mapa mental
da criatividade, criam infinitas imagens e quadros sonoros que
as pessoas podem de fato apreciar, e a isso damos o nome de
melodias.
As escalas são como o veículo adequado para cada tipo de
pista ou rua, mas os intervalos são como pequenas partículas que,
juntas e ligadas uma à outra, constituem a imagem percebida,
como mosaico, pedras unidas em uma rua, ou a argamassa que
une cada tijolo.
Comparados com a linguagem escrita, os intervalos são
como letras que, unidas, formam o som que dá sentido a cada
palavra.
Com essa percepção microscópica sobre sua relevância, fica
mais visível entender a importância e qualidade de cada distância
entre notas a qual chamamos intervalos.
Caminhos da Improvisação | 79
3
A beleza e a arte de cada intervalo se moldam de acordo
com as divisões, andamentos e ritmos. Existem momentos
em que as escalas ficam em evidência, em outros momentos
são arpejos, mas os intervalos estão em uso constante. Alguns
fraseados trazem maior evidência de intervalos em relação a
escalas ou arpejos.
MELODIA | Intervalos
fraseado fazem parte do processo criativo. O êxito vem quando
a mensagem pode ser comunicada e seu gosto aprova aquela
passagem melódica.
MELODIA | Intervalos
Após essa primeira sequência escrita por completo, pra-
tique as sequências a seguir, dando continuidade aos exemplos
iniciados.
MELODIA | Intervalos
MELODIA | Intervalos
Se os exercícios começarem pelo padrão semitom e tom,
os intervalos que sofrem alteração, como 4J, #5 e 7M, serão
tocados inversamente nesta situação. Ex.:
MELODIA | Intervalos
harmônica e no senso melódico que se desdobra a cada nova
percepção.
Caminhos da Improvisação | 89
Intervalos maiores, a partir da quarta aumentada, podem
ser pensados de forma inversa para facilitar o transporte. Ex.:
quinta justa acima ou quarta justa abaixo, quinta aumentada
acima ou terça maior abaixo, sexta maior acima ou terça menor
abaixo, sétima menor acima ou segunda maior abaixo, e sétima
maior acima ou segunda menor.
MELODIA | Intervalos
Caminhos da Improvisação | 91
Regra dos 9
A inversão de intervalos simples, se somados, sempre
resulta no número 9: 4+5, 3+6, 2+7. Quanto ao tipo – se menor,
maior, justo, aumentado ou diminuto –, todos serão invertidos
quando somados, com exceção dos justos.
2m 7M
2M 7m
3m 6M
MELODIA | Intervalos
3M 6m
4J 5J
#4 5
5J 4J
6m 3M
6M 3m
7m 2M
7M 2m
8J 1J
"somente você pode impor
o seu próprio limite"
No cotidiano, é comum que um músico se anime a estudar o
início dos intervalos, indo de segunda menor até terça maior, mas
alguns músicos conseguem treinar a paciência a ponto de chegar
aos intervalos como 6M, 7, 7M e 8J.
O retorno é bem maior e tudo faz diferença quando os sons
são mais acessíveis. É a possibilidade de a imaginação se sentir
livre e poder acessar diferentes e mais distantes pontos a cada
novo momento.
MELODIA | Intervalos
"este livro não pode ser um método, pois
ele apenas aponta caminhos, sugere
opções e levanta possibilidades."
2
HARMONIA
Conceitos
iniciais
A percepção harmônica é diferente para diferentes
instrumentistas. Se, para um tecladista ou guitarrista, os sons
simultâneos são facilmente perceptíveis, para os instrumentistas
de sopro, às vezes essa distância entre melodia e harmonia é um
enorme obstáculo.
A verdade é que as percepções recebem um start, impulsos
para seu início em algum momento da vida, pois da mesma
forma que uma pessoa tem talento para música, essa mesma
pessoa pode nunca vir a ser músico. Cada instrumento gera uma
facilidade para uma área e pode encobrir outra naturalmente.
Trato inicialmente esse assunto dessa forma com o objetivo
de mostrar a importância do estudo e conhecimento harmônico
principalmente para os músicos de sopro.
Harmonia é como um veículo que transporta a melodia.
É essencial conhecer os fundamentos, sua teoria e praticar
esse conhecimento. Poucos conseguem decolar em temas mais
complexos sem o conhecimento.
Na improvisação, o ouvido e a percepção são fundamentais
em todos os sentidos, e, no caso da harmonia, o ouvido deve
ser muito bem treinado a reconhecer acordes, passagens,
progressões, tonalidades e modos diferentes.
4
HARMONIA
É a prática de ouvir que diminui o tempo-resposta. Por isso
o conhecimento amplo de harmonia trará grandes benefícios nos
diferentes estilos e situações da vida musical.
O ouvido percebe bem a música tonal e sequências tonais
de II-V-I. Basicamente, quando uma harmonia percorre apenas
um campo tonal como: E – C#m – A – B7, fica estabelecido pelo
ouvido um campo de gravidade que é o tom de Mi, e tudo que o
músico precisa tocar instintivamente são as notas de Mi maior.
Mas, quando os acordes se misturam com outros campos tonais,
aí o ouvido pode perder um pouco do entendimento, caso não
esteja acostumado.
Como, por exemplo, Dm7 – Em7 – A7 – G7 – C#m7.
Essa proposta harmônica já requer maior conhecimento
tanto instintivo quanto teórico, e é nesse momento que conhecer
os princípios, e saber o nome e os sons de cada modo, acorde e
alteração fará toda diferença.
Toda criatividade terá sua limitação no conhecimento.
Existem diferentes caminhos no aprendizado e cada
caminho segue seu próprio curso, sem às vezes cruzar com outros.
"Harmonia é como um veículo que
transporta a melodia."
Como o ouvido é formado daquilo que pratica, se um
músico é acostumado a tocar somente pop, seu ouvido vai
perceber sempre bem o campo tonal e, nesse caso, tudo é
mais simplificado a ponto de muitas vezes se resumir a acordes
de formação mais simples. Nesse caso, a aplicação da escala
pentatônica e alguns detalhes da escala Blues, como 3 e 5, já
fazem bastante diferença.
Um músico especialista de Choro, com o passar do tempo,
desenvolve seu ouvido nas harmonias características do Choro
com toda a riqueza do campo tonal, pois o Choro e o Samba
trazem passagens harmônicas mais amplas, em alguns casos.
A harmonia do Choro contribui muito para o ouvido harmônico,
nesse sentido.
Já a harmonia modal é um campo vasto que aglutina todos
os tipos de conceitos, e o ouvido precisa aprender a ouvir diferente.
É mais difícil para o músico de sopro acostumar-se com essas
passagens, caso este não toque nenhum instrumento de harmonia.
Caminhos da Improvisação | 99
Gosto de enxergar duas portas no mundo harmônico: uma
menor, que é o campo tonal; e a maior, que é o campo modal.
Acredito que é muito importante aprender primeiro sobre
o tonalismo e todas suas possibilidades, pois o tonalismo é a
parte racional, matemática, o campo gravitacional, o pé no
chão, o mundo em 3D; já o modalismo é a parte emocional,
física subatômica, sem gravidade, navegar no espaço, a quarta
dimensão.
5
partindo de diferentes graus.
Quando os intervalos de partida mudam, todo o som muda,
a experiência auditiva e mais ainda quando se tem o som do baixo
apoiando isso.
É muito mais importante vivenciar a experiência do som do
que apenas conhecer a teoria dos nomes.
C, D, E, F, G, A, B
Jônio Maior 4
Dórico Menor 6
Frígio Menor 2
Lídio Maior #4
Mixolídio Maior 7
Eólio Menor 6
Dórico
Acorde menor e a nota principal é a sexta maior da fundamental.
Frígio
Acorde menor e a nota principal é a segunda menor.
Lídio
Acorde maior com sétima maior e a nota principal é a quarta
aumentada.
Caminhos da Improvisação | 107
Mixolídio
Acorde maior com sétima dominante e a nota principal é a
própria sétima.
Eólio
Acorde menor e a nota principal é a sexta menor.
Exemplo:
No quarto grau da maior, o modo lídio é caracterizado pelos
seguintes intervalos:
1 – T9 – 3 – #11 – 5 – 6 – 7
1 – T9 – 3 – #11 – 5 – 6 – 7
1 – T9 – 3 – #11 – #5 – 6 – 7
Pratique:
1. Cada modo em seus 12 tons. Ex.: Dó dórico, Dó# dórico,
6
Particularmente entendi isso como uma fórmula
matemática, e esse foi um divisor de águas no meu processo de
aprendizado para a improvisação.
Tensões 69 6 9 11 2 6 11 6 9 #11
Aplicação G7 Am7 BØ
Tensões 9 13 #5 9 11 2 11, 6
Tensões 9 11 13 9 #9 5 #5
Tensões 6 9 11 2 11 13 9 13 #4 6 9
Maior Harmônica
Aplicação C∆(#5) DØ9 E7(#9) Fm∆
Tensões 9 13 #4 #5 #9 13 9 11 13
Tensões #4 #5 9 #4 #5 9 #4 #5 9
Tensões #4 #5 9 #4 #5 9 #4 #5 9
Diminuta
Aplicação Cº D79(13) Eº F79(13)
D/E
F/G
D/F
F/A F/B
D/A
Cifra modal Fm/G
G#/A B/C
G#/B B/D
G#/D B/F
Cifra modal
G#m/A Bm/C
G#m/C Bm/D#
G#m/D Bm/F
Escalas I II III IV
G Am7 C∆(#11)
Escalas V VI VII
C G7sus Am7
G D7sus
F C7(13) Dm7
G m mel F#7alt
Caminhos da Improvisação | 121
Outras Heptatônicas
Nas seguintes escalas, os padrões são bem diferentes
das primeiras. A diferença de ordem entre um intervalo e outro
estabelece critérios totalmente diferentes e pouco explorados
em nossas formas de compor do mundo ocidental.
Padrões que não são compatíveis nas escalas mais usadas,
como 9 com 9 e #9, ou 4 com 4#, 7 e 7, aparecem naturalmente
nessas escalas.
Tensões 9 #11 13 #5 #9 6 6 9 9
Marwa
Aplicação C∆ DØ Em6 F#sus
Tensões 9 #11 13 11 5 6 #5 9 11 5 9
Tensões 9 #5 #9 9 9 #5 13
Enigmática
Aplicação C7 Dm7 E(#4) F#7(#11)
IIm7
Tensões 9 13 6 9 9 ∆ 9 9 13
Aplicação G7 A7 B7
Napolitana Menor
Aplicação Cm∆ D lídio Esus Fm7
Tensões 9 11 6 9 #11 9 #5 13 9 #4 6
Húngara maior
Aplicação Cm∆ D7(9) E∆(#5) F#Ø
III∆(#5)
Aplicação G∆ AØ B7(#9)
Tensões #5 9 6 9 11 9 #9 13
Tensões 9 #5 #9 #11 9 #9 #5 13
Simétrica
Aplicação C∆ E (#5) E∆
7
É como passar infinitas vezes dirigindo na mesma estrada:
com o tempo você passa a perceber detalhes surpreendentes
sobre aquele caminho e a experiência sempre será diferente.
Na música, nada se repete, embora notas e divisão se repitam
sempre, mas o ambiente, o público, a respiração, motivação e
emoções sempre se combinam de forma diferente, formando
equações infinitas e assim tornando impossível que o mesmo
Enigmática
C7 – Dm7 – E(#4) – F#7(#11) – G#7 – A#Ø – Bsus
Árabe
C∆ – D7 – Em – Fm∆ – G7(9) – A∆(#5)
Em duas:
Em três:
Em quatro:
Em seis:
8
em um verdadeiro carrossel de possibilidades sonoras, sempre
em busca da melhor resolução.
1. tonal
2. modal
No tonalismo, tudo gira em torno da preparação e resolução.
Autumn Leaves
1. Am7 – D7 – G∆
2. Am7 – A7 – G∆
3. Am7 – D7alt – G∆
4. AØ – D7(9) – G∆
5. AØ – A7 – G∆
6. AØ – D7alt – G∆
7. AØ – D7(9) – Gm7
8. AØ – A7 – Gm7
9. AØ – D7alt – Gm7
13. A7alt – D7
9
Com o passar do tempo, percebi que um acorde se conecta
ao outro não apenas pelo trítono, ou pelas notas de acorde,
mas pelas notas em comum entre eles. Observem este pequeno
exemplo:
Lazy Bird
Giant Steps
10
da minha experiência e do que já está estabelecido nos álbuns
dos mestres que contribuíram de forma grandiosa para o nosso
mundo.
Ao conhecer uma harmonia, é possível conhecer diversas
possibilidades sobre a aplicação dos sons em cada acorde. Alguns
músicos escolhem a simplicidade ligada ao bom gosto, outros
escolhem a pesquisa do que é possível, e outros vão testando
tudo de acordo com sua emoção e percepção dos sons, e como
HARMONIA | Alterações
eles se relacionam com o seu gosto, com a música ou estilo.
Já falamos aqui sobre escalas, acordes e aplicabilidade de
escalas nos acordes, mas abordamos somente o que está escrito
de forma visível.
Este capítulo trata do que não está sempre visível ou do que
não é indicado comumente.
Nas harmonias modais, não é comum uma cifragem com-
plexa, pois o intuito é gerar liberdade tanto ao improvisador
quanto a quem acompanha. Até mesmo em harmonias do tona-
lismo, porém no tonalismo alguns compositores ou arranjadores
preferem indicar exatamente a alteração, se ≤9 ou #9, a fim de
definir melhor a escala por meio dessa cifra ou porque querem um
som específico.
Na improvisação, quanto menos tensões escritas, mais
liberdade para o improvisador. Por exemplo, observe que em A7
cabem tantas escalas que, se você pensar de forma unificada, as
12 notas são possíveis.
A7
A B C# D E F# G
A B C# D# E F# G
A B≤ C D≤ E≤ F G
A B C# E≤ F G
A B≤ C C# D# E F# G
A C D D# E G
A C C# D# E G G#
Resultado:
EØ
E F G A B≤ C D
HARMONIA | Alterações
E F G A B≤ C# D
E F# G A B≤ C D
E F G A≤ B≤ C D
E F G A≤ B≤ B C# D
E G A B≤ C D D#
Resultado:
E F F# G G# A B≤ B C C# D D#
HARMONIA | Alterações
EØ – A7: E F G A B≤ C# D
EØ: E F# G A B≤ C D
A7: A B≤ C C# E≤ F G
EØ: E F G A B≤ C D
A7: A B≤ C# D E F# G
A B≤ C C# D E≤ E F F# G
Por vezes, uma nota a mais faz uma enorme diferença. Ex.:
Caminhos da Improvisação | 197
HARMONIA | Alterações
Por isso, a importância em aprender bem o som de cada escala e
como cada nota soa para cada acorde.
Esse tipo de conhecimento ou temática levanta inúmeras
questões do tipo:
Pequenas alterações
Para cada acorde, é possível mover uma nota para fora da
escala do momento. Esse efeito sugere uma nova percepção para
o som do acorde naquele momento, mas as melodias são sempre
soberanas e tornam possíveis diversas formas de estéticas
musicais.
1. Ascendente
2. Descendente
Caminhos da Improvisação | 199
3. No meio de duas notas da escala
HARMONIA | Alterações
Algumas ideias aqui podem parecer estranhas, se vistas
isoladamente, mas todas elas serão aproveitadas em contextos
de partida e chegada; então não ficam sem sentido, se houver
uma melodia completa ou fraseado que estejam inseridos.
Acordes básicos
Usarei o X para falar de estruturas de acordes, sem que
tenha que dizer uma altura especificamente. As estruturas de
onde derivam todas as alterações são as seguintes:
X∆ – Xm7 – X7 – XØ – X°
Dessas cinco estruturas, derivam todos os tipos de acordes
para a improvisação atual.
Outside
Trata-se do uso das notas do lado de fora da escala do
acorde. Tem sido muito frequente em diversos estilos e se
tornado cada vez mais popular entre os vários níveis de músicos
e improvisação.
Consiste em estabelecer uma frase com o maior número de
notas fora da escala do momento.
Para entender melhor, podemos utilizar como parâmetro
uma armadura de clave em Dó maior.
5=B
5 = D≤
6 = F#
6 = G≤
7 = C#
7 = C≤
Caminhos da Improvisação | 201
HARMONIA | Alterações
• 4# do acorde do momento.
Formas
1. Paralelo: inicia e termina fora.
2. Zigue-zague: alterna de dentro para fora e de fora para dentro.
3. In/Out: começa dentro e termina fora.
4. Out/In: começa fora e termina dentro.
1. D≤
Dm7 – G7 – C∆
2. B
Dm7 – G7 – C∆
3. F#
Dm7 – G7 – C∆
Caminhos da Improvisação | 203
Para II-V menor também:
1. B≤m
BØ – E7 – Am7
2. G#m
BØ – E7 – Am7
3. D#m
BØ – E7 – Am7
HARMONIA | Alterações
enfatiza mais o recurso; nesse caso, o uso básico da escala
maior ou pentatônica.
Dicas:
1. o som da pentatônica é muito útil no outside;
2. pratique sempre as três possibilidades;
3. busque o bom gosto;
4. outside é um tempero melódico, não o sabor principal;
5. tente perceber também os momentos propícios.
Blues em Fá
F7 B≤7 Cm7 F7 B≤7
Abaixo E7 A7 Bm7 E7 A7
Acima F#7 B7 C#m7 F#7 B7
Mescla B7 B7
Bdim F7 D7 Gm7 C7 F7 C7
A#dim E7 C#7 F#7 B7 E7 B7
Cdim F#7 D#7 G#m7 C#7 F#7 C#7
E7 C#m7 F#7 B7
II-V-I
Caminhos da Improvisação | 205
1. ouse;
2. teste possibilidades;
3. toque com consciência do que está escolhendo;
4. um tom em paralelo se chama bitonalismo, mais de um será
politonalismo;
5. nesse nível de sonoridade, o que não pode soar fora não são
HARMONIA | Alterações
as notas, e sim o contexto.
Modal
HARMONIA | Alterações
"É natural que, no início, esses sons causem
espanto, até por questão cultural, pois não é
comum que se pense dessa forma, na maioria
das vezes."
Sobreposições
de Acordes
O embelezamento dos acordes se dá por várias opções,
como inversão, posição aberta ou fechada, voices e formações di-
ferenciadas. Harmonicamente a opção de sobrepor um acorde ao
outro faz com que o som da escala seja melhor percebido do que
apenas o som do próprio acorde, tornando assim o acorde básico
apenas uma parte do som completo.
Na improvisação, o pensamento de sobrepor um acorde ao
outro consiste em trabalhar diferentes sonoridades, deslocando o
som natural para outras posições e assim criando várias estéticas
melódicas.
Podem ser sobrepostos aos acordes desde sonoridades
mais simples como mais complexas, pois o que caracteriza a
sobreposição é o uso dos diferentes graus da escala sobre o
acorde do momento.
Em cada grau deslocado, um novo som será criado, e ainda
depende da inversão para saber qual som será o melhor em cada
situação.
Esse é o chamado pensamento vertical, pois cria melodias
com base no pensamento harmônico ou em conexão com o que
está acontecendo harmonicamente.
Nesse contexto, as notas não aparecem apenas sucessi-
vamente, mas ganham um aspecto mais aberto em posição de
acordes, embora melodicamente a estética seja de arpejos uni-
dos a escalas, mas os arpejos sobressaem a escalas por conta da
proposta harmônica.
Caminhos da Improvisação | 209
11
Objetivos de sobreposição:
2. Desenhar sonoridades
pelos voices da escala
Podem ser desenhadas diversas sonoridades usando e
respeitando as notas da escala. Em alguns casos, não caracte-
rizando acordes, mas sonoridades que levam a importância do
acorde original para um nível diferente de percepção sonora.
propostas no acorde
Essa opção acontece normalmente, quando o acorde bá-
sico é de cifragem simples, praticamente sem tensão ou apenas
com uma sétima.
As possibilidades se desdobram pela percepção e liberdade
do estilo e derivam de várias escalas nas quais esse acorde básico
pode ser encontrado. Para essa prática, é preciso um bom domí-
nio das escalas de cada acorde, pois na verdade isso foge do visí-
vel ou do que está explícito e conta sempre com uma criatividade
mais organizada harmonicamente.
Para isso, é preciso entender bem os acordes que servem
de estruturas para todos os outros, conforme falado no capítulo
anterior sobre Alterações.
Estruturas básicas
C∆
Tríades G D E B G#m
Cm7
Tensões 7 6 ≤6 ≤2 #11
Tríades E≤ F A≤ D≤ D
Cm∆
Tríades G B A F# A≤m
C7
Tensões 9 #11 #5 ≤9 #9
Tríades Gm D E(#5) A E≤
Tensões ≤2, ≤5 9 6 ≤4 ≤4
Tríades G≤ B≤ F C#m A
C∆ F D E B
C7 Gm D A≤7sus A(≤9)
5. Enfatizar formações
específicas de estrutura
Alguns tipos de acordes podem ser inseridos em estruturas
diferentes e também sequências com estruturas repetidas,
enquanto a harmonia básica segue seu próprio caminho.
B≤sus
Asus
C∆
B D≤ F#
Cm7
Bm D≤m F#m
B D≤ E F# A
B D≤ F#
LINGUAGENS
Fundamentos
Consciência
Sabemos que música é uma linguagem universal, com
inúmeras variedades culturais, divididas em ritmos, estilos
e gêneros.
Sendo uma linguagem, é pacífico o entendimento de que
ela tem um valor muito grande na comunicação e, assim, se
tornou uma das mais eficientes formas de expressão humana.
A música é uma das maiores descobertas, porque tem
caráter evolutivo e nunca finda. Suas informações sempre
foram tratadas como tesouro por parte de muitos e, por isso,
ela tomou diferentes caminhos para sua expressão.
A improvisação é uma linguagem da música que permeia
inúmeros pontos do fazer musical, como composição, arranjo,
harmonia, ritmo, melodia, performance, expressão, interpreta-
ção e outros.
Todo o processo que ocorre na composição ocorre, em par-
te, na improvisação: a composição é um caminho que pode dese-
nhar diversas linhas para vários instrumentos, e a improvisação
desenha diversas linhas construindo tudo com o grupo ou banda
do momento.
LINGUAGENS
LINGUAGENS | Fundamentos
estamos falando do campo mental e abstrato, onde toda
concepção é criada.
Visão e Objetivos
Esses caminhos se dividem em artístico, espiritual,
comercial, autoconhecimento, fraterno, romântico, especulativo,
contemplativo, festivo, acadêmico e outros tantos.
Então, se a música fosse a mãe, assim ela teria diversos
filhos que construíram suas próprias terras e assim evoluíram por
si, sendo que, em alguns momentos, cada filho visita seu irmão
ou irmãos e cada um se serve das riquezas do outro, sem que
nenhum deixe jamais de existir.
LINGUAGENS | Fundamentos
LINGUAGENS | Fundamentos
Mente/Intelecto
Autoconhecimento – Usa o conhecimento musical de
forma passiva ou ativa para a busca interior sobre sua essência,
valores e história. A forma ativa consistiria em produzir música e
executar, já a forma passiva consistiria em absorver música por
diferentes meios, mas não perder o objetivo de mergulhar em
conhecer infinitas camadas do seu estado mental e psicológico.
Acadêmico – Estuda os diversos conceitos existentes, apura,
pesquisa e desenvolve formas de expressão que são embasadas
no conhecimento aprendido, de forma livre ou metódica.
Comercial – Desenvolve formas que buscam aceitação no
mercado. Nesse caso, toda informação musical é desenvolvida
como um produto a ser consumido.
Pode se dividir, nesse aspecto, em várias vertentes, para um
público específico ou geral. Quanto mais específico, mais apuradas
são as informações, já quando se destina ao público geral, o
conteúdo pode ser mais simplificado visando à comunicação com
o máximo de pessoas em faixas etárias e classes sociais distintas.
Emoção
Espiritual – Busca diferentes experiências com o objetivo
de alcançar maiores níveis de consciência espiritual e metafísica
de acordo com suas crenças. Nesta linguagem, o caráter é
contemplativo, pode ser nostálgico, de esperança ou celebração.
Busca-se simplicidade ou maior singeleza, mas todos os atributos
surgem da consciência de quem produz e tem a ver com o que a
pessoa entende ou sente em seu mundo espiritual.
Fraterno – Tipo de música dedicada às pessoas, aos amigos,
parentes, familiares, cônjuges. O lado contrário também opera
fortemente, sendo música para inimigos, decepções, casos
perdidos de amor e outros. Esse tipo de linguagem é direcionada e
tenta ir ao encontro dos atributos da pessoa escolhida ou mesmo
instituição.
Festivo – Procura alegrar pessoas por meio de ritmos
específicos, regionais ou internacionais, colocando-os em
primeiro plano na busca do envolvimento corporal para danças,
Caminhos da Improvisação | 229
principalmente.
Cada país desenvolveu características rítmicas diferentes de
acordo com sua cultura, algumas não se tornaram tão conhecidas,
mas é certo que cada região e até as diferentes tribos e aldeias
desenvolveram seus próprios estilos, gêneros e levadas.
Hoje em dia, na chamada aldeia global, nós temos a
oportunidade de conhecer inúmeros ritmos e estilos.
A linguagem festiva pode assumir caráter comercial ou
fraterno. Não tem característica introspectiva e nem meditativa,
mas eleva a condição do corpo em movimento e da celebração de
datas, pessoas, instituições ou ideologias.
Por essas divisões e subdivisões, é possível perceber que o
LINGUAGENS | Fundamentos
caminho que cada um escolhe na improvisação depende de sua
personalidade, visão de mundo, vida, história e tendências.
Existem diversas motivações que fazem com que um
músico passeie por camadas diferentes. As inclinações dependem
do objetivo, ou o objetivo pode mudar até mesmo dentro de um
solo. Isso é comum por razão do poder de escolha e visão.
O objetivo muda quando a visão muda, sendo que
naturalmente o caminho é escolhido por onde é melhor ou mais
nítida a visão, e isso vem exatamente da personalidade.
Acho importante entender dessa forma, porque assim
podemos conhecer não apenas os fundamentos musicais, mas
os nossos que nos levam a trilhar os caminhos que escolhemos
na improvisação, composição, arranjos e outras formas de fazer
música.
É a partir daí que entra o segundo processo, que é mui-
to parecido com engenharia, em que se lida com uma ver-
dadeira construção a cada música e solo. Compreende o pla-
nejamento, a organização de ideias e a projeção para que
se concretizem os objetivos escolhidos como fundamentos.
Estrutura
Com uma consciência mais apurada, o solista sai do campo
simples, que é o pensamento em notas, escalas, arpejos ou outras
técnicas, e passa a gerenciar um campo bem maior da criatividade,
que é a própria arte em si.
Esse é também um nível mais avançado da linguagem
musical, pois lida com a forma que você quer dar ao seu solo.
Todo esse processo se desenvolve em sua mente e emoções,
e é lá que as coisas se organizam ou tomam seus próprios
caminhos.
Seria difícil calcular tudo que de fato acontece no momento
da criatividade, mas é fato que existe um processo antes das notas,
e é esse processo que, se for bem ativado de forma consciente,
fará toda a diferença na improvisação.
É preciso entender bem isso e saber o que fundamenta um
bom solo. São estruturas criadas, planejadas e organizadas, para
ambientes musicais que se auto-organizam de acordo com cada
músico e formação do momento.
Saber que é preciso entender isso para não ficar dependente
de frases ou motivos, pois a cada momento tudo se definirá à sua
própria forma. Dependerá da banda, do ambiente, da expectativa,
do feeling de cada músico para que a música tome seu caminho
naquele momento.
Essas bases e estruturas dependem de consciência, muito
mais do que técnicas, escalas ou teorias. É uma compreensão e
percepção praticada a todo momento.
Caminhos da Improvisação | 231
13
Vamos lidar agora com alguns dos conceitos que formam
essa estrutura consciente para o solo. Isso independe se é
aprendido ou não, pois é um processo real que ocorre para todos,
a diferença entre saber e não saber é que, se você souber, terá
mais opções, poderá criar suas próprias escolhas e certamente
a criatividade estará mais livre, não dependendo apenas do
que sente, mas do que entende e escolhe ativamente e não
passivamente.
LINGUAGENS | Estrutura
Na escolha passiva de ideias se dá mais espaço para o
feeling e a emoção do momento, já a escolha mais ativa é feita
por decisão consciente, pensada e organizada.
Pensando assim, existe um bom caminho para debates,
mas o melhor de tudo é sempre buscar o equilíbrio em todo o
momento, pois não somos somente uma coisa ou outra, oscilamos
entre estes dois caminhos: a mente e a emoção.
A emoção é como a água que corre e depara com uma
represa, devendo ser controlada, não impedida, mas, se moldada,
produzirá excelentes resultados. Já a mente produz a razão, as
fórmulas, o pensamento e a organização de ideias, que devem
criar o espaço ideal para essa correnteza. Isso moldará o fluxo e
criará objetivos finais para onde e por onde ela passará.
Vejo nesse conceito o equilíbrio do tabu, razão x emoção,
para esse aspecto de linguagem que é a improvisação, pois, sem
essa definição consciente, sempre existirão dúvidas sobre os
caminhos a seguir.
Vamos lidar agora conceitualmente com os temas que, a
meu ver, criam essa estrutura em cada solo.
Formas
É preciso saber o espaço que compreende cada tema,
canção ou obra musical, pois será nesse espaço que tudo será
construído.
Chamamos de forma da música esse espaço que se repetirá
quantas vezes for necessário.
Toda estrutura artística fica compreendida obedecendo à
forma de cada música, e a improvisação ganhará sua construção
dentro desse espaço.
Caminhos da Improvisação | 233
Na improvisação, chamamos de chorus o espaço que
compreende a quantidade de compassos do tema de uma música
ou do espaço preparado para o solo.
No Blues, são contados 12 compassos para um chorus.
Alguns temas têm várias partes, por exemplo:
AABA; AAB; AABB; AABBCC.
Outros contêm apenas uma estrutura de 16, 20 ou 24
compassos.
Com a variedade de composições e estilos, não se pode
estabelecer uma regra ou ficar preso a essa quantidade de formas,
pois cada compositor determina a forma de um tema de acordo
com sua inspiração.
LINGUAGENS | Estrutura
Cada música tem sua própria forma e o solista desenvolve
seu solo em ciclos chamados chorus, então o solo vai criando
conteúdo próprio e uma história vai sendo contada com início,
meio e fim.
Os chorus então criam seus ciclos dentro da forma do tema,
sendo chamado 1º chorus para a primeira passagem, 2º chorus
para a segunda, e assim sucessivamente.
Usando os termos da comunicação, o solo será como um
discurso organizado em partes.
Contém: início, meio e fim.
É como contar uma história que alguns contam com mais
detalhes e outros de forma mais sintetizada, mas a estrutura de
ação é a mesma, com início, meio e fim.
Conteúdo
O conteúdo trata de escolher o tipo de material a ser usado
em uma obra. Irá preencher as colunas e levantar as paredes
"Usando os termos da comunicação, o solo
será como um discurso organizado em partes."
dando a esta obra o preenchimento necessário que sustentará as
paredes ou, no caso da improvisação, as ideias.
É nesse momento em que conta muito o conhecimento
aprendido e praticado.
Opções:
Desenvolvimento
O desenvolvimento consiste em moldar o conteúdo do solo
para cada parte. Diferente do conteúdo em si, que é o uso de
técnicas e materiais usados para o preenchimento do solo, aqui é
LINGUAGENS | Estrutura
onde tudo se organiza e cada coisa tem sua ordem ou momento
de entrar, como em um roteiro de filme no qual cada fala tem o
seu momento.
Esse tipo de inteligência musical é percebido quando o solo
tem momentos, clima e dinâmicas diferentes.
Início:
Meio:
LINGUAGENS | Estrutura
abstratas e descontinuadas.
Final:
Ambientes
A construção do ambiente sonoro de cada solo se mistura
entre o conteúdo e o desenvolvimento. Nessa temática, a
concepção é muito mais conceitual e abstrata do que técnica.
Os ambientes são criados e ganham forma a cada novo
momento ou período dos solos.
Existe uma dependência do que cada músico da base
sugere, isso motiva novos desenhos e formas.
Estamos falando de ambientes sonoros, abstratos, não
limitados a espaço físico, portanto é uma linguagem musical que
se desdobra por meio de ideias, frases e diálogo entre os músicos.
Podem ser criados, estabelecidos por um tempo e de
repente serem desfeitos por uma nova ideia.
Alguns ambientes são sustentados por toda música. Isso
acontece quando existe um groove específico ou para cada solo.
Nesse caso fica estabelecido um mesmo ambiente sonoro onde o
solo se acomoda e passeia com fraseado e climas próprios.
Quando é assim, o solista cria seu próprio ambiente
independente da banda; ainda que tudo esteja em harmonia, o
solo irá criar seu ambiente individual dentro de um maior, que é
do acompanhamento.
Em harmonias modais ou tonais, isso pode aparecer. Se
Caminhos da Improvisação | 239
o acompanhamento fizer parte de um groove específico, então
o solista ficará mais livre em suas próprias ideias, mas, quando
o acompanhamento é progressivo, aí o solo passa a ser uma
construção conjunta, mesmo que o solista esteja em destaque.
Assim são formados os ambientes sonoros da improvisa-
ção, com dinâmicas diferentes e sempre de forma inesperada de-
pendendo apenas do estilo da música.
LINGUAGENS | Estrutura
e esses são fatores que irão totalmente ao encontro da mente e
personalidade de cada músico.
Melodia
A melodia cria o desenho contínuo, com formas livres,
seguindo padrões ou não. Isso pode ser traduzido pelo movimento
ascendente ou descendente das notas, os movimentos livres de
arpejos e intervalos que se misturam em formas de zigue-zague
e outras.
Harmonia
A harmonia cria a textura, na qual cada acorde gera um
ambiente menor, com profundidade pela formação das vozes e
da sustentação para os desenhos melódicos. Como comparado
Caminhos da Improvisação | 241
anteriormente na parte 2 deste livro, a harmonia é o chão por
onde passam as melodias.
Ritmo
LINGUAGENS | Estrutura
O ritmo é o corte para cada curva ou linha melódica
estabelecida. As possibilidades melódicas, em união com as
harmonias, multiplicam inúmeras formas, porém, quando os
desenhos rítmicos assumem um plano mais evidente, aí se torna
infinito, pois uma mesma melodia pode aparecer em diversos
contextos de divisão rítmica.
Estilos
Os estilos também criam ambientes e formam estéticas,
que não definem, mas moldam o solo em um ambiente estabe-
lecido. A estética nesse caso tem a ver com as pinturas de uma
casa, as cores usadas, os quadros e molduras que assim dão o to-
que final.
LINGUAGENS | Estrutura
"Os estilos têm dinâmicas diferentes. Por
isso os solos sempre buscam respeitar cada
estilo."
Expressão
Agora falaremos sobre alguns temperos e ferramentas
essenciais da expressão. Um músico recebe essa gama de
informações e leva para casa, acreditando estar com tudo para
desenvolver sua inspiração, mas, ao montar seu instrumento ou
setup, ele se depara com a seguinte pergunta: E agora? O que eu
faço?
Ao tocar algumas escalas, naturalmente ele quer se soltar
e desenvolver sua criatividade, mas grande parte se depara com
uma dificuldade e uma distância entre a informação e a fluência
do fraseado, pois, ainda que ele saiba quais notas usar, também
se questiona: Como usar tudo isso?
É claro que as coisas não fluem naturalmente, mas acredito
que esse pequeno assunto pode trazer muitas possibilidades. O
que recheia, embeleza, e dá forma ao grupo de notas da escala
são alguns pequenos detalhes que vamos conhecer agora.
Passagens cromáticas
Existem inúmeras possibilidades para essas passagens e
esse assunto é mais bem abordado no tema da escala cromática,
mas basicamente são notas tocadas como preparação melódica
para a nota alvo. O movimento pode ser ascendente ou
descendente e pode conter notas cromáticas que estão fora da
escala. As divisões e possibilidades podem ser estudadas para
cada grau da escala a ser tocada.
Caminhos da Improvisação | 245
14
Esse sistema de escolhas melódicas cria automaticamente
inúmeros motivos para a nota alvo.
Veja que, nos exemplos a seguir, a nota alvo estará sempre
depois do início da frase, ou pode estar também no meio de
várias notas. Essa nota alvo sempre é uma nota da escala possível
ao acorde, mas pode ser encontrada em qualquer ponto do
compasso.
LINGUAGENS | Expressão
As melodias com passagens cromáticas soam mais
complexas e, quanto mais aparecem, mais as notas básicas da
escala se escondem no meio de tantas outras cromáticas.
Apogiatura
Um ornamento que pode ser bastante usado. Pode ser com
uma ou mais notas ascendentes ou descendentes, sem limite de
intervalo. Podem ser usados intervalos simples como semitom,
tom, ou intervalos maiores com mais notas. Vejamos alguns
exemplos:
1. uma nota e intervalo de semitom;
Grupeto
Os grupetos são grupos de 4 ou 5 notas. Costumam dar
bastante movimento em torno da nota principal.
LINGUAGENS | Expressão
costumam ser escritos, mas os solistas se valem muito deles para
interpretar melhor trechos musicais onde originalmente seriam
notas paradas. A melhor forma de perceber onde soa melhor é
fazendo passagens em melodias conhecidas até se acostumar ao
som e assim poder usar como vocabulário.
Glissando
São passagens rápidas entre duas notas, sem limite de
extensão podendo ser diatônicas ou cromáticas. O exemplo
cromático abaixo mostra como é escrito, e depois como deve ser
executado. O glissando é um efeito deslizante.
Agora um exemplo com característica mais diatônica:
Notas de aproximação
São notas cromáticas meio tom acima ou abaixo da nota
alvo. Essas notas podem aparecer antes ou depois e gerar um
efeito de retardo na chegada da nota. É o tipo de sensível que
cada nota tem.
Caminhos da Improvisação | 249
Mordente
É um efeito elástico da nota, que pode ser para cima ou para
baixo também, com distâncias de um semitom ou um tom, mas
não impede que sejam feitos mordentes com intervalos maiores
da nota alvo.
LINGUAGENS | Expressão
Bend
O Bend altera a afinação da nota para cima (bend up) ou
para baixo (bend down). Caracteriza um som contínuo em comas
ou microtons, sem a precisão das posições conhecidas. Alguns
estilos usam bastante o bend. Esse efeito enriquece muito a
interpretação. Ele pode ser usado por uma distância que vai de
semitom até mais tons e depende do domínio técnico de cada
instrumentista para desenvolver as melhores possibilidades.
Existem inúmeras formas para aplicar o bend em melodias.
Como nota de chegada, de saída ou ainda no meio da nota
descendo ou subindo.
Trinado
É a variação rápida entre duas notas inúmeras vezes,
obedecendo ao tempo da nota base. Pode ser feito de forma
diatônica ou cromática, para cima ou para baixo. Os trinados
representam algo festivo, pomposo ou uma expectativa, entre
outros adjetivos e sensações. É bastante usado em arranjos de
orquestra e bandas para momentos especiais. Na improvisação,
podem-se obter bons momentos com uma sequência de trinados.
Deve ser estudado em toda a extensão do instrumento de forma
diatônica e cromática.
Vibrato
É uma suave variação da afinação que pode ser executada
de forma rápida ou lenta. Sua técnica varia de instrumento para
instrumento. O vibrato está bem ligado às percepções emocionais
e sempre foi bastante usado na música popular.
Sua velocidade alterna de acordo com cada estilo ou mesmo
o andamento de cada música. Usou-se muito o vibrato rápido em
baladas, e depois essa velocidade foi se tornando cada vez mais
lenta. Em alguns estilos, era usado de forma contínua, nota após
nota quando possível, mas alguns músicos também adotaram
não usar o vibrato, por questões ideológicas e culturais.
A pulsação em cada nota pode ser bem lenta e quase
imperceptível, ou de forma mais rápida e também atenuada. O
movimento também pode ser durante toda a duração da nota ou
Caminhos da Improvisação | 251
somente ao final.
É uma ferramenta importante para o uso em variados
estilos e cada instrumento pode obter diferentes performances no
vibrato, também depende do bom gosto e sensibilidade de cada
músico para se obter melhores resultados.
A velocidade pode estar ligada a percepções de divisões
para que sejam percebidas as diferenças e seus melhores efeitos.
LINGUAGENS | Expressão
Nota fantasma ou Ghost note
São notas tocadas de forma mais abafada ou omitidas,
dando a percepção de que foram tocadas em sequência. O efeito
é obtido por alguma sequência melódica que normalmente é
uma escala ou arpejo, dando a entender que essa nota está de
fato sendo tocada. O efeito das notas fantasmas é muito usado
no Jazz e em execuções mais rápidas como o Bebop, Frevo, Choro
e outros estilos. Seu efeito normalmente é mais executado na
segunda nota de duas colcheias e em quiálteras de 3 também na
segunda nota. Sua técnica muda de acordo com o instrumento,
mas o efeito bem tocado permite fazer a melodia soar bem
diferente, dando mais desenvoltura rítmica.
Existem diversas formas de executar esse efeito, e cada
estilo faz soar diferentes as notas fantasmas. Importante é ouvir
os mestres para distinguir como cada um aprofundou a linguagem
e pronúncia de cada nota. As técnicas de execução são diferentes
em cada instrumento.
Quando em andamentos rápidos, as notas fantasmas
tendem a ter mais efeitos, sendo usadas de uma a três notas em
uma passagem, por exemplo.
LINGUAGENS | Expressão
Fraseologia
Uma das coisas mais fascinantes na improvisação é o poder
da comunicação não verbal. O mundo dos sons é muito diferente
do mundo social, em vários aspectos. Primeiro porque ele facilita
a interatividade entre pessoas expansivas ao diálogo, como
também a pessoas introspectivas, tímidas e com certas fobias
sociais que sempre foram comuns na história humana.
A improvisação musical permite a expressão e a exposição
de ideias que são mais profundas do que as palavras, porque toda
linguagem tem sua limitação, e talvez a limitação dos sons seja
apenas essa, de não traduzir completamente em palavras um
sentimento, motivação ou ideal.
Por outro lado, a capacidade de dizer além de palavras nos
coloca em um nível de sintonia muito mais fina com a percepção
humana, pelo fato de que as palavras às vezes criam problemas
se não usadas corretamente, já os sons causam contemplação e a
possibilidade de levar as pessoas a outras dimensões.
Outras linguagens, como a expressão corporal, conseguem
também ir além e dizer o que não pode ser dito.
A música lida com dois mundos intrínsecos ao ser humano:
o mundo das emoções e o mundo da racionalidade, temas já
falados anteriormente no capítulo sobre Fundamentos.
Esses dois caminhos se cruzam constantemente, embora
guardem suas virtudes e dificuldades, mas o caminho que os sons
percorrem tem o poder de acessar algumas ruas desses ambientes
que nem sempre outras linguagens conseguem.
Você pode desenvolver sua capacidade de comunicação de
Caminhos da Improvisação | 255
15
uma forma surpreendente por meio dos sons, buscando sempre,
na sinceridade da sua percepção, as melhores construções de
ideias, sem que isso comprometa sua índole ou caráter, pois às
vezes temos esses problemas com as palavras ou até mesmo com
os gestos. Podemos nos pegar expressando com os microgestos
aquilo que sentimos de forma sincera, mas não gostaríamos
de demonstrar. Essa linguagem de expressão corporal é muito
estudada hoje em dia e expressa mais verdade do que as palavras.
LINGUAGENS | Fraseologia
Já com os sons, existe um filtro para alguns desses con-
tratempos, porque o som sempre te leva para vários lugares
possíveis, assim como as palavras, mas dificilmente vão te
comprometer, garantindo que você pode de fato falar o que
quer, ainda que não seja verbal e ainda que não saiba o que o
outro lado entendeu.
É um mundo que exige mais sensibilidade de percepção, o
mundo dos sons. Temos muito o que aprender ainda sobre isso.
LINGUAGENS | Fraseologia
dutor desses processos de uma forma soberana, mas o único de-
talhe é que, depois que o som se propaga, aí você já não tem mais
controle sobre os efeitos dele, pois você é apenas o transmissor.
Somos os transmissores de realidades e inúmeros efeitos
que a música pode causar, mas há quem não ligue para nada disso
e apenas se preocupe com as notas ou os sistemas musicais es-
tabelecidos. Talvez seja uma forma de colocar o pé mais no chão
ou de não viajar em tantas ideias possíveis, mas a realidade é que
tudo está acontecendo com o som que você emite.
Essa introdução sobre fraseologia serve para falar da im-
portância do que construímos costumeiramente com as notas,
com compromisso ou não, com consciência ou não.
Existem infinitas realidades que se desdobram com o som,
pois ele tem em si o poder de criar novas realidades.
Mesmo que não seja possível dominar o efeito exa-
to do que fazemos ou projetamos, o mais importante é
praticar a conexão real com cada nota emitida. Não im-
porta a quantidade de notas, pois não é o que conta no re-
sultado final, mas a coerência, bom senso, sinceridade e do-
mínio de linguagem que exercemos na emissão dos sons.
Acredito que uma consciência musical mais ativa gera uma
responsabilidade maior com a arte que é exercida. Na vida mu-
sical, existem diversos caminhos a seguir, existe quem não quer
se compromissar com nada e gosta apenas de gastar energia.
Pronto, isso é uma realidade escolhida e tem seu valor; já outros
mergulham na música de forma introspectiva, e assim existem
várias formas de trilhar os caminhos. Isso foi falado no capítulo
sobre os fundamentos da linguagem, então compreender essas
camadas do processo já te faz um músico diferente, porque você
nunca mais vai olhar a música da mesma forma ou pelo menos de
forma passiva.
Organização
Existem muitas teorias sobre as formas de improvisar e cada
professor tem sua própria didática, porém existem perguntas que
são gerais e fazem parte de um processo que é comum a todos
que mergulham na criatividade da improvisação, por exemplo:
Como começo? Que notas uso ou como desenvolvo uma
simples frase?
Existem também inúmeras respostas para isso. Formas de
organizar todo conhecimento e assim estruturar qualquer ideia
de forma concisa, prática e eficiente.
A primeira coisa é entender os processos de construção de
frases e como elas se desenvolvem.
Existem inicialmente pelo menos 5 partes do processo que
envolve a construção organizada de ideias na improvisação. São
elas: Motivo, Semifrase, Frase, Período e Chorus.
Caminhos da Improvisação | 259
1. Motivo/Célula ou Inciso
A menor unidade reconhecível de uma obra musical.
Incompleta em si mesma, porém utilizada como ponto de partida
para construção de unidades maiores.
LINGUAGENS | Fraseologia
falada, seriam pequenas sílabas que buscam dizer algo ou servem
para entrar numa conversa. Podem desenvolver intervalos e pe-
quenos arpejos com distâncias ao seu próprio gosto e em toda a
extensão do instrumento.
Na improvisação, assim como na linguagem falada, existe
o desdobramento de ideias. Uma simples ideia que leva a outra e
que juntas vão dando sentido e tornando o assunto interessante.
Como improvisador, você sempre irá se valer de pequenos
motivos para desenvolver seu solo. Pensando assim, não fica tão
complicado ou distante você imaginar que poderá criar um solo
partindo de pequenos fragmentos. Esse início é motivador, pois
requer o mínimo de cada um, bastando observar um pequeno
mas essencial detalhe, você precisa saber em qual escala o acor-
de está situado e assim fazer uso das notas disponíveis da escala
para iniciar o processo de ideias.
2. Semifrase
A junção de dois ou mais motivos. Pode ser binária quando
formada de dois motivos, ou ternária quando formada por três
motivos.
Na improvisação, as ideias contendo semifrases já demons-
tram uma boa qualidade de criatividade, uma vez que as semifra-
ses ajudam a construir o material pronto para o fraseado.
É possível desenvolver uma grande variedade de ideias
dessa forma, até mesmo chorus inteiros, pois essas ideias podem
ganhar motivos rítmicos e melódicos diferentes, como também
navegar em contextos harmônicos com bastante movimento.
3. Frase
Sendo uma unidade básica da sintaxe musical, a frase tem
uma ideia musical completa que é finalizada com uma cadência.
Início e terminação
A frase pode ser suspensiva quando termina com uma
Caminhos da Improvisação | 261
cadência dominante, ou conclusiva quando termina com uma
cadência conclusiva.
Quantitativo
Quando a frase é composta por várias semifrases, podendo
ser binária ou ternária, dependendo da quantidade.
Quadratura ou Quadrada
São frases que têm a extensão de 4 compassos. Frases
maiores com múltiplos de quatro, como 8 e 16 compassos,
também são consideradas como quadratura ou quadrada.
Qualitativo
Do ponto de vista Qualitativo, este pode ser dividido de
LINGUAGENS | Fraseologia
duas formas: Afirmativa e Contrastante.
Afirmativa: Quando as semifrases são compostas de um
mesmo ou semelhante material. Contrastante: Quando as
semifrases são compostas de um material diferente.
4. Período
É paralelo ao parágrafo textual, onde a ideia é expressa
por completo e fecha um ciclo, o que na improvisação podemos
chamar de parte do tema. Normalmente o ciclo de um período
pode ser notado com a barra dupla indicando uma parte concluída.
Ex.: AABA, AABB etc.
Período repetido: Com frases idênticas diferenciando-se
apenas na conclusão. Os períodos podem ser formados por frases
de pergunta e resposta (antecedente ou consequente).
Período paralelo: As frases podem ser semelhantes no
início, mas diferem na continuação.
Período contrastante: As frases são compostas de materiais
diferentes.
5. Chorus
Estrutura completa do tema, sendo dividido em partes.
Os temas tradicionais eram compostos com predominância em
quadraturas de compassos, ou seja, com 16, 32 e 64 compassos.
O Blues contém 12 compassos em sua forma tradicional, já outros
temas, com o passar do tempo, ganharam diferentes formatos
ao gosto de cada compositor, então cada música tem sua própria
forma e, em alguns casos, o chorus de improviso obedece a uma
forma apenas para o improviso e não ligada ao tema da música.
Aplicação:
Esse conhecimento inicial da organização de frases é o
mesmo aplicado em paralelo na oração textual e também no
estudo de composição musical. Pode ser aprofundado com
diversos exemplos mais técnicos para composição, o que não se
aplica completamente na improvisação, pois na improvisação
existe o elemento do tempo-resposta entre o pensamento e a
ação.
Por causa desse tempo-resposta, a organização de ideias
e frases nem sempre irá obedecer a uma arquitetura simétrica
ou matemática perfeita, mas, ao longo dos solos, aparecem
elementos inesperados como as diferentes linguagens rítmicas,
e os contrastes de ideias, exposição técnica de cada instrumento,
longas pausas ou mesmo mudança instantânea de cenário de
acordo com as ideias e estilo musical.
Porém, é importante o aprendizado de como se forma
a estrutura para que o processo cognitivo de criatividade e
aprendizado não fique misturado à explosão de pensamentos e
ideias que rodeiam a mente do músico.
O processo mais prático para a aplicação do fraseado na
música popular seria: Motivo, Semifrase, Frase, Período e Chorus.
Caminhos da Improvisação | 263
Tipos de fraseado:
Clichês: São chamados de clichês, licks ou padrões as frases
que obedecem a um contexto histórico do estilo. Foram difundidas
por músicos mais tradicionais e moldadas durante os tempos. Os
clichês são um importante material no estudo musical, porque
significam parte da história trazida para nós e também são parte
da linguagem estabelecida durante os tempos em cada estilo.
Para aprender uma linguagem, você precisa falar o básico
dela primeiro antes de poder estabelecer suas próprias ideias.
É assim nos idiomas e também em vários tipos de linguagem
musical. Existe certo preconceito com isso por parte de alguns
músicos que defendem o não uso dos clichês, mas não é possível
LINGUAGENS | Fraseologia
aprender uma linguagem criando outra linguagem sobre ela: ou
você cria ou aprende.
LINGUAGENS | Fraseologia
pede tensão e resolução.
LINGUAGENS | Fraseologia
e 16 compassos;
7. o fraseado melódico precisa observar o contexto harmônico
e de estilo; para isso é importante ouvir os mestres de cada
estilo para desenvolver uma melhor percepção do que
já existe e formar assim o fraseado que você quer seguir.
Busque sempre as raízes daquilo que você procura. Quanto
mais fundamentada, melhor será sua base para desenvolver
seu fraseado;
8. a frase musical é como a fala, então busque pensar antes de
cada nota ou frase, respire e toque;
9. não toque frases longas no início, pois o cérebro precisa de
oxigenação e a ansiedade no princípio é natural, a respiração
ajuda a melhorar o pensamento e desenvolver melhores
ideias;
10. acima de tudo, busque sua inspiração no som e no clima
do momento. Procure ouvir o que a música em você quer
dizer. Essa conexão sempre fará grande diferença em seu
fraseado.
Articulação
A articulação é essencial para os sons musicais, assim como
a dicção também é para as palavras.
Um dos pontos mais importantes na linguagem musical
executada é a articulação e suas particularidades para cada estilo,
pois é exatamente o que diferencia de forma sonora um estilo do
outro.
Articular bem e de acordo com cada estilo envolve o poder
de se comunicar melhor. É como usar o idioma correto em cada
país.
Existem variações possíveis para cada fraseado em cada
estilo, e alguns músicos ampliaram bastante as formas de articu-
lar determinados trechos musicais.
A articulação tem o poder de determinar exatamente parte
do sentimento que se quer transmitir nos trechos musicais. Junta-
mente com os ornamentos, essas formas de expressão destacam
e transmitem, por meio da linguagem musical, diversos senti-
mentos. Isso mesmo: os sentimentos são mais bem transmitidos
quando as articulações e os ornamentos são usados de forma cor-
reta ou de uma forma além de ser correta, a forma artística, que é
quando o músico consegue traduzir tudo por meio da linguagem
musical. Mas qual seria a forma possível? Exatamente as formas
de articular trechos que podem traduzir o carinho, a ternura, o
medo, a desconfiança ou o respeito.
Pode ser difícil aliar tudo isso de forma consciente, mas é de
forma instintiva que o domínio das técnicas de articulação salta
Caminhos da Improvisação | 269
16
para a expressão musical como instrumento de melhor uso para
a comunicação dos sentimentos e da objetividade do que se quer
dizer.
LINGUAGENS | Articulação
dados tecnicamente para cada instrumento, mas aqui vamos nos
concentrar em como cada sinal se adapta ao estilo a ser apresen-
tado na improvisação.
Padrões
As articulações têm muitas opções quando os estilos se
misturam, mas, observando os padrões das divisões básicas em
colcheias e semicolcheias ou grupos de 2, 3, 4 e 5 notas, podemos
notar alguns padrões que servem para quase todos os estilos,
contando que também existem formas que não são usadas nem
como variantes em alguns estilos, simplesmente por não fazer
soar bem.
Princípio
Inicialmente, para melhor entendimento, é importante
notar que as articulações buscam valorizar o tempo forte
do ritmo. As notas pulsam e caminham para esse tempo
que pode ser na pulsação ímpar ou par do compasso,
quando em compassos pares. Já nos compassos ímpares,
existe uma variação de possibilidades para o tempo forte.
Em todos os ritmos, é possível observar um padrão e esse
será um princípio para quase todas as articulações básicas na
improvisação.
Três pontos fazem toda a diferença na interpretação,
quando o assunto é articulação:
1. ligadura;
2. acentuações;
3. valor do corte de notas.
Ligadura
1. Entre notas iguais;
2. para duas ou três notas, destacando assim a articulação
ideal para o fraseado;
3. de frase, podendo compreender longos trechos de frases.
LINGUAGENS | Articulação
LINGUAGENS | Articulação
percepção desse efeito, melhor você poderá torná-lo mais útil
para sua interpretação ou comunicação interpessoal.
Existem infinitas opções sobre os efeitos da ligadura. Faça
alguns testes e procure um sentido para alguns tipos de ligadura
como:
Tipos:
Principais acentuações
LINGUAGENS | Articulação
Dica:
Desenvolva exercícios melódicos baseado em escalas,
tonalidades, arpejos e intervalos, usando diferentes articulações
e acentuações.
Choro
As notas destacadas de ligaduras são algo em comum nas
Caminhos da Improvisação | 277
opções de articulação do Choro. Duas ou mais notas, quando
soltas, valorizam a linguagem, uma vez que essas notas soltas
dialogam constantemente com o pandeiro, como instrumento
de divisão rítmica usado no Choro, e também com o violão de 7
cordas.
O Choro permite valorizar o destaque de notas sem
ligaduras, desde duas até sequências completas de fraseado.
Acentuações também podem variar em qualquer das quatro
semicolcheias.
LINGUAGENS | Articulação
Swing
No Swing, a articulação pode variar de acordo com o
andamento. Se lento ou andamento médio para a execução, a
articulação é mais constante, mas à medida que o andamento de
execução aumenta, aí a tendência é que as articulações fiquem
mais distantes, podendo variar de 4 em 4 notas ou para frases
maiores.
Outro tipo de articulação muito usada no Swing é a ghost
note, ou nota fantasma. Esse recurso torna mais leve o fraseado
e valoriza a linguagem do Swing. É um tipo de linguagem do
Jazz que permeia muitos estilos na música brasileira e latina.
Outro detalhe sobre o Swing é que as colcheias pontuadas
são aplicadas até no andamento em média de 180 no
metrônomo, depois disso as colcheias recebem valor normal.
Caminhos da Improvisação | 279
LINGUAGENS | Articulação
Frevo
No Frevo, as articulações são bem variadas também.
Ganham notas destacadas igualmente ao Choro, porém com
um detalhe não usual, pois, como os andamentos são bem mais
rápidos, não é comum o uso de vários grupos de semicolcheias
sem ligaduras, exceto quando são notas repetidas: aí se faz
necessário o uso do staccato duplo.
Caminhos da Improvisação | 281
Observamos então as diferenças e semelhanças entre essas
três diferentes linguagens. Como dito anteriormente, elas servem
de base para grande parte das articulações em outros estilos.
LINGUAGENS | Articulação
leve, porque, se a nota está cada vez mais ligada à próxima nota
de ataque, então ela soará quase que ligada.
O outro detalhe é a acentuação usada na nota de ataque.
Para soar mais leve, devem ser usados ataques como portato ou
tenuto, e, para soar mais pesado ou mais lento, deve ser usado o
acento e o marcato.
Ritmo
Primeiros impulsos
Fico imaginando como deve ser nossa experiência no
ventre materno, sobre os batimentos cardíacos, cada segundo de
respiração e o que de fato podemos perceber do mundo exterior,
quando envolvidos em uma placenta. Essa é a nossa primeira
experiência real com a música, por meio do ritmo.
Acredito não existir nada tão profundo e instintivo na música
quanto o ritmo, porque ele de fato está ligado a uma estrutura
indissolúvel em nossa vida, o tempo.
Tudo por aqui está ligado ao tempo, ainda que o tempo seja
ilusório ou subjetivo. Isso nos liga à essência de nossa existência e
de uma lei que não muda, pelo menos para nós mortais, que tudo
tem início, meio e fim.
Na vida, o tempo é percebido em tudo que se faz, pois tudo
tem o mesmo princípio. Em cada gesto, um efeito, um tempo
determinado; em cada atitude, um desdobramento e sequência
de eventos que mostram o poder do tempo sobre tudo.
Embora ele se desdobre pelos eventos sucessivos, sempre
se mostra subjetivo, pois, para cada um, existem diferentes
percepções, e há quem pensa poder manipular o tempo. Na
verdade, muitos conseguem até brincar com ele.
O tempo no vazio do espaço talvez não seria percebido,
mas a sequência de eventos e fatos que cada micro-organismo
Caminhos da Improvisação | 283
17
desenvolve é que desdobra a percepção dele em toda a natureza.
Esse desdobramento se tornou parte de nossa essência corpórea,
pois tudo que percebemos está ligado ao tempo.
Por isso cada um desenvolve uma percepção de mundo
e vida, um ritmo para cada coisa que faz, um ritmo na fala, nos
movimentos e em seu próprio cotidiano. Isso está ligado ao ritmo
que habita em nós.
Na música esse ritmo se desenvolve com motivações,
LINGUAGENS | Ritmo
aprendizado e prática, mas tudo nos leva a perceber na verdade o
nosso próprio ritmo, ou nossa própria essência que se desenvolve
com a sucessão de eventos e coisas que fazemos.
LINGUAGENS | Ritmo
sobre o ritmo na improvisação.
A concepção criativa da improvisação acessa diferentes
formas de interpretação, nas quais cada linha de pensamento se
transforma em uma linguagem e forma de expressão.
Usamos o pensamento melódico para pintar as linhas e
suas dinâmicas, também são empregadas todas as técnicas do
instrumento e assim conseguimos criar a forma e os traços.
Se comparadas ao corpo humano, as melodias seriam como
a parte mais destacada e exposta, ou seja, a pele.
A pele é o maior órgão do corpo humano e define a nossa
forma externa, embora não defina os atributos subjetivos da nossa
mente. Assim também, as melodias, expressas na improvisação
pela fraseologia, são o instrumento que mais expressa o caráter
da obra, porque se utilizam livremente de formas, contornos e
traços com dinâmicas de tamanho e largura, em cada momento.
Desse modo, os quadros sonoros são formados com essa
percepção em que a melodia sempre é soberana e carrega a
imagem final da obra.
Já na harmonia temos a profundidade, se comparada em
três dimensões, e a estrutura quando pensamos em um corpo. Em
algumas culturas orientais, como na música indiana, a harmonia
não está inclusa nas principais partes musicais, sendo melodia,
dança e ritmo o que eles observam como a estrutura de sua
música; mas, na música ocidental, desde o clássico até os tempos
atuais, a harmonia forma um tipo de pista por onde as melodias
se locomovem como veículos.
Na improvisação
Na prática da improvisação, é comum que cada músico
desenvolva seu fraseado, analise harmonias e com isso mergulhe
nos solos buscando sempre seus caminhos e estilos.
O ritmo nem sempre é tratado de forma diferenciada
Caminhos da Improvisação | 287
ou estudado com tanto comprometimento quanto no caso da
harmonia, porém um conhecimento adquirido com mais atenção
quantos aos elementos rítmicos mostrará um campo mais amplo
e muito maior do que apenas o pensamento quando envolvido
em melodia/harmonia.
Tudo que fazemos envolve ritmo e suas divisões, mas a
diferença está entre a forma passiva e a ativa da consciência.
LINGUAGENS | Ritmo
A organização dos padrões e subdivisões ajuda a manter o
controle e também a discernir entre uma ideia bem executada ou
não.
LINGUAGENS | Ritmo
execução, quando o fraseado é mais bem subdividido.
Quando falo pulsação interior, é exatamente como você
subdivide o compasso em sua mente. O importante é que isso
seja um referencial em seu corpo, porque o ritmo deve pulsar
em todo o corpo e mente, quando fazemos música. Com esse
pensamento, temos menos opções e precisão, quando a pulsação
interior está firmada apenas no tempo, e não nas subdivisões.
Um compasso em 2/4 pode ser percebido das seguintes
formas, em suas subdivisões básicas:
Colcheias
Tercinas
LINGUAGENS | Ritmo
Dicas:
1. escolha um andamento no compasso 2/4;
2. execute divisões baseadas em colcheias e execute de uma a
quatro notas em todos os locais possíveis do compasso;
3. faça variações entre acentuações e ligaduras;
4. repita o mesmo processo com subdivisões de quiálteras de 3;
5. pratique os dois processos nos compassos 3/4 e 4/4.
Semicolcheias
Vejamos agora como se subdividem os grupos de
semicolcheias:
Células
Um grupo de notas também pode ser executado de várias
formas, sendo que cada uma delas criará um tipo de imagem
diferente para a melodia. De 2 até 7 notas, por exemplo, é possível
criar pequenas células rítmicas que farão um ótimo trabalho
com pequenas informações, mas com sugestões que sempre
influenciam a forma de a base se comportar ao acompanhar.
LINGUAGENS | Ritmo
Então o processo de escolha das notas rapidamente
determina como elas vão soar ritmicamente, sendo intrínseco
aos sentimentos e impulsos que quase não são percebidos.
É importante um estudo mais detalhado sobre cada possível
divisão: isso trará maior visão e vocabulário rítmico.
Economia
A economia das notas, em alguns ritmos e estilos, provoca
maior criatividade. Uma vez que não existe um longo caminho a
ser percorrido com dezenas de notas, a escolha de 3, 4 ou 5 notas
pode demandar uma série de ideias rítmicas. Um outro ponto
positivo é que isso exige menos da mente do que a produção de
longas sequências de combinações melódicas, podendo gerar
pequenos temas com células melódicas e rítmicas.
Dicas:
Localização exata
Uma boa opção também de entender as diferentes formas
de fazer soar as divisões é praticando o local de cada nota da
subdivisão. É um exercício simples, mas, se feito com atenção,
pode produzir uma melhor percepção quanto à importância de
cada célula rítmica.
Caminhos da Improvisação | 295
LINGUAGENS | Ritmo
Grupos de notas em diferentes
quantidades
Os fraseados mais extensos também podem ser praticados
com grupos progressivos desde duas até 7 notas. Esse é um
tema que demanda tempo e muita prática com escalas e arpejos,
mas aumenta bastante o vocabulário rítmico. É estabelecer a
pulsação em diferentes quantidades de notas e acentuações
variadas. Pausas também podem ser deslocadas para ampliar
as possibilidades. Esses 16 temas rítmicos se tornam ilimitados
quando trabalhados em articulações, acentos, tonalidades,
escalas e arpejos diferentes. Use a criatividade, percepção, pois,
nessa pequena tabela, se encontra grande parte da fraseologia
usada na improvisação atual.
Acentuações
Os estilos também determinam acentuações dentro dessas
subdivisões. Essas acentuações devem fazer parte da sua pul-
sação interior, porque assim todo fraseado estará em harmonia
com os melhores tempos e acentuações do estilo.
Caminhos da Improvisação | 297
A beleza artística das frases é determinada por onde a frase
começa e termina, onde está seu tempo forte e se combina com
o estilo; por isso, em cada ritmo, existem acentuações em dife-
rentes lugares.
Algumas acentuações podem ser usadas em vários estilos
parecidos, já outros têm mais particularidades quanto aos locais
característicos de acentuação.
É preciso perceber o que o som sugere por meio dos diver-
sos instrumentos de acompanhamento, desde o piano, o violão,
a guitarra, o baixo, a bateria, a percussão e outros.
A improvisação, acima de tudo, deve ser percebida. Apren-
demos o máximo possível para termos vocabulário e material su-
ficiente para entrar no jogo dos sons, mas ainda seremos sempre
LINGUAGENS | Ritmo
dependentes do que o ambiente sonoro e em silêncio nos propõe.
Toda compreensão é expansível e nunca uma verdade fi-
nalizada, e se não fosse, não teríamos chegado até aqui, pois as
descobertas nos mostraram toda riqueza que temos hoje de for-
ma sonora, tanto acústica como de forma eletrônica.
Nas tabelas abaixo, você encontrará uma série de ritmos
usados na música popular atual, principalmente no Brasil, nos
EUA e na América Latina. Cada ritmo tem sua particularidade, e
você poderá comparar as diferenças entre eles. Não estão aí suas
variações, porque são diversas, mas o objetivo é deixar uma refe-
rência para estudos com atenção às acentuações e possíveis arti-
culações para o fraseado em cada ritmo.
Caminhos da Improvisação | 299
LINGUAGENS | Ritmo
Caminhos da Improvisação | 301
LINGUAGENS | Ritmo
Princípios da Polirritmia
1. Mudança da pulsação rítmica dentro de uma pulsação
estabelecida:
Análise:
LINGUAGENS | Ritmo
• Nas figuras apresentadas, a divisão normal para o compasso
do momento é a de cima, já a debaixo vem para demonstrar
a nova pulsação que aparece com o deslocamento de
acentuação.
• No exemplo 1, o compasso está dividido em 8 colcheias,
mas os acentos aparecem a cada 3 colcheias, alternando
a pulsação original do 4/4 e sugerindo um compasso 3/8,
resultando na polirritmia. Precisa de 8 figuras de tempo do
novo compasso para fazer o ciclo completo de colcheias
e começar a pulsação novamente, no primeiro tempo do
compasso 4/4. Esse conceito é chamado de Odd Groups,
quando frases ímpares são agrupadas, sendo contrário à
fórmula do compasso.
• No exemplo 2, o compasso está dividido em 6 colcheias,
mas os acentos aparecem a cada 3 colcheias, alternando a
pulsação original do 3/4 e sugerindo um compasso 6/8.
• No exemplo 3, o compasso está dividido em 4 colcheias
pontuadas, mas os acentos aparecem 4 vezes no compasso,
alternando a pulsação original do 3/4 e sugerindo um com-
passo 4/4.
• Nos exemplos 2 e 3, o tipo de polirritmia completa o giro
em apenas um compasso; já no exemplo 1, ela precisa de
3 compassos para completar o giro. Esse conceito recebe o
nome de Bi-Rhythm.
LINGUAGENS | Ritmo
5. As pulsações citadas servem apenas para marcação de
novos tempos, mas as divisões e melodias são infinitas, se
baseadas nas novas pulsações.
6. A escrita ideal entre dois compassos polirrítmicos será a
que melhor for compreendida para o momento. Observe
os exemplos dos princípios 6 e 7, onde o primeiro é um
compasso 4/4, mas os grupos de cinco notas sequenciais
demoram 5 compassos para completar o ciclo. Ele pode ser
escrito assim, caso haja alguma necessidade de demonstrar
o contraste com os grupos de 5 notas, ou pode adquirir a
escrita primária para o compasso em 5/16; nesse caso, fica
dependente do contexto em que o fraseado está inserido.
Se o motivo primário se tornar desnecessário, pode haver a
migração completa para o próximo compasso.
LINGUAGENS | Ritmo
encontrar elementos rítmicos que vão ao encontro de sua
personalidade, tanto para improvisar quanto para compor.
3. Busque sempre as bases mais simples para depois elaborar
elementos mais complexos.
4. Nada está finalizado no assunto dos ritmos: todo momento
existente pode ser a porta para um novo som, uma nova
batida e um novo tempo.
4
Caminhos da Improvisação | 309
PRÁTICA
Estudos
Individual
Existe um campo enorme de questionamentos hoje em dia,
quando o assunto é estudar. Sobre a improvisação, é comum você
se encher de perguntas e sentimentos, pois a sensação que às
vezes algumas pessoas têm é que não dá tempo de estudar tudo
em apenas uma vida, então você teria que fazer, em uma vida, o
que faria tranquilamente em várias.
A questão é que a música e nosso envolvimento com ela nos
indica vários caminhos, interesses e linguagens, e é exatamente
por isso que tudo pode se tornar às vezes inalcançável ou tão
complexo, pois algo que você sabe que precisa fazer, por mais
simples que seja, você simplesmente não o consegue.
Estudar ou praticar hoje, para muitos, é uma barreira e
até mesmo um mistério, pois alguns não conseguem entender
como esse ou outro músico chegou aonde chegou. Sabendo
que é comum ao ser humano buscar referências, muitas pessoas
buscam saber a rotina de estudos de músico A e B, buscam amplo
material, pagam aulas com vários professores e assim tentam
desvendar os mistérios da evolução musical para si.
Se estudar ou como estudar é um problema, eu passaria
a me ver como um inimigo daquilo que me atrapalha a chegar
PRÁTICA
PRÁTICA | Estudos
Isso é o mesmo que você ir a uma concessionária com
dezenas de veículos e ficar perambulando sem compromisso, até
a hora em que o vendedor te pergunta: Que carro você deseja, ou
que tipo?
E aí você pode simplesmente não saber a resposta, mas
deve saber o porquê de estar ali, afinal você quer um carro.
Da mesma forma, você pode não saber, mas existe uma
razão pela qual você deseja ir mais a fundo na música.
3 Passos
Existe uma cadeia de prioridades quando o assunto é or-
ganizar os estudos. Para cada tipo de objetivo, existe um cami-
nho a ser seguido, e o que não faz sentido é você precisar de
algo e não seguir pelo lado que precisa. Isso acontece quando
faltam algumas ferramentas como foco, disciplina e paciência.
Então, para o estudo individual, vale uma sequência de
passos que devem ser observados para que você não perca tem-
po, consiga fazer render seus estudos, atingindo resultados e,
assim, motivação para subir degraus.
1. Objetivo
PRÁTICA | Estudos
O objetivo é importante ser definido, para que você sai-
ba para onde vai. Caso seu objetivo seja menor do que o inves-
timento, você poderá gastar energia e tempo desnecessários.
Mas se o objetivo for maior do que você costuma investir em
tempo e energia, então você estará enganado quanto à forma
que escolheu para estudar e estará trilhando um caminho que
não vai te levar jamais ao seu pretenso objetivo.
O autoengano produz esse efeito, em que você acha que
está de fato no caminho, mas seus resultados dizem o contrário.
Muitas coisas se confundem com um caminho eficaz e fazem
você trilhar, às vezes, não um, mas vários caminhos para chegar
ao seu objetivo.
Para cada tipo de objetivo, você precisará de uma quanti-
dade de ferramentas e tudo isso também depende do seu nível
musical.
Se o seu for o objetivo mais natural da música, que é o co-
nhecimento e a vivência da arte em sua vida, então não tenha
pressa, porque você vai gastar a vida toda e não chegará ao fi-
nal, porque ele não existe.
Em outros casos, como ter entrado numa banda e preci-
sar fazer alguns solos, tocar na igreja, casamentos ou traba-
lhar à noite, eu diria que o material é o mesmo, mas de forma
prática você precisa de menos ferramentas para atingir o seu
objetivo, pois ele se mostra mais setorial, e não algo que te
fará centrar tanta energia. Lembre-se que, quando falo obje-
tivo, significa a razão maior do porquê do seu estudo com a
improvisação. Se você estiver certo do que quer, vai mergulhar
e encontrar muitos tesouros nesse mundo.
Onde estou
Decifre tudo o que tem em mãos dentro do caminho da im-
provisação. Isso mostrará seu potencial no momento, mas será
apenas o combustível para iniciar a caminhada.
De imediato, você precisa se livrar de algumas bagagens
que são os chamados vícios, ou seja, tudo que não funciona e que
te atrapalha na caminhada.
Os vícios ou bagagens desnecessárias podem estar relacio-
nados tanto ao mau uso do tempo, quanto a formas de execução
musical que não te deixam evoluir. Erros, ou práticas que te dei-
xam mais orgulhoso ao invés de te fazer evoluir. Medite um pouco
sobre isso: para atingir o objetivo, primeiro é preciso se situar na
jornada.
PRÁTICA | Estudos
"Qual o tamanho da sua perseverança?"
O caminho
Aí está a parte mais interessante da caminhada, pois a
riqueza maior do conhecimento e da experiência não está nem
na partida e nem no resultado final, se você ganhou ou perdeu,
mas o que adquire ao longo do processo. Estabelecer o médio
prazo é um cálculo que, se for feito com maior precisão, poderá
determinar de fato o caminho para o sucesso de tudo.
No xadrez, a parte mais complicada ou que exige mais
cálculos é o meio jogo. Pois, no meio do jogo, cada movimento
se desdobra em inúmeras possibilidades que podem te levar à
vitória ou derrota. No caso desse processo de estudo, o que é
interessante é que a evolução ganha força ou gera a forma da
sua criatividade, estabelece o comportamento e desenvolve o
caráter, desvenda grande parte da sua personalidade e direciona
de fato aos resultados de longo prazo, ou mesmo pode te fazer
desanimar no meio do processo, descobrindo que não era de fato
o que você queria ou entendendo não ter os recursos suficientes
para chegar aos resultados mais produtivos.
Essa é a visão que uso com todos os alunos quando tenho
oportunidade de ministrar individualmente. Identifico onde
se encontram, o que querem e assim estabeleço o caminho
a ser trilhado. Essa fórmula funciona, é simples e, em todos os
momentos, vai fazer você saber em que ponto da jornada está.
Caminhos da Improvisação | 319
Serve não apenas para os estudos, mas para qualquer objetivo na
vida e também, é claro, em todo solo que fizer, pois tudo parte de
um ponto ou princípio e caminha para um objetivo ou resultado,
a menos que o objetivo seja não ter um objetivo.
Procure trabalhar os estudos com prazos não muito curtos.
Sugiro em média:
PRÁTICA | Estudos
que temos por aqui, os melhores resultados se concretizam em
média dentro de um ciclo de 7 anos, variando para menos ou mais.
Por mais que você aprecie e mergulhe em um estudo, estilo
ou forma de tocar, somente o tempo trará maturidade, pois as
nossas percepções nos pregam peças constantemente, uma hora
dizendo para nós que estamos prontos e, em outros momentos,
mostrando-nos o quanto precisamos aperfeiçoar algo que parecia
pronto.
Alguns passos se misturam, em cada momento dos estudos
e dos prazos. Importante observar e praticar as seguintes dicas:
PRÁTICA | Estudos
Técnicas do instrumento
Cada instrumento tem inúmeras possibilidades e diferenças
em relação a outros. Nós ganhamos afinidades com cada um
de acordo com o timbre, sonoridade, extensão, dificuldade
ou facilidades, campo de trabalho e outras particularidades.
O conhecimento amplo e o domínio técnico em seu
instrumento são essenciais no mundo da improvisação, pois
qualquer possibilidade e ideia que você percebe, se inspira e quer
executar, depende do canal de propagação.
Quanto melhor fluir a técnica, melhor fluem as ideias,
pois elas se multiplicam e saltam a todo momento da sua
mente. A questão é que nem sempre elas são mostradas como
originalmente pensadas. Mas por que isso?
É comum que algumas frases não soem completas como
vieram à inspiração, ou que um solo não demonstre tanto do
quanto foi pensado, pois existe uma distância entre o que você
sente e o que está preparado para executar. Na verdade, às vezes
existe um abismo! Esse abismo tende a diminuir e pode sumir
dependendo do seu nível técnico.
Com o passar do tempo, você começa a usar alguns atalhos
do instrumento para alguns caminhos repetidos, pois cada
instrumento possibilita uma série de opções e facilidades. Mas aí
existe também o risco de o costume ganhar mais espaço que a
criatividade.
Isso se daria porque o cérebro encontra conforto em certas
atividades e, assim, tende a se acomodar com determinadas
passagens ou sonoridades, fraseados ou extensões. Pode ser bom
pelo lado da identidade, mas a criatividade sempre pede mais,
pede o risco de buscar sempre novos caminhos. Isso sempre será
uma opção e nunca um conceito negativo com relação ao músico.
Para quem toca mais de um instrumento, pode-se notar
também a diferença de linguagem ou sonoridade de um para o
outro. Mesmo que as notas e posições sejam as mesmas, o som
diferente te fará soar também diferente e com outra alma.
A alma do som
Esse conceito é um pouco metafísico, mas vejo grande
coerência. Quando a junção de dois elementos gera um terceiro,
então existem alguns paralelos ao mesmo conceito:
PRÁTICA | Estudos
de combinação já provoca naturalmente uma grande diferença,
e isso vale para todos os instrumentos. Timbre é química, física
e uma série de combinações que geram um determinado som e
personalidade sonora.
Nos instrumentos temperados, isso é mais notório. Bocais e
boquilhas de uma mesma marca e modelo já soam diferentes, e,
se mudar de palhetas e bocais ou de pessoa, tudo muda.
As ideias então se expandem de tal forma com diferentes
timbres que existem pessoas que se aperfeiçoam por demais na
sonoridade e fazem disso uma verdadeira arte na sua forma de
tocar, desenvolvendo diferentes formas de sopro ou do toque no
instrumento. Em alguns casos, alguns músicos até modificaram
o instrumento para que este se adaptasse ao seu pensamento e
forma de tocar.
Então a dica é que você precisa de intimidade com seu
instrumento. Intimidade tal que você possa de fato usá-lo para
se comunicar com seu público, para que ele seja uma extensão da
sua voz musical, ideias e personalidade.
Você pode improvisar em qualquer nível técnico. Sim,
porque improvisar é usar o que tem e gerar uma história que
se desdobra desde uma nota até aqueles solos mais belos que
conhecemos.
Por isso, quanto mais apurado seu nível técnico, melhor as
ideias irão fluir.
Dicas:
• desenvolva o timbre;
Ouvir
Quando eu tinha uns 6 meses de idade, meu pai disse para
minha mãe que iria comprar um radinho de pilha e colocar no
meu berço todos os dias e, assim, um dia eu seria músico. Uma
declaração genuína, simples, prática e eficaz.
Naquela época, não tínhamos YouTube, iPhone, iPod, iPad,
Walkman e nem mesmo uma vitrola, mas o simples fato de ouvir
música desde cedo me causou um efeito positivo por toda a vida.
Cresci indo para ensaios com meu pai e me lembro disso
desde meus 6 anos de idade. O fato de ouvir desde pequeno sem
saber os significados dos sons trouxe para mim o mundo das
imagens sonoras de forma viva, porque, para entender algo que
não conseguimos explicar naturalmente, fazemos associações.
Caminhos da Improvisação | 325
A música nos apresenta esse mundo subjetivo, onde tudo é
possível, onde as notas criam cores, espaços, desenhos, cidades
e realidades diferentes, na mente de cada um. Cria histórias
abstratas que talvez as palavras não possam dizer, mas o universo
sonoro é subjetivo a tal ponto que dá liberdade para cada pessoa
ouvir a mesma melodia e, assim, criar seus próprios conceitos,
entendimentos, sentimentos e projeções, de forma única.
Como é importante a educação musical! É de fundamental
importância para todos. Mesmo um leigo não instruído na arte
de ouvir música, pode ser educado a ouvir uma bela sinfonia e
manter a atenção, chegando até o final. É certo que algo mudará
sua forma de ver o mundo.
Na improvisação, ouvir é uma disciplina essencial. Deve ser
constante e com o caráter de buscar mais conhecimento, pois a
diferença entre o músico e o leigo ao ouvir é o discernimento que
PRÁTICA | Estudos
está em constante evolução. Acostumamos a querer saber o que
estamos ouvindo, saber nomes de músicos, ano da gravação e
diversas informações. Tudo isso faz parte do quadro mental que
formamos em nossa memória, ao tentar guardar cada momento
musical.
No estudo específico da improvisação, é importante tentar
perceber todos os sons. Melodia, harmonia, ritmo e ainda mais
o que é projetado em cada ideia. Dissecar cada momento,
comentário, riff, ostinato, e assim por diante, pois toda informação
gera, em nossa memória, uma imagem viva, e, se repetida várias
vezes, será uma realidade sonora que pode durar por toda a vida
em nosso subconsciente.
Não se sabe exatamente, mas quanto mais repetida é uma
informação, melhor ela se integra como realidade virtual no
cérebro e, assim, pode ser mais bem acessada. Por isso, a eficiência
nos estudos repetidos, e na audição isso não seria diferente.
Nossa inspiração, às vezes, somente reproduz o que temos
guardado em nosso HD cerebral, tanto para compor, arranjar ou
improvisar. O mesmo acontece com a fala: reproduzimos o que
temos no vocabulário, daí a importância de uma boa educação em
todos os aspectos, e, se o homem é produto do meio, o músico é
produto do que ouve e irá reproduzir como linguagem aquilo que
tem consigo.
A linguagem da improvisação requer infinitas horas
de audição, no mínimo para aprender cada linguagem. Isso
não diminui o talento e nem a criatividade, mas expande as
possibilidades de comunicação com diferentes públicos.
É interessante que cada instrumentista conheça gravações
de muitos mestres do seu instrumento, mas também aprenda
a ouvir outros instrumentos e, com isso, traga informações e
inspirações para o seu também.
Buscar gravações de outros estilos e formações diferentes
também é uma ferramenta no processo do aprendizado e de
expansão na percepção. Música clássica e seus períodos, música
latina, americana, europeia, africana, brasileira, orquestras,
grupos, cantores e solistas diferenciados trazem infinitas
possibilidades nas quais podemos mergulhar todos os dias.
PRÁTICA | Estudos
Ouvido interno
O ouvido interno depende de sua memória, do que
você guarda quando ouve e do que pratica em silêncio. Você
pode praticar sons mais simples como tentar ouvir uma
simples escala e evoluir tudo para as demais informações
como harmonia, ritmo e até estruturas mais complexas com
mais instrumentos e vozes para arranjos e composições.
• memória mecânica;
• fragmentos de melodias e fraseados;
• impulsos rítmicos;
• projeções holográficas do solo.
Dicas:
1) faça da prática de ouvir um estudo constante;
2) ouça com e sem compromisso;
3) pesquise diversas versões para uma mesma música;
4) procure identificar tudo possível em uma gravação;
5) conheça bem o que você já possui antes de querer adquirir
infinitos materiais que nunca serão pesquisados;
6) alguns álbuns podem fazer mais diferença do que alguns HDs
lotados de mp3, que você provavelmente não conseguirá
conhecer;
7) busque versões mais antigas do que você gosta e pretende
seguir, pois nelas está a essência do resultado que temos
hoje;
8) você é o que escuta!
Pesquisa
Estamos bem melhores hoje do que há 30 anos no que
diz respeito a material disponível. Temos sites, redes sociais e
variadas formas de encontrar materiais importantes para estudo.
A prática da pesquisa traz um grande conhecimento,
gerando conteúdo intelectual e projetando novas ideias para
qualquer profissional ou estudante em todas as áreas do saber.
Caminhos da Improvisação | 329
O equilíbrio para cada linguagem é um dos maiores
benefícios da pesquisa, porque, em cada estilo ou tema,
existem muitas versões e interpretações. Buscar informações
detalhadas sobre um tema em específico amplia o conhecimento
e informações que serão filtradas com o tempo.
Fechar os olhos, tocar o que sente sem pensar em nada
específico é uma boa prática, que serve para muitos segmentos
da música, mas, quando você está no campo profissional, é
sempre bom buscar embasamento do que faz. O mercado ou a
cadeia produtiva tem sua própria dinâmica, e nossa contribuição
pode trazer novos conceitos, e atualizações constantes são
necessárias, pois a roda da vida está girando.
Por essa razão, eu diria que a pesquisa diminui os riscos da
incoerência e aumenta a qualidade do tempo gasto.
PRÁTICA | Estudos
A arte pela arte pode não depender de mercado ou de toda
essa adequação, mas a realidade acadêmica ou profissional nos
instiga a saber vestir melhor os trajes para cada ocasião e, assim,
sermos parte da contribuição coletiva em cada tema, show e
álbum gravado.
Ao escolher um estilo, tema, arranjo, ou mesmo em um
novo show, seja onde estiver, procure o máximo de informações
sobre essa nova realidade que se apresenta a você, pois
existe um sabor para o não saber e também para o saber: a
diferença está em quem você quer ser na cadeia produtiva,
como quer desempenhar seu papel em cada oportunidade.
No material de pesquisa, é importante saber não apenas
a parte auditiva (como gravações, intérpretes ou nomes), mas
também o que for possível captar de informação sobre autores e
a história de cada peça.
Depois de conhecer o máximo possível sobre aquilo que
pretende executar ou produzir, você poderá criar novas realidades
para aquela história musical, não correndo o risco de fazer o
mesmo, ou, se fizer o mesmo, será consciente apenas pelo desejo
de repetir o feito em outro ambiente. Suas opções sempre serão
melhores quando tiver mais conhecimento do assunto.
Na improvisação, estamos sempre repetindo e citando
algo que alguém registrou, uma simples frase ou motivo que
um músico gravou. Isso porque todo o conhecimento é gerado e
compartilhado o tempo todo, de forma que a informação musical
não guarda protocolos de autoria em cada frase, e às vezes
imaginamos que estamos copiando algo de 1996, mas aquilo está
sendo citado de uma gravação de 1945, influenciada por um autor
da música europeia de 150 ou 250 anos atrás.
Isso é impressionante, porque a música se forma de deta-
lhes, motivos melódicos e rítmicos e, a exemplo da linguagem
falada, que é passada de geração para geração, no mundo musi-
cal isso também acontece o tempo todo. Gerações dando conti-
nuidade de informações recebidas e, assim, um quadro históri-
co vai se formando. É a música caminhando durante os tempos.
Alguns sons se perdem e outros vão se reproduzindo como
um sistema de células, da mesma forma como ocorre em nossa
vida humana. O som toma diversos aspectos nesse vitral que
é a história e, assim, o conhecimento é produzido e pode ser
aprendido continuamente.
Os solos podem ser copiados e aprendidos, mas, quanto
mais se conhece, maior é a necessidade de mudar e ampliar
ou mesmo de imprimir, em uma nova oportunidade, a alma de
quem o faz. Por isso, não digo importante, mas crucial é buscar
o que foi feito, suas origens, critérios usados e o máximo de
informações sobre cada obra a ser aprendida, pois, ao repro-
duzir aquilo, sempre iremos partir de um ponto de referência
com destino a um novo ambiente sonoro.
Caminhos da Improvisação | 331
Reflexões:
1. tudo pode ser copiado, mas nada é igual;
2. importante conhecer o caminho percorrido daquilo que
buscamos aprender;
3. nunca é demais saber a mais;
4. você pode nunca usar o que sabe sobre algo, mas, se
guardar consigo o conhecimento daquela informação,
poderá alterar o curso da história adicionando parte da sua
personalidade nela;
5. precisamos aprender com o passado, para sabermos como
fazer parte da história escrevendo nela nossa participação.
Memória
PRÁTICA | Estudos
Na improvisação, uma das partes humanas que precisa de
contínua atividade e exercícios é a memória. Um improvisador,
para sair por aí e tocar, dar canja e assumir funções tanto de so-
lista como de acompanhador, precisa das seguintes ferramen-
tas sobre cada música:
1. conhecer toda a melodia;
2. saber a harmonia;
3. saber a forma;
4. convenções.
PRÁTICA | Estudos
daquilo que se aprendeu, mesmo que não seja com o instrumento,
mas usando seu corpo, sua voz, seu ouvido interno, seus dedos e
tudo que pode ser usado para que sua mente e memória musical
estejam sempre ativas, com rápido tempo de resposta e com fácil
acesso nas informações que são necessárias.
Dicas:
1. Para qualquer um dos tipos de memórias a serem
trabalhadas, a melhor dica é a repetição.
2. Quanto mais o cérebro passar por uma mesma situação,
mais viva ela estará e assim poderá ser acessada de forma
mais rápida.
3. Pensando que nosso cérebro é seletivo, seria como imaginar
que algumas informações principais ocupam nossa área de
trabalho; então, quanto mais usamos um arquivo, aumenta
a preferência por ele estar no lugar de mais fácil acesso ou
mesmo criar atalhos para isso.
4. Fale em silêncio para você mesmo tudo que está fazendo
musicalmente. Ativar a consciência sobre cada ação é bem
melhor do que agir e não computar, porque o registro do
que se faz fortalece a memória e as conexões neurais em
cada tipo de memória.
5. A prática e repetição de qualquer informação acelera o
tempo-resposta, melhorando o acesso e diminuindo a
burocracia cerebral.
Repertório
Os repertórios existentes se renovam constantemente na
música popular. É comum que um músico monte seu repertório
pela demanda de trabalho, pois seria impossível aprender tudo
que existe, então tudo é seletivo, e às vezes didático.
Didático porque, quando têm um período livre, alguns mú-
sicos aproveitam para ganhar mais repertório, pesquisando auto-
res ou estilos. É uma prática saudável, pois permite ampliar quan-
tidade de músicas e mergulhar mais no conhecimento de alguns
estilos.
O conhecimento do repertório varia dependendo da forma
como pode ser executado.
Existem determinadas músicas cujo grau de dificuldade é
tão avançado que você precisa ter, além da leitura, um registro de
memória mecânica da peça, ainda que seja lendo, pois dificilmen-
te seus dedos responderiam a uma leitura instantânea toda vez
que fosse executar tal peça.
Então a música é estudada a ponto de não depender da par-
Caminhos da Improvisação | 335
titura, embora possa ser lida. Já outras músicas são aprendidas
rapidamente, por vários atalhos da memória, e assim o repertório
vai sendo ampliado.
Crescemos aprendendo canções do folclore, da cultura lo-
cal, músicas espirituais e populares. Essas músicas são o nosso
primeiro repertório, porque normalmente são músicas de simples
execução e podemos tocá-las quase que naturalmente.
No período de estudos, o repertório começa a ser mais se-
lecionado para o estilo que estudamos, seja Choro, Rock, canções
ou temas instrumentais.
Dizem que, nos EUA, um músico pode ser considerado um
músico de Jazz, quando sabe em torno de 180 temas ou stan-
dards. Por isso, aprender uma boa quantidade de temas te livra
de várias frustrações e constrangimentos na hora das canjas.
PRÁTICA | Estudos
Então é importante saber que, em cada repertório e estilo,
existe uma quantidade variável de músicas que são mais popula-
res ou tocadas, e dispara na frente quem pesquisa mais e acaba
aprendendo também as menos conhecidas, porque diminui aí o
risco de ser pego de surpresa.
Profissionalmente um músico que lida com improvisação
tem o dever de aprender de fato o tema, a harmonia e a forma de
cada música com que trabalha. Aprender os detalhes e até o que
está implícito. Buscar gravações, como foi falado sobre pesquisa,
e ouvir o máximo cada tema até que este se incorpore a sua cons-
ciência e memória.
Não existe, ao certo, uma quantidade de temas que se deve
saber, mas é válido se atualizar constantemente. Nem sempre
temos o tempo suficiente para fazer tudo que é necessário, mas
você pode também fechar as brechas para executar um tema uti-
lizando algumas ferramentas como:
Testemunho:
Em 1996, quando fui tocar com o baixista Arthur Maia pela
primeira vez, no Gate’s Pub, em Brasília, fui convidado, logo após
ele ter ido ao meu show alguns dias antes. Eu achava que teria
partituras, mas, para minha surpresa, não havia partes nem áu-
dios. O show tinha cerca de umas 15 músicas e eu tocaria umas
12.
PRÁTICA | Estudos
mos obrigados a nos expor negativamente. Pensem nisso, todos!
Dicas:
1. monte seu repertório de acordo com suas demandas;
2. de cada música procure saber o máximo dela, como melo-
dia e harmonia;
19
gastamos horas, semanas, meses, anos e uma vida toda de
aprendizado, em momentos de meditação no som, devoção e
infinitos exercícios mentais que nos levam a buscar evolução
própria na arte.
Quando estudando, trabalhando ou lecionando, estamos
de alguma forma buscando essa evolução, em relação à qual
acredito que dificilmente alguém queira voltar propositalmente
do nível que conquistou para uma ladeira abaixo e esquecer ou
deixar tudo que um dia soube. Acontece, mas não é comum, a não
PRÁTICA | Tocar
ser por grandes desilusões da vida, que algumas pessoas acabam
passando por esse caminho, mas, no fundo do coração, não é isso
que ninguém quer, pois o som, a música existe para nós e em nós
com o propósito de nos elevar e nos fazer melhor sempre, mesmo
que lentamente.
Quando essa experiência que temos no individual sai do
estudo, dos exercícios de escalas, arpejos, intervalos, lições,
outras formas de aprendizado e se transforma na oportunidade
de se tornar música, então chega o momento mágico, do milagre,
de os números ganharem vida, de as combinações se tornarem
impulsos reais químicos e físicos que ultrapassam barreiras e de
ganharem espaço na quarta dimensão, onde o som e a linguagem
transitam no espaço-tempo, livres e sem dimensões específicas.
Isso é maravilhoso! Quando um som, uma combinação
ou várias delas, cuja junção de notas, levadas e técnicas se
convencionam em energia, energia pura que ultrapassa os
sentidos – então que poder é esse?
Tocar também é um estudo constante, é uma forma de
evolução musical em que você tem inúmeras experiências
que mostram o que está bem e o que precisa melhorar. Isso é
constante.
Em algum momento dos estudos, você pode simplesmente
fazer isto: tocar algo, uma música, um tema e improvisar, deixar
fluir. Transporte-se e deixe a música falar, usando o que aprendeu,
de forma leve e na sua própria intensidade. Esse momento é
importante para lavar a alma.
É diferente de estudar, pois traz uma recompensa e serve
de raio X para tudo que você estudou anteriormente.
Independência
Na prática de um tema e improvisação, busque a
independência dos outros instrumentos, busque seu som,
características próprias e que não dependem de uma banda.
No caso de ser instrumento solista, tente montar seu
próprio acompanhamento virtual, concentrando-se na harmonia
e ouvindo internamente o baixo e bateria ou percussão. Não
esqueça: tudo é virtual e instintivo.
No caso de ser piano, guitarra, violão ou outro instrumento
do tipo, faça o que é possível no seu instrumento, leve consigo
uma bateria e baixo imaginário, instintivamente, e siga seu som.
No caso de ser baixo, improvise com uma banda, ouça a
melodia, a harmonia do piano e tudo da bateria.
Isso é criatividade!
Constantemente conheço músicos que têm dificuldade de
Caminhos da Improvisação | 341
fazer algo quando não acompanhados por certos instrumentos.
O músico que toca um instrumento de harmonia, se não ouvir o
baixo ou outro instrumento, fica limitado. Igualmente, o músico
que toca a bateria, se não ouvir o baixo ou a harmonia, também
fica limitado. E o músico que toca o saxofone ou trompete, se não
ouvir o baixo ou a harmonia, não sabe caminhar com a música.
Tudo isso pode ser diferente, pois trata-se de adquirir alguns
elementos rústicos em seu ouvido interior:
PRÁTICA | Tocar
isso, internalize e ouça em você;
4. pratique ouvir a harmonia até que possa ouvi-la em você
mesmo, internalizando também;
5. ouça sempre a melodia de uma música, se estiver na função
de acompanhar.
O Erro
O Arthur Maia disse uma vez uma frase numa passagem de
som que guardo comigo até hoje: “Ensaio é em casa.”
• falta de concentração;
• falta de preparo;
• ansiedade;
• nervosismo;
• memória;
• subestimar a música ou trecho dela.
PRÁTICA | Tocar
• humildade;
• atenção redobrada;
• mergulhar no que está fazendo;
• fazer o dever de casa.
Erro e arte
Se por um lado o erro soa negligência, existe o momento
em que o erro tem o seu valor de apoio na construção do processo
criativo, por vários motivos já entendidos coletivamente.
Somos humanos, sujeitos aos erros comuns, mas na arte
o erro nos faz rever conceitos e caminhos. É como se fosse
necessário, embora não desejado.
Quando o erro surge no estudo, lamentamos. Mas e quando
ele surge na hora do improviso? Ou de um concerto?
Aí existem diversos sentimentos e atitudes, pois quando é
numa partitura no meio do show, realmente é lamentável. Mas e
ao improvisar? Como lidamos com isso?
A natureza de cada instrumento traz minuciosas
possibilidades que, adequadas a nossa humanidade, acabam
fazendo convergir esses chamados erros.
Uma execução rápida no piano que esbarra em uma outra
tecla, um harmônico diferente no sax ou no trompete que acaba
fazendo soar outra nota, e por aí vão tantas situações pelas quais
passamos.
Mas o que desejo ressaltar é: o que fazer depois disso
musicalmente? Balançar a cabeça, parar de tocar, extravasar o
que já está errado?
Há um ditado popular na improvisação que diz assim:
“Quando você errar uma nota da escala no solo, mude meio tom
para cima ou para baixo.”
Isso quase sempre é verdade!
Alguns erros de embocadura e dedilhado ficaram na história
e mostraram algo a mais na arte, como coisas não esperadas, mas
aceitáveis, talvez pela surpresa.
Como em Round Midnight com Miles Davis, gravado em
1956. No minuto 1:22’:
Caminhos da Improvisação | 345
Tecnicamente uma posição que gerou um harmônico
inferior da nota que deveria ser tocada, mas, diferentemente da
música clássica, a música popular abre espaço para essas coisas,
e a improvisação mais ainda, e por vezes caímos em um caminho
que não foi planejado, por uma ideia que não era a pretendida e o
erro se torna arte.
PRÁTICA | Tocar
simples erro, pode trazer à luz algo muito melhor.
Dicas:
O medo
Dizem que o medo é uma ilusão! Concordo, todavia ele
só tem o tamanho que lhe damos. Existem consequências para
tudo com que não se toma o devido cuidado, mas também con-
sequências para tudo em que o cuidado é desmedido a ponto de
se pensar apenas na segurança.
Nossa vida aqui é um risco constante, pois, embora possa-
mos viver em média por 70 anos, ao mínimo descuido podemos
morrer. Entramos praticamente sozinhos no mundo e saímos
dele também sozinhos. Toda nossa experiência é única e somen-
te de forma individual é possível medir o que cada pessoa sente
ou vive.
Na música o medo existe e pode causar muitos danos. Por
incrível que pareça, o medo que se instala está ligado a outros
fatores como: preservação da imagem, ansiedade, medo da re-
provação pública, competições e outros.
Nossa arte é estritamente ligada à vaidade, portanto muita
coisa externa e interna pode afetar seu julgamento de si mesmo e
da sua arte a todo momento.
A coisa pode ser monstruosa a ponto de você nunca que-
rer se apresentar em público, ou somente em algumas situações,
mas você pode saber lidar com isso e conseguir algumas conquis-
tas a cada momento.
O medo da reprovação sobre algo que fez ou faz pode te
Caminhos da Improvisação | 347
impedir de fazer uma simples pergunta na aula, de dar um canja,
de fazer um arranjo, de gravar um CD ou tocar para um grande
número de pessoas. Quanto a isso, ainda existem subdivisões,
como o valor de cobrança pessoal que cada um tem em relação
ao público - 25 pessoas prestando atenção em você pode te dei-
xar mais travado que tocar para 80 mil pessoas numa festa popu-
lar. Porque depende do observador, de quem é, o que representa
ou do que você espera mostrar.
O medo, o receio e o cuidado sempre têm espaço em nossa
vida, em algum grau – se não for na música, será em alguma si-
tuação qualquer. Além disso, existem as fobias que fazem parte
do medo, mas disparam um certo pânico. Se o medo te trava, a
fobia pode te causar um pavor em relação a alguma música, an-
damento ou estilo. No mundo subjetivo, tudo é possível. Saiba
disso! Nada pode ser descartado de sua existência, valor e poder.
PRÁTICA | Tocar
Já outras pessoas são “descoladas”, mais despojadas de al-
guns sentimentos e mergulham de cabeça na experiência extrain-
do dela o melhor possível.
O centro de tudo é nossa cabeça, mente, consciência e
como ela se encontra em determinado momento.
Na improvisação, existe o fator do imediato. Tudo aparece
de repente e, por mais que você ensaie e até mesmo presuma o
que vai acontecer, pode ser que na hora tudo vá para outro lado.
E aí? O que vai fazer? Você está no mundo da improvisação, na
verdade o mundo requer improvisação a todo momento.
Se o medo trava, existe uma coisa que faz esse medo perder
espaço ou nem mesmo existir: é a motivação.
Motivação
A motivação dá coragem, intrepidez, ousadia e energia. O
medo faz perder o foco, objetivo e movimento, já a motivação faz
permanecer focado, determinado e em constante movimento,
ela gera uma energia vital e por vezes surpreendente.
Você pode estar motivado por diversos fatores como pela
arte, música, som, timbre, público, pelo dia, por alguém ou
simplesmente por vencer aquela situação, mas é importante que
esteja.
Motivação é o combustível que faz tudo se mover, é energia
pura, e demonstra que somos mais capazes do que pensamos ser.
Não deve ser confundida com euforia, pois a euforia queima
combustível muito rápido e precisa sempre de novas doses, já a
motivação não, porque ela se desdobra de um sonho, objetivo,
inspiração ou força cósmica que te impulsiona e realimenta seu
estado de perseverança, disciplina e paciência.
A motivação desbloqueia a mente e cria inúmeras conexões
da criatividade. Nesse caso, estamos falando naturalmente que
ela é uma força poderosa na improvisação.
PRÁTICA | Tocar
Processo criativo
Todos os assuntos anteriores deste capítulo cercam o pro-
cesso criativo, e muitos outros são filtrados em suas influências
até que algo se torne o som escolhido. Isso é impressionante,
pois o processo nasce de mínimos detalhes o tempo todo e
emerge em frações de segundos para sempre como um som no
ar para todos que ouvem.
Nosso processo criativo se vale de tudo para transformar
ideias em músicas. São inúmeras vias enviando mensagens
constantemente a nossa parte criativa do cérebro e este filtran-
do e enviando impulsos como ordens diretas ao nosso mecanis-
mo técnico. Vejamos algumas dessas vias.
1. Via artística, conhecimento e percepção musical
São usados os diversos conhecimentos aprendidos, de
forma filtrada ou não, parte do que é melhor e está mais bem
preparado, mas também fragmentos do que foi aprendido,
construindo instantaneamente um processo que não se sabe ao
certo aonde vai chegar.
Nesse momento a emoção se mistura com a razão, ou até
mesmo as duas lutam entre si tentando estabelecer território.
A razão busca organizar, fazer o que sabe e o que é ordeiro.
É parecido com o processo tonal, em que existe o planejamento,
a arquitetura e a projeção de algo construído.
A emoção busca extravasar, desaguar, abrir as comportas,
como uma represa ou vulcão em erupção. Usa sinceridade, não
se importa muito com o resultado, mas em fazer aquilo surgir e
ganhar vida. Parecido com o processo modal, em que a percepção
é mais espacial e a energia é a força que prevalece.
Tudo se traduz na escolha das notas, divisões, escalas
determinadas, sons, arpejos, ritmos e diálogos com outros
instrumentos.
Motivos rítmicos são criados o tempo todo, vindos não
apenas da bateria, mas de outros instrumentos, até mesmo
melódicos.
A harmonia também influencia notas-alvo e melodias
deslocadas do acorde principal.
2. Via social
Aqui existe a influência do mundo exterior na improvisação.
Vários tipos e linhas de motivação ativadas que, apesar de
filtradas, podem afetar positiva ou negativamente o resultado
final de cada momento.
Caminhos da Improvisação | 351
Relação com o público e projeções artísticas, profissionais,
didáticas, espirituais e fraternas afetam a escolha musical e o tipo
de emoção ou pensamentos simultâneos aos da improvisação.
Podem inspirar ou desconcentrar, e todos os músicos vivem essa
realidade.
3. Via psicológica
Talvez aqui seja o mundo mais complexo e indivisível para
o artista. No caso da improvisação, existe a relação direta com o
Eu, que influencia constantemente a decisão de cada nota, escala,
motivo, frase e toda a história a ser contada sempre.
Relação consigo mesmo, emoções, intelecto, memórias,
aspirações, relação atemporal em que o passado, presente e
futuro se misturam.
PRÁTICA | Tocar
Assim podemos entender que o processo criativo é algo
muito complexo e depende de inúmeras vias que desaguam no
momento da decisão de cada nota.
Dessa forma, cada músico recebe uma enorme quantidade
de opções para o momento da escolha e eu espero que algum
dia seja possível decodificar tudo isso em imagens sobre como a
realidade virtual e neural se desdobra e se constrói no momento
de cada solo.
Certamente será uma descoberta que poderá explicar
explicitamente coisas que para nós ainda são muito obscuras.
Respiração
Um dos pontos mais importantes para o corpo humano na
improvisação é a respiração. Isso vale para todos os instrumentos
e não apenas para os de sopro. Assim como nadar e correr são
exercícios para o corpo, na improvisação a respiração é um crucial
exercício de ideias.
Respirar é uma ação rotineira e necessária em nossa vida,
e na música usamos as pausas para demonstrar isso. As pausas
são por demais importantes para que a mente recarregue pen-
samentos, pois o contrário disso seria a falta de fluxo sanguíneo
para o cérebro, afetando gradativamente a distribuição de ideias
e funções nos momentos da improvisação.
A criatividade lida o tempo todo com a chamada inspiração,
e é pelo ato de inspirar que damos ao cérebro a capacidade de re-
novar pensamentos, continuar organizando ideias e fazendo fluir
uma série de informações que ordenam todo o corpo.
Um carro precisa de um bom motor para andar bem, se de-
senvolver e alcançar seu melhor desempenho. Assim também a
respiração tem um profundo significado para o mundo artístico,
além do espiritual e físico.
Estamos disparando comandos constantemente, desen-
volvendo e organizando circuitos internos que muitas vezes não
entendemos, mas o fazemos de forma instintiva, assim expomos
nossa personalidade, anseios e temperamento na improvisação,
como também na fala.
Uma melhor consciência sobre os bons efeitos da respira-
ção para a improvisação pode nos fazer atingir níveis mais altos
na criatividade.
É como falar: se você inicia uma fala pausadamente, mas no
desenvolver dela você fica irritado, nervoso ou temeroso, auto-
maticamente a dinâmica se altera, mudando o efeito do discurso
que poderia ser bom, mas o sucesso fica comprometido por causa
do descontrole e falta da organização de ideias.
Por que isso acontece? Fatores externos e internos nos in-
Caminhos da Improvisação | 353
fluenciam o tempo todo, mas o ato da respiração tem um poder
miraculoso para tudo na vida, e na improvisação ela é vital.
Nossas ideias tendem a se desenvolver de maneira organi-
zada, desde que trabalhadas ordeiramente, e a forma de entra-
da e saída de ar possibilita esse desempenho. Se o ar que sai é
sempre maior do que o que entra, seria como imaginar um ca-
pital financeiro que diminui a cada mês porque a menor entra-
da de capital compromete o fluxo, fazendo com que a produção
diminua e o sistema tente se organizar. Nesta dinâmica contí-
nua, alguns empregados serão demitidos e o sistema entrará
em colapso, beirando a falência. O resultado é baixa produção,
e produção de menor qualidade até os níveis mais medíocres.
Esse processo acontece a cada novo ciclo, pois o fluxo sadio
de ideias depende de uma boa respiração, e às vezes essa respi-
ração precisará expressar o silêncio de algumas microfrações de
PRÁTICA | Tocar
segundos – quando a música é rápida –, e de frações de segundos
– quando a música é lenta ou quando não for necessário uma se-
quência de tantas notas.
Quando o fraseado é contínuo como no Choro, Frevo, Be-
bop, o estilo dita uma dinâmica contínua, veloz e de poucas pau-
sas, logo é necessário maior domínio técnico, pensamento rápido
e muito reflexo.
A respiração não sofrerá tanto se houver preparo mental
para desenvolver o raciocínio, embora a parte técnica deva estar
bem trabalhada antecipadamente, caso contrário o tempo de
resposta será lento e assim comprometerá que as ideias se encai-
xem no estilo.
De forma gradativa, se os andamentos são do médio para
menos, então existe mais tempo para o raciocínio. A tendência é
que as dinâmicas e divisões rítmicas sejam mais ricas sempre que
os andamentos forem menores, pois tudo ganha mais espaço,
não diminuindo a necessidade de melhor preparo, mas ganhando
tempo para o encaixe de ideias e fraseado.
Ao mesmo tempo, sabemos que não se pode optar sempre
pelos mesmos andamentos e ficar nessa dependência gerando
também uma espécie de muleta artística em que o tocar é por
conveniência e não por oportunidades.
O fator principal aqui é a ênfase na prática de uma melhor
respiração na execução, nos estudos, e assim levar isso para os
palcos com performances mais elevadas.
Não se pode confundir um longo fraseado ou uma
sequência rápida de fraseado com falta de oxigenação, de ideias,
criatividade ou ansiedade, pois a dinâmica de solo na mente de
cada solista é diferente e pode existir muita tranquilidade em
tudo isso, assim como nem todo fraseado mais lento ou pausado
manifesta tranquilidade e paz de espírito.
PRÁTICA | Tocar
do-se em ideias que se perdem ou se embolam umas nas outras,
afetando coisas básicas como harmonia e ritmo.
É preciso entender que a respiração não é apenas física,
mas também artística.
No mundo das artes, a moeda vigente são as ideias. Se você
as tem, consegue viver ou sobreviver; se não as tem, viverá nas
margens em suas muitas camadas.
Por essa razão, é preciso entender o seguinte processo:
Respiração > Corpo > Cérebro > Mente > Cérebro > Corpo >
Atividades
PRÁTICA | Tocar
Playbacks
O uso de playbacks para improvisação preencheu muitas la-
cunas no aprendizado prático para milhares de músicos em todo
o mundo, por ter trazido aos estudos individuais a simulação de
um acompanhamento harmônico e rítmico para o solista e aten-
der também aos músicos de base.
A prática dos playbacks ajuda principalmente a quem ainda
não está inserido no mercado e não tem um grupo de estudo.
Aqui no Brasil, nossa realidade varia muito, pois em algu-
mas cidades existe uma multiplicação natural de músicos para a
música instrumental, já em outras a difusão é bem menor e o mú-
sico é inserido prematuramente no mercado de trabalho popular,
onde, mesmo faltando vários requisitos, a oportunidade ofereci-
da não pode ser dispensada.
Em lugares onde a educação musical é mais assistida, é co-
mum existir mais de tudo, como bandas da prefeitura, de igreja,
militares, orquestras e big bands – grupos instrumentais se multi-
plicam rápido e assim ganham espaço nos palcos da cidade. Mas,
no estudo individual, ninguém costuma contar com uma base à
disposição para a prática que a improvisação requer. Os playbacks
ofereceram isso.
Nos anos 90 e até hoje, conhecemos o projeto do norte-
americano e educador Jamey Aebersold, que era a execução de
temas de Jazz com uma base verdadeira de grandes músicos no
estúdio.
Músicos dessa geração, como eu, que conheci esse material
em 1991 aos 14 anos, puderam experimentar o gosto antecipa-
do do que seria estar numa verdadeira banda um dia, com chorus
aberto e todos os instrumentos fazendo a cama para improvisa-
ção. Tínhamos a opção do L e R, que seria: de um lado da caixa de
som, ouvir apenas piano e baixo, e do outro ouvir baixo e bateria;
já ao centro ouvíamos piano, baixo e bateria.
Alguns �horus para cada música, e você podia repetir a
experiência quantas vezes fosse possível.
Aplicações gerais poderiam ser testadas, como o uso de
escalas, ritmos e melodias ao som de uma base profissional. Isso
para um músico ainda engatinhando na improvisação era uma
dádiva, seria como um jantar com os deuses.
Jamey Aebersold se preocupou em atender vários
segmentos, como Jazz, Blues, Latin, Bossa Nova, e ainda
homenagear grandes compositores. Usou algumas edições para
estudos mais aprofundados em sequências de II-V, como os
volumes 3 (intermediário) e 16 (avançado), e avançou também
para o Fusion, entre outros estilos.
Existe também a opção para instrumentos de tonalidades
Caminhos da Improvisação | 359
em C, Bb, e Eb.
Hoje com 133 volumes que tratam dos mais diversos
temas para improvisação, a série Jamey Aebersold Jazz é um
material essencial na biblioteca de qualquer músico voltado
para improvisação. Por um presente da Vida, eu tive a honra de
participar do volume 124, intitulado Brazilian Jazz, produzido pelo
pianista, arranjador, compositor (e hoje doutor pela Unicamp)
Renato Vasconcellos.
Recentemente, nos últimos 5 anos, surgiu, nas plataformas
digitais, o iRealb, hoje iReal Pro, uma evolução do famoso Band-
in-a-Box, no qual você pode criar, editar e deixar o playback ao
seu agrado. Andamentos podem ser alterados, assim como
tonalidades, volume de cada instrumento, estilos e a quantidade
de vezes para cada tema.
PRÁTICA | Tocar
Uma grande evolução, pela praticidade em poder usar
carregando consigo para qualquer lugar em seu próprio bolso.
Útil para palestras, workshops, estudos individuais e grupos.
Dicas:
Grupos de estudo
Várias bandas e músicos no país se destacaram com a práti-
ca de grupos de estudos. Desde duo a formações maiores, a união
social de amigos que compactuam com ideias e objetivos pare-
cidos na música tem gerado grande diferença. Em alguns casos,
essa cumplicidade levou à formação de bandas e, em casos indi-
viduais, houve grande lucro artístico com a prática.
A interatividade social é muito válida na prática musical,
mesmo hoje em dia quando as pessoas estão muito envolvidas
com redes sociais, seu mundo pessoal e individual. Desenvolvem
grupos a partir de si mesmas, e até orquestras já se formam com
Caminhos da Improvisação | 361
pessoas em vários lugares do mundo gravando vídeos isolada-
mente e assim se conectando.
Pensando no ao vivo, na música que se forma no tempo real
em um lugar específico, sempre podem ser praticadas várias op-
ções no estilo oficina, em que o objetivo final não é o show, mas a
produção de conhecimento e ideias musicais.
Nesse tipo de prática, pode-se avançar muito na percepção,
criação de ambientes e troca de energia interpessoal.
Dessas formas apresentadas e disponíveis, vemos um gran-
de leque de opções para o desenvolvimento de um solista na prá-
tica de tocar.
Individual, com playbacks ou grupos assim, as percepções
se desenvolvem criando uma mistura de valores que se agregam
ao conhecimento e ao poder da improvisação pessoal.
PRÁTICA | Tocar
A personalidade musical de cada um transparece em cada
situação. Assim são percebidas as qualidades e dificuldades. Acre-
dito que o músico deve fazer de cada experiência um momento
único de construção da sua arte, de modo que estando sozinho
ou acompanhado poderá conhecer seus valores e as lacunas que
podem ser mais bem trabalhadas.
Na prática musical da improvisação, seria bom que nenhu-
ma oportunidade fosse perdida e todas fossem muito bem per-
cebidas, pois é na percepção e autocrítica que se podem obter
melhores resultados de uma a outra oportunidade.
PRÁTICA | Tocar
Transcrever
Se existe uma escola que funciona em lugares que não têm
educação acadêmica de música popular, tal escola é a transcrição
de solos. Essa prática se tornou cada vez mais popular depois dos
belíssimos solos tocados pelos pais do Jazz.
Não se pode ignorar que a imitação pertence ao aprendizado
humano em áreas como falar, dançar, cantar e tocar. Ninguém
cria algo que já não esteja sendo feito de outra forma por alguém,
portanto o que fazemos pode ser a extensão de algo já feito e
assim podemos refazer ou construir algo novo com fragmentos
já existentes.
Imitar faz parte da cultura humana. É imitando que se pode
aprender algo para se comunicar em uma mesma linguagem e
de forma que todos sejam compreendidos. Isso faz parte das
linguagens pré-existentes e estabelecidas para a comunicação
social do homem. Porém a imitação tem o seu tempo de eficiência.
Para uma criança que fala, nos seus primeiros anos de vida
e até que se alfabetize, a imitação será uns dos instintos práticos
para sua sobrevivência. A transcrição de solos é tão importante e
vital para um estudante de improvisação, quanto a imitação o é
para uma criança que aprende as primeiras frases.
A experiência de tirar as mesmas notas e tocar o solo de
um músico que você tanto admira é de fato essencial para a
formação da linguagem na improvisação. Passar por cada nota,
uma por uma, pacientemente, trará experiências maravilhosas
ao músico que admira certo artista e sonha um dia fazer de
forma semelhante. De uma forma sensível, a tecnologia pode
Caminhos da Improvisação | 365
20
não ser tão benéfica quando se refere à transcrição de solos,
porque os recursos disponíveis para a diminuição do andamento,
e até a escrita virtual em programas de edição de partituras,
privam o ouvido e o cérebro de passar por momentos de grande
importância para a evolução do ouvido musical. É o caso de tocar
um solo ou uma frase na metade do seu andamento.
PRÁTICA | Transcrever
instintos para a percepção melódica, harmônica e rítmica. Que
bom que você ligeiramente pode ouvir todas as notas, mas a
deficiência se instala quando você depende de ouvir sempre de
forma lenta cada passagem, quando sabemos das riquezas e
diversidades de andamentos que cada frase pode ter, uma sempre
diferente da outra.
Mãos à obra
O que nos faz querer tocar o que ouvimos é porque gostamos
e nos identificamos com um solo. Basta escolher algo não muito
complicado e de preferência do andamento médio para lento, até
que se acostume com a velocidade das passagens melódicas. Os
músicos de instrumentos melódicos poderão ter mais facilidade
para essa prática, mas isso não é regra.
PRÁTICA | Transcrever
Com bastante paciência, você pode usar no início o seu
instrumento até que, depois de muito tempo, isso já não será tão
necessário dependendo da dificuldade do solo e do tanto que seu
ouvido evoluiu.
Como existem tipos de sons diversos, como tonais, modais
e sons que se misturam em pequenas passagens de tons ou
modos, o ouvido só perceberá as diferenças à medida que souber
analisar e distinguir o contexto harmônico dos solos.
Sequência tonal
Sequência modal
PRÁTICA | Transcrever
recortes de tons que, se tocados de forma rápida, vão enriquecer
o som proposto do acorde.
É bom começar a se aventurar em algo simples e mais
melódico, para entender os princípios usados de forma mais clara.
Há também a questão rítmica e a possibilidade do choque
de divisão escrita, que sugere uma execução quase semelhante:
PRÁTICA | Transcrever
Sax&Metais, sendo revisado e reeditado para este livro.
PRÁTICA | Transcrever
Caminhos da Improvisação | 375
PRÁTICA | Transcrever
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PRÁTICA | Transcrever
Caminhos da Improvisação | 379
PRÁTICA | Transcrever
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PRÁTICA | Transcrever
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PRÁTICA | Transcrever
Caminhos da Improvisação | 385
PRÁTICA | Transcrever
5
Caminhos da Improvisação | 387
PERCEPÇÃO
Sinestesia
Sinestesia é um fenômeno neurológico que consiste na
produção de duas sensações de natureza diferente por um
único estímulo.
PERCEPÇÃO | Sinestesia
Já no mundo da improvisação, tudo é quase que instantâneo
e exige muito reflexo a cada segundo. Dessa forma, tudo que se
quer fazer deve estar muito bem praticado, para criar ideias e
situações, sendo que a parte mecânica deve estar pronta.
Para entender melhor como o conhecimento do mundo
sinestésico pode ajudar na improvisação, é preciso frisar que as
sensações de cada um são subjetivas e não exatas, pois não é
uma ciência calculada, mas apenas associações dos sentidos com
o mundo musical.
1. horizontal – melodia;
2. vertical – harmonia;
3. movimento e velocidades – ritmo;
4. estética do som – timbres.
O conhecimento dos sons fará toda diferença nesse
processo que manipula cada intervalo, arpejo, acorde, escala,
extensão, timbre, tudo no intuito de gerar maior diversidade na
improvisação. O processo se desenvolve em cada expectador,
realçando qualidades e criando contextos subjetivos para cada
ouvinte.
Os contextos envolvem os cinco sentidos em associações
diversas e ainda despertam inúmeras emoções e pensamentos.
Tudo dos cinco sentidos pode ser associado e interpretado
pelos sons e ritmos, cabendo a cada músico pesquisar a natureza
de cada escala, intervalo, acorde e demais mecanismos. É neces-
sário também o uso das ferramentas de linguagem, abordadas
anteriormente, como apogiatura, mordentes, glissando, stacca-
Caminhos da Improvisação | 393
to, trinados, grupetos, frullatos e outros recursos de expressão.
Outro fator importante é a cultura de cada um, pois os
gostos, costumes e percepções variam muito de uma cultura para
outra ou mesmo de uma geração para outra.
Primeiro passo é perceber as diferenças entre um som e
outro.
Existe uma sequência enorme de antônimos para cada
sentimento, e talvez para cada percepção dos nossos sentidos.
É comum imaginarmos que o bemol tende para baixo, o
sustenido para cima e o bequadro equilibra os dois polos. Por
esse parâmetro, podemos usar vários tipos de comparações que
partem desde intervalos a escalas e acordes.
PERCEPÇÃO | Sinestesia
Intervalos
Nos intervalos, a ordem do som mais escuro ao claro, do
fechado ao aberto, ou do triste ao alegre, pode ser trabalhada
partindo de diminuto, menor, maior e aumentado.
Então, mesmo que não se tenha a precisão, ainda assim
a diferença entre dois ou mais sons pode ser o parâmetro de
escolha para uma melhor interpretação de sentido de frase.
Desde conceitos básicos como terça menor para triste e
terça maior para alegre, assim podem ser trabalhados os sons.
A seguir, uma série de sugestões para combinação de sons
e suas sinestesias, não de forma determinante, mas sugestiva e
expansiva, pois a criatividade de cada um poderá dizer sempre
melhor do que as teorias estabelecidas.
1. Visão
Do som mais fechado ou escuro ao mais aberto e claro,
observem a evolução de bemóis para sustenidos.
Modos
Lócrio, Frígio, Eólio, Dórico, Mixolídio, Jônio, Lídio, Lídio
#5, Lídio #9, Superlídio, Enigmática aumentada.
PERCEPÇÃO | Sinestesia
Ordem final por graus: 7, 2, 4, 1, 5, 3, 6.
Formas
É possível trabalhar algumas formas geométricas e desen-
volver melodias, harmonias e estruturas mais complexas.
Podem ser trabalhadas tanto formas exatas como não
exatas.
Usando a matemática e dividindo a escala em partes iguais,
logo surgem pelo menos 5 possibilidades.
Com dominantes:
Caminhos da Improvisação | 397
5. Em doze partes de segunda menor:
PERCEPÇÃO | Sinestesia
Tamanhos
PERCEPÇÃO | Sinestesia
bola de basquete com curto ou longo espaço. Observe a diferença
visual a partir dos dois exemplos abaixo:
Cores
Profundidade
Tom sobre tom, acorde sobre acorde. A profundidade
Caminhos da Improvisação | 401
precisa da ideia de distância e planos diferenciados ou camadas.
PERCEPÇÃO | Sinestesia
camadas:
2. Tato
No tato a sinestesia pode ser desenvolvida por outros meios
como as ferramentas de expressão.
Quente e Frio
A sensação de quente tem a ver com ganho de energia; e a
de frio com perda de energia. A temperatura é o grau de agitação
das moléculas, então, em um corpo quente, a movimentação é
maior que em um corpo frio, com menos energia.
Se partirmos por esse ponto, será possível entender que
um fraseado mais rápido como o Bebop ou Frevo seria quente, ao
passo que um fraseado mais espaçado, com mais pausas e bem
menos notas seria mais frio.
O único problema quanto a isso é a confusão que se faz
quanto a achar que o quente carrega emoção, e o frio não.
Até mesmo isso é um importante conceito na improvisação,
que, se entendido de forma mais ampla, pode trazer melhores
benefícios ao ensino acadêmico e popular.
Existem tabus para muitas e poucas notas, comparando
com tocar ou não com o coração.
Quente Frio
Subgrave, grave, médio Médio, agudo, superagudo
Movimento médio/rápido Movimento médio/lento
Poucas dinâmicas e
Várias dinâmicas e expressões
expressões
PERCEPÇÃO | Sinestesia
Intervalos com menor
Intervalos com maior distância
distância
Rígido e Flácido
Na evolução de acentuações, existe diferença de percepção
para objetos mais rígidos ou flácidos.
Líquido
Usaremos a água como exemplo de líquido. Ela se apresenta
de várias formas, na calmaria de um rio, na agitação do mar, nas
ondas da praia, na chuva ou mesmo dentro de um simples copo.
Usaremos a ligadura como ponto de partida, sons diatônicos
(se cristalina) e algumas escalas subindo e descendo mostrariam
Caminhos da Improvisação | 405
um bom fluxo, mas também é importante o contexto em que a
água se apresenta: se chovendo, ainda pode ser analisado em
qual contexto a chuva se apresenta – se como calmaria de uma
tarde, ou uma chuva torrencial que destrói casas ou uma cidade.
O importante é que, para cada contexto, será importante
um tipo de escala, articulação e extensão escolhida.
Ameaças com enchentes, chuvas fortes ou um mar agitado
são bem representadas por tensões, acordes dominantes e
intervalos mais dissonantes.
Já o som de águas tranquilas pode ser bem representado por
sons de repouso, acordes menores ou maiores, sons diatônicos e
intervalos justos, maiores e menores.
PERCEPÇÃO | Sinestesia
Há muita inspiração musical relacionada às águas. Inúmeras
composições tanto na música clássica quanto na música popular
em todo o mundo, e a constante influência do som do mar e
da relação do ser humano com a matéria que permeia 70% do
nosso corpo. Temos uma intimidade com a água que nos permite
facilmente compor, escrever, desenhar e improvisar livremente
sob diversas formas em que a matéria líquida H2O se apresenta
a nós.
Pontiagudo
Nosso contato com materiais pontiagudos sempre lembra o
perigo e a cautela, por isso traduzir isso musicalmente dificilmente
nos leva a ligaduras ou acordes sem dissonância. Acentos,
staccatos, martelado, efeitos mais cortantes como notas agudas
e timbres mais estridentes traduzem melhor a relação.
3. Paladar
Muitas expressões estão no inconsciente coletivo, assim
como os gostos e sabores relacionados ao som. Popularmente
na música usa-se doce para algo gostoso ou singelo, e salgado
para algo que beira o dissabor, como acordes com muita tensão
ou re-harmonizações com muitos acordes e vários centros tonais.
Já o amargo traz uma percepção ligada ao ruim de engolir, muito
embora o efeito melhor do amargo seja para o estômago, e não
inicialmente para o paladar. O azedo é divergente, pois nem todos
têm um paladar receptivo ao azedo. Hoje em dia, com muitos já
controlando os níveis de açúcar no sangue, também diminuíram
bastante o contato com alimentos muito doces. Como traduzir
essas relações para o som e a improvisação?
Doce
• Sons mais suaves;
• acordes do tipo Cdim, CØ, Cm7, C9y , Cmaj7, C7, Csus;
• escalas: Dórico, Eólio, Dominante, Pentatônica;
Caminhos da Improvisação | 407
• melodias diatônicas;
• ligaduras, intervalos justos, menores e maiores.
Salgado
• Sons mais abertos, claros;
• acordes do tipo C7(#11), C7(≤9), C∆(#11), C∆(#5),
Cm∆, Ctons, C7(#9)13;
• escalas: Maiores, Menor Melódica e Harmônica, Tons,
Diminuta;
• melodias com mais alterações e dissonantes;
• ligaduras, staccatos, mordentes, apogiaturas.
PERCEPÇÃO | Sinestesia
Amargo
• Sons abertos, mais ásperos, profundidade e realçando
outros sons;
• acordes do tipo CØ9, Cm∆, C7alt, sobreposição de
acordes;
• escalas: Maiores, Menor Melódica e Harmônica, Tons;
• cromatismo e dissonâncias;
• timbres mais ásperos, escuros;
• ligaduras, staccatos, mordentes, apogiaturas, efeitos
exóticos de cada instrumento.
Azedo
• Sons abertos, ásperos, exóticos;
• acordes do tipo C∆(#9), C/D≤, C/E≤, Cm/E, C/F#;
• escalas: Menor Melódica, Diminuta, Árabe, Purvi,
Marwa, Todi;
• maior diversidade rítmica, polirritmias, timbres mais
agudos, estridentes;
• ligaduras, staccatos, mordentes, apogiaturas, efeitos
exóticos de cada instrumento.
4. Olfato
Nosso olfato é pouco desenvolvido em relação aos animais,
cerca de 5 vezes menor em células sensoriais, ainda não sendo
possível distinguir, por exemplo, 3 fragrâncias ao mesmo tempo
e a percepção sendo unilateral, distinguindo apenas um tipo de
cada vez. A capacidade de adaptação é rápida, e o olfato se une
muito ao paladar na percepção receptiva.
Algumas pessoas conseguem quase sentir o sabor de
alimentos e líquidos pelo cheiro. Esse é um belo exemplo de
sinestesia comum para o olfato.
Fragrâncias, no caso dos perfumes, existem em seis tipos
básicos (florais, cítricas, herbais, especiadas, adocicadas e
amadeiradas), cada um com suas variedades.
Odores primários são constituídos por cânfora, almíscar,
floral, mentol, éter, acre e pútrido, cada um com suas variedades.
Codificando o olfato para improvisação, temos dois lados
práticos: fragrâncias e odores.
De forma simples, entendemos fragrâncias pelo que
gostamos em vários níveis, e entendemos odores pelo que
rejeitamos em vários níveis também.
Caminhos da Improvisação | 409
Aromas e coisas podres em resumo
Musicalmente e de forma sinestésica, poderíamos entender
as diferenças pelo que é bem-vindo ou facilmente rejeitado
conforme a qualidade. Não obstante, talvez hoje os níveis de
escolha tenham se multiplicado muito, e aquilo que, há algumas
décadas, seria rejeitado pela falta de qualidade, hoje pode ter
amplo espaço e aceitação.
Música de qualidade pode ser rejeitada ou tratada de forma
indiferente, quando tipos de música sem muitos elementos
e feitos de forma irresponsável podem ser ovacionados por
multidões.
Fica mais fácil entender os tipos de fragrâncias pelos estilos,
timbres e sofisticação do fraseado.
PERCEPÇÃO | Sinestesia
Existe uma experiência comum a quem pouco conhece
de perfumes: é que depois de experimentar uns 5 ou 7 tipos, a
referência se torna um pouco confusa, e isso não é diferente com
quem ouve pouco ou tem um ouvido menos apurado.
Traduzir a experiência das fragrâncias e odores na
improvisação poderia ser resumido no tipo de criatividade
organizada e desorganizada em todos seus níveis, ou aquilo que
causa bem-estar e mal-estar.
Tecnicamente, belas melodias, com alto nível ou não
de complexidade, trazem o tipo de fragrâncias, já o que
é feito desorganizado, desafinado, fora do ritmo e outras
desqualificações, traz à tona o mesmo sentido dos odores que
automaticamente fazem emergir a rejeição de quem percebe.
O cheiro de um cadáver mostra ausência de vida, vida dis-
tante, onde toda beleza e qualidades estão desativadas. Assim
também é possível perceber musicalmente o odor de uma com-
posição ou improvisação, quando tudo pode causar repulsa e
desinteresse, ausência de qualidade, de bem-estar, de bons mo-
mentos e de apreciação voluntária.
Os urubus e abutres sobrevivem desse odor e ausência de
vida, fazem a limpeza da carnificina e, por incrível que pareça,
eles não se sentem atraídos ou não se ajuntam onde existe vida
ativa.
Por isso existe uma cadeia alimentar também no meio mu-
sical, onde tudo é apreciado ou consumido, tanto de fragrâncias
quanto de odores.
5. Audição
A sinestesia auditiva não deve ser esperada apenas dos
sons musicais ou ordenados, mas também de tudo que ouvimos,
conhecemos e nominamos. As palavras naturalmente são
interpretadas e traduzidas em composições vindas de letras,
poemas, poesias em canções.
Traduzimos pensamentos que ouvimos internamente em
sons musicais e também os sons da natureza, como o canto dos
pássaros, o barulho das águas, os ruídos da floresta e outros
efeitos e ruídos do cotidiano.
Em A Love Supreme, de John Coltrane, no quarto movimen-
to intitulado Psalm, o autor escreve uma oração que foi traduzida
em melodias e profundo clima de devoção.
Então, pelo que ouvimos externamente e internamente,
assim é possível traduzir em música, composição e improvisação.
Hermeto Pascoal deixou um material muito interessante
que ele chama de Aura, no CD Festa dos Deuses. Ele usa um dis-
curso, um poema e uma instrução de natação, musicando em três
Caminhos da Improvisação | 411
faixas diferentes com melodias, harmonias e ritmos distintos.
Isso mostra que a criatividade realmente precisa de asas e deve
ser motivada sem limites.
Na prática da improvisação, é possível constantemente
ouvir os sons que nos motivam nos momentos que antecedem
cada fraseado.
Por vezes, não é exatamente um som, mas um impulso que
podemos levar para o som da improvisação. Isso é inspiração e
percepção à flor da pele.
Os sons que se movem em nossos ouvidos podem ficar
dias e meses lá, querendo dizer algo, não em um tom ou altura
específica, mas se movem em escalas, intervalos, exercícios
e melodias que podem e devem ser percebidos, estudados e
PERCEPÇÃO | Sinestesia
aproveitados.
Como na música a linguagem é sonora, a tradução
sinestésica é mais própria ao sons musicais. Usamos a ideia de
volume traduzido por dinâmicas, e tessituras traduzidas pela
extensão de cada instrumento.
Conceitos:
Dicas de leitura:
Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro, do
professor de Neurologia Clínica Oliver Sacks, publicado em 2007.
O Jazz da física: a ligação secreta entre a música e a estrutura
do universo, de Stephon Alexander, 2016.
Caminhos da Improvisação | 413
PERCEPÇÃO | Sinestesia
Social
Improvisar é como correr de olhos fechados
tentando pegar o rabo de um gato preto no escuro.
Experiências
Ao longo do tempo adquirimos inúmeras experiências
com o mundo da improvisação, criando relacionamentos que se
desenvolverão continuamente em diferentes escalas de evolução,
nas três linhas seguintes:
1. música;
2. público;
3. nós.
22
visação, é possível perceber que os notáveis músicos são insatis-
feitos e insaciáveis, e é isso que os faz alcançar novos degraus.
De forma alegórica, existe uma busca constante onde
milhões de músicos correm em direção ao tesouro. Os maiores
conseguem apenas moedas desse tesouro, então mais e
mais continuam essa busca sem parar por anos e anos, assim
algumas moedas vão sendo passadas de geração para geração.
Cada grande nome descobre uma parte desse tesouro, moedas
PERCEPÇÃO | Social
diferentes e com novidades que a cada descoberta ajudam a
melhorar as novas buscas.
Todos estão correndo, alguns conseguem algo, mas os que
não conseguem encontrar aprendem com os que encontraram
e assim continuam buscando sempre mais, ainda que seja
ensinando outros a buscar.
Alguns chegaram mais longe, mas ninguém de fato
descobriu a origem, a fonte ou o destino final. Muitos acreditam
ter chegado mais próximo.
Parece um jogo de gato e rato, porque, ao conseguir uma
trilha que parece levar ao pleno saber, o tesouro final muda de
lugar, na hipótese de ter sido apenas imaginado.
Esse é o tipo de experiência que muitos têm com a música e
a arte da improvisação. Já alguns outros se encontram espiritual,
filosófica ou mentalmente no meio dessa procura, e assim passam
a ensinar parte do caminho que aprenderam.
Essa relação de conhecimento e experiência se desdobra
a cada novo momento, podendo existir frustração, desânimo,
angústia, desprazer, desilusões e aparentes derrotas, mas
uma visão negativa só continua se assim for desejada ou
supervalorizada.
PERCEPÇÃO | Social
Cada músico, por melhor e mais preparado que possa
parecer, terá apenas parte do todo, na verdade uma infinitésima
parte, e, com o passar do tempo, esse todo se revelará sempre
maior, fazendo com que todos aprendam o seu verdadeiro
lugar e papel na música, para que não se percam na busca, mas
encontrem sua utilidade no universo, na vida e na arte.
Alguns sentimentos não escolhem endereços e nem
pessoas, eles simplesmente estão por aí como um tipo de energia.
A frustração, por exemplo, encontra o músico de igreja, o músico
que virou bancário, como também encontra o músico que foi
premiado ontem, e o músico que volta de uma turnê mundial.
Assim como outras alegrias, tristezas e desventuras permeiam
a nossa espécie inconformada, apenas porque parece carregar
consigo o desejo pela eternidade e pela infinitude.
Assim nossas experiências musicais se entrelaçam com
nossa personalidade, e nos revelam a nós e ao mundo.
Você jamais tocará igual, em nenhuma oportunidade,
ainda que seja a mesma passagem, as mesmas notas e os
mesmos músicos. Sempre será diferente, e na improvisação você
comprovará isso todos os dias.
Assim como na vida, nós temos hábitos que cultivamos
e levamos para a música e para a arte da improvisação, como,
por exemplo, a repetição de frases, de ideias ou a busca pela
não repetição. Do mesmo modo, a nossa personalidade vai
se agarrando a nossa visão de mundo, e é por isso que na
improvisação de alguma forma estamos sempre falando o que
somos.
Alguns almejam desbravar, outros almejam o sossego.
Os que almejam desbravar são mais inconformados,
inquietos e possuem uma energia surpreendente, são
desapegados e estão sempre buscando não se repetir. Preferem
enfrentar os medos e assim descobrir o que existe do outro lado
da cortina. Estão sempre observando as tendências e prontos
para novas experiências. Por vezes não são muito bem entendidos
e preferem manifestar sua música de forma mais libertária,
desfazendo-se de padrões e buscando sempre o desconhecido,
por entenderem que não podem simplesmente parar. Entendem
o mundo como um processo de mudança constante, onde tudo
está em movimento.
Já os que almejam o sossego, são mais conformados,
pacientes, introspectivos, costumam gastar muito mais energia
mental, raciocinam mais, são mais razoáveis, apegando-se
mais ao que funciona, fórmulas e padrões. Evitam o combate e
planejam mais para obter resultados. Valorizam a quietude da
vida e das coisas, a calmaria, apegam-se mais às raízes e assim
formam seu oásis particular. Normalmente gostam e se apegam
mais ao que pode ser explicado, por isso produzem buscando a
clareza de ideias. Preferem manifestar sua música de forma mais
sutil e dizer o muito no pouco. O desconhecido sempre será bem
Caminhos da Improvisação | 419
analisado antes de ser aceito, normalmente a aceitação é lenta
e com ressalvas, dadas as inúmeras variantes que surgem. Sua
atividade é sempre baseada em alguma referência e normalmente
se apegam mais às referências, fazendo-as refletir em sua música.
PERCEPÇÃO | Social
Na música e na improvisação, muitos se agarram em
algum determinado estilo e uma forma específica de execução,
como também é comum buscar a história para seguir a
história, mas existem muitos músicos que se adaptam tão bem
a um determinado estilo de tocar que passam a preservá-lo,
desempenhando assim sua forma de improvisar sempre ligada
ao estilo que melhor se assemelha.
Em outros casos, alguns músicos aprendem a história, mas
buscando serem diferentes e até mesmo construir sua própria
história e personalidade.
Existem muitos conflitos ideológicos quanto a isso,
preconceitos e rixas em torno desse tema, mas a ideia aqui não
é levantar a bandeira de qualquer linha, mas somente acenar as
possibilidades existentes, pois música é uma escolha, e os estilos
e formas são imagens que escolhemos para assim projetar. Essas
escolhas têm muita relação com a nossa personalidade e objetivo,
podendo haver dificuldades de adaptação entre estilos e objetivo,
quando a sua personalidade está muito enraizada em um tipo de
pensamento, hábito ou cultura.
Essa relação contínua com os sons, com o público e com
nossa personalidade pode ser muito importante, se percebida
de forma crítica, ativa e não passiva. Porque inúmeros eventos
neurais se desdobram em nossa mente durante todo o processo
criativo, trazendo-nos percepções que influenciam nossa forma
de agir e como escolhemos cada nota.
No mundo criativo, tudo e nada coexistem. A inspiração
detecta uma centelha de energia, não sei o nível subatômico em
que isso se desdobra, mas uma explosão de energia desdobra
bilhões de eventos em nosso corpo e mente, trazendo consigo
todo um quadro de possibilidades a cada segundo.
Assim unimos essa centelha a três percepções do momento:
o som musical, o ambiente num todo e o que somos a cada novo
segundo. Bum!
Criamos uma experiência e um processo criativo que pode
ou não se tornar algo. Pode ser também trabalhado por meses,
como é o caso de uma composição, mas, no caso da improvisação,
é exatamente isso que ocorre a cada momento.
Em nós:
• memórias emocionais;
• estado mental do momento;
• saúde do corpo;
PERCEPÇÃO | Social
• expectativas: felicidade, realização, objetivos diversos;
• visões paralelas adotadas: mental, espiritual, social.
Comunicação
Um dos efeitos mais especiais que a improvisação carrega
consigo é a capacidade de se comunicar com o público, com a
natureza ou com você mesmo.
Um solo tem o poder de mover um ambiente dependendo
da forma como é gerenciado. Existe impacto físico e mental
em cada solo, sendo o impacto físico na capacidade de fazer as
pessoas se moverem desde aplaudir, dançar ou mesmo chorar.
Causa alegria, memórias e pode fazer com que haja reações das
mais diversas em uma plateia, que pode ser pequena ou grande,
de pessoas simples ou de intelectuais, pobres ou ricos, sem
distinção, porque o poder manipulável é o som, com inúmeras
combinações e eventos de massa sonora, velocidade e impacto
auditivo para o público presente.
Pode haver centenas de reações positivas e negativas.
Gera e conecta a mente de quem ouve a inúmeros pensamentos
e sentimentos. O impacto mental leva cada ouvido a um tipo de
dimensão diferente, movendo-se livremente no tempo-espaço,
passando por épocas diferentes, anos vividos e presentes na
memória ou ainda por situações não vividas, chamados déjà-vu
ou previsões futurísticas, sonhos se movem estando o ouvinte
acordado e ainda todos podem ir a lugares totalmente diferentes.
O som é o veículo que move a consciência para tempos e
locais diversos, gerando experiências incontáveis, as quais muitos
não conseguem sequer expressar em palavras.
Cada experiência pode estar num campo de percepção
individual e a ciência ainda tem muito o que explicar sobre os
efeitos, processo e realidades que se criam de distintas formas
em cada mente.
A conexão do som com o ouvido, nos dias de hoje,
poderia ser mais explorada por canais de comunicação, pois as
experiências no cérebro são tão ricas quanto no campo da visão,
sendo que, no campo visual, existe mais atenção, investimento
e consequentemente retorno de mercado, fazendo com que o
visual ganhe mais atenção do público.
Quem já mostrou uma música em uma roda de amigos
certamente já passou pela frustração de ouvir conversas
cruzadas, comentários desnecessários e a completa desatenção
de uma ou mais pessoas, causando com isso uma desmotivação
e consequente descaso pelo som mostrado em menos de 60
segundos.
Isso faz parte de uma cultura em que ouvir não é uma
Caminhos da Improvisação | 423
escola. As pessoas são educadas a ver, mas não a ouvir, e isso cria
a distância necessária para a tamanha aceitação das disparidades
entre o visual príncipe e o áudio sapo.
Visual príncipe é qualquer imagem que prende as pessoas
pela apelação de qualquer natureza, seja boa ou ruim. Já o áudio
sapo é qualquer tipo de som com o menor potencial possível
de conteúdo musical, em que o objetivo é fazer com que o som
ouvido não importe, desde que cause reações de euforia e bem-
estar no corpo. Isso se resume tecnicamente a dois ou quatro
acordes, levada contendo de dois a quatro compassos e melodia
diatônica, em sua maioria com uma ou duas frases chamadas
chicletes, ou de fácil assimilação, executada diversas vezes. As
definições podem ser infinitas e esse tipo de produção move
massas de pessoas. Por outro lado, se a prática de ouvir fosse
PERCEPÇÃO | Social
mais difundida, as pessoas teriam experiências mais profundas
do que no campo visual.
O visual emite detalhes mais fáceis de serem percebidos,
porque somos educados a distinguir cores, números, formatos,
pessoas, lugares e objetos desde a infância, mas qual a
porcentagem de pessoas ensinadas desde a infância a distinguir
escalas, intervalos, divisões, compassos, ritmos, harmonias e
outros tantos elementos musicais e sonoros?
Por isso a comunicação musical se torna tão difícil em
qualquer cultura na qual a educação auditiva não é amplamente
difundida.
Ouvir também é uma verdadeira arte. Porque, em terreno
fértil, a prática de ouvir cria conexões da criatividade e desenvol-
ve tipos de inteligência que são pouco explorados. Aguça a per-
cepção, promove uma reorganização de células no cérebro, que
desencadeia novos processos mentais.
O poder então da improvisação é mais percebido resumida-
mente em quem se deixa ser levado pelo som, pois não sabemos
exatamente o alcance do som em nosso consciente, subconscien-
te e inconsciente.
A comunicação pode ser visual e auditiva, mas se alguém
ouvir uma improvisação que gerou determinado efeito quando
visão e audição estavam juntos, poderá ter uma diminuição
considerável dos efeitos se apenas ouvir.
Algumas pessoas se prendem ao visual, porém, quando
vão escutar algo sem imagens, não conseguem se prender tanto
aos detalhes, uma vez que a outra parte, que é o visual, não está
ativada. Desta forma, tornam-se impacientes para as conclusões
daquele momento.
PERCEPÇÃO | Social
compreender o seu som e apenas não gostar.
Eficácia e eficiência
Um solo pode sair tecnicamente perfeito e ainda te deixar
insatisfeito, como pode conter erros e te deixar feliz. Isso
acontece, porque a técnica usada é apenas parte do processo em
que o objetivo sempre será maior. A mensagem tem a ver com
isso, pois a escrita pode estar certa, mas não ser entendida da
forma que você queria.
Um grande amigo sempre me disse que comunicação não é
o que você diz, é o que o outro entende.
Execução, combinação dos sons com o grupo e aspirações
pessoais são camadas que se entrelaçam em cada solo, em que
cada uma, em algum momento, ganha mais atenção e é com
PERCEPÇÃO | Social
isso que precisamos aprender a lidar, pois, no final de tudo, o que
importa é se o objetivo foi alcançado.
Assim a eficiência musical cuida de saber fazer as coisas, ao
passo que a eficácia cuida de alcançar o objetivo.
Então, para alcançar o objetivo, um tipo de pensamento ou
sentimento é muito importante nesse processo: a sinceridade.
Sinceridade
Sem a sinceridade consigo mesmo, não é possível
você chegar aonde gostaria e não há satisfação naquilo que foi
proposto, uma vez que você pode fazer muitas coisas e ainda não
conseguir o que de fato queria em seu objetivo.
Esse é o fator que divide opiniões e interesses, pois alguns
músicos buscam de fato resultados instantâneos e outros buscam
resultados a longo prazo. Alguns buscam o resultado comercial, e
outros buscam resultados artísticos.
Sobre isso existem conflitos violentos que dividem,
segregam e causam inúmeros transtornos sociais, quando na
verdade devia ser observado se tal músico está fazendo apenas
o que gostaria mesmo, se está usando sua sinceridade. Se existe
sinceridade, existe público para isso.
Existem preconceitos com qualquer coisa no meio musical,
por ser um mundo que lida muito com aceitação e rejeição do que
se faz. Assim a vaidade fica sempre à flor da pele.
Na improvisação, o caráter de um solo passa muito por
esses filtros, nos quais o artista às vezes só quer ser aceito, talvez
por uma carência social, ou mesmo tenha medo de ser rejeitado.
Outros artistas não sentem essa necessidade, mas se preocupam
mais com a mensagem transmitida.
Esse é um divisor de águas para todo artista, quando
você escolhe que tipo de comunicador será, como sua arte será
mostrada: se de forma apelativa ou contemplativa, se busca
aceitação ou se busca apenas o envio da mensagem; se usa a
música como meio de autoconhecimento ou de alcançar a fama,
se busca agradar ou semear mensagens.
São questões que, em algum momento, virão à tona e
na verdade trarão sua personalidade ao encontro da sua arte,
proporcionando um casamento entre o que você é e o que a arte é.
Sucesso e fama
Você pode alcançar o que se propôs a fazer: isso é sucesso.
Pode ter sucesso em um estudo de meia hora, em uma gravação e
em toda sua carreira, conquistando prêmios, viajando, gravando
e produzindo. Se isso for o seu objetivo, você conquistou e obteve
sucesso.
Já a fama não depende tanto de você, mas do que os outros
dizem ou como te projetam. Essa fama pode ser positiva ou
negativa. O glamour que existe nos palcos, teatros e nas luzes
de um espetáculo pode te trazer fama, mas sem que você tenha
obtido sucesso no que se propôs a fazer, como seu sucesso pessoal
pode nunca te trazer fama ou não ser a fama que você espera.
PERCEPÇÃO | Social
Na parte mais vaidosa de nosso ser, pode existir esse tipo de
conflito ou sentimento, afetando acentuadamente a forma como
a nossa música é exposta.
Reconhecimento
O caminho pelo reconhecimento é árduo, cheio de
obstáculos e a longo prazo. Deveríamos desconfiar de qualquer
curto resultado sobre o que fazemos, pois normalmente é como
comida de micro-ondas: esquenta rápido e rápido esfria, logo
caindo no esquecimento e descrédito.
Por isso os caminhos se dividem entre a busca pelos
rápidos resultados e a construção de resultados duradouros e
inquestionáveis.
Nessa busca, muitos negociaram sua arte e trocaram por
algumas moedas de fama instantânea.
Já o reconhecimento, quando não é um objetivo, mas
uma consequência, é gerado naturalmente com consistência e
durabilidade.
Alcançar o respeito da classe musical, do público e das
mídias é um caminho longo, porque depende de inúmeros
fatores extramusicais, como responsabilidade, compromisso,
competência e continuidade.
O mundo criativo é um caminho que pode fazer você se
surpreender com os resultados que sua arte pode produzir, isso
porque uma coisa é o que você faz, já os resultados de resposta
a você são inúmeros por vários meios, trazendo assim um
Caminhos da Improvisação | 431
sentimento de satisfação e realização.
Ouvir um solo seu passando na rádio, na TV, sendo tocado
por alguém, pessoas falando do seu trabalho, ou você sendo
convidado para algo porque viram seu trabalho em algum lugar,
é talvez o início desse processo de reconhecimento profissional
e artístico que pode depois resultar em premiações, convites
cada vez melhores e com isso aumentar consideravelmente sua
imagem e aceitação pública, social e musical.
Conceitos:
1. você é um comunicador por meio da improvisação;
2. busque dizer algo além das notas;
PERCEPÇÃO | Social
3. escolha um caminho para cada solo;
4. seja verdadeiro no seu solo;
5. acredite no que faz, pois só assim acreditarão em você;
6. planeje, mas deixe a inspiração fluir;
7. busque o sucesso no que faz;
8. fama pode ser passageira e até diária;
9. reconhecimento é o resultado duradouro de todo o seu
trabalho.
Auto-
conhecimento
"Nossa música desenha nossa alma."
23
é descortinado. Os nomes, técnicas e detalhes são entendidos
e reproduzidos. Vivemos uma fase muito fértil quanto ao
aprendizado e conhecimento.
Conquistamos o mundo, com turnês, shows e popularidade,
porém, uma porta também está aberta para que esse processo
seja ainda mais profundo externamente: é a porta de conquista
do nosso mundo interior. Descortinar nossa personalidade e dela
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
buscar muito mais do que já foi visto.
O que sabemos de nós mesmos quanto ao que estamos
produzindo? Quanto podemos aprender sobre o processo que se
desenvolve em nós?
Antigamente não importava o porquê, somente contemplar
e admirar, já hoje entendemos que a magia não está apenas no
resultado produzido, mas em como é produzido.
Quais conexões, de onde vêm, como manipulamos os sons
e obtemos resultados com ele?
A frase “Conhece-te a ti mesmo”, atribuída a Sócrates,
suscita a ideia de que em nós existe um infinito universo interior
que, se descoberto, irá irradiar mais luz e emanar ao mundo
exterior.
Quanto material já foi produzido na música de cada país,
quanta cultura, e principalmente nos países onde a música
com improvisação é mais latente, nos países dos continentes
americanos como Brasil, Cuba, EUA e outros. Nos dias de hoje,
temos universidades, conservatórios e cursos de férias falando de
improvisação no mundo todo.
Falamos de notas, escalas, técnicas, harmonia e prática
musical, mas existem muitos passos ainda a serem conquistados.
Uma porta está aberta sobre nossa relação pessoal com a
música, e essa porta pode ser muito mais explorada, que é um
maior conhecimento sobre nossa personalidade, nossa visão
de mundo, sentimentos, pensamentos e tudo que pode ser
transformado em ideias musicais.
A criatividade nos convida ao seu banquete, onde nossos
atributos pessoais serão os verdadeiros motores para novas
criações, não apenas ligados aos padrões estabelecidos, ao que
o mercado espera, ao que é aceitável, mas de fato o que está em
nós e o que somos pode se tornar música, improvisação genuína e
naturalmente ganhar espaço pela sinceridade de cada momento.
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
cada solo?
Programação Neurolinguística
Você pode programar sua mente a partir do momento em
que começa a conhecer o funcionamento de cada informação,
suas camadas e como elas se organizam. A improvisação lida com
isso constantemente e os melhores resultados surgem quando
sua mente está no controle do processo, e não de forma passiva.
Este livro está repleto de dicas, formas de pensamento e
pequenas explicações sobre os processos e formas de organizar
melhor a mente para obter melhores resultados tanto nos estudos
quanto nos solos.
Se o resultado final é o solo, o processo todo varia desde
um instrumento adequado, preparo técnico, saúde do corpo,
controle mental e emocional, percepções sensoriais e sociais –
todos também fazem parte das camadas que organizam as ideias.
Assim o solo é uma verdadeira construção, não sólida, mas
real para quem ouve, criando realidades a cada momento.
Todos nós podemos alcançar o nosso melhor nível durante
a vida, sendo que, em algum momento, assim como na própria
vida, iremos decrescer tecnicamente ou usaremos a energia de
forma mais contida, mas o ideal é que você aprenda a conhecer
e desenvolver seu potencial, seus limites e assim buscar, em cada
ponto, uma melhor condição.
O exercício do cérebro na improvisação é constante e,
quanto melhor organizamos cada informação, melhor ela pode
ser acessada, assim como um arquivo em seu computador: os
melhores e mais usados podem fazer parte da área de trabalho.
De certa forma, muitas partes desse livro trabalham isso,
sugerindo e reprogramando o pensamento para tornar melhores
e mais leves as ideias sobre o mundo da improvisação.
A programação neurolinguística tem sido uma chave para
que muitas pessoas possam alcançar resultados, recondicionando
a forma do pensamento, aprendendo como seu corpo e mente
funcionam, potencializando assim as habilidades e diminuindo
dificuldades e traumas adquiridos pela vida.
Perfeitamente aplicável na improvisação, pois é disso que
trata todo este livro, não apenas do como fazer, mas também
do como aprender os processos que disparam gatilhos da mente
rumo aos resultados da improvisação.
O maior resultado que você pode alcançar na improvisação
é aprender a colocar o trem nos trilhos, porque não importa a
velocidade e nem a distância da viagem, mas estar na viagem é o
que importa. Fazer parte do processo contínuo da criatividade e
saber que você está desempenhando um conjunto de ações que
irão te fazer sempre melhor e mais capaz em cada nível em que
estiver.
Não se pode apenas viver a angústia da busca, mas também
Caminhos da Improvisação | 437
precisamos do prazer da descoberta. O deleite em cada nova
oportunidade também é uma rica fonte de prazer e motivação,
fazendo com o que a mente acredite cada vez mais em novas
realidades.
5 Gatilhos
Respirar – Respirar é a fonte de novas ideias.
Visualizar – Enxergar além da música, criar sua realidade.
Projetar – Saber o que quer e aonde quer chegar.
Desenvolver – Motivos, frases, períodos, chorus, solo.
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
Arriscar – O risco faz parte da improvisação.
Qualidades
Comparando nossa mente com uma cidade, encontramos
ruas, praças, avenidas, becos, rios, casas, buracos, morros e
muitos outros pontos.
Ao desenvolver nossa criatividade, passeamos pelas ruas,
becos e avenidas das nossas qualidades e pelos buracos, senzalas
e cascalhos de nossas mazelas, onde nada deve ser descartado e
tudo tem o seu lugar e tempo de ser mostrado.
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
A improvisação não fala apenas de coisas boas ou belezas,
mas pode demonstrar infinitos atributos sobre o ser humano, a
natureza, a espiritualidade, o cosmos, sendo por diversos prismas
e não se concentrando apenas em lados radicais e extremos, mas
em suas infinitas realidades, que se misturam umas com as outras.
Temperamentos
São aspectos de personalidades que apontam para padrões
de comportamento, com tendências relacionadas a nossa forma
de ver o mundo. Interesses, habilidades e os atributos mais
latentes de cada um.
Sanguíneo
“Este temperamento é expansivo, otimista e impulsivo.
Extrovertidos e sensíveis, os sanguíneos são indivíduos que
não passam despercebidos, pois são espontâneos e gostam de
interagir. Além disso, costumam fazer gestos largos e falar bem
em público.
Pontos fortes: são comunicativos, resilientes, adaptáveis e
entusiastas.
Pontos que precisam ser trabalhados: impulsividade, falta
de atenção, superficialidade e exagero.
Fleumático
Colérico
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
Os comportamentos se cruzam normalmente com outro
tipo, existindo o predominante e o secundário; às vezes alguns
atributos de um terceiro comportamento são detectados
também.
Na improvisação, os temperamentos saltam em evidência
a cada momento, na forma de construir e desenvolver um solo.
Pontos importantes a serem observados também são o início e o
final de cada solo, onde a natureza de cada músico fica evidente,
por suas escolhas e desenhos específicos. Significa como entra e
sai de uma cena na vida real e também na improvisação.
Todos os temperamentos, se entendidos, trabalhados e
aperfeiçoados, podem fazer grande diferença na atitude musical,
pois não somos estáticos, mas seres em constante evolução,
observando e comparando novos padrões aos valores que
conhecemos, praticamos e desejamos.
Liderança
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
Liderança significa levar outros a fazer alguma coisa. Com
sucesso ou não, um líder exerce influência sobre outras pessoas
quando as convence sobre algum objetivo.
No meio musical, as lideranças se desenham de diferentes
formas, de pequenos a grandes grupos, ou mesmo lideranças
coletivas, isso quando vários líderes se reúnem em um grupo e
um influencia o outro, mas todos visando a um único objetivo.
Uma das principais características de um líder é o poder de
convencimento, expressando sua visão, mostrando fundamento
e ser uma via possível e confiável.
Musicalmente isso é sobre a execução de uma peça com
pouco tempo para estudo, uma gravação que traz desafios ou um
show com diferentes caminhos e que exigem mais de todos.
Um líder musical mostra a todos que o caminho proposto
é possível e que todos serão melhores ao final daquele trajeto ou
projeto, que há benefícios e a jornada não será em vão.
O tempo é escasso para todos e as pessoas costumam focar
em objetivos para chegar aos seus resultados, por isso existe
naturalmente o interesse em saber onde existe o ganho. Não
se assuste com isso, pois o ganho nem sempre será financeiro,
mas existem formas de ganho nas quais cada um foca seu
objetivo, sendo elas: aprendizado, prática coletiva, vida social,
ampliar conhecimentos, projetar a carreira artística e financeira
evidentemente.
Um líder consegue mostrar isso com um belo projeto, no
qual cada um visualiza uma forma de ganho, evolução e expansão
de sua carreira.
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
gerações e multiplica milhares de adeptos, passando por mestre
e mais mestres.
Um verdadeiro mestre não retém conhecimento, porque
sabe que este não lhe pertence. O princípio da liderança envolve
compartilhar, facilitar e motivar pessoas ao crescimento.
O medo de ser superado não é um atributo de mestres, mas
do egoísmo que assola algumas pessoas.
Antigamente, aqui no Brasil, o conhecimento não era
difundido da forma como é hoje. Não existia essa rapidez e
facilidade para conseguir uma informação, então os tempos eram
outros. Vivi algumas experiências de pessoas que me negaram
informação, possivelmente achando que aquele conhecimento
passado as faria menores ou me tornaria maior que elas.
Por outro lado, conheci pessoas maravilhosas que me
apontaram para os melhores caminhos, de forma generosa
fizeram o seu papel e, por isso, a elas sou grato até hoje.
Verdadeiros mestres apontam o caminho, não te sustentam
e podem não te acompanhar, mas te fazem enxergar por onde
tem que andar.
Existe um episódio interessante no filme Operação Dragão
(1973), com Bruce Lee, quando ele está com uma roupa típica de
mestres, andando entre as árvores e surge um discípulo. A aula
dura cerca de 1 minuto e 40 segundos, mas nesse período ele
direciona o garoto em três importantes conceitos:
• conteúdo emocional;
• aprender a se expressar;
• visão panorâmica.
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
o que leva as pessoas a buscarem o caminho em que você está é
a energia.
No mundo dos sons, somos guiados pelo conteúdo
envolvido em cada momento musical, em cada frase ou ideia.
Somos guiados por harmonias e ritmos, estilos e timbres.
É um material que, se percebido e identificado, poderá
mostrar a diferença do envolvimento das pessoas ao escutar
determinado tipo de solo.
Alguns músicos foram líderes em suas épocas e influen-
ciaram incontáveis outros músicos de instrumentos diferentes,
fizeram escola e hoje são estudados, fazendo com que o silêncio
das palavras fosse tomado pelo som de seus instrumentos.
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
Alguém, em algum momento, será o primeiro a perceber
a necessidade de uma mudança ou de fazer algo, outro saberá
como fazer isso; dos dois, aquele que tomar a primeira atitude,
esse será o líder. Pois aquilo precisa acontecer e as portas estão
abertas, mas a diferença está na atitude e não só em saber que
tem que fazer.
Tomada de decisão
MEMÓRIA SUBCONSCIENTE
CONSCIENTE
PLANEJAMENTO
RAZÃO ORGANIZAÇÃO
RACIOCÍNIO
INSTINTOS
FÉ
CORPO ÓRGÃOS
LINGUÍSTICA
LÓGICA
MOTORA
INTELIGÊNCIAS ESPACIAL
MUSICAL
INTERPESSOAL
INTRAPESSOAL
Caminhos da Improvisação | 451
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
TECIDOS CÉLULAS MOLÉCULAS ÁTOMOS
"Líderes não desejam liderar, lideram."
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
comum a todo solista, que são as camadas de conhecimento.
Camadas de conhecimento
Assim como uma empresa tem um presidente, esse
presidente não decide sobre bater um martelo, levantar tijolos
e sua quantidade diária, fazer o pagamento de funcionários ou
telefonar para fornecedores.
Todos esses são papéis desempenhados por setores a ele
subordinados. Normalmente, esse presidente decide por aquilo
que está mais em evidência e que tem a ver com a imagem
da empresa, seu futuro, aceitação e rejeição no mercado,
concorrência e outros assuntos de ordem estratégica.
Na improvisação, também existem camadas que no princí-
pio são as mais importantes e depois se tornam automáticas para
a execução. À medida que o conhecimento e domínio aumentam,
os pensamentos e prioridades mudam e assim por diante.
Até o momento em que o pensamento é elevado para níveis
mais abstratos.
Níveis de pensamento
Uso aqui uma ordem que se divide por nível de visão, muito
aplicada em empresas e corporações:
1. fundamental;
2. técnico;
3. conceitual.
Fundamental
• escalas;
• arpejos;
• conhecimento de acordes;
• identificar mudança e tipos básicos de acordes ao ouvir;
• memorizar temas.
Técnico
Conceitual
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
dos outros dois níveis:
PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
Legado
Alguns pés de jabuticaba só dão a sua primeira safra
depois de 12 anos. Algumas coisas você planta e outros
colhem, mas você está colhendo o que todos plantaram.
24
enquanto boates tocam música dos anos 80. Bares com quartetos
de Jazz instrumental, e às vezes um concerto de música clássica
é executado por uma orquestra sinfônica ao ar livre. Grupos de
dança se organizam para Salsa, Frevo e Samba. Essa dinâmica
varia de cidade para cidade.
Existe lugar para a boa música em todas as cidades. O
mercado é amplo, cruel em vários sentidos, mas a música sempre
encontra seu oxigênio por meio de heróis que se sacrificam para
PERCEPÇÃO | Legado
elevar a bandeira da arte em meio a lutas, contrariedades do
sistema econômico e social. A educação aqui no Brasil passa por
uma fase de grandes mudanças, em que temos dúvidas em saber
para qual lado estamos caminhando.
No mundo da improvisação, estamos ávidos e respiramos
ainda o som produzido pelos mestres de todos os instrumentos
nos últimos 100 anos. Gravações surgindo e nos mostrando pela
música o quanto eles fizeram em condições tão diferentes das
nossas atuais.
Cada artista, em sua época, levou o bastão até onde
conseguiu, e esse bastão seguiu e se multiplicou por tantos
países, como se fosse uma tocha olímpica que precisava viajar
pelos tempos e não apenas geograficamente.
Músicos de todas as épocas deram suas vidas pela arte e
deixaram verdadeiros presentes sem ao menos imaginar aonde
sua música chegaria.
Muitos desejaram viver o que vivemos hoje, essa facilidade
em obter informação, em ter acesso ao que mais admiramos,
mas eles foram heróis porque produziram o conhecimento que
hoje é estudado. Fizeram muito com o pouco que tinham e
multiplicaram o poder da música por meio de seus talentos. São
tantos nomes, infindáveis nomes que não caberiam neste livro.
Uma árvore genealógica que não vem apenas do Jazz ou Choro,
da Salsa ou da música europeia. Somos hoje o resultado não
apenas daquilo que nos fascina e está em nossos fones de ouvido.
Uma música faz menção a outra música de outra época,
um estilo agradece ao outro que lhe concedeu vida, e assim o
conhecimento tem caminhado por tempos longínquos, desde a
descoberta dos sons musicais como ferramenta de comunicação
e expressão humana.
Imaginar que grandes nomes não pela fama, mas pelo seu
esforço contribuíram para o que temos hoje, não recebendo
reconhecimento devido, mas inserindo em sua época novas
informações nesse mosaico que se constrói pelos tempos, traz
de fato um sentimento de gratidão, respeito e compromisso em
querer carregar um pouco desse bastão.
Tendências
A importância da música para a humanidade está longe de
ser reconhecida e de receber o investimento que deveria em tantos
países. Vemos em filmes, na história e no cotidiano que o respeito
pelos profissionais musicais nunca foi um padrão a ser copiado
para outras profissões, mas o que sempre nos perguntamos é: o
que seria do mundo sem a música?
Embora a indústria da música produza milhões em vendas
de shows e espetáculos e anteriormente o faturamento fosse
pelas gravadoras com vendas de milhões de CDs e LPs, o Estado
ainda carece de uma mudança de ideologia quando o assunto é
Caminhos da Improvisação | 461
música.
Aqui no Brasil, invejamos o ensino musical de outros países,
tanto os que são menores e vivem uma economia deficiente,
quanto os que são maiores e dominam o mercado internacional.
Não é possível comparar a aplicação, eficiência e resultados
produzidos no ensino musical de países como Chile, Venezuela,
Argentina, EUA, Cuba, França, Espanha, Portugal, Alemanha,
China, Japão, Rússia e outros tantos.
Estranhamente o nosso país vive inúmeros paradoxos
quanto à realidade musical. Temos a melhor música do mundo,
em matéria de melodias, harmonias e diversidade rítmica. Não
temos a elevação pela imprensa de forma maciça com o que se
produz de tão bom na música de qualidade aqui.
Somos sufocados pela ideia de que música de qualidade
PERCEPÇÃO | Legado
não vende e somente a música feita para massas é que pode
vender. Claro que isso faz parte de uma rede mundial que engloba
não somente a produção de música, mas de alimentos, remédios,
eletrônicos e outros produtos, visando à alta produção, com mão
de obra barata e vendas em grande escala para todo o mundo.
Nossa música se pasteurizou muito nesse aspecto, e assim o tipo
de música que é produzida com sofisticação e de forma substancial
tem um espaço bem menor nos veículos de divulgação.
Com todo esse contexto global, ainda temos, nas marginais
da fama e no mercado hoje independente, a oxigenação da
criatividade, produção de inúmeros trabalhos que perdemos as
contas e que cada dia surgem nas redes sociais como música
e mercado alternativo, ganhando cada vez mais espaço e um
público que busca de fato a essência das coisas.
A improvisação vive acima de tudo isso. Acima das
dificuldades da economia, educação, espaços culturais e
preconceitos, hoje temos o melhor cenário de músicos no país, o
qual nunca tivemos.
Evolução
A informação que recebemos dos nossos antepassados foi
decodificada para a realidade atual, multiplicando-se e tomando
formas diferentes.
Embora no Brasil a improvisação não tenha evoluído em
paralelo à evolução que ocorreu no Jazz desde os anos 20, nos
últimos 50 anos esse caminho da improvisação tem desenvolvido
a sua própria história por aqui.
Talvez por uma questão sistêmica de formato musical, pois
o Choro obedeceu ao formato rondó, em AABBACCA, tornando
a música bem extensa e também por suas ricas características
melódicas que já soavam um lindo desenho melódico, mas sem
a ênfase na improvisação em cima de toda a obra, tanto que, de
forma geral, é assim até hoje, e normalmente se escolhe uma
parte para improvisar.
As improvisações eram em torno de melodias que
rodeavam a melodia principal e vários ornamentos como trinados,
apogiaturas, mordentes, grupetos e glissandos, por exemplo.
Já o Jazz se constituiu de duas partes em geral, com temas
menores nos quais a ênfase era a improvisação com base na
harmonia, na qual os temas eram predominantemente de 12
compassos para Blues e 16 ou 32 compassos obedecendo a formas
variadas como AABB e AABA, sendo o Blues a base ou a alma de
toda improvisação.
Com a sistematização do estudo da improvisação, muitos
termos técnicos vieram à mesa e o conteúdo que antes era criado
musicalmente e vivido nos bares, casas de shows e nos palcos do
mundo, passou a ser estudado, aprendido, replicado e convertido
em escolas e classes de Jazz por todo o mundo, despertando o
interesse de muitos brasileiros pela formação jazzística. Muitos
frequentaram a Berklee College of Music, fundada em 1949, e
Caminhos da Improvisação | 463
trouxeram novos conhecimentos para a música popular brasileira,
inserindo conceitos e a cultura da improvisação norte-americana.
Essa se tornou uma via diferenciada para a música popular
brasileira, pois além do Choro, que é predominantemente instru-
mental, o Jazz passou a ser uma realidade no Brasil.
Mas a improvisação jazzística se fundiu e a linguagem
ganhou espaço de fato na MPB, desde a Bossa Nova, no Samba
e, nos anos 70, no Soul, Funk e música eletrônica. Nos anos 80, a
improvisação passou a fazer parte das bandas de Rock e Fusion,
onde a música instrumental também encontrou espaço. Paralelo
a isso, o Choro mantém o seu padrão e as possibilidades da
improvisação ganham espaço em diversos estilos da MPB, mas
não apenas a improvisação jazzística. Músicos como Hermeto
Pascoal, Egberto Gismonti, Toninho Horta acrescentaram
PERCEPÇÃO | Legado
grande contribuição à percepção da improvisação brasileira,
não enfatizando o fraseado norte-americano, mas garimpando,
da própria MPB, improvisação com base em melodias e ritmos
característicos da nossa música.
A cultura do Brasil em abraçar povos diferentes, abrir as
portas e fundir culturas também prevaleceu para a improvisação,
pois todas as linhas que apareceram de novos estilos e ritmos
ofereceram espaço para a improvisação.
Caminhando em paralelo e conquistando seu próprio
espaço, o Choro, Blues, Rock, Samba, Swing, Bebop, Fusion,
Baião e Frevo se tornaram campo fértil para que a liberdade de
expressão criativa da improvisação ganhasse seu espaço em
vários caminhos diferentes, tanto na música instrumental quanto
na música cantada.
De forma genérica e bem brasileira, é possível dizer que o
conceito de improvisação do Jazz nos conquistou, assim como
nossos ritmos, melodias e harmonias conquistaram os povos do
mundo.
Se existem escolas de Jazz em todo o mundo, estão surgindo
também, aos poucos em vários países, formas de conhecer e
estudar a música brasileira, por meio de clínicas, workshops e até
disciplinas em diversas faculdades. Nessa troca de informações,
ganham todos os envolvidos com o conhecimento produzido e
aprendido.
A improvisação ganhou um caráter sistêmico, músicos
reviraram as notas com fórmulas matemáticas, inspirações
espirituais, filosóficas e até cosmológicas sobre as possibilidades
de lidar com esse fenômeno da liberdade.
Se, por um lado, a liberdade faz sem se preocupar com nomes
e teorias, o conhecimento e a manipulação das possibilidades
aprendidas criam um tipo de ciência em que a inteligência musical
une o saber e o sentir apontando para um futuro que iniciou na
segunda metade do século XX.
Toda geração imagina não ser possível avançar tanto mais
do que aonde já chegou e entende ser o seu momento o ápice de
tudo que já se fez, mas a história sempre nega essa percepção.
Tanto para os apocalípticos de todas as épocas, que sempre
imaginaram um fim iminente, quanto para os egocêntricos que
acreditaram ter chegado ao topo das coisas, a vida e sua evolução
parece sempre negar essas duas hipóteses.
Embora não saibamos até quando existiremos como
espécie, imagine-se vivendo no século X, d.C., e alguém falando
sobre celular, computadores, e-mails, playbacks, escalas
diminutas, tons inteiros, outsiders e sobreposição de acordes!
Seria inimaginável e uma completa loucura ousar pensar
nesses nomes caso alguém do futuro viesse nos falar. Um simples
trítono na idade média já era conhecido como o som do diabo.
Imagine então quão distantes e arcaicos estamos de
novas informações, conhecimento e de fazer música para daqui
Caminhos da Improvisação | 465
a 300 anos!!! Alguém vai pensar que não existiremos mais. Ei!
Toda a humanidade já pensou assim também. Quem não parou
de produzir, evoluiu, mas quem ficou vivendo de expectativas
apocalípticas parou no tempo e deixou de fazer muita coisa boa,
isso em todas as áreas.
Por isso acredito que o simples não saber o que se faz tem
o seu valor, mas o saber também tem, porque o conhecimento
liberta da escravidão da ignorância.
A união entre o sentir e o saber aponta para o futuro,
quando a consciência humana poderá viver uma nova realidade
de percepção, e quando inovações serão bem-vindas para nos
mostrar tecnologias diferentes.
PERCEPÇÃO | Legado
tro, e ao mesmo tempo o universo nos carrega
como infinitas partículas"
A forma como lidamos com a improvisação sofrerá rupturas
e possivelmente mergulharemos em um novo conhecimento
sobre o que temos dentro de nós, aprenderemos a fazer isso e
projetaremos os novos sons musicais de forma mais consciente
e ao mesmo tempo com emoções mais avançadas, resolvidas e
evoluídas.
Vivemos ainda o radicalismo entre a música acústica e a
eletrônica, embora exista fusão das duas formas desde os anos
70, mas temos puritanos e libertários, segregadores e pacifistas
musicais. No futuro essa realidade poderá ser diferente, havendo
mais formas de manifestação, porém com maior harmonia de
convivência e produção.
Estamos ainda na adolescência da nossa espécie, vivemos
confusões mentais, rebeldias e incertezas, mas poderemos viver
diferente no futuro; não nós que hoje aqui estamos vivos, pois
veremos poucas mudanças, mas falo da espécie.
Os próximos viverão aquilo que plantamos hoje, aquilo que
fazemos de melhor e de pior.
Nossa contribuição em um solo, em uma gravação ou no
material produzido pode não chegar tão longe e se perder no
meio dos tempos, pode ser esquecida, mas chegará até outras
gerações que farão uso do que fizemos hoje, e assim o bastão do
som, da inspiração e da mentalidade musical humana caminhará
pelos tempos.
É como imaginar um único quark do nosso corpo. Eu não sei
o que ele faz, sua consciência e sua contribuição para minha vida,
mas sem sua existência eu não poderia ser o que sou. E nem você.
Da mesma forma são os antepassados! Nós somos o
resultado do que eles plantaram, do seu suor, das suas dores e
alegrias, de suas dúvidas, medos, realizações, fé, esperança
e amor. Somos apenas um só de forma vertical, e horizontal,
no tempo, no espaço e assim no universo e na história. Por
sermos minúsculos no universo, dividimo-nos e criamos nossas
dissidências, mas, se esse universo inteiro representasse apenas
um grão de areia, onde estariam nossas glórias e derrotas? Quem
seríamos? Não seríamos vistos como nos vemos hoje.
Essa analogia expressa um tipo de filosofia na qual é
possível enxergar além do agora e acima do que pensamos ser.
Somos um universo, se olharmos para dentro, e ao mesmo tempo
o universo nos carrega como infinitas partículas; sim, ele está em
movimento constante.
Por que esse pensamento? Porque esse livro fala sobre você
praticar e aprender a tirar o melhor de você.
Você não retira o melhor de você apenas sendo músico,
mas sendo humano.
A música expressa a vida e você sempre irá expressar o que
é em essência, ainda que não perceba.
Caminhos da Improvisação | 467
Sua experiência com a criatividade te ensinará muito sobre
liberdade de uma forma especial, em que você será autor de
inúmeras histórias, interessantes ou não, mas sempre contando
histórias, pois improvisar é isso. É dizer sobre você, sobre o
mundo e sobre a vida.
Encontro de gerações
O choque de gerações é inevitável e sempre trouxe grandes
mudanças de mentalidade. É claro que os novos sempre chegam
com mais energia e sangue novo, pois trazem algo mais apurado
na carga genética e no conhecimento pela ampla capacidade de
absorção. Porém, a diferença, hoje, de informações e avanços
de uma geração à outra, nos últimos cem anos, trouxe um
PERCEPÇÃO | Legado
distanciamento de mentalidades, visão e surgimento de maiores
conflitos sociais e ideológicos.
Crianças conquistando o mundo com dons superdesenvol-
vidos e idosos tentando se ajustar a novas tecnologias, jovens en-
trando para o mercado de trabalho com a sede de leões na selva,
em choque com senhores experientes que passaram por cami-
nhos até mais difíceis em outras épocas.
Jovens que não entendem antigos, por supor que os antigos
sabem menos ou são lentos para entender informações; ao
mesmo tempo, antigos que já conhecem muitos atalhos, gastam
menos energia, aprenderam a enxergar a vida e seus valores
de uma forma mais apurada e, com isso, desdenham do vigor e
capacidade dos jovens, ou tentam brecá-los.
PERCEPÇÃO | Legado
já estejam nela, já tenham transitado nela, mas em meio a
tanta badalação midiática das apelações, essa música não foi e
dificilmente é percebida.
A improvisação do futuro sempre foi tateada pelos grandes,
alguns foram entendidos, outros não, mas sempre existe uma
porta a nossa frente chamada futuro, na qual podemos bater,
entrar e de lá trazer novas experiências.
John Coltrane desejava curar pessoas pela música e, até
se alguém estivesse com algum problema, isso seria resolvido
ao som da música – ele buscava isso. Tateou o futuro, anos a
sua frente, se desconectou do que podia fazer dele um pop star,
mergulhou em seu interior e de lá nos revelou o futuro, 40, 50 e
100 anos à frente.
PERCEPÇÃO | Legado
ela tem livre acesso no tempo-espaço, fazendo as dobras do
tempo que a tecnologia ainda aguarda por novas descobertas
para tornar realidade.
Sabedoria e Inteligência não dependem de idade para se
manifestar. É como o sentimento de velhice ou jovialidade: exis-
tem idosos querendo viver e jovens querendo morrer.
A improvisação musical é o caminho que manifesta a li-
berdade do pensamento, emoções e a conexão entre pessoas
e épocas. Ela diz o que somos e nos conta as histórias do pas-
sado, anuncia o futuro e nos faz viver melhor e intensamente o
Agora, ao qual chamamos Presente.
O Batismo
Eu não fui instruído a ouvir aquilo, não tinha ninguém por
perto e não havia mestres acessíveis para dizer o nome daquele
som e que ali era uma combinação de ritmos, acordes e melodias
que eram influenciados pelos mestres do Jazz e que depois
influenciaria as próximas gerações.
Foi uma grande experiência, e então, minha percepção
Um meio viável
Ainda aos 11 anos, encorajei-me a fazer algo que, depois
de anos, vim descobrir que era uma das formas mais usadas nas
universidades de Jazz pelo mundo todo. Decidi escrever tudo que
eu gostava de ouvir ou queria tocar!
Passei então a escrever músicas e melodias de todo tipo,
Caminhos da Improvisação | 479
entre Choro, Erudito, e MPB, menos Jazz, pois apesar de ouvir e
gostar, quase não tinha material.
Essa carência de material não é sentida hoje, mas por
outro lado o excesso e facilidade de gravações traz o perigo da
superficialidade, porque poucos músicos param para perceber os
sons, quando na verdade se valem do direito de ter, e não do dom
de ser.
Moises Alves
Conheci o Moises Alves em 1988, excelente trompetista
e referência nacional como improvisador, o que eu chamo de
Idriss Boudrioua
Já em 1990 conheci o Idriss Boudrioua, um saxofonista
francês que morava no Brasil desde 1982, e que estava em
Brasília para o Curso Internacional de Verão da Escola de Música
de Brasília.
De tanto eu bisbilhotar a aula de saxofones, e nessa época
eu tocava somente clarineta, acho que ele ficou intrigado de ver
um menino de 13 anos, todos os dias colocar a cara no vidro da
porta para ver o que acontecia ali. Convidou-me para entrar.
Perguntou se eu tocava, no que eu disse que sim, mas somente
clarineta, e ele disse que todos os saxofonistas estavam lendo a
música Koko do Omnibook do Charlie Parker.
Bem, eu não sabia quem era Charlie Parker, e ainda tive
vontade de rir quando vi o nome da música, mas me animei
quando vi o andamento e aquele monte de notas, pois, apesar de
nunca ter tocado nada do Jazz, minha leitura estava bem em dia,
e então li aquele monte de notas, e ele gostou e disse apenas para
eu ligar a segunda nota com a terceira e a quarta com a primeira
do próximo tempo. Pronto! Eu estava inserido e apresentado ao
Bebop. Era o início da linguagem básica do Jazz.
Essa atitude inclusivista que o Idriss teve, é que me faz
acreditar na franquia das informações a um maior número de
pessoas. Passados alguns dias, ele me levou ao estacionamento
e me disse:
– Juninho, estou te dando esse LP, quando puder escreva o
que está aí.
Caminhos da Improvisação | 481
No outro dia, cheguei lá com o solo dele transcrito da música
Sternamente, e aí ele me disse: Olha, você merece o outro LP, mas
não diz para ninguém que te dei os dois LPs. Então eu comecei a
ter o Idriss como um tipo de pai musical, pois ele foi a primeira
pessoa que me fez entender o princípio do Jazz, a linha do Bebop
e suas articulações básicas. A ele todo respeito e gratidão sempre.
Atitudes assim mudam a vida das pessoas. Por isso tenho
dito que precisamos de generosidade, mas não é só de receber,
e sim de doar também, pois o que damos aos outros, na verdade
estamos dando a nós mesmos.
Primeiros sons
Widor Santiago
No ano de 1993, em janeiro, vi dois shows que jamais vou
esquecer. No primeiro dia, vi o show do Widor Santiago, com o
Curinga, tecladista e guitarrista, que uma semana depois faleceu,
o Genil de Castro, guitarrista, Nema Antunes no baixo, e Paulo
Rosbak na bateria.
Era no Gate’s Pub, uma casa de Jazz que parecia mais um
templo da improvisação, pois ali passavam os melhores músicos
do Brasil sempre que vinham a Brasília. Eu tinha 17 anos e não
tinha dinheiro nem para pagar a entrada.
O Moisés não havia chegado e havia mais gente do lado de
fora do que do lado de dentro, e então ouvi falar que o Widor,
na época conhecido em Brasília como Periquito, tinha sido
da banda do Bombeiro e saído em 1984 para morar no Rio. O
Moisés me falava muito dele, pois já haviam tocado juntos em
Goiânia, e dizia que ele era uma máquina de frases, e foi aí que
vi uma cena que me deu incentivo para estudar pelos próximos
anos e automaticamente despertou em mim o desejo em estudar
o saxofone. Vi o que eu nunca tinha visto na minha frente em
Brasília.
Existia uma janelinha que dava para ver o palco e lá
Caminhos da Improvisação | 483
estava eu como um rato de shows. Então, o Paulo Rosbak e o
Widor fizeram um dueto como passagem de som, cinco minutos
antes do show, só para ver se estava tudo bem, e não durou vinte
segundos para mudar o rumo da minha concepção musical.
Andamento bem rápido, eu tinha um gravador na mão e
gravei aquelas frases, depois disso eu não entendi mais nada. Que
som, precisão rítmica, timbre e caminho harmônico, tudo isso
ficou gravado para mim dizendo e me direcionando para onde eu
tinha que ir. Foi exatamente isso:
Lula Galvão
Um dia depois do show do Widor, em 1993 fui ao show do
Lula Galvão, com o Renato Vasconcellos no teclado, Alex Queiroz
no baixo e Erivelton Silva na bateria. O Lula improvisando
levava o público, em alguns momentos, às sensações como se
estivéssemos vibrando com um gol do Brasil em copa do mundo.
O público, em sua maioria de apreciadores mesmo daquela arte
e músicos também, aplaudia, gritava e assobiava com cada frase
que ele fazia. Ele é um grande mestre da nossa música!
Tive oportunidade de dar uma canja com eles, mas posso
dizer que ninguém iria querer ouvir essa gravação. Tocamos
Stolen Moments e Autumn Leaves. Acabando o show, o Lula
Caminhos da Improvisação | 485
chegou para mim e disse:
– Juninho, você tem tudo para ser um grande improvisador,
mas precisa estudar harmonia.
E então eu disse:
– Poxa, Lula, não tem ninguém que eu conheça por aqui para
me dar aulas, e ele disse que me daria uma aula. Então alguns dias
depois, por sorte ele estava em Brasília, naquele mês de janeiro
de 1993, e me deu uma aula que jamais vou esquecer.
Ele me perguntou:
– Qual escala você toca quando o acorde é Cmaj7?
Eu simplesmente não sabia responder.
Ian Guest
Conheci o Ian em 1990, no mesmo curso em que conheci
o Idriss e o Nelson Faria. Tive uma rápida experiência com ele,
quando me chamou para tocar com ele uma de suas músicas,
sendo que ele estava ao piano. Em 1992, mas uma rápida
oportunidade, e então em 1994 finalmente eu consegui respostas
para perguntas que andavam comigo já há 7 anos e ninguém me
respondia.
Eu de fato conheci uma enciclopédia musical chamada Ian
Guest. Meu mestre na Harmonia.
Comecei a conversar com ele sobre o que tinha aprendido
sobre escalas e as conversas foram descortinando mais assuntos,
até que em dois finais de semana, eu já tinha anotado um extenso
material e conversado com ele sobre a maioria dos assuntos de
sua apostila.
O Ian é como uma criança que ama a vida e que, apesar
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de todo o conhecimento e experiência que tem, prefere sempre
ser apenas um amante e educador da música. Esse espírito de
criança, mas não infantil, faz dele o sábio que é, tão importante
para nossa educação musical.
Ele me falou muito de grandes nomes da música e suas
experiências com eles e me explicou coisas que até então eu
jamais tinha lido em livros brasileiros. Aquelas coisas que você
dificilmente vê alguém falando por aí.
Certa vez, em minha casa no ano de 1995, eu mostrei
para ele um solo que tirei do Michael Brecker, na música Peep, e
perguntei por que uma frase estava escrita com todas as notas
certas, conferidas na altura, e a cifra que eu tinha escrita pelo Nico
Assumpção tinha um acorde que não possuía o menor cabimento
de estar ali, sendo que era possível conferir o som do acorde e o
Anos seguintes
Depois disso, entrei na Banda do Bombeiro em 1996, e as
perspectivas mudaram um pouco, pois eu queria sair de Brasília
nessa época, mas acabei me estabelecendo aqui. Porém isso não
me atrapalhou nos trabalhos, mas me garantiu um dos melhores
empregos para músicos no Brasil.
Tive oportunidade de tocar com grandes músicos e assim ir
cultivando experiências no mundo da improvisação.
O entendimento sempre se tornava mais claro, e muitos
músicos surgiram em minha vida me possibilitando novas
oportunidades em seus shows, como Renato Vasconcellos, Arthur
Maia, Rosa Passos, Jhonny Alf e Alexandre Pires.
Os CDs
Em 2001 senti que tinha chegado o momento de gravar
meu primeiro álbum. Tinha algumas músicas e selecionei as 12
que fariam parte do álbum. Contei com grandes músicos como:
Lula Galvão, Jorge Helder, Moises Alves, André Vasconcellos,
Pedro Ferreira, Marcelo Maia, Erivelton Silva e jovens músicos
que estavam despontando no cenário de Brasília, como: Pedro
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Junior, Tiago Rosbak, Clayton Sousa e Marcos Santos.
Estava realizando um grande sonho de fazer o que muitos
tinham feito já no Brasil, que era gravar um álbum com músicas
próprias e o que eu mais gostava de fazer, improvisar. O CD se
chamou Gratidão e foi lançado em 2002.
Depois vieram mais CDs, cada um expressando diferentes
fases da minha vida; são eles: “Vitória na Cruz” (2007),
“Brasilidades” (2009), “Camaleão I” (2012), “Camaleão II” (2015),
“O Brasil do Saxofone” (2016) e “Camaleão III” (2017).
Em todos eles, tive experiências diferentes com a
improvisação. Em alguns as gravações foram produzidas,
com solos em momentos diferentes e até construídos, o que é
uma realidade no mundo dos estúdios. É uma forma diferente
Seja feliz!
Obrigado!
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ÁUDIO
1. John Coltrane. A Love Supreme. EUA: Impulse, 1964.
FILME
2. OPERAÇÃO DRAGÃO (Enter the Dragon). Robert Clouse.
EUA/Hong Kong: Warner Bros./Concord Productions Inc./
Bruce Lee, 1973. 102 min.
LIVROS
3. ALEXANDER, Stephon. O Jazz da Física. Lisboa: Gradiva,
2016.
4. ALVES, Luciano. Escalas para Improvisação. 1998.
5. FARIA, Nelson. Arte da improvisação. 8. ed. Rio de Janeiro:
Editora Lumiar, 1991.
6. GUEST, Ian. Harmonia – método prático. 4. ed. Rio de
Janeiro: Editora Lumiar, 2006. Vol. 1.
7. GUEST, Ian. Harmonia – método prático. 3. ed. Rio de
Janeiro: Editora Lumiar, 2006. Vol. 2.
8. KASPAROV, Gary. A vida imita o xadrez. Gestão Plus, 2008.
9. PLATÃO. A República. Disponível em diversas traduções e
edições.
10. SACKS, Oliver. Alucinações musicais. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
11. SLONIMSKY, Nicolas. Thesaurus of scales and melodic
patterns. New York: Charles Scribners Sons, 1947.
SÍTIO DA INTERNET
Sobre Escalas orientais
12. https://www.google.com.br/amp/s/hr 2013 .wordpress.
com/2013/01/28/o-sitar-e-as-notas-musicais/amp/
Sobre a arte
Poder ter a chance de criar a arte da capa deste belo e
importante projeto me deixou extremamente feliz. Foi de fato
um dos mais empolgantes e maiores desafios criativos que já
vivenciei nos últimos 10 anos de estrada, desafio este que ficou
ainda maior por ter que desvendar a mente criativa e brilhante do
mestre Ademir, conseguir extrair todas as suas ideias e ilustrá-las.
Mas, como já havíamos trabalhado diversas vezes juntos, nossa
comunicação fluiu.
Entre prazos apertados e ideias mirabolantes que vão
desde cenários surreais, sinapses nervosas até chão de teclas de
pianos coloridos, passamos por momentos de bastantes conflitos
e bloqueios criativos até chegar a uma ideia mais clara e, enfim,
após horas trabalhando, finalmente consegui criar um caminho
paralelo entre todas as ideias do Ademir e meus conceitos
criativos.
A arte da capa está repleta de sentidos e expressa
claramente a ideia de improvisação, uma vez que improvisar
ativa áreas cerebrais específicas em tempo de execução. Cada
instrumento foi pensado e criado para remeter à ideia da massa
encefálica, e o motivo de as cores e instrumentos estarem do lado
direito é o fato de que os dendritos, a parte do neurônio que coleta
informações, se organiza de forma diferente do lado direito do
cérebro, possibilitando conexões diferentes que proporcionam
o surgimento das ideias. Na tipografia, temos uma fonte legível,
suave, curvada e sem pontas, que significa algo progressivo e
contínuo; há também a silhueta de um saxofone na junção de
"r" e "v" na palavra “Improvisação”. As palavras se quebram e
se encaixam de forma improvisada formando algo sólido e único.
As setas indicam os diferentes caminhos que podemos seguir
durante a improvisação, conhecendo novos caminhos. O fundo
preto remete-se à imensidão obscura da nossa mente que ainda
não conhecemos e que podemos descobrir ao ler este livro.
Fernando Perez