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Caminhos da Improvisação | 1

NOME DA PARTE | Nome do capítulo


Direção de Produção: Kirla Pignaton
Revisão: Márcio Wesley, Kirla Pignaton
Projeto gráfico e Diagramação: Johnson Barros
Foto: Johnson Barros
Arte e Capa: Fernando Perez
Escrita rítmica do capítulo 17: Pedro Almeida

CIP-Brasil. Catalogação na fonte


Junior, Ademir
Caminhos da Improvisação / Ademir Junior, 2018
Brasília: Editora ABECER, 2018

1.Música

Bibliografia
ISBN:978-85-64282-14-8
Ademir Junior

2ª edição

Brasília - DF
2018
Dedicatória

Este livro é dedicado a todos os músicos brasileiros.


De todas as esferas do fazer musical em nossa realidade,
desde alunos, amadores, profissionais, mestres
e grandes artistas da improvisação.
“Meu objetivo permanece o mesmo:
Elevar as pessoas o máximo que eu puder...
Inspirá-las a perceber mais e mais suas próprias capacidades
para que vivam vidas significativas”
John Coltrane
Agradecimentos

Aos músicos que se tornaram minhas maiores influências,


pela sua arte, improvisação e legado: John Coltrane, Sonny
Rollins, Michael Brecker, Branford Marsalis, Joshua Redman,
Bob Mintzer, Eddie Daniels, Paquito D’Rivera, Paulo Moura,
Wayne Shorter, Joe Lovano, Jerry Bergonzy, Jan Garbarek, Widor
Santiago, Marcelo Martins, Charlie Parker, Cannonball Adderley,
Kenny Garrett, Victor Assis Brasil, Idriss Boudrioua, Miles Davis,
Freddie Hubbard, Wynton Marsalis, Marcio Montarroyos, Moises
Alves, Pat Metheny, Allan Woldsworth, John Scofield, Alexandre
Carvalho, Lula Galvão, Kenny Kirkland, Herbie Hancock, Mc Coy
Tiner, Keith Jarrett, Hermeto Pascoal, Ron Carter, Bob Hurst,
Jaco Pastorius, Arthur Maia, Elvin Jones, Jeff Tain Watts e Peter
Erskine.

Aos artistas que tive a honra de acompanhar: Rosa Passos,


Jhonny Alf, João Bosco, Roberto Menescal, João Donato, Ed
Motta, Alexandre Pires, Mart’nália, Elza Soares, Oswaldo
Montenegro, Hermeto Pascoal, Arthur Maia, Baptiste Herbin,
Marcelo Maia, André Vasconcellos e Nico Assumpção.

Às instituições: Secretaria de Cultura do Distrito Federal,


Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, Selmer,
Vandoren, Escola de Música de Brasília, Universidade de Brasília,
Sesi, Brasília Super Rádio FM, Rádio Nacional FM, International
Police Association e JK Produções Musicais.
Aos colaboradores: Hamilton de Holanda, Ian Guest,
Maestro Spok, Nelson Faria, Paulo Sérgio Santos, Alexandre
Carvalho, Pedro Almeida, Weber Marely, Johnson Barros, Márcio
Wesley, Fernando Perez, Karina Santiago, Leticia Rodrigues e
André Rodrigues.

Aos amigos que me impulsionaram de diferentes formas


no caminho artístico, profissional e espiritual: D. Assis Bernardo,
Cleomar Carvalho, Carlos Galvão (in memoriam), Mario Garófalo
(in memoriam), Lindom Johnson, Pedro Ferreira, Geraldo Hen-
rique Bulhões, Paulo Domingues, Joel Zarpellon Mazo, Carlos
Gontijo e Lourival Rosa Correia.

Aos meus mestres: Ademir (pai), José Cândido Batista,


Manoel Carvalho, Luís Gonzaga Carneiro (in memoriam), Lula
Galvão, Ian Guest, Zenon de Castro (in memoriam), Reynaldo da
Fonseca Coelho, Joel Barbosa, Moises Alves, Idriss Boudrioua e
Widor Santiago.

Aos meus pais: Ademir Rodrigues e Regina Lúcia, pelo amor


incondicional.

Aos meus irmãos: Ivan e Luciana, pelos anos de infância,


união e amor fraterno.

Às minhas filhas: Leticia, Larissa e Rayssa, pelo elo de amor


eterno.

À minha esposa: Kirla Pignaton, pelo amor, amizade,


cumplicidade e por ter organizado, produzido e conduzido com
sucesso todo este projeto.
Para chegar a algum lugar, é preciso direcionamento,
humildade, paciência e disciplina; para permanecer, é preciso
gratidão, inteligência, sabedoria e estratégia; mas, para se
perder, basta desprezar qualquer uma dessas virtudes.
Entre a mente e o coração, está o caminho da improvisação.
Prefácio

A improvisação e a composição são as grandes atividades


musicais que nascem da inspiração e da criatividade. São canais
pelos quais expressamos nossos sentimentos mais profundos.
Mas existe uma diferença básica entre compor e improvisar: é o
tempo. Quando estamos compondo uma nova música, podemos
parar para pensar. Quando improvisamos, não temos esse mo-
mento de respiração e análise, só temos o tempo real da música.
Improvisar é como viver: o relógio está rodando sem parar, o tem-
po está passando e, se não tivermos capacidade de ação, o dia (ou
a música) acaba e deixamos de fazer o que precisava ser feito.

Parece que improvisar é fazer algo “nas coxas” ou “dando


um jeitinho”. Em música, não é bem assim. A improvisação é uma
mistura de ciência e arte, assim como somos razão e emoção –
sem falar na parte espiritual, que daria mais alguns livros. Depois
de anos e anos de desenvolvimento dessa fantástica linguagem
artística que é a música, temos muito material para estudar e
aprender. Muitos músicos de diversas culturas e países fizeram
e continuam fazendo da improvisação sua estética e seu jeito de
ver o mundo.

Acredito que a condição inicial básica para a fluência em im-


provisar é ter um grande repertório, ou seja, quanto mais músicas
soubermos tocar, mais estaremos preparados para a criação. So-
mado ao repertório, temos o conhecimento e estudo da arquite-
tura da música: organizar o pensamento e o entendimento atra-
vés da harmonia, de escalas, arpejos, acordes e do ritmo, que é a
relação das notas com o tempo que não para enquanto tocamos.

Ademir Junior, em suas 500 páginas escritas, nos mostra


como descobriu a (cons)ciência da improvisação musical: com
muita prática, estudo, dedicação e experiência coletiva. Em mais
de 20 anos, participou de diversos cursos, tanto como aluno,
quanto como professor, o que lhe dá conhecimento para escrever
este valioso livro. São informações baseadas em sua caminhada,
passando por entre as raízes da Música Brasileira, mas, principal-
mente, fundamentado em sua expertise em relação ao Jazz, que
é o gênero que universalizou e popularizou a improvisação como
estética em todo o mundo.

É impressionante a quantidade de informação que o livro


tem. Ele nos mostra que este é um universo fascinante e infinito.
Os capítulos podem ser estudados por músicos desde os que es-
tão querendo começar a improvisar até os mais experimentados
improvisadores. Podemos encontrar uma parte mais teórica, com
explicações claras, outra mais prática, com exercícios que, na ver-
dade, são exemplos que podem ser multiplicados a cada vez que
tocamos. Além de análises filosóficas que nos fazem pensar além
da música.

E daí, podemos perguntar: mas se a improvisação está rela-


cionada diretamente com a emoção, será que intelectualizar não
é ruim, não vai nos deixar cerebrais demais? E eu respondo: não.
Neste caso, intelectualizar significa adquirir mais informações,
mais “cartas na manga”, e isso nos dá mais capacidade de expres-
sarmos todos os matizes de nossos sentimentos, que é o grande
objetivo.

E a mensagem mais importante que está implícita neste li-


vro: a música é social. Apesar de o estudo ser um momento soli-
tário e fundamental para o desenvolvimento de cada um de nós,
com a improvisação podemos nos comunicar, nos relacionar e
termos uma convivência colaborativa com outros seres humanos
e com a natureza nessa linda jornada que é a vida.

Hamilton de Holanda
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
pág 28

Parte 1 Melodia
1
ESCALAS
pág 36

2
ARPEJOS
pág 62

3
INTERVALOS
pág 78
Parte 2 Harmonia
4 CONCEITOS
pág 96 INICIAIS

5 MODOS
pág 102 GREGOS

6 HARMONIZAÇÃO
pág 112DAS ESCALAS

7 SONORIDADE
pág 134DAS ESCALAS
8 APLICAÇÃO
pág 170 HARMÔNICA

9 NOTAS
pág 184 EM COMUM

10 ALTERAÇÕES
pág 190

11 SOBREPOSIÇÕES
pág 208DE ACORDES
Parte 3 Linguagens
12 FUNDAMENTOS
pág 220

13 ESTRUTURA
pág 230

14 EXPRESSÃO
pág 244

15 FRASEOLOGIA
pág 254

16ARTICULAÇÃO
pág 268
17pág 282
RITMO

Parte 4 Prática
18pág 310
ESTUDOS

19pág 338
TOCAR

20pág 364
TRANSCREVER
Parte 5 Percepção

21 SINESTESIA
pág 388

22 SOCIAL
pág 414

23 AUTO-
CONHECIMENTO
pág 432

24 LEGADO
pág 458
Coda
25 MEU CAMINHO
pág 474
“Eu sabia que era um grande improvisador, arranjador,
clarinetista, saxofonista etc. e tal, mas, com grande surpresa, ao
folhear este seu trabalho, me deparei com ideias extremamente
profundas. Descobri um pensador. Um filósofo experiente. Os
exercícios propostos são de uma abrangência profunda. Servem
para a vida inteira! Este livro nos contempla com uma variedade
muito grande de sutilezas que envolvem muita inteligência, vivên-
cia, consciência e um talento especial. Altamente recomendável
para quem quer trilhar os caminhos não só da improvisação mas
também da Música como um todo! Parabéns, Ademir!”

Paulo Sérgio Santos


___________________________________

“Caramba! Muita honra e muita responsabilidade escrever


algumas coisas neste trabalho de Juninho, pois sou muito seu fã,
desde quando o conheci. Acredito até que nem ele mesmo saiba,
mas vivi, presenciei (meio que de perto) alguns momentos que
ele cita neste livro, foi quando cheguei a participar de um Curso
de Verão em Brasília, há pouco mais de duas décadas.

“Que maravilha, emocionante para mim este momento de


Caminhos da Improvisação, que chega para nos dar possibilidades
de andarmos com mais segurança e entendimento nos conheci-
dos e desconhecidos lugares por onde passarmos; é realmente
uma grande inspiração beber deste projeto. Um músico, um ar-
tista de um sotaque completo e com a genialidade de nunca per-
der o espírito no que faz. Melodicamente, harmonicamente, está
tudo aí.
“É isto: com este livro por perto, ele sempre irá nos ajudar a
escolher os melhores caminhos.

“Juninho, parabéns e obrigado por tudo que você faz!”.

Spok
“Que presente Ademir Junior nos dá com seu livro
Caminhos da Improvisação!

“Um livro que mostra não só as notas, mas a concepção


por trás delas. Que mostra que improvisar deve ser algo orgânico
como falar e que, de fato, é assim que devemos pensar a música,
como um idioma! Um livro que mostra como criar intimidade com
as palavras e as frases, como articular, como construir um discur-
so musical de forma espontânea.

“Como músico, Ademir já havia nos mostrado que não es-


tava para brincadeira!
“Agora com este livro, ele escreve, definitivamente, seu
nome entre os acadêmicos importantes do mundo da didática
musical.

“Literatura altamente relevante para todos aqueles que,


como ele, apesar de se divertirem muito com o que fazem, não
estão para brincadeira!
“Parabéns, Ademir. E que venham mais e novos caminhos
improvisacionais por aí.
“Abraço do amigo e admirador,

Nelson Faria”
Introdução
A improvisação está na alma de todos. Você improvisa todos
os dias na vida, talvez sem perceber. Sua improvisação começa no
pensamento e se mostra nas brechas entre as obrigações e leis a
cumprir. Sua criatividade resolve problemas, cria novas situações
e realidades todos os dias. Na música a criatividade é o motor, a
energia é o combustível, o som é o passageiro, você é o veículo,
e sua improvisação é o mundo em que o som se manifesta com
uma liberdade imprevisível e admirável.

No mundo dos sons, o passado e o futuro convivem no


mesmo ambiente e tudo é muito dinâmico. Você caminhará no
tempo e no espaço e mudará as realidades de acordo com sua
imaginação, pois o som é a propriedade física que movimenta
e transforma todas as coisas. Liberdade para criar histórias,
dialogar sem as barreiras do idioma e viajar no tempo por meio
do som, são experiências que você irá vivenciar e saborear a cada
solo.

Detalhar os processos do pensamento musical, mostrar os


conceitos que me guiaram na caminhada, desmistificar questões
sobre a prática e os estudos, ampliar o material de ensino destas
áreas específicas e diminuir as distâncias entre o saber e o sentir,
foram os principais motivos que fizeram este livro chegar até
você.

Admiro a importância dos conceitos, pois eles estabelecem


o pensamento central das coisas. A Love Supreme de John
Caminhos da Improvisação | 29

Coltrane e seus 4 movimentos, conceito de divisão de obra


musical influenciado pela música clássica, uma frase cantada
como mantra logo após uma improvisação que transita em 12
tonalidades com apenas um acorde de base, uma oração escrita
e executada sem o canto. O Jogo da Morte de Bruce Lee e a torre
com um grande lutador de cada modalidade em cada andar. O
Plano Piloto de Lúcio Costa e a cidade idealizada com o formato de
um avião, com asas sul, norte e eixos. A República de Platão, que
idealiza um tipo de administração ideal para uma cidade. Todos
esses temas expressam estruturas de pensamento e a inspiração

INTRODUÇÃO
dos autores, suas motivações e o que visaram estabelecer.

Nos últimos 30 anos, nomes como Almir Chediak, Nelson


Faria, Luciano Alves, Ian Guest e outros autores nos brindaram
com importantes materiais para nossa educação nas áreas da
harmonia e improvisação. O livro “Caminhos da Improvisação”
ingressa no cenário do ensino da improvisação com linhas con-
ceituais mais subjetivas e propositivas, motivando enfaticamente
um progresso do equilíbrio entre o pensamento e a emoção, ofe-
recendo ainda assuntos praticados no cotidiano.

Você já fez várias coisas sem saber se ia dar certo. Quando


deu certo, foi uma vitória, mas quando não deu, ou você precisou
fazer de novo várias vezes ou precisou aprender a fazer. Por essas
razões, acredito que a compreensão das coisas nos ensina a fazer
melhor tudo de que gostamos, sem neutralizar o processo do
aprendizado e da criatividade.
Navegue nos cinco continentes deste conteúdo, conheça
os conceitos, mas não crie regras; experimente as ferramentas,
organize as ideias e isole o medo de errar. Perceba a relação que a
improvisação tem com sua personalidade, pois até a programação
neurolinguística pode ser aplicada no processo. Experiências
sociais, mentais e espirituais estão à espera da sua criatividade.
Abra o guarda-roupa dos estilos, experimente peças diferentes.
Pratique as dicas, não se prenda aos padrões, e aprenda a criar os
seus. Sua identidade surgirá com o tempo.

O projeto surgiu a partir de um mapa mental, e os temas


foram desenvolvidos usando realidades paralelas. Existem 5
partes que evoluem da linguagem fundamental para a técnica e
conceitual.

Muitas dicas de ordem técnica e exemplos em partituras


estão em todo o conteúdo, mas o desafio da escrita é dizer
sobre as relações entre o saber e o sentir, pensamento e escolha,
inspiração e projeção de ideias.

Conheça o laboratório onde tudo é desenvolvido, sua


própria mente. Equilibre os impulsos e filtre as melhores opções
da sua emoção, desenvolva suas habilidades de forma organizada.
Pratique caminhar entre a mente e o coração.

Carregue esse livro com você, na mochila, na pasta executiva


ou dentro do case do seu instrumento. Sendo estudante, amador,
profissional ou mestre, fique à vontade para ler a partir de qualquer
parte, estudar ou lecionar. Estaremos conversando sempre por
meio dele.

Este livro é a minha resposta para quando alguém me


pergunta: O que você pensa quando improvisa?
Caminhos da Improvisação | 31
E com ele eu indico os Caminhos da Improvisação!

o autor

INTRODUÇÃO
Caminhos da Improvisação | 33

INTRODUÇÃO
1
MELODIA
ESCALAS
Ferramentas Iniciais
Toda criatividade depende de recursos para que possa ser
expressa. Mesmo na improvisação livre, por mais que se use ou
pense em liberdade, o músico precisa de infinitas ferramentas
para usar a cada momento. São tantos conhecimentos que se
torna difícil nominar, porém deve-se ter uma base deles, pois,
se você prevê construir um prédio, vai precisar prever todos os
recursos a fim de não ficar com a obra inacabada.
O conhecimento auxilia a criatividade e jamais deve ser visto
como uma barreira; antes serve de suporte, pois ele também se
divide em várias formas, como o que se adquire por informações,
instinto e emoções.
É claro que nem todas as pessoas têm todas as ferramentas,
mas o que faz a diferença na criatividade é como você usa cada
ferramenta. Não é o muito, mas como se usa, e nisso consiste
uma verdadeira arte, que cada um desenvolverá a sua própria
maneira.
Por outro lado, devemos levar em conta a facilidade que
temos no acesso a diversas informações de qualquer ordem, e,
para a criatividade musical, tudo vale: efeitos, escalas, timbres,
ritmos e inúmeras ferramentas.
MELODIA
Nessa parte do livro, trataremos do conhecimento das
ferramentas necessárias.
A grande diferença em conhecer e praticar será o caminho
livre nos mais diversos estilos.
Naturalmente, buscar conhecimento leva tempo, e domi-
nar, então, dependendo do assunto, poderá levar uma vida.
Isso depende muito também da personalidade de cada
um. Pessoas mais extrovertidas são expansivas e práticas, já
pessoas introvertidas por essência podem ser mais reflexivas e
desenvolver mais o lado teórico das coisas.
Para o aprendizado, isso também será levado em conta, pois
a paciência também é uma ferramenta que pode ser desenvolvida
até mesmo para quem não costuma praticá-la tanto. Assim como
é para viver, o risco também é um desafio para quem gosta de
manter os pés no chão.
Na música, toda a nossa personalidade aflora naturalmente,
e isso se mostrará quando você estiver tocando, estudando,
compondo, arranjando, improvisando e produzindo. No
aprendizado, não é diferente!
Na minha experiência como professor e palestrante de
cursos, tive oportunidade de conhecer diferentes personalidades
e ver como elas reagem a uma nova informação.
Algumas sentem sono quando as águas se aprofundam
demais, e outras não piscam durante horas aguardando sempre
mais. O aprendizado, então, se mostra como uma experiência
única para cada um.

"O maior efeito do conhecimento


será sua aplicação."
Todos terão o momento do tédio quando a informação
está lá na sua cara e você não consegue captar, e também terão
o momento da iluminação, que é quando tudo fica bem claro e se
encaixa como um quebra-cabeça.
É por essas razões que o meu desafio aqui é deixar disponível
minha visão acerca da criatividade e improvisação musical. O que
irei compartilhar não é o absoluto e nem a imposição das minhas
ideias, mas o que aprendi ao longo das últimas três décadas.
Nunca foi fácil, mas tudo se torna mais direto quando se tem um
objetivo.
Esse conhecimento nem sempre a gente encontra em livros.
Parte dele será na noite, nas gigs ou mesmo ouvindo e tirando
algum solo.
Por isso valorizo o passo a passo e também cada detalhe do
aprendizado musical.
Nessa primeira parte do livro, escolhi o tema sobre
ferramentas para mostrar o quanto se pode fazer com as
possibilidades existentes em escalas, arpejos e intervalos,
tratando como melodia e também usando esse conhecimento na
harmonia e no ritmo. Esse tipo de conhecimento depende muito
do estudo individual e requer muita, muita paciência, pois o
resultado prático demora alguns meses para alguns níveis e anos
até que se ajuste ao tempo de resposta, à imaginação, percepção
e técnica nos dedos.

O maior efeito do conhecimento será sua aplicação.


Caminhos da Improvisação | 39

Melodia

MELODIA | Escalas
Melodia é a parte soberana da música. É a mensagem
principal, que se codifica para cada ouvido em sons sucessivos.
É a parte que estabelece a canção ou o tema.

No nível da criatividade, existem várias formas para


desenvolver o senso melódico. No processo cognitivo, cada
músico tem sua forma de aprender melodias e de desenvolver
outras novas.

"A melodia soará sempre como uma men-


sagem codificada em sons e será percebida
em diferentes formas por cada ouvinte."
Nosso senso melódico se desenvolve desde o ventre ma-
terno e, durante a infância, tudo que ouvimos fica gravado
em algum lugar do nosso subconsciente. Essa espécie de HD
que temos, guarda tudo e, até que seja organizado pelo pen-
samento musical, esse tipo de informação será guardado de
forma silenciosa e quase imperceptível.
Interessante é que a improvisação ou a composição
instantânea se vale de toda informação obtida, desde pequenos
fragmentos até os grandes blocos aprendidos e guardados na
memória.
A melodia soará sempre como uma mensagem codificada
em sons e será percebida em diferentes formas por cada ouvinte.
Encontrar e aprender melodias também é uma arte. Existem
músicos que costumam citar melodias e trechos de temas em
seus solos, como Mauricio Einhorn (aqui no Brasil), que é uma
grande referência para esse tema.
Uma melodia bastante citada por muitos músicos é Laura:

A organização de ideias provém de uma inspiração e


conhecimento que, sincronizados, trazem à tona as melodias
a cada momento e, considerando que improvisação é uma
linguagem da criatividade, podemos estabelecer um importante
paralelo:
As letras formam frases e são como melodia para a
linguagem falada, assim como as notas formam frases e são
como palavras para a linguagem musical.
Se o estudante entende que a improvisação é uma
linguagem, tudo fica bem mais fácil. Assim, é possível entender
os princípios da organização de ideias, que vêm da formação de
grupos de notas, vindo de três outras bases: Escalas, Arpejos e
Intervalos, das quais iremos tratar nesta parte do livro.
Tecnicamente, toda melodia é formada por esses três
pilares, ou seja, tudo que você ouvir estará composto por meio
Caminhos da Improvisação | 41

desses grupos de notas, que, de forma diferenciada, aparecem

MELODIA | Escalas
com a imagem de escalas, intervalos ou arpejos.
Nosso ouvido ocidental é influenciado a dizer o que é belo e
o que é abstrato por causa das diversas culturas que absorvemos
com o passar dos tempos. Sendo assim, temos melodias que se
consagraram e outras que não obtiveram tanta atenção.
Músicos que se destacam pelo senso melódico parecem
cantar aos ouvidos do grande público, fortalecendo a ideia de
que melodias são como frases faladas, e, quanto mais coerência
ou simplicidade, mais empatia por parte de quem ouve. Claro
que tudo isso é subjetivo, pois o abstrato e o belo são padrões
estabelecidos, mas é importante aprender com a história, para
que se criem novas histórias.

"As letras formam frases e são como melodia


para a linguagem falada, assim como as notas
formam frases e são como palavras para a
linguagem musical."
As melodias podem vir com poucas notas ou em grandes
grupos de notas, e podem ser estabelecidas com uma história
mais longa ou mesmo com uma pequena frase.

As melodias são o carro chefe, o diálogo, o discurso, o início


e o final de uma canção.

No Brasil, as melodias mais simples têm uma aceitação


maior do que as mais complexas, e às vezes os músicos que buscam
esse caminho acabam encontrando mais espaço no mercado de
trabalho, porém, tudo isso pode ser apenas um detalhe, pois a
mensagem suprema da inspiração musical não depende apenas
de lógica e simplicidade, já que o simples e aparente é formado
de muitas complexidades.

O conceito e a importância dos caminhos simples e lógicos


servem de princípio para algo mais complexo.

Por essa razão, trataremos, nesta parte do livro, sobre os


caminhos e detalhes existentes nas escalas usadas, nos intervalos
e arpejos.
Particularmente talvez esteja sendo simplório, mas
Caminhos da Improvisação | 43
acredito que o domínio desse conteúdo técnico dá ao músico um
vocabulário extenso de possibilidades que, em muitos momentos,
irão identificar-se com muita coisa já criada, o que não exclui
jamais as novas possibilidades a serem encontradas.
Nesse aspecto, penso que a matemática das notas, por
meio de escalas diferenciadas e combinações, ainda está longe
de ser esgotada, mas não se deve deixar de ousar e buscar o
novo, verdadeiro e sincero, ainda que sejam pequenos fluidos,
pois é assim que a evolução se mostra, quase sempre de forma
imperceptível.
As melodias também tiveram sua evolução na história.
Compositores eruditos e da música popular nos deram sua
contribuição e a linha do tempo nos mostra que as melodias
tiveram evidência em escalas diatônicas, cromáticas e arpejos

MELODIA | Escalas
nas suas formas mais tradicionais. Vemos isso no Chorinho, no
Swing, no Bebop, no Frevo e no Samba.
Já no Jazz modal, as melodias se evidenciam nos modos
e nem sempre obedecem aos arpejos verticais dos acordes. Em
algumas vezes, tornam-se um pouco diagonais ou em graus
descolados, e isso acompanhou o movimento da bossa nova,
que misturou bem as harmonias do Jazz ao Samba e adicionou as
tendências melódicas e harmônicas de aplicação da época.
A música pop também contribuiu muito para a criação de
lindas melodias, com a simplicidade dos sons com ênfase no
sentimento produzido pelos ritmos pops.
Por meio de poesias, as melodias na música brasileira
também ganharam sons mais complexos como nas canções de
Chico Buarque e Toninho Horta.
Surgiram melodias com ênfase em divisões rítmicas mais
complexas e menos lineares, como é o caso do repertório de Dja-
van, que evidencia muito isto e fez disto um estilo pessoal com
diversos exemplos em suas obras. Gilberto Gil e outros composi-
tores, depois dos anos 70, evidenciaram essa parte rítmica. Outro
grande nome nos mostrou mais complexidade e beleza melódica
com riqueza harmônica e rítmica: o Guinga.
No Brasil, existem dezenas de compositores que se tornaram
referência pelos detalhes de suas canções, sendo importante a
pesquisa sobre suas obras. Nomes como Pixinguinha, Tom Jobim,
João Donato, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rosa
Passos, Cartola, Noel Rosa, Moacyr Santos, Egberto Gismonti,
Hermeto Pascoal, Severino Araújo, Ernesto Nazaré, Chiquinha
Gonzaga, Heitor Villa Lobos são algumas referências, mas a lista
é enorme e sabemos disso.
Nossa música brasileira tem grande destaque no quesito
melodia e isso deve servir de fonte de pesquisa e inspiração para
qualquer improvisador e compositor.
No Jazz, a música de Miles Davis, Herbie Hancock, Wayne
Shorter e Coltrane evidenciou o contexto harmônico, porque,
no Jazz modal, as melodias se deslocavam do som dos acordes,
passando a circular livremente nas notas da escala. Temos muito
a pesquisar em cada compositor e suas melodias.
Certa vez, Mike Trace, professor da University of Louisville,
em 1999, me deu um conselho após me ouvir tocar um solo
na casa Thomas Jefferson, aqui em Brasília. Ele disse: “Nunca
deixe de produzir melodias, se concentre nelas.” Nunca vou me
esquecer disso.
Melodias são histórias que fazem qualquer um viajar com
você, se souber contar. Por isso, é tão forte no mundo a cultura
das canções com grande senso melódico.

Existem diversos níveis para se construir melodias, com


simplicidade voltada para os arpejos, notas ascendentes e
descendentes, ou com ênfase em construções harmônicas, e
outras mais complexas no caráter rítmico.
Caminhos da Improvisação | 45
Os ritmos Soul, Funk, Baião, Maracatu e Samba podem
trazer melodias com grande ênfase rítmica.
Seja com caráter harmônico, rítmico ou o mais abstrato
possível, a verdade é que o fio condutor da comunicação musical
é a melodia. Não é um fator impositivo, mas essencial.
Seja com poucas ou muitas notas, no grave ou agudo,
encontrar belas melodias é uma verdadeira arte, é como vasculhar
no fundo do mar e trazer à luz do dia algo especial.
Existem mistérios no fundo do mar em que poucos querem
mexer; isso depende de cada personalidade, mas, em se tratando
de música, esse convite não é um perigo, mas uma grande
aventura.
Alguns foram e nunca mais voltaram, é verdade, mas
passaram a enviar luz de lá onde acharam seus tesouros, e a

MELODIA | Escalas
verdade é que dificilmente algum novo caminho da música nos
faz voltar ao local original. Muito mais que um mergulho ao
fundo do mar, o conhecimento se trata da expansão do universo,
do nosso universo; é uma dilatação de autoconhecimento sobre
quem somos. Cada informação nos conduz um pouco mais nesse
sistema interior que é tão imenso quanto o universo visível.
As melodias nos darão esse passaporte. Não precisamos ter
medo ou preconceito quando o assunto é criar, compor e fazer
arte. Devemos ser sinceros e compenetrados nessa busca que
jamais terá fim e nos mostrará que seremos sempre melhores a
cada passo, pois é isso que a música de fato é: o casamento de
energias em trânsito livre no tempo e espaço da vida, metafísica,
espiritual, transcendental e mais que real, pois o real é muito mais
o que não pode ser visto com os olhos desse mundo ilusório.
Criamos e criaremos novas realidades a cada fóton de luz,
por meio das notas e suas combinações. Essa viagem só tem
início e é uma passagem apenas de ida, ida por meio do maior fio
condutor da criatividade musical, a melodia.
Escalas
Se a harmonia é o chão para a melodia, as escalas servem
de caminho. São pistas a serem escolhidas para um destino.
Escolher o uso de determinada escala é saber exatamente para
onde deseja ir ou, pelo menos, por onde deseja passar.
No início do pensamento criativo, você pode se sentir meio
perdido ao ver um acorde assim: G7(#9).
Isso pode parecer mais uma placa de trânsito dizendo
“PARE”.
Sem o devido conhecimento do que fazer, isso pode parecer
complicado. Faltará exatamente o caminho por onde seguir.
Lembro-me, nos meus 15 anos, quando ainda não entendia
bem harmonia, via um acorde desses e não sabia mais o que fazer,
primeiro porque não sabia distinguir ouvindo entre um acorde
de sétima maior e sétima menor. Então um acorde desses soava
muito esquisito.
O conhecimento melódico deve-se unir sempre ao
harmônico e vice-versa. Os dois dependem um do outro. Por isso
a relevância de entender a importância e o uso das escalas.
No campo harmônico, é comum o uso e a liberdade de uma
ou mais escalas para um acorde. No início, pode parecer liberdade
demais ter pelo menos 7 notas a sua disposição, mas, se você não
tiver isso, o que teria então?

Parte do pensamento criativo depende do desbloqueio do


próprio pensamento, da negação do medo e da decisão de ousar
fazer.

É como ter um belo saldo no cartão de crédito, o qual você


poderia gastar e tem como pagar, porém, o medo de não saber
usar o cartão cria uma distância entre ter e usar.
Caminhos da Improvisação | 47
Quando aprendemos as escalas, também adquirimos certos
bloqueios ao fazê-las.
Alguns tocam melhor com bemóis e evitam os sustenidos e
outros o contrário.
Existem alguns tons que intimidam ou pela visualização
na partitura ou pela combinação dos dedos. Tudo isso pode ser
desbloqueado.
No início dos meus estudos musicais, eu praticava
progressivamente bemóis e sustenidos, mas nem sempre queria
passar pelos 5 ou 6 sustenidos ou mesmo bemóis.
Isso gera uma acomodação, um pequeno desvio e
autoengano que a mente produz, como se não tivesse necessidade
de passar por alguns tons. Temos o costume de não querer passar
por lugares que não oferecem segurança ou qualidade.

MELODIA | Escalas
Nossa cultura tenta nos acostumar sempre nos convencendo
com o mínimo, e por isso perdemos bastante tempo deixando de
avançar de forma coesa.
Existem outras possibilidades de estudar o processo das
escalas a fim de passear por todos os tons e alcançar boa fluência
de execução.
1) Ciclo de Quintas – Progressão em Sustenidos - Sentido
Horário

2) Ciclo de Quartas – Progressão em Bemóis - Sentido Anti-


horário
C
F G
Am
Dm Em
B¯ D
Gm Tons Menores Bm

E¯ Cm F#m A
Tons
Fm Enarmônicos C#m
A#m A¯m
A¯ E¯m E
B¯m G#m
D#m
D¯ B
F#

C# C¯

3) Cromático (subindo ou descendo de meio em meio tom)


Caminhos da Improvisação | 49
As três formas são importantes, mas considero esta última
a mais eficaz pelas seguintes razões:
• o mais importante do uso melódico é pensar em graus, e
não em acidentes;
• os tons mais difíceis estão ao lado dos tons mais fáceis;
• o pensamento se adapta mais rápido a passagens mais
difíceis, porque está pensando melodicamente.
Esse é um momento importante dos estudos, porque
estamos começando a organizar as coisas.
Essa organização garante um avanço mais rápido usando
melhor o tempo. Perceber as escalas desta forma já desbloqueia
muita coisa e nos dá um pensamento geral dos 12 tons, passando
a organizar cada tom em forma de grau.

MELODIA | Escalas
Às vezes lutamos mais com a paciência, concentração e
disciplina do que com sustenidos ou bemóis.

Paciência
Quero reforçar, nesse ponto do livro, a questão da paciência.
Acredito que a paciência envolve uma rica visão em acreditar
que onde você investe seu tempo lhe renderá frutos, caso
contrário não há porque esperar; mas, se existe essa percepção,
então a mente e o corpo se ajustarão à causa.
Paciência envolve respirar, contar sem sofrer e ter paz ao
contar. Qualquer causa, luta ou batalha envolve isso, e ninguém
sem paciência alcança êxito em algo relevante. O imediato não
pertence às coisas profundas como é o caso da música, arte que
exerce a prática do tempo de forma absoluta.
O uso do tempo de forma estratégica serve aos sábios e aos
tolos, pois os tolos se afogam no tempo como se ele fosse finito,
já os sábios navegam no tempo enxergando sua infinitude.
O uso da paciência está em não perder tempo, aproveitando
o tempo das pequenas coisas, pois tudo que é grande é composto
de infinitas e pequenas coisas.
A paciência pode ser um dom, mas também pode ser
encontrada e praticada. O contrário da paciência é a ansiedade,
que suga o oxigênio do corpo e do cérebro.
No estudo musical, esse entendimento tem que ser

Escalas mais usadas


Caminhos da Improvisação | 51
resolvido logo no início, ou, o quanto antes for possível entender
isso, menos danos irá sofrer a sua criatividade e musicalidade.

Quadro das escalas


Organizo aqui uma sequência contendo as escalas mais
usadas em nosso sistema popular e atual de improvisação
ocidental.
Não foram esgotadas todas as possibilidades de escalas

MELODIA | Escalas
e nem pretendo colocar aqui todas possíveis, pois, em algum
momento do estudo aprofundado de escalas, haverá uma mistura
sem fim de sons e nomes que, se você mergulhar nisso, vai acabar
se tornando mais teórico do que prático, e o que mais pretendo
aqui é apontar o caminho, deixar as portas abertas e aguçar sua
curiosidade para buscar o que há de melhor para si mesmo. O
melhor caminho sempre será encontrado na prática, pois ele
tem a ver com sua personalidade e percepção, então somente a
Caminhos da Improvisação | 53
experiência do fazer, repetir e buscar vai mostrar a cada um se
ele deve se valer de muitas ferramentas ou de poucas para seu
processo criativo. Todas as escalas escritas na sequência irão
partir da nota Dó como base.

Escalas Orientais
No sistema de música oriental, existem diferentes tipos de
escalas que são usadas em cada região. Essas escalas se tornaram
populares pelos povos durante os tempos e chegaram até nós,
mas são pouco praticadas na nossa música ocidental. Algumas
delas se assemelham com outras nossas, mudando apenas o
nome, já outras não são encontradas entre nossas escalas mais

MELODIA | Escalas
conhecidas.
O sistema indiano de notas lida com 22 notas dentro de
uma oitava chamada de Shrutis.
É um sistema de microtons em que são estabelecidos 12
tons principais chamados Swara.
Os 7 tons são considerados como Swaras primários.

Seus nomes e nomenclatura são:


SHADAJ – SA – S;
Rashab – RE – R;
GANDHAR – GA – G;
Madhyam – MA – M;
Pancham – PA – P;
DHAIWAT – DHA – D;
Nishad – NI – N.

Sua forma nominal ou abreviada:


Sa, Ri (Carnatic) ou Re (Hindu), GA, MA, PA, DHA, e Ni.

E podem ser escritas com os símbolos: S, R, G, M, P, D, N


em equivalência com o nosso sistema germânico de cifra, C, D, E,
F, G, A, B.

O primeiro tom, chamado SA, não equivale ao Dó, e sim à


tônica do tom do momento, ou, como chamamos comumente,
de Primeiro Grau.

Quando divididos em 12 tons, os Swaras se distribuem


desta forma:

NOME DO Swara NOTAÇÃO


Sadja S
Komal Rishabha R1
Teevra Rishabha R2
Komal Gaandhaara G1
Teevra Gaandhaara G2
Komal Madhyama M1
Teevra Madhyama M2
Panchama P
Komal Dhaivata D1
Teevra Dhaivata D2
Komal Nishaada N1
Teevra Nishaada N2
Caminhos da Improvisação | 55
Quando distribuídos em microtons, os Shrutis se distribuem
assim:
1. Shuddha Sa
2. Atikomal Ri
3. Komal Ri
4. Madya Ri
5. Shuddha Ri
6. Atikomal Ga
7. Komal Ga
8. Shuddha Ga
9. Tivra Ga

MELODIA | Escalas
10. Shuddha Ma
11. Tivra Ma
12 . Tivra Ma
13. Tivratara Ma
14. Shuddha Pa
15. Atikomal Dha
16. Komal Dha
17. Trisruti Dha
18. Shuddha Dha
19. Atikomal Ni
20. Komal Ni
21. Shuddha Ni
22. Tivra Ni
Algumas escalas indianas se assemelham aos modos que
conhecemos, já outras não são comumente usadas em nosso
cotidiano, mas revelam grande riqueza e podem servir de
sugestão de pesquisa para diferentes sonoridades e estilos.

Confira estas dez escalas e suas relações com algumas que


usamos no modo grego:

Bilaval Jônio C D E F G A B
Kalyan Lídio C D E F# G A B
Khamaj Mixolídio C D E F G A B
Bhairav Árabe C D E F G A B
Purvi C D E F# G A B
Marwa C D E F# G A B
Kafi Dórico C D E F G A B
Asavari Eólio C D E F G A B
Bhairavi Frígio C D E F G A B
Todi C D E F# G A B

Dentre essas, vamos conhecer as três que não constam no


nosso sistema usual.
Caminhos da Improvisação | 57
Outras escalas:

MELODIA | Escalas
Escalas Pentatônicas

Existem diversas pentatônicas, algumas tiradas dos modos


gregos, outras com características regionais de outros povos,
como Cigana, Árabe, Húngara, Japonesa e Chinesa.

É interessante ver o leque de opções e alterações na


formação das pentatônicas, pois cada uma tem uma pequena
diferença em relação à outra. A prática e o conhecimento dessas
escalas podem ampliar bastante o vocabulário melódico e
principalmente na aplicação harmônica, pois as escalas de 5 notas
se encaixam em diversas outras escalas.
Caminhos da Improvisação | 59
Quadro comparativo de escalas

Maior C D E F G A B
Menor
C D E F G A B
Natural
Menor
C D E F G A B
Harmônica
Menor
C D E F G A B
Melódica
Maior
C D E F G A B
Harmônica
Diminuta C D E F F# G# A B

Tons C D E F# G# B

Blues C E F F# G B

MELODIA | Escalas
Nordestina C D E F# G A B

Bebop Maior C D E F G G# A B

Bebop Menor C D E E F G A B
Bebop
C D E F G A B B
Dominante
Bebop
C C# D# E F# G G# B
Alterada
Purvi C D E F# G A B

Marwa C D E F# G A B

Todi C D E F# G A B

Bhairav C D E F G A B

Árabe Menor C D E F# G A B
Enigmática C D E F# G# A# B

Napolitana C D E F G A B

Chinesa C E F# G B

Japonesa C D F G B

Pelog C D E G A
Japonesa
C D F G A
In-Sen
Pentatônica
C D E G A
Maior
Pentatônica
C E F G B
Menor
Pentatônica
C D E G B
Mixolídio
Pentatônica
C D E F# A
Lídio
Pentatônica
C E F A B
Frígio
Pentatônica
C E F G A
Dórico
Cromática C C# D D# E F F# G G# A A# B

Conceitos gerais

1. Melodias valem mais que escalas;

2. existem melodias ou fraseados que não obedecem a uma só


escala;

3. a prática de cada escala, sem muitas teorias iniciais, te dará


mais liberdade para conhecer os melhores sons;

4. um estudo aprofundado sobre cada campo harmônico


Caminhos da Improvisação | 61
servirá de base para mesclar melhor o som de cada escala;

5. a criatividade em si não deve se prender apenas ao


conhecimento;

6. a imaginação deve ganhar asas para não se prender nas


gaiolas da burocracia;

7. o pensamento contínuo nas escalas irá se desdobrar em


várias e maravilhosas descobertas melódicas e harmônicas.

"a imaginação deve ganhar asas para não se


prender nas gaiolas da burocracia"

MELODIA | Escalas
Pratique:
1. o solfejo interno de cada escala e o som aprendido;

2. o som de cada escala em todos os tons;

3. ao estudar cada modo e altura, improvise livremente sem


compromisso com compasso ou harmonia específica;

4. percorra toda a extensão do seu instrumento;

5. pratique com o pensamento em números equivalentes aos


graus e tente adaptar sua percepção auditiva a isso. Sua
mente rapidamente fará paralelos entre o som, os números
e a parte mecânica, e assim você pode criar infinitos padrões
combinando números e diferentes tonalidades.
Arpejos
Os arpejos são sons harmônicos tocados de forma melódi-
ca. Essenciais e intrínsecos em qualquer melodia escrita ou im-
provisada, contribuem para o enriquecimento melódico, harmô-
nico e rítmico de um solo. Existem em infinitas possibilidades.
Para instrumentistas de sopro, é essencial que pratiquem
os arpejos, para uma melhor compreensão dos sons da harmo-
nia.
Alguns músicos de sopros não tocam instrumentos de
harmonia, que é o meu caso pelo menos até agora; então o
som dos arpejos ajuda muito a entender melhor o movimento
harmônico.
A prática de escalas e arpejos cria diversas melodias
intuitivamente e torna possível a execução de um bom repertório.

A prática dos arpejos pode ser dividida em pelo menos 7


formas:
1. diatônicos;

2. cromáticos;

3. tríades;

4. tétrades;

5. posições fechadas;
6. posições abertas;
7. repertório.
Caminhos da Improvisação | 63

2
Cada músico pode criar sua própria forma de estudar
os arpejos, pois estas irão sempre obedecer a harmonias
estabelecidas. Existem várias possibilidades para criar exercícios,
e você pode seguir também alguns processos para esse estudo.

1. Praticar com o uso de graus independentemente do tom ou


modo.

Ex.: 1-3-5 como graus de um acorde.

MELODIA | Arpejos
2. Estabelecer uma harmonia modal.

A) Apenas um acorde ou dois e caminhar com os arpejos


dentro do modo.
B) Qualquer música com harmonia modal.

3. Estabelecer uma harmonia tonal.

A) Sequências de II-V-I maior e menor.

B) Qualquer música com harmonia tonal.


Dicas para estudos dos arpejos:

Diatônicos
O seguinte quadro contém 9 exemplos de exercícios de
arpejos.
A) Pratique além do que está escrito, não se prendendo apenas
ao exemplo;
B) o que está escrito serve de guia para linhas melódicas
partindo de arpejos;
C) pratique nos 12 tons;
D) pratique da mesma forma em outras escalas e tons;
E) com o passar do tempo, procure criar suas próprias formas
de arpejos nas diferentes escalas.
Caminhos da Improvisação | 65

MELODIA | Arpejos
Cromáticos
Caminhos da Improvisação | 67

MELODIA | Arpejos
Nos 16 exercícios, foram usadas as formas diatônicas,
cromáticas, tríades, tétrades e posição fechada. Vamos agora
para algumas formas abertas de arpejos. Nas posições abertas, as
possibilidades se multiplicam, então você pode usar os exemplos
como dicas, trabalhar diferentes formas a cada exercício e ainda
criar muitos outros.
Caminhos da Improvisação | 69

MELODIA | Arpejos
Pensando harmonicamente
Uma outra forma de criar estudos de arpejos é pensar
harmonicamente.
Nos exemplos passados, foram escritas partituras com
notação musical para cada motivo, mas, se os arpejos são acordes
tocados melodicamente, podemos pensar também apenas
harmonicamente. Nesse caso, deixamos de pensar de forma
horizontal e passamos a pensar de forma vertical, ainda que seja
para executar de forma melódica.
Usando esse raciocínio, basta pensar em acordes e assim
diversos padrões saltarão em sua mente. Então você pode criar
padrões simples e depois mais complexos. Vamos a alguns
exemplos:
Caminhos da Improvisação | 71

MELODIA | Arpejos
Pensando em graus
Vimos dois exemplos muito eficientes para o estudo dos
arpejos, um que organiza a mente de forma horizontal e outro
Caminhos da Improvisação | 73
de forma vertical. Agora vamos adicionar à nossa prática alguns
modelos de pensamento em graus.
Usando o número dos graus de 1 a 7, é possível criar muitas
formas de estudos.
A sequência pode também variar entre diatônica, cromática,
ou de forma intervalar.
A) Diatônico
• Estabeleça o tom;
• estabeleça a escala;
• pratique o som pensando em números;
• com o tempo, você estará acostumado a ouvir o som

MELODIA | Arpejos
dos números que pratica. Não force a mente: o cérebro
vai organizar isso naturalmente.

Exemplos:
135, 246, 357, 461, 572, 613, 724 - Faça isso em todos os tons.

1234, 2345, 3456, 4567, 5671...

1353, 2464, 3575, 4616, 5727...


"Algumas sonoridades são abraçadas por
gosto, maior facilidade técnica ou mesmo
dificuldade."

B) Cromático
• Estabeleça o tom;
• caminhe para baixo ou para cima de meio em meio tom;
• guarde bem o som dos números ou graus;
• cada sequência deve ser praticada em todos os tons.
Exemplos:
Caminhos da Improvisação | 75
358; 7835; 1#47; 1365; 135#4; 158.

C) Intervalar
Pode ser uma sequência simples também, porém combinada
a um intervalo sequencial como de segundas maiores, terças
menores ou maiores, quartas ou quintas:
17635#4 em 2M

MELODIA | Arpejos
#2358 em 3m

154 em 3M

153153 em 4J
5313 em 5J

O objetivo maior do estudo de arpejos é ganhar o máximo


de mobilidade e elasticidade. É uma verdadeira ginástica do
cérebro conectar tantas informações que podem durar meses
ou anos para se ajustar e ganhar aplicabilidade. Você pode saber
algumas ou várias opções, mas a diferença será a criatividade e o
bom gosto.

Uma coisa é aprender e ganhar agilidade com isso, o


segundo passo será como vai usar, onde e como você vai fazer
soar cada motivo.
Existem algumas opções que vão ao encontro da
personalidade do músico, e essas passam a fazer parte do
vocabulário por um tempo ou por muito tempo.
Algumas sonoridades são abraçadas por gosto, maior
facilidade técnica ou mesmo dificuldade.
Não conheço o limite de opções para o estudo dos arpejos,
pois eles se multiplicam em questões de inversão, articulação,
tonalidade, escalas, extensão e dificuldade técnica, e o vocabulário
da criatividade depende de muitos detalhes ligados a escolha,
afinidade, técnica e situação ou ambiente musical.
Esses arpejos ainda ganham mais contexto quando
Caminhos da Improvisação | 77
aplicados em combinações harmônicas, e a forma mais ampla
ainda é a aplicação rítmica, porque são inúmeras subdivisões,
compassos simples e compostos, polirritmia e divisões que, com
o passar do tempo, serão percebidas pelo músico.
Então seria impossível escrever aqui, musicalmente, todas
as possibilidades. O mais importante é entender as formas de
estudar, como criar alguns padrões e adicionar isso ao vocabulário.
Com o passar do tempo, os arpejos são inseridos
naturalmente no vocabulário na improvisação e farão parte, o
tempo todo, da escolha de melodias e fraseado.

MELODIA | Arpejos
Intervalos
Os intervalos compõem, nota após nota, os sons de uma
melodia. Assim como os arpejos e escalas, eles estão, o tempo
inteiro, gerando relações de sons entre duas notas.
Sobre esses saltos ou distâncias de uma nota a outra, está
uma poderosa ferramenta da melodia. A combinação e arte dos
sons, tanto de forma emotiva quanto planejada por meio dos
intervalos, constrói toda a imagem estética de uma melodia.
A distância de uma nota a outra forma lentamente um
jogo de peças que, se analisadas uma a uma, não fariam nenhum
sentido, mas, quando feitas sob um verdadeiro mapa mental
da criatividade, criam infinitas imagens e quadros sonoros que
as pessoas podem de fato apreciar, e a isso damos o nome de
melodias.
As escalas são como o veículo adequado para cada tipo de
pista ou rua, mas os intervalos são como pequenas partículas que,
juntas e ligadas uma à outra, constituem a imagem percebida,
como mosaico, pedras unidas em uma rua, ou a argamassa que
une cada tijolo.
Comparados com a linguagem escrita, os intervalos são
como letras que, unidas, formam o som que dá sentido a cada
palavra.
Com essa percepção microscópica sobre sua relevância, fica
mais visível entender a importância e qualidade de cada distância
entre notas a qual chamamos intervalos.
Caminhos da Improvisação | 79

3
A beleza e a arte de cada intervalo se moldam de acordo
com as divisões, andamentos e ritmos. Existem momentos
em que as escalas ficam em evidência, em outros momentos
são arpejos, mas os intervalos estão em uso constante. Alguns
fraseados trazem maior evidência de intervalos em relação a
escalas ou arpejos.

A busca pelo melhor som, a negação de uma nota em troca


de outra, a satisfação em encontrar uma linda melodia ou um

MELODIA | Intervalos
fraseado fazem parte do processo criativo. O êxito vem quando
a mensagem pode ser comunicada e seu gosto aprova aquela
passagem melódica.

O estudo dos intervalos pode ser realizado de forma


diatônica ou cromática.

Quando diatônico, pode ser ao som de uma escala escolhida


e caminhando desde a segunda menor até a oitava dentro das
notas dessa escala.

"A combinação e arte dos sons, tanto de


forma emotiva quanto planejada por meio dos
intervalos, constrói toda a imagem estética de
uma melodia."
1) Formas de estudo diatônico

• Use os intervalos existentes em cada escala e desen-


volva estudos com andamentos progressivos;
• existem algumas escalas cujos intervalos são simétri-
cos, como é o caso das escalas diminuta e tons intei-
ros;
• a repetição de cada som gera um vocabulário de op-
ções na memória;
• podem ser usadas variações de articulações, compas-
sos e divisões diferentes;
• o mesmo modelo usado para a escala maior pode ser
usado para as menores.

"os intervalos são como letras que, unidas,


formam o som que dá sentido a cada palavra."
Caminhos da Improvisação | 81

MELODIA | Intervalos
Após essa primeira sequência escrita por completo, pra-
tique as sequências a seguir, dando continuidade aos exemplos
iniciados.

Sobre os intervalos das escalas simétricas de tons intei-


ros e diminuta, existem algumas particularidades:
• na escala de tons inteiros, não existe  2,  3, 4J, 5J,
6 M e 7 M;
• só são necessárias duas alturas nos exercícios, pois
as demais alturas repetem o mesmo som;
Caminhos da Improvisação | 83
Exemplo:
C, D, E, F#, G#, A#
D, E, F, G, A, B

• a diferença na prática de cada altura será na percepção


do acorde ou baixo diferente, mas as notas se repetem,
uma vez que a escala está dividida em 2 camadas de 6
notas para as 12 existentes da escala cromática.

Aqui estão os intervalos a partir da nota Dó como


fundamental:

MELODIA | Intervalos

Já na escala diminuta, encontramos detalhes surpreenden-


tes quanto à disposição dos intervalos quando distribuídos.

Começando com os intervalos de tom e semitom, teremos


as seguintes distribuições para cada intervalo:
3m, 4J, #4, #5, 6M e 7M.
Quando os intervalos da diminuta são distribuídos em
terças menores, a escala sobe com o intervalo regular de terça
menor.
Quando distribuído em quarta justa, a segunda nota de
base sobe apenas uma terça maior; depois disso, repete a mesma
sequência de intervalo para as demais notas, 4J e 3M.
Quando distribuído em quarta aumentada, todas as outras
notas obedecem ao mesmo intervalo em sequência.
Quando distribuído em quinta aumentada, a segunda nota
sobe apenas uma quinta justa; depois disso, repete a mesma
sequência de intervalo para as demais notas, 5# e 5J.
Quando distribuído em sexta maior, todas as outras notas
obedecem ao mesmo intervalo em sequência.
Quando distribuído em sétima maior, a segunda nota
sobe apenas uma sétima menor; depois disso, repete a mesma
sequência de intervalo para as demais notas, 7 e 7.

Pode-se tirar muito proveito desse estudo específico na


escala diminuta, pois o fato de ser uma escala com 8 notas
aumenta bastante a possibilidade da aplicação melódica, e os
intervalos ou o domínio deles irão fazer toda diferença no uso da
diminuta.

Na escala diminuta, existem três ciclos.


Exemplo:
C, D, E, F, F#, G#, A, B
C#, D#, E, F#, G, A, B, C
D, E, F, G, A, B, B, C#

Confira agora o que foi escrito sobre cada ordem e sequência


de intervalos na escala diminuta.
Caminhos da Improvisação | 85

MELODIA | Intervalos
Se os exercícios começarem pelo padrão semitom e tom,
os intervalos que sofrem alteração, como 4J, #5 e 7M, serão
tocados inversamente nesta situação. Ex.:

Tom, semitom 4J, 3M #5, 5J 7M, 7

Semitom, tom 3M, 4J 5J, #5 7, 7M

2) Formas de estudo cromático

• No estudo cromático de intervalos, não é necessário


pensar em tons ou armaduras de clave;
• quanto mais experiências com os sons cromáticos,
melhor será a forma de preencher os acordes;
• na aplicação das escalas para cada acorde, o
conhecimento de cada altura impõe diferentes cores
aos sons. Essas cores estão nos intervalos;
• os intervalos cromáticos possibilitam uma elasticidade
sonora que dá o passe livre em qualquer escala.
Caminhos da Improvisação | 87
Nessa mesma ordem de movimentos, podem ser feitos os
exercícios para os demais intervalos.
Uma outra opção muito bem-vinda é a sequência de
intervalos, mas obedecendo a distâncias diferentes entre as notas
bases. No exemplo anterior, usamos a distância de um semitom
para a próxima nota base. O mesmo estudo pode ser feito com
intervalos de 2M, 3m, 3M e assim por diante.
Esse estudo garante um vocabulário extenso com os
intervalos e uma série de novas possibilidades que se ajustam à
criatividade de cada músico.
Para mergulhar nessa pesquisa de intervalos, use repetições,
divisões, compassos e articulações, tudo ao seu gosto.
Com a prática, tudo isso cairá como uma luva na aplicação

MELODIA | Intervalos
harmônica e no senso melódico que se desdobra a cada nova
percepção.
Caminhos da Improvisação | 89
Intervalos maiores, a partir da quarta aumentada, podem
ser pensados de forma inversa para facilitar o transporte. Ex.:
quinta justa acima ou quarta justa abaixo, quinta aumentada
acima ou terça maior abaixo, sexta maior acima ou terça menor
abaixo, sétima menor acima ou segunda maior abaixo, e sétima
maior acima ou segunda menor.

MELODIA | Intervalos
Caminhos da Improvisação | 91

Regra dos 9
A inversão de intervalos simples, se somados, sempre
resulta no número 9: 4+5, 3+6, 2+7. Quanto ao tipo – se menor,
maior, justo, aumentado ou diminuto –, todos serão invertidos
quando somados, com exceção dos justos.

2m 7M

2M 7m

3m 6M

MELODIA | Intervalos
3M 6m

4J 5J

#4 5

5J 4J

6m 3M

6M 3m

7m 2M

7M 2m

8J 1J
"somente você pode impor
o seu próprio limite"
No cotidiano, é comum que um músico se anime a estudar o
início dos intervalos, indo de segunda menor até terça maior, mas
alguns músicos conseguem treinar a paciência a ponto de chegar
aos intervalos como 6M, 7, 7M e 8J.
O retorno é bem maior e tudo faz diferença quando os sons
são mais acessíveis. É a possibilidade de a imaginação se sentir
livre e poder acessar diferentes e mais distantes pontos a cada
novo momento.

Esse ponto é o momento de se perguntar: preciso estudar


tudo isso? Não posso desenvolver formas mais simples e mais
fáceis para improvisar?
Eu penso que somente você pode impor o seu próprio limite,
mas na música tudo pode ser acessado, dependendo apenas do
conhecimento.
É claro que nem todos os músicos estudaram todas essas
coisas, e a criatividade não está presa apenas a isso, mas essa
parte se refere ao que existe, é possível e disponível no sistema
de 12 notas.
Todos esses exercícios desenvolvem uma grande percepção
e agilidade mental, além de ajudarem o cérebro a organizar
melhor cada tipo de informação a partir do momento que você
sabe o que está praticando.

A primeira parte do livro tratou dos 3 pontos principais das


linhas melódicas, escalas, arpejos e intervalos, que são a base
para toda construção de melodias, ou o caminho horizontal da
improvisação.
Caminhos da Improvisação | 93
A parte visível, a imagem e toda a beleza de linhas melódicas,
pode ser extraída dessas três ferramentas.
O assunto é inesgotável, mas aponta para alguns caminhos,
linhas e bases que o músico pode formar em seus estudos para
mergulhar no mar vertical da harmonia.
A partir de uma compreensão harmônica, muito do que foi
falado nessa parte do livro começará a se encaixar no cotidiano e
percepção do músico.
Os estudos dessa primeira parte seguirão por toda a vida
com você, por isso este livro não pode ser um método, pois ele
apenas aponta caminhos, sugere opções e levanta possibilidades.

MELODIA | Intervalos
"este livro não pode ser um método, pois
ele apenas aponta caminhos, sugere
opções e levanta possibilidades."
2
HARMONIA
Conceitos
iniciais
A percepção harmônica é diferente para diferentes
instrumentistas. Se, para um tecladista ou guitarrista, os sons
simultâneos são facilmente perceptíveis, para os instrumentistas
de sopro, às vezes essa distância entre melodia e harmonia é um
enorme obstáculo.
A verdade é que as percepções recebem um start, impulsos
para seu início em algum momento da vida, pois da mesma
forma que uma pessoa tem talento para música, essa mesma
pessoa pode nunca vir a ser músico. Cada instrumento gera uma
facilidade para uma área e pode encobrir outra naturalmente.
Trato inicialmente esse assunto dessa forma com o objetivo
de mostrar a importância do estudo e conhecimento harmônico
principalmente para os músicos de sopro.
Harmonia é como um veículo que transporta a melodia.
É essencial conhecer os fundamentos, sua teoria e praticar
esse conhecimento. Poucos conseguem decolar em temas mais
complexos sem o conhecimento.
Na improvisação, o ouvido e a percepção são fundamentais
em todos os sentidos, e, no caso da harmonia, o ouvido deve
ser muito bem treinado a reconhecer acordes, passagens,
progressões, tonalidades e modos diferentes.
4
HARMONIA
É a prática de ouvir que diminui o tempo-resposta. Por isso
o conhecimento amplo de harmonia trará grandes benefícios nos
diferentes estilos e situações da vida musical.
O ouvido percebe bem a música tonal e sequências tonais
de II-V-I. Basicamente, quando uma harmonia percorre apenas
um campo tonal como: E – C#m – A – B7, fica estabelecido pelo
ouvido um campo de gravidade que é o tom de Mi, e tudo que o
músico precisa tocar instintivamente são as notas de Mi maior.
Mas, quando os acordes se misturam com outros campos tonais,
aí o ouvido pode perder um pouco do entendimento, caso não
esteja acostumado.
Como, por exemplo, Dm7 – Em7 – A7 – G7 – C#m7.
Essa proposta harmônica já requer maior conhecimento
tanto instintivo quanto teórico, e é nesse momento que conhecer
os princípios, e saber o nome e os sons de cada modo, acorde e
alteração fará toda diferença.
Toda criatividade terá sua limitação no conhecimento.
Existem diferentes caminhos no aprendizado e cada
caminho segue seu próprio curso, sem às vezes cruzar com outros.
"Harmonia é como um veículo que
transporta a melodia."
Como o ouvido é formado daquilo que pratica, se um
músico é acostumado a tocar somente pop, seu ouvido vai
perceber sempre bem o campo tonal e, nesse caso, tudo é
mais simplificado a ponto de muitas vezes se resumir a acordes
de formação mais simples. Nesse caso, a aplicação da escala
pentatônica e alguns detalhes da escala Blues, como 3 e 5, já
fazem bastante diferença.
Um músico especialista de Choro, com o passar do tempo,
desenvolve seu ouvido nas harmonias características do Choro
com toda a riqueza do campo tonal, pois o Choro e o Samba
trazem passagens harmônicas mais amplas, em alguns casos.
A harmonia do Choro contribui muito para o ouvido harmônico,
nesse sentido.
Já a harmonia modal é um campo vasto que aglutina todos
os tipos de conceitos, e o ouvido precisa aprender a ouvir diferente.
É mais difícil para o músico de sopro acostumar-se com essas
passagens, caso este não toque nenhum instrumento de harmonia.
Caminhos da Improvisação | 99
Gosto de enxergar duas portas no mundo harmônico: uma
menor, que é o campo tonal; e a maior, que é o campo modal.
Acredito que é muito importante aprender primeiro sobre
o tonalismo e todas suas possibilidades, pois o tonalismo é a
parte racional, matemática, o campo gravitacional, o pé no
chão, o mundo em 3D; já o modalismo é a parte emocional,
física subatômica, sem gravidade, navegar no espaço, a quarta
dimensão.

"Toda criatividade terá sua limitação no


conhecimento."

HARMONIA | Conceitos Iniciais


No campo da improvisação, existem diferenças em saber
tocar das duas formas.
O tonalismo sempre tensiona e resolve, já o modalismo não
trabalha apenas resoluções, mas sistemas abertos e mais livres.
Os dois tipos de harmonia se misturam e um músico pode
tocar de forma modal no tonalismo, mas usar o emprego de
resoluções no modalismo, a meu ver, seria como jogar um copo
d’água no mar. Penso que essa afirmação pode trazer uma bela
discussão, pois, quando um músico do Bebop toca Milestones, que
é uma harmonia modal, ele acaba moldando seu estilo à harmonia
proposta, que é o campo modal.

"o tonalismo é a parte racional, matemática, o


campo gravitacional, o pé no chão, o mundo
em 3D; já o modalismo é a parte emocional,
física subatômica, sem gravidade, navegar no
espaço, a quarta dimensão."
"Acredito que, dos três elementos da música,
a harmonia seja o último a ser percebido."
Ritmo e melodia chegam a nós de forma natural, e,
desde cedo, podemos cantar ou balançar o corpo, mas os sons
simultâneos parecem exigir mais do intelecto e de um bom
aprendizado, mesmo que este seja superficial.

Conhecer harmonia gera


autonomia
Os músicos brasileiros são bem práticos, até pela nossa
cultura, que ainda tenta estabelecer o ensino de música popular.
Aprendemos quase tudo na raça e força de vontade.
Mas, quando o assunto é harmonia, a quantidade de infor-
mações e o nível musical têm se elevado bastante em todos os
estados.
Meu desejo é que cada músico leve muito a sério o estudo
e conhecimento harmônico, se possível religiosamente, pois não
se pode enganar a música. Isso é uma coisa que falo sempre e
faço questão de trazer para este material, porque, levando tudo
no peito e na raça, sempre ficam umas notinhas por aí, que nem
são outside e nem se autojustificam nas improvisações.
Como o objetivo deste material é elucidar ao máximo os
conceitos e trabalhar a criatividade, acredito ser importante
separar a criatividade da displicência.
O processo de aprendizado, naturalmente, em cada um
pode deixar lacunas, e o objetivo que tenho é de diminuir essas
Caminhos da Improvisação | 101
lacunas, visando sempre à luz musical em nossa inspiração, mas
harmonia é a parte da responsabilidade, na qual só se pode brincar
depois de saber apagar o fogo que foi aceso.
Quando chegarmos aos modos gregos, que será na próxima
estação, será importante ter entendido uma coisa:

"A harmonia é da melodia."


Então todo o processo de conhecimento de escalas, arpejos
e intervalos, que será analisado num contexto harmônico,
mostra que tudo isso faz parte da melodia, que é soberana na
improvisação.

HARMONIA | Conceitos Iniciais


Aprendemos o uso e a aplicação de escalas para obedecer ao
conceito harmônico e assim descobrirmos a liberdade melódica
que tudo isso gera.
O código do conhecimento harmônico e a prática das escalas,
arpejos e intervalos visam à maior mobilidade e profundidade na
criatividade melódica.
O contrário disso é uma grande limitação em qualquer
forma de se fazer música.

"Conhecer não significa perder a simplicidade;


conhecer é ter o poder de optar e criar novos
caminhos, sejam eles simples ou complexos."
Modos
Gregos
Imaginem uma viagem iniciada por sete amigos, na qual
todos deveriam cumprir a mesma trajetória em um grande
círculo, porém cada um começando de um ponto diferente.
As experiências seriam diferentes entre os sete viajantes.
Podemos dizer que, apesar de percorrer os mesmos locais,
cada um sentiria a viagem de uma forma diferente, e, em cada
ponto de partida, haveria uma diferente percepção de distâncias
e locais.
Para saber o que cada viajante viveu, todos deveriam
experimentar as sete viagens partindo de cada ponto diferente.
Pois bem, essas distâncias são reais e as percepções
também, quando você toca as mesmas notas de uma escala,
partindo de pontos diferentes e com um ponto de apoio ou baixo
em determinada nota.
Os chamados modos gregos têm a sua importância muito
mais no som do que nos nomes que receberam.

Quando o som de Fá maior é tocado partindo da nota Mi,


toda a percepção muda por causa não somente do ponto de
partida, mas do baixo que pode estar sustentando esse apoio.
Inicialmente, pelo menos aqui no Brasil, somos conduzidos
a ouvir, tocar e cantar sempre nos apoiando ou no primeiro grau,
que é o tom maior, ou no sexto grau, que é o tom menor.
Esse é um exemplo que pega de surpresa muitos músicos
já com boa experiência, mas sem a prática de identificar escalas
Caminhos da Improvisação | 103

5
partindo de diferentes graus.
Quando os intervalos de partida mudam, todo o som muda,
a experiência auditiva e mais ainda quando se tem o som do baixo
apoiando isso.
É muito mais importante vivenciar a experiência do som do
que apenas conhecer a teoria dos nomes.

HARMONIA | Modos Gregos


É claro que, na experiência do aprendizado, cada um tem
o seu processo, mas é bom viver as duas: tanto a teoria, porque
instiga o cérebro a organizar as ideias, quanto a prática dos sons.
Os modos gregos são nominados pelos sons da escala
maior, então lá na frente veremos outros nomes de modos gregos
que serão alterados seguindo a base da escala maior.

O primeiro e mais usado, em qualquer brincadeira musical


infantil, é o mais popular e aquele com o qual um leigo ou
iniciante se identifica com mais clareza, por conta da informação
massificada.

Jônio ou Jônico, o som mais conhecido da escala maior:

C, D, E, F, G, A, B

• Cada modo é definido pelo baixo e pode começar a ser


aprendido tocando as sete notas.

• Não se pensa cada modo somente a partir da nota me-


lódica inicial, mas sim da fundamental.

• O som do modo Jônio traz o acorde perfeito maior como


primeiro grau da escala maior.

• A nota principal ou característica do modo Jônio é o


quarto grau.

• As notas evitadas na música tonal são as mais importan-


tes na música modal.

Esse primeiro entendimento sobre o primeiro modo servirá


de base para todos os outros modos e também quando estes
estiverem alterados e usados em outras escalas.

Tabela com nomes e sons

Nome Natureza do grau Grau característico

Jônio Maior 4

Dórico Menor 6

Frígio Menor 2

Lídio Maior #4

Mixolídio Maior 7

Eólio Menor 6

Lócrio Meio diminuto 2, 5


Caminhos da Improvisação | 105
Os sons modais são evidenciados então da seguinte forma:
• escala;
• fundamental no baixo;
• nota característica;
• acordes que evidenciam a nota característica em rela-
ção ao baixo.

Com essa tabela em mente, já é possível entender ou iniciar


um processo de criação de sons por meio de simples acordes.
Sequências podem ser feitas evidenciando cada modo.

HARMONIA | Modos Gregos


Jônio

O quarto grau fica em evidência na melodia e garante a


característica do som modal, sem perder também a fidelidade ao
som tonal, que é a resolução da terça no acorde de Dó.
Com esse entendimento e evidenciando as notas
características de cada modo, é possível alcançar uma grande
liberdade e fluência na forma modal de tocar.

A coerência do valor de permanência na nota característica


depende de cada estilo e situação. Não existe uma regra para isso.
O melhor é conhecer e praticar cada som. O pensamento teórico
servirá de base, mas a prática de cada um irá ao encontro de sua
própria personalidade.
Vamos aos exemplos em cada modo.

Dórico
Acorde menor e a nota principal é a sexta maior da fundamental.

Frígio
Acorde menor e a nota principal é a segunda menor.

Lídio
Acorde maior com sétima maior e a nota principal é a quarta
aumentada.
Caminhos da Improvisação | 107

Mixolídio
Acorde maior com sétima dominante e a nota principal é a
própria sétima.

Eólio
Acorde menor e a nota principal é a sexta menor.

HARMONIA | Modos Gregos


Lócrio
Acorde meio diminuto e tem duas notas principais, a
segunda menor e a quinta diminuta.

Em todos os modos, as notas principais ficaram em


evidência melódica.
Alterações nos modos
Nas escalas menores, a análise de modos é feita tendo a
escala maior como base. Tudo é analisado pela maior, e o nome
será dado a partir da nota que se diferencia da escala mais próxima
da maior.
Então, cada grau das escalas menores ganha um nome
tirado da escala maior com o símbolo de alteração ou nota que
caracteriza a diferença em relação à escala maior.
Conhecer esses nomes é matéria de discussão em muitos
seguimentos, pois existem os que não se importam com nomes e
defendem apenas o conhecimento do som, e existem também os
que preferem conhecer os dois lados, o teórico e o prático.

Exemplo:
No quarto grau da maior, o modo lídio é caracterizado pelos
seguintes intervalos:

1 – T9 – 3 – #11 – 5 – 6 – 7

Já no quarto grau da menor melódica, o sétimo grau é menor


dentro de uma escala lídio, assim o nome da escala iniciando por
esse grau passa a se chamar escala lídio 7.

1 – T9 – 3 – #11 – 5 – 6 – 7

"As notas evitadas na música tonal são as mais


importantes na música modal."
Caminhos da Improvisação | 109
Um outro exemplo é no terceiro grau da menor melódica,
onde a escala é caracterizada pelo modo lídio, porém com a
quinta aumentada.

1 – T9 – 3 – #11 – #5 – 6 – 7

Dessa forma, cada escala ganha um nome relacionado aos


modos da maior, acrescentado da sua nota alterada, que será sua
característica. Veremos o quadro completo no próximo capítulo.

Pratique:
1. Cada modo em seus 12 tons. Ex.: Dó dórico, Dó# dórico,

HARMONIA | Modos Gregos


Ré dórico. Dó frígio, Dó# frígio, Ré frígio.
2. Para memorização mais eficiente, a escrita de todos os
modos no papel ajuda, devido à concentração e à atenção
dada a cada nota.
3. Procure tocar algumas melodias em modos diferentes.
Use as mesmas notas, porém altere o modo. Esse simples
exercício ajuda a perceber e entender melhor as diferenças
entre os modos.
Caminhos da Improvisação | 111

HARMONIA | Modos Gregos


Harmonização
das Escalas
Cada escala tem uma formação de acordes em cada
grau. Esses acordes são formados, em sua maioria, em terças
sobrepostas, e, em alguns graus, existe a formação de alguns em
quartas sobrepostas.

Existem subcamadas na formação de cada acorde, ou


formações secundárias. Algumas delas não são muito usadas
popularmente, mas, com o passar do tempo, alguns músicos
trouxeram inovações na formação e percepção de cada acorde
ou grau.

No estudo sistemático da harmonia popular, são ensinadas


várias formas de enxergar os acordes e existe também uma
prática comum entre os músicos mais experientes: Enxergar ou
ler o que não está escrito.

Consiste em uma análise rápida sobre o acorde, observando


o contexto harmônico, como função do acorde ou contexto em
que ele se encontra em relação à harmonia. Ocorre em situações
em que a cifragem é simples, mas se encontra em um contexto
mais complexo.

É importante a memorização e prática, na mente e no


instrumento, dos acordes, graus e escalas.

Memorizar tudo isso é um processo necessário para o


desenvolvimento do músico e seu avanço em repertórios mais
sofisticados.
Caminhos da Improvisação | 113

6
Particularmente entendi isso como uma fórmula
matemática, e esse foi um divisor de águas no meu processo de
aprendizado para a improvisação.

Cifragem das escalas

HARMONIA | Harmonização das Escalas


Padrão usado:
Notas: cifras com as notas específicas de cada escala.
Graus: tipos de acorde, se maior, menor, dominante,
meio diminuto ou diminuto.
Tensões: as diferentes tensões que podem ser usadas
em cada grau da escala.
Cifra modal: cifra alternativa para opção de um segundo
instrumento harmônico ou visão secundária
da harmonia proposta.
Modo: modos gregos para cada grau das escalas
maior, menores e simétricas.
Não foram analisados tipos de modos para as escalas
orientais.

"Enxergar ou ler o que não está escrito."


Escala Maior
Aplicação C∆ Dm7 Em7 F∆(#11)

Graus I∆ IIm7 IIIm7 IV∆

Tensões 69 6 9 11 2 6 11 6 9 #11

Cifra modal C6 G/D Dm/E G/F

Modo Jônio Dórico Frígio Lídio

Aplicação G7 Am7 BØ

Graus V7 VIm7 VIIØ

Tensões 9 13 #5 9 11 2 11, 6

Cifra modal G9sus F/G F∆/A F/B

Modo Mixolídio Eólio Lócrio


Caminhos da Improvisação | 115

Menor Melódica (Bachiana)


Aplicação Cm6 D7(9)sus E∆(#5) F7(#11)

Graus Im6 II7sus III∆(#5) IV7(#11)

HARMONIA | Harmonização das Escalas


Tensões 6 9 11 9 11 13 9 #11 13 69

Cifra modal Cm6 Cm/D Dm/E G/F

Modo m mel Dórico 2, Frígio 6M Lídio #5 Lídio 7

Aplicação G7(13) AØ9 B7alt

Graus V7(13) VIØ9 VII7alt

Tensões 9 11 13 9 #9 5 #5

Cifra modal G9sus F/G G(#5)/A Cm6/B

Modo Mixolídio 6 Lócrio 9M Alterado


Menor Harmônica
Aplicação Cm∆ DØ E∆(#5) Fm7

Graus Im∆ IIØ III∆(#5) IVm7

Tensões 6 9 11 2 11 13 9 13 #4 6 9

Cifra modal Cm(#5) G/D G/E G(9)/F

Modo M har Lócrio 6M Jônio #5 Dórico #4

Aplicação G7(9) A∆(#9) Bº(13)

Graus V7(9) VI∆(#9) VIIº

Tensões 13 #11 13 2 11 13

Cifra modal Am6/G G/A G(9)/B

Modo Frígio 3M Lídio #9 Superlócrio


Caminhos da Improvisação | 117

Maior Harmônica
Aplicação C∆(#5) DØ9 E7(#9) Fm∆

Graus I∆ IIØ III7 IVm∆

HARMONIA | Harmonização das Escalas


Tensões 6 9 9 11 13 9 #9 13 6 9 #11

Cifra modal E/C E/D Fm/E E/F

Modo Jônio 6 Dórico 5 Frígio 3M Lídio 3

Aplicação G13(9) A∆#9(#5) Bº

Graus V7 VI∆ VIIº

Tensões 9 13 #4 #5 #9 13 9 11 13

Cifra modal E/G G6/A Fm/C

Modo Mixolídio 2 Superlídio Lócrio 7 dim


Tons Inteiros
Aplicação Ctons Dtons Etons

Graus I7 II7 III7

Tensões #4 #5 9 #4 #5 9 #4 #5 9

Modo Tons Tons Tons

Aplicação F#tons G#tons Btons

Graus #IV7 #V7 VII7

Tensões #4 #5 9 #4 #5 9 #4 #5 9

Modo Tons Tons Tons


Caminhos da Improvisação | 119

Diminuta
Aplicação Cº D79(13) Eº F79(13)

Graus Iº II7 IIIº IV7

Tensões ∆ 9 11 13 9 #9 #11 13 ∆ 9 11 13 9 #9 #11 13

D/E
F/G
D/F
F/A F/B
D/A
Cifra modal Fm/G

HARMONIA | Harmonização das Escalas


Dm/E
Fm/A
Dm/F#
Fm/B
Dm/A

Modo Dim DomDim Dim DomDim

Aplicação F#º G#79(13) Aº B79(13)

Graus #IVº #V7 VIº VII7

Tensões ∆ 9 11 13 9 #9 #11 13 ∆ 9 11 13 9 #9 #11 13

G#/A B/C
G#/B B/D
G#/D B/F
Cifra modal
G#m/A Bm/C
G#m/C Bm/D#
G#m/D Bm/F

Modo Dim DomDim Dim DomDim


Pentatônica
Na pentatônica, a análise será feita a partir de onde ela é
encontrada nos graus das escalas, então aplicaremos cifragem de
acordes nos graus em que ela pode ser melhor escolhida. A escala
escolhida foi de Dó ou Lá menor pentatônica, e o quadro mostra
onde ela é encontrada em graus e escalas.

Escalas I II III IV

C C9y Dm7 F∆(#11)

G Am7 C∆(#11)

F F∆ Gm7 Am7 B∆(#11)

G m mel Gm∆ C7(#11)

Escalas V VI VII

C G7sus Am7

G D7sus

F C7(13) Dm7

G m mel F#7alt
Caminhos da Improvisação | 121

Outras Heptatônicas
Nas seguintes escalas, os padrões são bem diferentes
das primeiras. A diferença de ordem entre um intervalo e outro
estabelece critérios totalmente diferentes e pouco explorados
em nossas formas de compor do mundo ocidental.
Padrões que não são compatíveis nas escalas mais usadas,
como 9 com 9 e #9, ou 4 com 4#, 7 e 7, aparecem naturalmente
nessas escalas.

Outras razões comuns:

HARMONIA | Harmonização das Escalas


1. o uso de 3 semitons em sequência;
2. até duas passagens de terça menor entre duas notas.

Essa formatação de intervalos cria estruturas bem mais


complexas para serem analisadas na harmonia tonal.

Por outro lado, é importante frisar o uso dessas escalas para


harmonias modais ou com cifras mais simples, quando é possível
utilizar livremente os intervalos de cada escala sem o compromisso
da cifra com várias tensões, pois quanto mais tensões escritas,
mais restrições existirão quanto ao uso das notas.

Nesse caso, minha recomendação, fora da regra ou sistema


estabelecido, é que seja seguido e aplicado o uso dessas escalas
para acordes de cifragem simples, como:

C – C7 – C∆ – Cm7 – Cm∆ – Csus – Clídio – C(#5) – CØ


Casos interessantes
A prática desses sons pode gerar inúmeras possibilidades
para a criatividade, pois as relações de intervalos, arpejos e sons
distintos se multiplicam exponencialmente.

Por 20 anos aproximadamente, estudei e pratiquei as


seguintes escalas: Maior, Menores, Diminuta, Tons, Pentatônica,
Blues e Cromática. Em média, 8 escalas.
Mas, nos últimos anos, tenho conhecido diversas outras
escalas, das quais apresento pelo menos 11 nesta parte do livro.

Para encontrar a melhor forma de executar cada uma


dessas escalas e onde elas são mais eficientes, é necessária uma
boa pesquisa de som, prática e aplicação nos estudos.

Em alguns graus, não foi possível encontrar os requisitos


básicos para formar acordes com 3ª maior, menor ou sus.
Caminhos da Improvisação | 123

Árabe, Bhairav, Cigana ou


Double Harmônica
Aplicação C∆(#5) D7(#9) E(#9) Fm∆

HARMONIA | Harmonização das Escalas


Graus I∆(#5) II7 III IVm∆

Tensões 9 #5 #9 #11 6 9 #9 13 9 #11 13

Cifra modal D/C C∆/D Fm/E Em6/F

Aplicação G7(9) A∆(#5) B

Graus V7 VI∆(#5) VII

Tensões 9 #11 13 #9 #5 13 N/C

Cifra modal C#m/G G13/A N/C


Purvi
Aplicação C∆ Dm7 E(#9) F#7sus

Graus I∆ IIm7 III6 #IV7sus

Tensões 6 9 #11 4, #4 9 #9 13 9 9 #11

Cifra modal F#sus/C C/D F#sus/E E/F#

Aplicação G lídio A7(#9) B

Graus V lídio VI7 VII

Tensões 9 #11 13 #5 #9 6 6 9 9

Cifra modal C#m11/G F#9sus/A C/B


Caminhos da Improvisação | 125

Marwa
Aplicação C∆ DØ Em6 F#sus

HARMONIA | Harmonização das Escalas


Graus I∆ IIØ IIIm6 #IV7sus

Tensões 9 #11 13 11 5 6 #5 9 11 5 9

Cifra modal F#m/C N/C F#Ø/E Em/F#

Aplicação G lídio A7(#9) Bsus

Graus V∆ VI7 VIIsus

Tensões 9 #11 13 9 #9 13 9 9 13

Cifra modal A/G N/C Am/C


Todi
Aplicação Cm∆ Dsus E7(#9) F#sus

Graus Im∆ II7sus III7 #IV7sus

Tensões 9 5 6 9 #11 #9 13 13 9 9 #11

Cifra modal F#m/C A/D F#sus/E A∆/F#

Aplicação G lídio A7(#9) B6

Graus V∆(#11) VI7 VII6

Tensões 9 #5 #9 9 9 #5 13

Cifra modal E/G G∆/A A∆/B


Caminhos da Improvisação | 127

Enigmática
Aplicação C7 Dm7 E(#4) F#7(#11)

IIm7

HARMONIA | Harmonização das Escalas


Graus I7 III(#4) #IV7

Tensões 9 #11 13 6 ∆ 11 9 #5 13 9 #11

Cifra modal C#sus/C F#(#11)/D N/C N/C

Aplicação G#7 A#Ø Bsus

Graus #V7 #VIØ VIIsus

Tensões 9 13 6 9 9 ∆ 9 9 13

Cifra modal C7/G# C∆(#5)/A# A#Ø/B


Napolitana Maior
Aplicação Cm∆ D7 E7 F7

Graus Im∆ II7 III7 IV7

Tensões 9 11 6 ∆ 9 #11 #5 9 #11 #5 13 9 #11 13

Cifra modal B(#5)/C Cm/D F/E G(#4)/F

Aplicação G7 A7 B7

Graus V7 VI7 VII7

Tensões 9 5 13 9 #9 #11 13 #5 9 9 #11

Cifra modal A(#4)/G F/A G7/B


Caminhos da Improvisação | 129

Napolitana Menor
Aplicação Cm∆ D lídio Esus Fm7

HARMONIA | Harmonização das Escalas


Graus Im∆ II∆ III7sus IVm7

Tensões 9 11 6 9 #11 9 #5 13 9 #4 6

Cifra modal D/C Cm/D D/E E7sus/F

Aplicação G7(9)sus A∆(#9) B(#5)

Graus V7sus VI∆ VII(#5)

Tensões 9 13 5 #9 13 9 #11 13

Cifra modal Fm/G G7/A Cm/B


Persa
Aplicação C∆ D7 E6 Fm∆

Graus I∆ II7 III6 IVm∆

Tensões 9 #5 #9 #11 9 #9 13 6 9 #11

Cifra modal Bsus/C C∆/D D/E E/F

Aplicação Gsus A∆ Bsus

Graus Vsus VI∆ VIIsus

Tensões ∆ 9 #11 #9 11 #5 13 9 9 #11 13

Cifra modal Fm/G Bsus/A Fm/B


Caminhos da Improvisação | 131

Húngara maior
Aplicação Cm∆ D7(9) E∆(#5) F#Ø

III∆(#5)

HARMONIA | Harmonização das Escalas


Graus Im∆ II7 #IVØ

Tensões 6 9 #11 9 13 #5 #9 #11 13 9 11 6

Cifra modal B/C Cm/D G/E G/F#

Aplicação G∆ AØ B7(#9)

Graus V∆ VIØ VII7

Tensões #5 9 6 9 11 9 #9 13

Cifra modal F#º/G G/A AØ/B


Húngara menor
Aplicação C∆ D7(9) E∆(#5) F#

Graus Im∆ II7 III∆(#5) #IV

Tensões 9 #5 #11 13 #4 9 #11 13 #9 4 #5 13 N/C

Cifra modal B/C B/D Bm/E N/C

Aplicação G∆ A∆(#9) Bm6

Graus V∆ VI∆ VIIm6

Tensões 9 #5 #9 #11 9 #9 #5 13

Cifra modal D(9)/G G/A A/B


Caminhos da Improvisação | 133

Simétrica
Aplicação C∆ E (#5) E∆

Graus I #II III

Tensões #9 13 9 #5 13 #9 13

Cifra modal E/C Em/E A/E

Aplicação G(#5) A∆ B(#5)

Graus V VI VII

HARMONIA | Harmonização das Escalas


Tensões 9 #5 13 #9 13 9 #5 13

Cifra modal Am/G C/A Cm/B

Como assimilar todo esse


processo:
1. escolha uma escala de cada vez;
2. procure entender o que ocorre, em cada grau, visualmente
e mentalmente;
3. toque o som de cada escala a partir de cada grau;
4. pratique os arpejos e intervalos distintos;
5. use toda a extensão do seu instrumento;
6. pratique nas 12 alturas;
7. rascunhe todo entendimento;
8. aplique o uso de cada escala para cada acorde encontrado
no Real Book ou Songbook;
9. mescle o som e aplicação de duas ou mais escalas para cada
tipo de acorde.
Sonoridade
das Escalas
Dia de sábado, você tem que ir a uma festa e precisa
escolher uma roupa, abre seu guarda-roupa e lá tem algumas
peças. Se forem poucas, ou você não vai à festa por não ter uma
roupa adequada, ou vai com a certeza de que tem a roupa certa
apesar de ter poucas opções. Em um outro caso, seu guarda-roupa
está cheio, você espalha as roupas pela cama, veste algumas até
decidir com qual peça se sentirá bem e poderá se apresentar.
Agora imagine que, depois da festa, você precisa fazer compras, e
depois malhar e logo mais ir para o trabalho.
Dificilmente você usaria as mesmas roupas, pois cada local
te convida ou exige um tipo de perfil ao se apresentar.
Por fim, imagine tudo isso se passando em 2 segundos?
Impossível? Não na improvisação.
É exatamente o que acontece quando você tem um ou
mais acordes por compasso e cada acorde pertence a uma escala
diferente. Você precisa conhecer seu guarda-roupa e tomar
decisões rápidas para cada ocasião. Essas ocasiões são os acordes,
e as escalas são roupas do seu guarda-roupa, que na verdade é o
seu vocabulário.
Complicado ou não, todos temos um guarda-roupa de
escalas para usar, alguns mais, outros menos.
O interessante é que, assim como cada roupa tem uma
mensagem ou perfil, cada escala também tem uma sonoridade,
particularidade, elegância e razão para ser usada.
Existe uma mensagem ao som de cada escala, arpejo e
combinação de intervalos, que, com o passar do tempo, cada um
irá descobrir.
Caminhos da Improvisação | 135

7
É como passar infinitas vezes dirigindo na mesma estrada:
com o tempo você passa a perceber detalhes surpreendentes
sobre aquele caminho e a experiência sempre será diferente.
Na música, nada se repete, embora notas e divisão se repitam
sempre, mas o ambiente, o público, a respiração, motivação e
emoções sempre se combinam de forma diferente, formando
equações infinitas e assim tornando impossível que o mesmo

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


momento se repita. Dessa forma, temos uma grande virtude na
música, que é poder fazer algo sempre diferente, embora pareça
repetido.
Algumas escalas se diferenciam por uma nota e podem ser
ambas aplicadas ao mesmo acorde. Em alguns casos, mais de duas
escalas, e, quando fragmentos da escala em 4 ou 5 notas ganham
forma, dessa maneira as possibilidades se tornam infinitas.
Cada escala tem seus caminhos, que podem soar
matemáticos e racionais, ou emotivos; por isso, a experiência
se diferencia quando são conhecidas as particularidades de cada
escala.
Neste capítulo, não farei análises de graus sobre as escalas,
mas vou me concentrar na aplicação de diversos sons contidos em
cada escala.
O objetivo deste capítulo é mostrar o cardápio de sons, sem
jamais almejar o esgotamento deles. Ainda não será dada ênfase
na diversidade rítmica, pois esse contexto deverá ser trabalhado
após a compreensão dos sons de cada escala.
Nos fraseados, aparecerão notas cromáticas ascendentes e
descendentes combinadas às notas da escala do momento. Essas
notas são como tempero para uma melhor sonoridade.
Fraseado com base em cada
modo da escala maior.
Modo Jônio
Nesse grau, existem duas opções de acorde.
Com 6 e 9, ou Maj7(∆), não faz diferença nas notas, exceto
que o fraseado pode se apoiar melhor na sexta e nona ou sétima
maior para os acordes em evidência.
A quarta é chamada de nota evitada, mas, no fraseado
modal, ela é a nota que evidencia o modo Jônio; então pode ser
enfatizada melodicamente, quando a intenção for o som Jônio.
Caminhos da Improvisação | 137

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Modo Dórico
No modo dórico, o acorde é m7, tensões 9, 11 e 6, sendo a
sexta a nota característica do modo.
Harmonicamente, exerce funções de resolução, quando a
harmonia prepara para tom menor; mesmo assim, chegando ao
tom menor, usa-se frequentemente o modo dórico como escala.
A sexta exerce grande influência no som do acorde, pois é o que
diferencia do modo eólio ou escala menor natural. Uma outra
função é como cadência de preparação para tom maior ou menor.
Ex.: Dm7 – G7 – C∆ ou Dm7 – G7(13) – Cm7.
O uso de IIm7 como cadência para o tom menor não é tão
comum, mas existe, por exemplo, no tema Invitation, na segunda
parte.

Observe bem e toque cada passagem a seguir:


Caminhos da Improvisação | 139

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Modo Frígio
Existem diversos temas que usam o acorde m7 no modo
frígio e de forma modal. Esse acorde, nessa função, também
aparece bastante em cadências tonais.
A nota característica é a segunda menor. Observe bem cada
passagem e pratique os sons disponíveis. Após compreender cada
passagem, outros sons fluirão naturalmente.
Caminhos da Improvisação | 141

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Modo Lídio
O som do modo lídio se caracteriza pela quarta aumentada e
é muito usado em cadências de II-V-I, quando resolve no primeiro
grau, muito embora seu som venha do quarto grau da escala
maior. A quarta aumentada não interfere no som do acorde, mas
pode ser uma opção para acordes com sétima maior.
Caminhos da Improvisação | 143

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Modo Mixolídio
Único acorde dominante da escala maior. Tem função de
preparação para acordes maiores principalmente. Acompanhado
de 9 e 13 como notas de tensão. O acorde dominante caracteriza
estilos de música modal, como Blues, Baião, Soul.
Caminhos da Improvisação | 145
No modo mixolídio, o acorde também pode aparecer com
a nomenclatura Sus, substituindo a terça do acorde pela quarta.
Gera uma diferente sonoridade, e a escala, apesar de ser a
mesma, ganha um caminho um pouco diferente, embora a terça
não precise ser evitada, mas a quarta está em evidência.

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Modo Eólio
Aqui encontramos a escala menor natural, com acorde
menor e nota característica 6, normalmente escrita como #5.
Tensões 9 e 11. É um som mais suave, se comparado ao modo
dórico, isso por causa da sexta, que é menor no eólio.
Caminhos da Improvisação | 147

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Modo Lócrio
Esse modo não tem o som do perfeito maior e nem menor,
por isso não resolve em si mesmo, mas serve de cadência para
II-V menor, ou até mesmo maior, como é o caso no tema Night
and Day. As opções para o uso da escala, quando o acorde é meio
diminuto, variam entre segundo da menor harmônica e sexto da
menor melódica. O modo lócrio também tem função de V7(9). As
notas características são 2 e 5.
Caminhos da Improvisação | 149

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Menor Melódica
Cm∆ – D7(9)sus – E∆(#5) – F7(#11) – G7(13) – AØ9 – B7alt

O fraseado melódico da maioria das escalas ganha


característica modal, portanto seu uso não é dependente de uma
resolução tonal para maior ou menor, embora elas possam ser
usadas como passagem para resolução de tom maior ou menor.
Caminhos da Improvisação | 151

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Menor Harmônica
Cm∆ – DØ – E∆(#5) – Fm7(#11) – G79(13) – A∆(#9) – Bº(13)
Caminhos da Improvisação | 153

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Tons Inteiros
C7 9 #11 13
Caminhos da Improvisação | 155

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Diminuta
Cº – D79 #11 #9 13
Caminhos da Improvisação | 157

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Blues
C7 – Cm7

A escala Blues pode ser tocada tanto para o acorde maior


quanto para o menor, com a única diferença de que, no acorde
menor, não se usa a terça maior.
Notas características: 3, 5, 7.
Caminhos da Improvisação | 159

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Purvi
C∆ – Dm7 – E(#9) – F#7sus – G∆(#11) – A7(#9)
O sétimo grau não forma nenhum acorde perfeito maior,
menor ou sus.
Caminhos da Improvisação | 161

Enigmática
C7 – Dm7 – E(#4) – F#7(#11) – G#7 – A#Ø – Bsus

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Simétrica
C∆ – E (#5) – E∆ – G(#5) – A∆ – B(#5)
Caminhos da Improvisação | 163

Árabe
C∆ – D7 – Em – Fm∆ – G7(9) – A∆(#5)

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Cromática
Das várias escalas comuns existentes, a escala cromática
talvez seja a única que pode transitar livremente ou se inserir em
qualquer uma delas.

A velocidade com que ela pode se apresentar em


determinados contextos mostra sua eficiência em anunciar as 12
notas existentes e conhecidas no mundo ocidental.

Ela pode aparecer como um flash de luz em uma situação ou


mesmo como um recheio melódico, cheia de belezas, sutilezas e
contornos sobre as notas das escalas de acordes.

Obviamente é a escala com maior número de notas e, às


vezes, é ignorada por conter os semitons. Veremos aqui como
usar todas as 12 notas com eficiência e coerência.

Existem diversas formas de usá-la, pois ela é uma poderosa


ferramenta na arte da improvisação ou mesmo no sistema de
composição, arranjos e técnicas individuais.

Princípios e divisão da escala


cromática (EC)
Em primeiro lugar, é preciso perceber como a EC se divide
matematicamente. Essa percepção começa a nos mostrar como
ela pode se encaixar nas escalas e em qual número de notas é mais
coerente frasear dependendo do acorde; isso porque esse mesmo
acorde sempre estará inserido em alguma escala com 5, 6, 7 ou 8
notas.
Caminhos da Improvisação | 165
A escala cromática pode ser dividida em várias partes.

Em duas:

12 / 2 = 6, seis semitons para cada divisão. Então ficaria


partindo de Dó com o seguinte som: C F#

Em três:

12 / 3 = 4, quatro semitons para cada divisão. Então ficaria


partindo de Dó com o seguinte som: C E G#

Em quatro:

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


12 / 4 = 3, três semitons para cada divisão. Então ficaria
partindo de Dó com o seguinte som: C E F# A

Em seis:

12 / 6 = 2, dois semitons para cada divisão. Então ficaria


partindo de Dó com o seguinte som: C D E F# G# A#

Com esse entendimento, uma quantidade incontável


de exercícios melódicos e progressões harmônicas pode ser
desenvolvida.
Pensando em cada base da divisão como arpejos e acordes
de forma simétrica, é possivel identificar diversos padrões quando
a escala é estudada matematicamente.

Uma grande contribuição foi dada a todos nós por meio do


livro Thesaurus of Scales and Melodic Patterns, do autor Nicolas
Slonimsky. Lá o autor expõe, de forma ampla, as possibilidades
existentes na escala cromática de forma melódica, com notas de
aproximação para cada parte e divisão da escala. Sem dúvida é
um material que todo músico deve ter e pesquisar a fundo.
A seguir, algumas percepções sobre a escala cromática:
Caminhos da Improvisação | 167

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


Dicas finais sobre a sonoridade
das escalas
1. Cada escala é um Sistema de sons;
2. cada escala tem seu próprio campo de acordes e
particularidades harmônicas;
3. auxilie o som de cada escala com a escala cromática;
4. as frases escritas foram limitadas em divisões básicas como
colcheias, tercinas e semicolcheias;
5. a prática em diferentes divisões rítmicas aumentará seu
vocabulário na sonoridade de cada escala;
6. o mais importante neste capítulo é entender o som que cada
intervalo ou grau produz;
7. desenvolva estudos setorizados sobre cada escala;
8. pratique tudo nas 12 tonalidades;
9. pratique os sons mais simples: neles estão as portas para
sons mais complexos.

"pratique os sons mais simples: neles estão as


portas para sons mais complexos."
Caminhos da Improvisação | 169

HARMONIA | Sonoridade das Escalas


"Uma grande contribuição foi dada a todos
nós por meio do livro Thesaurus of Scales
and Melodic Patterns, do autor Nicolas
Slonimsky."
Aplicação
Harmônica
Aqui está um dos pontos de convergência entre a teoria
aprendida e a prática. O momento de unir o coração e a mente, o
que foi aprendido e o que é percebido. O cálculo e o que de fato
é inspirado.
A percepção de cada som busca, nos estudos, a melhor
forma de aplicar sua inspiração, e os rascunhos de cadernos vêm
à mente quando o assunto é buscar o melhor som e aplicação
para cada passagem harmônica.
Nesse quesito, existem inúmeros exemplos de
comportamento musical, muitos mestres deixaram seus legados
e formas de enxergar a música e sua sonoridade.
Alguns mais racionais, outros mais emotivos, alguns que
buscaram a simplicidade e outros que trilharam os caminhos mais
complexos.

"A aplicação não chega a ser uma ciên-


cia, mas se divide entre arte, conceitos e
conhecimento."
O estudo da aplicação pode ser preciso ou contraditório,
quando o assunto é o som para cada passagem harmônica.
Algumas notas se justificam, embora estranhas ou mesmo fora
da escala, e outras podem soar estranhas mesmo pertencendo à
escala do acorde.

Nesse momento, misturam-se escalas, arpejos e intervalos


Caminhos da Improvisação | 171

8
em um verdadeiro carrossel de possibilidades sonoras, sempre
em busca da melhor resolução.

Como fazer soar bonito? Mas o que seria o bonito? O que


seria fazer o som da alma, e não o som racional?

Algumas vezes, isso se encaixa mais com as resoluções bem


aplicadas para determinados acordes, e, outras vezes, alguns

HARMONIA | Aplicação Harmônica


músicos fogem do belo, do encantador, do som politicamente
correto, do encaixe perfeito e até mesmo de serem entendidos.
Isso depende de cada personalidade, por isso não poderia deixar
aqui o que é certo em absoluto, pois isso na música pode ser um
assunto bastante controverso.
A aplicação não chega a ser uma ciência, mas se divide entre
arte, conceitos e conhecimento.
Existem caminhos básicos que podem ser aprendidos por
todos, já outros caminhos se desdobram com a prática diária.
Talvez esse seja o caminho encontrado pelos mestres, pois é
quando alguém encontra o seu som, sua voz ou a forma de fazer
soar alguns estilos que acabam se destacando entre tantos outros.

As aplicações harmônicas podem ser estudadas em duas


formas básicas:

1. tonal
2. modal
No tonalismo, tudo gira em torno da preparação e resolução.

Podem surgir inúmeras passagens, mas todas caminham


para o acorde maior ou menor. Exemplo para tom maior:

All The Things You Are

Fm7 – Bm7 – E7 – A∆ – D∆ – G7 – C∆

Nesse caso, a progressão culmina em C∆.

Exemplo para o tom menor:

Autumn Leaves

Cm7 – F7 – B∆ – E∆ – AØ – D7(9) – Gm7

Dessa forma, existe um caminho harmônico definido e


alguns caminhos melódicos que podem ser escolhidos em paralelo
a esse caminho harmônico.

Toda aplicação segue alguns princípios:

1. conhecer a função de cada acorde na harmonia;


2. conhecer a escala de cada acorde ou sequência;
3. conhecer escalas secundárias;
4. praticar.

"No tonalismo, tudo gira em torno da


preparação e resolução."
Caminhos da Improvisação | 173
As resoluções tonais tendem a resolver ou soar melhor em
notas que são tríades dos acordes, ou seja, I, III e V.
Isso não é obrigatório, mas tradicionalmente e, na maioria
dos estilos, tanto na improvisação quanto nas canções, as
melodias se acomodam melhor quando se resolvem em uma das
três notas do acorde.
Resoluções secundárias seriam na 7, 7, 9, #11 e 13, mas
esses sons não caracterizam a música tonal, por justamente
pedirem mais resolução.

Resolução secundária pede para segunda opção


7 I

HARMONIA | Aplicação Harmônica


7 I
9 III I
#11 V III
13 (6) V 7

Dessa forma, entendemos que toda aplicação melódica em


progressões harmônicas irá culminar em algumas das 7 notas da
escala, podendo se resolver em notas do acorde ou em qualquer
nota da escala.
Exemplos de resolução melódica para as notas do acorde,
tendo por base a progressão G7 – C∆:

A. para o I grau, com notas diatônicas:

B. para o I grau, com notas cromáticas:


Caminhos da Improvisação | 175
C. para o III grau, com notas diatônicas e cromáticas:

HARMONIA | Aplicação Harmônica


D. para o V grau, com notas diatônicas e cromáticas:
E. resolução em outros graus, 9, #11, 6 e 7:
Caminhos da Improvisação | 177
Padrão adotado nos exemplos:

1. o caminho da melodia é baseado na escala do acorde;


2. uso de cromatismo como recurso melódico;
3. a melodia tem uma nota alvo.

Com a prática, esse pensamento que, no início, se apresenta


mais lento e analítico passa a ser instintivo e automatizado,
fazendo com que o som pulsante em sua percepção busque
sempre de forma seletiva os melhores caminhos de chegada ou
resolução.

HARMONIA | Aplicação Harmônica


Essa base melódica possibilita transitar em diversas
harmonias com cadências de II-V-I.
Existem algumas variações para essa cadência, tanto para
maior quanto para menor:

1. Am7 – D7 – G∆

2. Am7 – A7 – G∆

3. Am7 – D7alt – G∆

Normalmente a variante se dá no V7, e esse pode aparecer


com alterações como 9, #9, #11 e #5 em separado ou vir apenas
alt, que é o acorde alterado, contendo todas as alterações, 9, #9,
5 e #5 caracterizando assim o acorde alterado.

O acorde de resolução, normalmente um acorde com sétima


maior, pode ser considerado com a 4J, sendo jônio, ou #4, sendo
lídio.
Acontece que, se não estiver escrito, ficará livre para escolha
da 4J ou #4:

4. AØ – D7(9) – G∆

5. AØ – A7 – G∆

6. AØ – D7alt – G∆

7. AØ – D7(9) – Gm7

8. AØ – A7 – Gm7

9. AØ – D7alt – Gm7

10. Am7 – D7 – Gm7

11. Am7 – A7 – Gm7

12. Am7 – D7alt – Gm7

Em alguns casos, o II grau pode ser substituído da seguinte


forma:

13. A7alt – D7

14. A7alt – A7

15. A7alt – D7alt

"É importante o estudo de variáveis nos


II-V-I, pois grande parte das harmonias
para standards e MPB contém essa
progressão e suas variantes."
Caminhos da Improvisação | 179
Um acorde dominante também pode vir com a cifragem
aparente. Nos casos 16 e 17, os dois acordes preservam o trítono
do acorde dominante, porém são cifrados com o baixo meio tom
acima e sendo menor com sexta. A7alt = Bm6 e D7alt = Em6.

16. Bm6 – Em6 – G∆

17. Bm6 – Em6 – Gm7

Vamos analisar alguns dos acordes usados e possíveis


escalas a serem usadas:

Am7 – G maior, Cpent, Dpent, Gpent;

HARMONIA | Aplicação Harmônica


D7 – G, Edim, Em mel;
D7alt – Em mel;
A7(#11) – Em mel, Apent;
AØ – B, Gm harm, Cm mel, Bm mel;
D7(9) – Gm harm, Edim, Em mel.

É importante o estudo de variáveis nos II-V-I, pois grande


parte das harmonias para standards e MPB contém essa
progressão e suas variantes.
A explicação é bem mais fácil do que a prática, pois na prática
tudo se multiplica e se adapta ao gosto, técnica e percepção do
músico.

Essa regra usada vale para todos os tons e passagens.


Aplicação Harmônica para o Modalismo

No modalismo, a aplicação harmônica obedece também à


escala do momento do acorde, porém tem menos compromisso
com o som de resolução.
Resolução não é a parte mais importante no modalismo, e
sim a liberdade rítmica e melódica.
No modalismo, as aplicações não se baseiam em
progressões de II-V-I, mas na sonoridade das escalas. Dessa
forma, os acordes podem se deslocar e ainda ganhar posições e
formações diferentes para soar sobre um único acorde. Sobre isso
veremos mais à frente no capítulo que trata sobre sobreposições
de acordes.

A estética melódica apresenta diferentes papéis na aplicação


harmônica modal, por vezes de forma vertical, assumindo
melodicamente sons diversos da harmonia proposta por meio de
arpejos comuns ou em posições diferenciadas.

• A estética consiste em como os sons se apresentam.


• Algumas formações de sons são baseadas em acordes e
melodicamente em arpejos.
• Você pode usar, de forma livre, os mais diversos tipos
de intenções melódicas, desde os sons mais próximos
como o uso do cromatismo e também apresentar esses
sons com mais opções, variando os intervalos de acordo
com sua percepção e nível técnico. Veja o uso diferen-
ciado dos intervalos usados para um mesmo acorde.
Caminhos da Improvisação | 181

HARMONIA | Aplicação Harmônica


Dessa forma, a aplicação modal usa, de forma livre, todas
as notas e graus da escala à qual pertence, podendo transitar
em todos eles sem notas evitadas. O que vai caracterizar de fato
o modo é o som da fundamental ou do baixo, não havendo a
diferença no som do modo, desde que o baixo ou a base sustente
o som original do modo.
Agora veremos um exemplo disso que foi dito, em que
todos os acordes e sons apresentados são possíveis para o acorde
proposto. Essa possibilidade vale para todo acorde apresentado
no campo do modalismo. Dm7 será o acorde base para essa
análise.

"A estética melódica apresenta diferentes


papéis na aplicação harmônica modal,
por vezes de forma vertical, assumindo
melodicamente sons diversos da harmonia
proposta por meio de arpejos comuns ou em
posições diferenciadas."
Existem outras possibilidades de aplicação para um
mesmo acorde, mas veremos isso no capítulo que trata sobre
sobreposições de acordes.

O uso das escalas orientais multiplica as possibilidades de


aplicação.
Sobretudo requer o cuidado quanto ao estilo, já que os sons
são bem diferentes dos nossos mais conhecidos.
É possível extrair um grande conteúdo com o uso das escalas
Purvi, Todi, Marwa, Cigana, Árabe menor, Enigmática, Napolitana
e Simétrica.

É natural surgir um certo preconceito quanto à aplicação de


algumas escalas diferentes em harmonias conhecidas, mas todo
conhecimento é um convite para sair da zona de conforto.

Um outro ponto importante é que muitos músicos deixaram


sua contribuição em gravações e shows nos últimos 100 anos, e
talvez essa seja a maior escola para o aprendizado na improvisação.
Caminhos da Improvisação | 183
Alguns caminhos indicados foram colocados mais pelo
sentido técnico do que pela sugestão de clichês. Não tenho a
intenção de robotizar nenhum pensamento e criatividade, por
isso não quero encher esse livro com centenas de exemplos, mas
somente os necessários, indicando as possibilidades mais óbvias
e usuais.
Delas já é possível extrair uma boa quantidade de dicas que
motivam qualquer músico a se aprofundar mais na prática da
improvisação.

HARMONIA | Aplicação Harmônica


"É natural surgir um certo preconceito
quanto à aplicação de algumas escalas
diferentes em harmonias conhecidas, mas
todo conhecimento é um convite para sair da
zona de conforto."
Notas
em comum
Algumas músicas usam campos harmônicos diferentes,
tonalidades e modos que mudam rapidamente de compasso para
compasso.
Esse ambiente harmônico requer agilidade no pensamento,
antecipação quanto às mudanças de notas e uma série de fatores
que exigem maior preparo, para que a beleza artística não seja
sufocada pela quantidade de fatos.

A música tonal exige do cérebro esse preparo rigoroso


quanto à agilidade nas mudanças de escalas, modos e tonalidade,
pois, com o passar dos tempos desde o Bebop, as harmonias
foram ganhando mais conexões, formas mais sofisticadas, e
foram achadas verdadeiras fórmulas matemáticas, simetrias e
diferentes estruturas, ao se criar algumas composições.

Essas mudanças ganharam notoriedade no Jazz e na MPB,


trazendo diversos padrões harmônicos para cada composição.

Essa realidade torna comum para cada música buscar


uma fórmula ou atalho para algumas harmonias. É claro que o
conhecimento básico ajuda, mas a questão é como cada músico
enxerga cada harmonia proposta.

As maiores dificuldades se encontram quando os modos


são ou parecem muito distantes um do outro; então surge a
dificuldade de criar conexões que aproximam as notas entre dois
acordes.
Caminhos da Improvisação | 185

9
Com o passar do tempo, percebi que um acorde se conecta
ao outro não apenas pelo trítono, ou pelas notas de acorde,
mas pelas notas em comum entre eles. Observem este pequeno
exemplo:

C∆ – E∆: notas evidentes C, D, F, G, (A), se pensar E lídio.

HARMONIA | Notas em comum


Existem algumas notas em comum entre esses dois
acordes. Essas notas servem de conexão harmônica e facilitam as
passagens harmônicas.

Aprender a identificar notas em comum facilita a conexão


nas passagens harmônicas.
Alguns benefícios desse conhecimento:

1. repouso da mesma nota na passagem harmônica;


2. um mesmo fraseado pode ser usado na mudança de acordes;
3. reforça o som da mudança, uma vez que a melodia se
encontra em repouso;
4. arpejos também podem ser feitos em comum aos dois ou
mais acordes;
5. quanto menos notas, maior abrangência pode ser alcançada
em algumas harmonias.

As notas em comum podem ser praticadas diariamente até


de forma mental, servindo de memorização das harmonias e das
notas em comum entre acordes.

Nos próximos exemplos, as notas escritas após o acorde são


as notas em comum com o próximo acorde. Para isso, é analisada
a escala a ser usada ou a multiplicidade de escalas que podem ser
usadas para cada acorde.

Notas entre parênteses sugerem algum cuidado quanto à


sonoridade dela no acorde ou passagem. Isso acontece geralmente
com a quarta, ou sexta menor, mas depende da passagem.

Em acordes que antecedem a mesma escala do próximo


acorde, não haverá análise.
Caminhos da Improvisação | 187
Garota de Ipanema, segunda parte

F#∆: F#, G#, (B), C#, D#, E#;


B7(#11): B, C#, D#, F#, G#;
F#m7: F#, A, B, E;
Am7: (A), B, C, D, F#, (G);
D7(9): D, (E), (G), A, B, C;
Gm7: G, A, B, C, F;
E7: E, F, G, A, B, C;

HARMONIA | Notas em comum


AØ: B, C, D, E, F, F#;
D7alt: D, E, F, B, C;
Gm7: B, C, E;
C7alt: C, E, (B);
F∆.

Lazy Bird

Am7 – D7: D, (E), G, A, C;


Cm7 – F7: F, G, (B), C, D, E;
Fm7 – B7: (B), C, D, (E), F, G;
E∆: (F), G, A, C, D;
Am7 – D7 – G∆: B, C#, (E), F#;
G#m7 – C#7 – Am7: E, F#, B.
Segunda parte

Bm7 – E7 – A∆: A, B, (D), E, F#;


Am7 – D7 – G∆.

Giant Steps

B∆: B, (E), F#;


D7 – G∆: G, (C), D;
B7 – E∆: G, A, C, D;
Am7 – D7 – G∆: G, (C), D;
B7 – E∆: E, F, B;
F#7 – B∆: E, F, A, B;
Fm7 – B7 – E∆: G, A, C, D;
Am7 – D7 – G∆: B, C#, E, F#;
C#m7 – F#7 – B∆: E, F, A, B;
Fm7 – B7 – E∆: D#, (G#), A#;
C#m7 – F#7 – B∆.

Nos três temas, a média normalmente é de 3 a 5 notas em


comum de um acorde para o outro. Em alguns casos, até 6 notas.

Identificar isso de forma rápida pode levar um tempo, mas


isso será estabelecido com a prática, e com isso as harmonias vão
ganhando atalhos que podem ser convertidos em ótimas ideias
musicais.
Caminhos da Improvisação | 189
Alguns temas trazem harmonias com passagens mais
sofisticadas entre acordes, o que reforça a necessidade dessa
prática de perceber notas em comum.

Descubra e pratique as notas em comum nos seguintes temas

1. Dolphin Dance (Herbie Hancock)


2. Stella By Starlight (Victor Young)
3. Pensativa (Clare Fischer)
4. Moment’s Notice (John Coltrane)
5. Countdown (John Coltrane)

HARMONIA | Notas em comum


Alterações
A liberdade de cada músico tem muito a ver com suas
influências, o que escuta, com quem toca, sua cultura e visão
pessoal das coisas.

Cada qualidade, facilidade ou dificuldade acaba indo ao


encontro das questões musicais e, assim, com o tempo, chega
a maturidade e o poder de realmente escolher os sons, sabendo
qual efeito eles terão. Esse domínio está bem acima de uma
análise harmônica, e é possível que o músico vá definindo seu
caminho a partir de suas influências.

A liberdade é um sentimento complexo que pode ser


medido tanto por quem vive quanto por quem observa, então esse
relativismo irá trazer a cada músico diferentes percepções sobre
o que pode, o que é importante, belo, descartável ou essencial.

Quanto aos sons musicais, existem diversas teorias, tabus


e limites na consciência e conhecimento de cada um; por isso, o
que vou escrever neste capítulo não será tratado cientificamente,
mas sob minha ótica das possibilidades existentes na harmonia,
ou mesmo do que tenho praticado.

Não há condição alguma de esgotar o assunto, porque


talvez, 500 anos atrás, alguém nunca pensou que chegaríamos
tão longe no universo dos sons, então me resumo ao tamanho

"Este capítulo trata do que não está sempre


visível ou do que não é indicado comumente."
Caminhos da Improvisação | 191

10
da minha experiência e do que já está estabelecido nos álbuns
dos mestres que contribuíram de forma grandiosa para o nosso
mundo.
Ao conhecer uma harmonia, é possível conhecer diversas
possibilidades sobre a aplicação dos sons em cada acorde. Alguns
músicos escolhem a simplicidade ligada ao bom gosto, outros
escolhem a pesquisa do que é possível, e outros vão testando
tudo de acordo com sua emoção e percepção dos sons, e como

HARMONIA | Alterações
eles se relacionam com o seu gosto, com a música ou estilo.
Já falamos aqui sobre escalas, acordes e aplicabilidade de
escalas nos acordes, mas abordamos somente o que está escrito
de forma visível.
Este capítulo trata do que não está sempre visível ou do que
não é indicado comumente.
Nas harmonias modais, não é comum uma cifragem com-
plexa, pois o intuito é gerar liberdade tanto ao improvisador
quanto a quem acompanha. Até mesmo em harmonias do tona-
lismo, porém no tonalismo alguns compositores ou arranjadores
preferem indicar exatamente a alteração, se ≤9 ou #9, a fim de
definir melhor a escala por meio dessa cifra ou porque querem um
som específico.
Na improvisação, quanto menos tensões escritas, mais
liberdade para o improvisador. Por exemplo, observe que em A7
cabem tantas escalas que, se você pensar de forma unificada, as
12 notas são possíveis.

A7

A B C# D E F# G

A B C# D# E F# G

A B≤ C D≤ E≤ F G

A B C# E≤ F G

A B≤ C C# D# E F# G

A C D D# E G

A C C# D# E G G#

Resultado:

A, B≤, B, C, C#, D, D#, E, F, F#, G, G#

Por várias explicações e escalas combinadas, o que


realmente acontece é isso, se o acorde está escrito dessa forma.
Porém, se está escrito assim:

A7 #9(#5) = A, B≤, C, D≤, E≤, F, G


Caminhos da Improvisação | 193

"Na improvisação, quanto menos tensões


escritas, mais liberdade para o improvisador."
De 12 notas para 7. Isso faz uma grande diferença quanto à
liberdade.

Em alguns acordes, encontramos uma liberdade que


ultrapassa a escala proposta, e é possível combinar várias escalas.
Por exemplo:

E F G A B≤ C D

HARMONIA | Alterações
E F G A B≤ C# D

E F# G A B≤ C D

E F G A≤ B≤ C D

E F G A≤ B≤ B C# D

E G A B≤ C D D#

Resultado:

E F F# G G# A B≤ B C C# D D#

Princípio usado na improvisação: toda nota tem sua sensível.

É por essa razão que, mesmo num acorde dominante,


a sensível é possível, não para uma nota da harmonia ou de
repouso, mas uma nota a ser combinada com as demais, gerando
intervalos e passagens em aproximação com a tônica.
Sobre o uso da cromática
A escala cromática bem aplicada possibilita o uso de todas
as notas, o que se torna um risco, caso não forem observados
alguns princípios da sonoridade de cada escala ou acorde.

Para o uso adequado da escala cromática nesse contexto, é


importante observar alguns princípios:

1. usar as notas da escala do acorde como notas de base,


raciocínio e resolução;

2. a resolução melódica, se dentro ou fora da escala,


dependendo do contexto melódico proposto, pode soar
bem ou não;

3. em harmonias com II-V, o som encontrará melhor repouso


nas notas do acorde.

Observando e praticando bem esses poucos conceitos, já


se torna possível obter muitos efeitos, usando a cromática para
várias passagens harmônicas.

Estabelecendo a melhor escala


Existem harmonias que guardam em si escalas próprias,
como é o caso da escala Blues. É claro que é possível fazer
diferentes opções nos acordes de um Blues, porém o som básico
da escala vai clamar o tempo inteiro para ser usado, pela força do
estilo.
Caminhos da Improvisação | 195
Em alguns estilos, é possível perceber a escala que mais tem
a ver com o momento. Isso se dá muito mais por transferência de
cultura do que pelo conhecimento aprendido; mas, para algumas
músicas em específico, será possível identificar escalas visando a
uma nota alvo.

Na última parte do tema Stella By Starlight,

EØ – A7(≤9) – DØ – G7(≤9) – CØ – F7(≤9) – B≤maj,

podem ser usadas várias alternativas, padrões ou, mesmo


apesar de as três primeiras sequências serem idênticas
(mudando apenas o transporte um tom abaixo), podem ser
usados critérios diferentes para cada uma das passagens.

HARMONIA | Alterações
EØ – A7: E F G A B≤ C# D
EØ: E F# G A B≤ C D
A7: A B≤ C C# E≤ F G
EØ: E F G A B≤ C D
A7: A B≤ C# D E F# G

A mesma análise serve para DØ – G7 e CØ – F7.

A escolha da escala, nesse campo de visão, pode seguir


alguns critérios como:
1. observar a conexão de acordes, se II-V;
2. observar as notas em comum;
3. a escala a ser escolhida na prática também depende de
quem o acompanha e se vai perceber suas escolhas;
4. fazer soar bem o som escolhido, e não apenas tecnicamente;
5. buscar as melhores notas;
6. mesclar notas de uma escala e outra; isso naturalmente cria
uma terceira escala com mais notas.

Se pegarmos apenas o exemplo do A7 citado e mesclarmos


todas as notas possíveis sugeridas, teremos a seguinte escala:

A B≤ C C# D E≤ E F F# G

Uma escala de 10 notas. Isso é maravilhoso!

Excluindo apenas B, que é 9 incompatível com ≤9, não se


esquecendo de G#, que pode ser usada naturalmente, apenas
com o devido cuidado de ela ser uma sétima maior e o acorde ser
dominante. Sendo assim, deixamos de lado apenas a nona.

Isso abre um campo novo de visão, pois inicia a arte de lidar


com as 12 notas e sua importância em cada acorde.

Não limitar ajuda muito na criatividade, limitar também


ajuda. Então o importante é a pesquisa do que sempre pode ser
bom e soar bem.

Por vezes, uma nota a mais faz uma enorme diferença. Ex.:
Caminhos da Improvisação | 197

"Princípio usado na improvisação: toda nota


tem sua sensível."
Usando ≤6 em um acorde simples de 7M. Ou #9, no mesmo
acorde:

Nota: A alternância de escalas se deve ao fato da busca


pelas melhores notas. Nesse caso, seria mais fácil talvez pensar,
então, apenas nessa melhor nota? O problema é que essa melhor
nota deve estar conectada com outras que lhe darão sustentação.

HARMONIA | Alterações
Por isso, a importância em aprender bem o som de cada escala e
como cada nota soa para cada acorde.
Esse tipo de conhecimento ou temática levanta inúmeras
questões do tipo:

1. Todas as notas são possíveis? Sim.


2. Por que aprendo que existem notas evitadas e escalas
específicas para um acorde, se na verdade quase todas são
possíveis o tempo todo?

A questão é que improvisação é uma linguagem a ser


aprendida; você não leva para casa uma gramática quando está
sendo alfabetizado, simplesmente porque a gramática nesse
momento não fará sentido algum.

3. Já que posso usar todas as notas, então bastaria eu aprender


a escala cromática, pois, se todas as notas são possíveis,...
O som de cada escala se adapta ao estilo do momento, é
como uma roupa para cada ocasião. A escala cromática não é a
base para cada acorde, ela é uma subcamada de sons, e o uso
dela, sem o conhecimento básico, pode confundir bastante a
compreensão sobre tocar em determinados acordes.

"Não limitar ajuda muito na criatividade,


limitar também ajuda."

Pequenas alterações
Para cada acorde, é possível mover uma nota para fora da
escala do momento. Esse efeito sugere uma nova percepção para
o som do acorde naquele momento, mas as melodias são sempre
soberanas e tornam possíveis diversas formas de estéticas
musicais.

Essas notas isoladas podem surgir de várias formas e quase


sempre buscam se ligar a uma nota da escala. As formas mais
usadas são:

1. Ascendente

2. Descendente
Caminhos da Improvisação | 199
3. No meio de duas notas da escala

4. Nota da escala entre duas notas fora da escala, forma


descendente

5. Nota da escala entre duas notas fora da escala, forma


ascendente

HARMONIA | Alterações
Algumas ideias aqui podem parecer estranhas, se vistas
isoladamente, mas todas elas serão aproveitadas em contextos
de partida e chegada; então não ficam sem sentido, se houver
uma melodia completa ou fraseado que estejam inseridos.

Acordes básicos
Usarei o X para falar de estruturas de acordes, sem que
tenha que dizer uma altura especificamente. As estruturas de
onde derivam todas as alterações são as seguintes:

X∆ – Xm7 – X7 – XØ – X°
Dessas cinco estruturas, derivam todos os tipos de acordes
para a improvisação atual.

"Todas as notas são possíveis? Sim"

Outside
Trata-se do uso das notas do lado de fora da escala do
acorde. Tem sido muito frequente em diversos estilos e se
tornado cada vez mais popular entre os vários níveis de músicos
e improvisação.
Consiste em estabelecer uma frase com o maior número de
notas fora da escala do momento.
Para entender melhor, podemos utilizar como parâmetro
uma armadura de clave em Dó maior.

Veja a quantidade de acidentes, tanto para bemóis quanto


sustenidos:

5=B

5 = D≤

6 = F#

6 = G≤

7 = C#

7 = C≤
Caminhos da Improvisação | 201

"Por que aprendo que existem notas evitadas


e escalas específicas para um acorde, se na
verdade quase todas são possíveis o tempo
todo?"

Baseado nesse parâmetro, a melhor fórmula para o uso


com maior eficiência do outside se torna:
• ½ tom acima;
• ½ tom abaixo;

Obs.: O acorde de baixo é o da base, e o de cima é o acorde


pensado para o outside.

HARMONIA | Alterações

• 4# do acorde do momento.
Formas
1. Paralelo: inicia e termina fora.
2. Zigue-zague: alterna de dentro para fora e de fora para dentro.
3. In/Out: começa dentro e termina fora.
4. Out/In: começa fora e termina dentro.

Alguns estilos permitem maior liberdade para o uso do


outside, principalmente quando em harmonias modais e quando
os acordes têm maior duração.
Quando a harmonia é tonal, os movimentos são mais
rápidos devido às mudanças de acordes e centros tonais.

Para passagens de II-V, pode-se resumir a uma escala fora,


não sendo necessário fazer uma escala por acorde.

1. D≤

Dm7 – G7 – C∆
2. B

Dm7 – G7 – C∆
3. F#
Dm7 – G7 – C∆
Caminhos da Improvisação | 203
Para II-V menor também:

1. B≤m

BØ – E7 – Am7
2. G#m
BØ – E7 – Am7
3. D#m

BØ – E7 – Am7

Obs.: Podem ser usadas também outras escalas em paralelo à


escala do momento do acorde, como diminuta, tons ou
menor melódica e harmônica, mas o efeito do som simples

HARMONIA | Alterações
enfatiza mais o recurso; nesse caso, o uso básico da escala
maior ou pentatônica.

Dicas:
1. o som da pentatônica é muito útil no outside;
2. pratique sempre as três possibilidades;
3. busque o bom gosto;
4. outside é um tempero melódico, não o sabor principal;
5. tente perceber também os momentos propícios.

"A questão é que improvisação é uma


linguagem a ser aprendida; você não leva
para casa uma gramática quando está
sendo alfabetizado, simplesmente porque a
gramática nesse momento não fará sentido
algum."
Bitonalismo
Outro recurso alternativo é o uso do bitonalismo em paralelo
à harmonia do momento. A diferença entre o bitonalismo e o
outside é que o bitonalismo se caracteriza por uma permanência
maior na harmonia.
Pode acontecer por mais de 1 chorus ou mesmo pelo período
que o solista determinar.

Blues em Fá
F7 B≤7 Cm7 F7 B≤7
Abaixo E7 A7 Bm7 E7 A7
Acima F#7 B7 C#m7 F#7 B7
Mescla B7 B7

Bdim F7 D7 Gm7 C7 F7 C7
A#dim E7 C#7 F#7 B7 E7 B7
Cdim F#7 D#7 G#m7 C#7 F#7 C#7
E7 C#m7 F#7 B7

II-V-I
Caminhos da Improvisação | 205

"Já que posso usar todas as notas, então


bastaria eu aprender a escala cromática, pois,
se todas as notas são possíveis,..."
Dicas e conceitos:

1. ouse;
2. teste possibilidades;
3. toque com consciência do que está escolhendo;
4. um tom em paralelo se chama bitonalismo, mais de um será
politonalismo;
5. nesse nível de sonoridade, o que não pode soar fora não são

HARMONIA | Alterações
as notas, e sim o contexto.

Modal

"O som de cada escala se adapta ao estilo


do momento, é como uma roupa para cada
ocasião. A escala cromática não é a base para
cada acorde, ela é uma subcamada de sons, e
o uso dela, sem o conhecimento básico, pode
confundir bastante a compreensão sobre
tocar em determinados acordes."
Não existe uma regra para quando o bitonalismo deve ser
usado. Normalmente no Jazz, ele é usado depois de uma evolução
no solo, mas isso não é determinante, pois faz parte da expressão
de liberdade. O que determina na verdade é o bom senso, bom
gosto, ou mesmo nada disso, apenas a escolha de se fazer assim.
A banda deve estar coesa para fazer tudo soar muito bem.

Os tons com menores distâncias entre eles trarão maior


efeito ou choque, uma vez que eles têm maior quantidade
de acidentes, sendo a mesma regra para o outside, mas não
necessariamente deve ser isso. O segundo tom do improviso
pode ser escolhido de acordo com os critérios de cada músico. É
um caminho paralelo ao tom e pode ainda ser muito explorado na
música brasileira em determinados temas e estilos.
Todo tipo de alterações propostas na forma melódica tem
o objetivo de expandir ou dilatar o caminho melódico em relação
ao som do acorde, criando cores diferentes e caminhos mais
ousados na improvisação. É natural que, no início, esses sons
causem espanto, até por questão cultural, pois não é comum que
se pense dessa forma, na maioria das vezes. O ouvido, quando
acostumado com o tonalismo tradicional, tende a rejeitar ou
mesmo não entender as possibilidades que se multiplicam
melodicamente.
Se você chegou até aqui e já testou partes do que foi falado,
então pode também se utilizar de algumas dessas ferramentas
para a improvisação.
Geralmente o que torna possível o uso desses recursos é
a combinação dos elementos usados na banda, como a bateria
com mais informação e mais livre, como também o acompanha-
mento harmônico com conceitos menos convencionais. Essa
multiplicidade torna o ambiente propício para inserção de sons
mais experimentais e menos utilizados no cotidiano.
Caminhos da Improvisação | 207

HARMONIA | Alterações
"É natural que, no início, esses sons causem
espanto, até por questão cultural, pois não é
comum que se pense dessa forma, na maioria
das vezes."
Sobreposições
de Acordes
O embelezamento dos acordes se dá por várias opções,
como inversão, posição aberta ou fechada, voices e formações di-
ferenciadas. Harmonicamente a opção de sobrepor um acorde ao
outro faz com que o som da escala seja melhor percebido do que
apenas o som do próprio acorde, tornando assim o acorde básico
apenas uma parte do som completo.
Na improvisação, o pensamento de sobrepor um acorde ao
outro consiste em trabalhar diferentes sonoridades, deslocando o
som natural para outras posições e assim criando várias estéticas
melódicas.
Podem ser sobrepostos aos acordes desde sonoridades
mais simples como mais complexas, pois o que caracteriza a
sobreposição é o uso dos diferentes graus da escala sobre o
acorde do momento.
Em cada grau deslocado, um novo som será criado, e ainda
depende da inversão para saber qual som será o melhor em cada
situação.
Esse é o chamado pensamento vertical, pois cria melodias
com base no pensamento harmônico ou em conexão com o que
está acontecendo harmonicamente.
Nesse contexto, as notas não aparecem apenas sucessi-
vamente, mas ganham um aspecto mais aberto em posição de
acordes, embora melodicamente a estética seja de arpejos uni-
dos a escalas, mas os arpejos sobressaem a escalas por conta da
proposta harmônica.
Caminhos da Improvisação | 209

11
Objetivos de sobreposição:

1. enfatizar notas de tensão;


2. desenhar sonoridades pelos voices da escala;
3. criar tensões não propostas no acorde;

HARMONIA | Sobreposições de acordes


4. enfatizar o modo;
5. enfatizar formações específicas de estrutura;
6. usar estruturas em outside.

1. Enfatizar notas de tensão


• Em alguns tipos de harmonia, as tensões escritas po-
dem ser enriquecidas com sons menos estáticos, não
apenas dependentes do acorde tocado, mas de outras
estruturas que enfatizem as principais notas de tensão.
• Veja, no exemplo a seguir, uma melodia a partir de uma
escolha harmônica.
• Consiste em tocar melodicamente o pensamento verti-
cal, ou na verdade o pensamento que está sobre a pro-
posta original do acorde.
• Nos outros exemplos, deixarei apenas as opções verti-
cais, pois é mais importante entender o conceito do que
guardar fraseados.

Esse tipo de opção faz com que as melodias escolham uma


nota alvo ou de tensão e essa nota passa a ser temática para a
melodia ou frase do momento. No próximo exemplo, cada nota
escrita será a nota temática da melodia, ou seja, o fraseado vai
girar em torno dessa nota. É um exercício tanto mental quanto
melódico e harmônico.

Naturalmente os arpejos aparecem e os acordes se


sobrepõem ao acorde original.
Caminhos da Improvisação | 211

2. Desenhar sonoridades
pelos voices da escala
Podem ser desenhadas diversas sonoridades usando e
respeitando as notas da escala. Em alguns casos, não caracte-
rizando acordes, mas sonoridades que levam a importância do
acorde original para um nível diferente de percepção sonora.

3. Criar tensões não HARMONIA | Sobreposições de acordes

propostas no acorde
Essa opção acontece normalmente, quando o acorde bá-
sico é de cifragem simples, praticamente sem tensão ou apenas
com uma sétima.
As possibilidades se desdobram pela percepção e liberdade
do estilo e derivam de várias escalas nas quais esse acorde básico
pode ser encontrado. Para essa prática, é preciso um bom domí-
nio das escalas de cada acorde, pois na verdade isso foge do visí-
vel ou do que está explícito e conta sempre com uma criatividade
mais organizada harmonicamente.
Para isso, é preciso entender bem os acordes que servem
de estruturas para todos os outros, conforme falado no capítulo
anterior sobre Alterações.

Estruturas básicas

C∆

Tensões ∆ #11 #5 #9 #5,#9

Tríades G D E B G#m

Cm7

Tensões 7 6 ≤6 ≤2 #11

Tríades E≤ F A≤ D≤ D

Cm∆

Tensões ∆ ∆, #11 ≤2, ≤4 ≤2, #11 ≤6, ∆

Tríades G B A F# A≤m

C7

Tensões 9 #11 #5 ≤9 #9

Tríades Gm D E(#5) A E≤

Tensões ≤9, ≤5 #9, ≤5 ≤9, #5 #9,#5

Tríades F# E≤m C#m A≤


Caminhos da Improvisação | 213

Tensões ≤2, ≤5 9 6 ≤4 ≤4

Tríades G≤ B≤ F C#m A

Esse tipo de pensamento harmônico funciona da seguinte


maneira:

• o solista induz uma sonoridade diferente, apenas deslo-


cando o grau de alguma escala da qual esse acorde faz
parte;

HARMONIA | Sobreposições de acordes


• com isso, o som do acorde, embora seja o mesmo, aca-
ba sofrendo alteração de percepção, porque as notas
tocadas em conjunto com ele fazem-no soar em dife-
rentes posições harmônicas;
• se as escalas forem mudando a cada compasso, por
exemplo, o acorde poderá parecer que está sendo toca-
do diferente, mas se trata apenas de um deslocamento
de função nos graus em que ele é inserido;
• é necessário um bom grupo para fazer isso soar bem, o
que não exclui o solista de optar por essa ferramenta,
mas o efeito sempre será melhor quando a base vai ao
encontro das opções do solista.
4. Enfatizar o modo
Essa opção é semelhante ao exemplo passado, porém fica
mais restrita ao som do modo do momento.

Dórico Eólio Frígio M mel M har

Cm7 F A≤∆ B≤m G D

Jônio Lídio Lídio #5 Lídio #9

C∆ F D E B

Mixo Lídio ≤7 Alt Dim

C7 Gm D A≤7sus A(≤9)

5. Enfatizar formações
específicas de estrutura
Alguns tipos de acordes podem ser inseridos em estruturas
diferentes e também sequências com estruturas repetidas,
enquanto a harmonia básica segue seu próprio caminho.

Algumas estruturas feitas dessa forma ampliam o som do


acorde e desdobram sons interessantes sobre a escala do acorde
básico.
Caminhos da Improvisação | 215

Acorde com tríade Sus


Aplicação

C∆ Dsus Esus Gsus Asus

Cm7 Csus Dsus Fsus Gsus

C7 Csus Dsus Fsus Gsus

C7(9)sus Csus Dsus Fsus Gsus

HARMONIA | Sobreposições de acordes


Bsus

B≤sus

Asus E≤sus A≤sus B≤sus

Asus

Acorde de X9y gerando assim uma pentatônica:

C∆ C9y D9y G9y

Cm7 E≤9y F9y B≤9y

C7 C9y E≤9y F9y

C7(9)sus C9y F9y B≤9y


6. Usar estruturas em outside
Com a regra básica do outside, é possível usar diversas
estruturas superiores aos acordes básicos.

Vamos nos concentrar nas três estruturas básicas, X∆, Xm7


e X7, e usar C, como padrão de análise.

C∆

B D≤ F#

G#m B≤m E≤m

D≤sus E≤sus F#sus A≤sus

B9y D≤9y F#9y A≤9y

Cm7

Bm D≤m F#m

B D≤ E F# A

Bsus D≤sus Esus F#sus

B9y D≤9y F#9y


Caminhos da Improvisação | 217
C7

B D≤ F#

B9y D≤9y F#9y

Bsus D≤sus F#sus

As possibilidades de outside em acorde dominante parecem


mais restritas, porque o acorde dominante praticamente só tem
a sétima maior, que supostamente pode estar fora da escala. É
um tipo de acorde que atrai naturalmente muitas tensões que se

HARMONIA | Sobreposições de acordes


justificam em várias escalas, diminuindo assim consideravelmente
as possibilidades de outside.

A experiência com os sons deve ser, acima de tudo, a maior


referência para esse tipo de recurso, que busca, no bom gosto de
cada um, seu espaço na improvisação. Existem regras e vários
porquês, mas somente a prática fará você ir ao encontro dos sons
que se encaixam em sua personalidade. Essa, acima de tudo, é
a grande experiência que podemos ter com a música, algo que
transcende teorias, regras e revela o que de fato está além das
notas.
3
Caminhos da Improvisação | 219

HARMONIA | Harmonização das Escalas

LINGUAGENS
Fundamentos
Consciência
Sabemos que música é uma linguagem universal, com
inúmeras variedades culturais, divididas em ritmos, estilos
e gêneros.
Sendo uma linguagem, é pacífico o entendimento de que
ela tem um valor muito grande na comunicação e, assim, se
tornou uma das mais eficientes formas de expressão humana.
A música é uma das maiores descobertas, porque tem
caráter evolutivo e nunca finda. Suas informações sempre
foram tratadas como tesouro por parte de muitos e, por isso,
ela tomou diferentes caminhos para sua expressão.
A improvisação é uma linguagem da música que permeia
inúmeros pontos do fazer musical, como composição, arranjo,
harmonia, ritmo, melodia, performance, expressão, interpreta-
ção e outros.
Todo o processo que ocorre na composição ocorre, em par-
te, na improvisação: a composição é um caminho que pode dese-
nhar diversas linhas para vários instrumentos, e a improvisação
desenha diversas linhas construindo tudo com o grupo ou banda
do momento.
LINGUAGENS

As duas formas passam pelos mesmos processos de lingua-


gem, escolhendo caminhos, percebendo motivações, criando
estruturas, ambientes e se expressando com determinadas téc-
nicas.
Improvisação é uma composição instantânea, já a composi-
ção é uma improvisação a longo prazo.
Conhecendo e praticando as técnicas já apresentadas até
aqui neste livro, já é possível fazer muita coisa, mas a pergunta
de muitos é:
Qual o caminho a seguir? Por onde ir? O que escolher?
Como fazer?
Existe uma diferença entre o conhecimento e a prática dele,
mas improvisar requer elementos que estão conosco todos os
dias, que são a criatividade, o instinto e a capacidade de organi-
zar ideias.
Por isso o processo que será apresentado mostra um enten-
dimento sobre as linguagens em três níveis com a possibilidade
de pensar, sentir, agir, projetar e alcançar objetivos. Você pode
saber para onde quer ir, mas, se não souber onde está localizado,
não vai saber qual o próximo passo a tomar.
"Improvisação é uma linguagem da alma."
"Improvisação é uma composição instan-
tânea, já a composição é uma improvisação
a longo prazo."
Vale muito mais compreender o que temos e quais pro-
cessos existem, pois assim poderemos saber quais ferramen-
tas usar e como usar.
Improvisação é uma linguagem da alma.
A improvisação é sobre quem somos, como somos e o
que desejamos ser, e é isso que transparece na improvisação.
Envolve sentimentos, aspectos abstratos da nossa men-
te, a capacidade de escolha e manipulação de elementos
aprendidos, sendo que uma improvisação nunca se repete.
"A criatividade em si, na sua forma mais pura,
não conhece erros, ela simplesmente cria."
Sim, nunca se repete, porque, embora as notas e o frase-
ado possam se repetir, o ambiente social, a banda, os acordes,
a levada, ou qualquer outro elemento que estiver diferente
mudará completamente a realidade.
E ainda que tudo isso esteja igual, você nunca estará exa-
tamente igual, mesmo se repetir uma frase segundos depois.
É como colocar a mão na água de um rio duas vezes: a água
nunca será a mesma.
A conexão das coisas e de tudo a sua volta criará sem-
pre novas realidades não repetidas. Por isso a necessidade de
entender os fundamentos e o que realmente embasa o que fa-
zemos ao improvisar. Essa compreensão trará uma nova rea-
lidade no momento de decidir o que fazer e como fazer, não
ferindo regras, mas podendo ser criativo com o sistema exis-
tente, enxergando brechas, não focando em não errar ou acer-
tar, e sim em criar.
Caminhos da Improvisação | 223

A criatividade em si, na sua forma mais pura, não conhece


erros, ela simplesmente cria. O conflito vem quando fica estabe-
lecido o que pode e o que não pode, pois o belo e o feio integram
um parâmetro de sistemas, culturas e sociedade.
Na improvisação, existe o que funciona e o que não funcio-
na. Com o passar do tempo, entendi, no meu processo com a
improvisação, que eu não deveria me concentrar nos dedos, na
performance ou no instrumento em si, mas me concentrar no que
de fato faz toda a diferença na improvisação:
O que eu quero dizer? Aonde quero chegar? Qual caminho
quero trilhar ou desenhar?
Isso é muito mais profundo que as notas que aprendemos:

LINGUAGENS | Fundamentos
estamos falando do campo mental e abstrato, onde toda
concepção é criada.

"Na improvisação, existe o que funciona e o


que não funciona."
Por essa razão é que chamo de ferramentas as primeiras
partes do livro, ou seja, o conhecimento amplo sobre melodia
e harmonia. Curiosamente parece que, se estudarmos isso,
temos tudo, e de fato temos aquilo com que estamos mais
habituados, que é a parte técnica, mas na improvisação o campo
de ação envolve diversas outras camadas que estão acontecendo
simultaneamente.
A improvisação desvenda nossa personalidade. Por isso
as primeiras partes lidam com o que precisamos para alçar voo.
Porque, se você domina essas ferramentas, já tem tudo para
construir muitas coisas, mas vai precisar de um mapa e outras
ferramentas para avançar mais.
"O que eu quero dizer? Aonde quero chegar?
Qual caminho quero trilhar ou desenhar?"
Esse mapa não está nas notas, mas em como elas se
organizam em toda história a ser contada.
Significa que, se a improvisação é uma linguagem
musical, então melodia, harmonia e ritmo fazem parte apenas
da alfabetização. Com isso, é possível entender que o caminho
dos belos solos e das melhores pinturas pode ser mais bem
desenhado, se você entender o som além do som.
Busque o sentido do som, desenhe formas musicais em
sua mente e desenvolva ambientes sonoros para que a música
encontre seu caminho. Crie sua própria realidade, para se
expressar com liberdade e consciência.
As linguagens assumem diferentes camadas de importância
para as obras musicais. Gosto de enxergar em pelo menos três
Caminhos da Improvisação | 225
níveis que estão continuamente relacionados entre si, desde o
primeiro passo até o resultado final.

Visão e Objetivos
Esses caminhos se dividem em artístico, espiritual,
comercial, autoconhecimento, fraterno, romântico, especulativo,
contemplativo, festivo, acadêmico e outros tantos.
Então, se a música fosse a mãe, assim ela teria diversos
filhos que construíram suas próprias terras e assim evoluíram por
si, sendo que, em alguns momentos, cada filho visita seu irmão
ou irmãos e cada um se serve das riquezas do outro, sem que
nenhum deixe jamais de existir.

LINGUAGENS | Fundamentos

"Esse mapa não está nas notas, mas em como


elas se organizam em toda história a ser
contada."
Assim nasceram as diferentes linguagens musicais, que
compreendem todos os povos, sendo que, em cada povo, idioma
ou cultura, esses mesmos filhos ou linguagens exercem sua
existência.
É importante também entender que toda linguagem tem
o seu comunicador. Foram percebidas e desenvolvidas pelo ser
humano de forma prática, depois teórica, e a prática evolui para
outros níveis até que surgem novas teorias, tornando um ciclo
contínuo. Primeiro os que percebem e fazem, depois os que
buscam entender, quase sempre nessa ordem.
Essas linguagens podem também ser entendidas como
sendo um processo de autoconhecimento do próprio ser humano,
em que a mente e o coração são a base para o desenvolvimento
de cada uma dessas formas de expressão.
"A mente questiona, planeja, organiza e
estrutura;
o coração sente, acredita e segue impulsos
naturais."
Por esse prisma, podemos entender que as linguagens
musicais podem surgir por um estreito atributo humano, a
motivação.
A motivação pode ser um dos principais canais pelo qual
cada linguagem encontra seu próprio curso.
Ela estará sempre ligada à psique individual humana, e
assim cada um desenvolverá sua própria linguagem baseado nas
motivações que são guiadas pela mente ou coração.
A mente questiona, planeja, organiza e estrutura;
o coração sente, acredita e segue impulsos naturais;
Não nessa ordem e nem de forma científica, mas, por
esse exemplo, é possível entender que as linguagens musicais
Caminhos da Improvisação | 227
são motivadas ou impulsionadas também por objetivos. Esses
objetivos motivam e direcionam para as diversas linguagens a
serem adotadas.
Essa ótica apresentada até aqui sobre linguagens prima
muito mais pela essência e as bases do que uma técnica específica
e fórmulas especiais.
Observe o gráfico a seguir, que demonstra um caminho
subjetivo de como as linguagens podem se desenvolver
inicialmente e depois ganhar formas mais definidas de acordo
com a visão de cada um. Apresento como subjetivo porque, no
campo conceitual, tudo depende da percepção, então não é uma
teoria a ser provada, mas apenas uma forma de entender melhor
esse conceito que está tão ligado ao campo da improvisação.

LINGUAGENS | Fundamentos

Mente/Intelecto
Autoconhecimento – Usa o conhecimento musical de
forma passiva ou ativa para a busca interior sobre sua essência,
valores e história. A forma ativa consistiria em produzir música e
executar, já a forma passiva consistiria em absorver música por
diferentes meios, mas não perder o objetivo de mergulhar em
conhecer infinitas camadas do seu estado mental e psicológico.
Acadêmico – Estuda os diversos conceitos existentes, apura,
pesquisa e desenvolve formas de expressão que são embasadas
no conhecimento aprendido, de forma livre ou metódica.
Comercial – Desenvolve formas que buscam aceitação no
mercado. Nesse caso, toda informação musical é desenvolvida
como um produto a ser consumido.
Pode se dividir, nesse aspecto, em várias vertentes, para um
público específico ou geral. Quanto mais específico, mais apuradas
são as informações, já quando se destina ao público geral, o
conteúdo pode ser mais simplificado visando à comunicação com
o máximo de pessoas em faixas etárias e classes sociais distintas.

Emoção
Espiritual – Busca diferentes experiências com o objetivo
de alcançar maiores níveis de consciência espiritual e metafísica
de acordo com suas crenças. Nesta linguagem, o caráter é
contemplativo, pode ser nostálgico, de esperança ou celebração.
Busca-se simplicidade ou maior singeleza, mas todos os atributos
surgem da consciência de quem produz e tem a ver com o que a
pessoa entende ou sente em seu mundo espiritual.
Fraterno – Tipo de música dedicada às pessoas, aos amigos,
parentes, familiares, cônjuges. O lado contrário também opera
fortemente, sendo música para inimigos, decepções, casos
perdidos de amor e outros. Esse tipo de linguagem é direcionada e
tenta ir ao encontro dos atributos da pessoa escolhida ou mesmo
instituição.
Festivo – Procura alegrar pessoas por meio de ritmos
específicos, regionais ou internacionais, colocando-os em
primeiro plano na busca do envolvimento corporal para danças,
Caminhos da Improvisação | 229
principalmente.
Cada país desenvolveu características rítmicas diferentes de
acordo com sua cultura, algumas não se tornaram tão conhecidas,
mas é certo que cada região e até as diferentes tribos e aldeias
desenvolveram seus próprios estilos, gêneros e levadas.
Hoje em dia, na chamada aldeia global, nós temos a
oportunidade de conhecer inúmeros ritmos e estilos.
A linguagem festiva pode assumir caráter comercial ou
fraterno. Não tem característica introspectiva e nem meditativa,
mas eleva a condição do corpo em movimento e da celebração de
datas, pessoas, instituições ou ideologias.
Por essas divisões e subdivisões, é possível perceber que o

LINGUAGENS | Fundamentos
caminho que cada um escolhe na improvisação depende de sua
personalidade, visão de mundo, vida, história e tendências.
Existem diversas motivações que fazem com que um
músico passeie por camadas diferentes. As inclinações dependem
do objetivo, ou o objetivo pode mudar até mesmo dentro de um
solo. Isso é comum por razão do poder de escolha e visão.
O objetivo muda quando a visão muda, sendo que
naturalmente o caminho é escolhido por onde é melhor ou mais
nítida a visão, e isso vem exatamente da personalidade.
Acho importante entender dessa forma, porque assim
podemos conhecer não apenas os fundamentos musicais, mas
os nossos que nos levam a trilhar os caminhos que escolhemos
na improvisação, composição, arranjos e outras formas de fazer
música.
É a partir daí que entra o segundo processo, que é mui-
to parecido com engenharia, em que se lida com uma ver-
dadeira construção a cada música e solo. Compreende o pla-
nejamento, a organização de ideias e a projeção para que
se concretizem os objetivos escolhidos como fundamentos.
Estrutura
Com uma consciência mais apurada, o solista sai do campo
simples, que é o pensamento em notas, escalas, arpejos ou outras
técnicas, e passa a gerenciar um campo bem maior da criatividade,
que é a própria arte em si.
Esse é também um nível mais avançado da linguagem
musical, pois lida com a forma que você quer dar ao seu solo.
Todo esse processo se desenvolve em sua mente e emoções,
e é lá que as coisas se organizam ou tomam seus próprios
caminhos.
Seria difícil calcular tudo que de fato acontece no momento
da criatividade, mas é fato que existe um processo antes das notas,
e é esse processo que, se for bem ativado de forma consciente,
fará toda a diferença na improvisação.
É preciso entender bem isso e saber o que fundamenta um
bom solo. São estruturas criadas, planejadas e organizadas, para
ambientes musicais que se auto-organizam de acordo com cada
músico e formação do momento.
Saber que é preciso entender isso para não ficar dependente
de frases ou motivos, pois a cada momento tudo se definirá à sua
própria forma. Dependerá da banda, do ambiente, da expectativa,
do feeling de cada músico para que a música tome seu caminho
naquele momento.
Essas bases e estruturas dependem de consciência, muito
mais do que técnicas, escalas ou teorias. É uma compreensão e
percepção praticada a todo momento.
Caminhos da Improvisação | 231

13
Vamos lidar agora com alguns dos conceitos que formam
essa estrutura consciente para o solo. Isso independe se é
aprendido ou não, pois é um processo real que ocorre para todos,
a diferença entre saber e não saber é que, se você souber, terá
mais opções, poderá criar suas próprias escolhas e certamente
a criatividade estará mais livre, não dependendo apenas do
que sente, mas do que entende e escolhe ativamente e não
passivamente.

LINGUAGENS | Estrutura
Na escolha passiva de ideias se dá mais espaço para o
feeling e a emoção do momento, já a escolha mais ativa é feita
por decisão consciente, pensada e organizada.
Pensando assim, existe um bom caminho para debates,
mas o melhor de tudo é sempre buscar o equilíbrio em todo o
momento, pois não somos somente uma coisa ou outra, oscilamos
entre estes dois caminhos: a mente e a emoção.
A emoção é como a água que corre e depara com uma
represa, devendo ser controlada, não impedida, mas, se moldada,
produzirá excelentes resultados. Já a mente produz a razão, as
fórmulas, o pensamento e a organização de ideias, que devem
criar o espaço ideal para essa correnteza. Isso moldará o fluxo e
criará objetivos finais para onde e por onde ela passará.
Vejo nesse conceito o equilíbrio do tabu, razão x emoção,
para esse aspecto de linguagem que é a improvisação, pois, sem
essa definição consciente, sempre existirão dúvidas sobre os
caminhos a seguir.
Vamos lidar agora conceitualmente com os temas que, a
meu ver, criam essa estrutura em cada solo.
Formas
É preciso saber o espaço que compreende cada tema,
canção ou obra musical, pois será nesse espaço que tudo será
construído.
Chamamos de forma da música esse espaço que se repetirá
quantas vezes for necessário.
Toda estrutura artística fica compreendida obedecendo à
forma de cada música, e a improvisação ganhará sua construção
dentro desse espaço.
Caminhos da Improvisação | 233
Na improvisação, chamamos de chorus o espaço que
compreende a quantidade de compassos do tema de uma música
ou do espaço preparado para o solo.
No Blues, são contados 12 compassos para um chorus.
Alguns temas têm várias partes, por exemplo:
AABA; AAB; AABB; AABBCC.
Outros contêm apenas uma estrutura de 16, 20 ou 24
compassos.
Com a variedade de composições e estilos, não se pode
estabelecer uma regra ou ficar preso a essa quantidade de formas,
pois cada compositor determina a forma de um tema de acordo
com sua inspiração.

LINGUAGENS | Estrutura
Cada música tem sua própria forma e o solista desenvolve
seu solo em ciclos chamados chorus, então o solo vai criando
conteúdo próprio e uma história vai sendo contada com início,
meio e fim.
Os chorus então criam seus ciclos dentro da forma do tema,
sendo chamado 1º chorus para a primeira passagem, 2º chorus
para a segunda, e assim sucessivamente.
Usando os termos da comunicação, o solo será como um
discurso organizado em partes.
Contém: início, meio e fim.
É como contar uma história que alguns contam com mais
detalhes e outros de forma mais sintetizada, mas a estrutura de
ação é a mesma, com início, meio e fim.

Conteúdo
O conteúdo trata de escolher o tipo de material a ser usado
em uma obra. Irá preencher as colunas e levantar as paredes
"Usando os termos da comunicação, o solo
será como um discurso organizado em partes."
dando a esta obra o preenchimento necessário que sustentará as
paredes ou, no caso da improvisação, as ideias.
É nesse momento em que conta muito o conhecimento
aprendido e praticado.

Opções:

1. escala básica para cada acorde;


2. escalas alternativas;
3. aplicabilidade de arpejos, intervalos e sobreposições de
acordes;
4. vocabulário aprendido ou estudado;
5. citação de solos ou músicas aprendidas;
6. clichês do estilo;
7. correr o risco inserindo suas próprias ideias. Quanto maior
autonomia, conhecimento e prática, mais ideias serão
inseridas;
8. células rítmicas progressivas;
9. particularidades do instrumento.

Todas essas opções servem de base para o conteúdo de um


bom solo.

Não existe uma ordem para qualquer uma e também não


existe nenhuma obrigatoriedade para ordem ou uso de todas,
algumas ou apenas uma, mas o princípio aqui é saber o que dá
Caminhos da Improvisação | 235
corpo ao solo.
Técnicas e formas diferem de cada instrumento e solista,
pois cada um dará sua visão e alguns trarão novas visões.
Por isso o campo da improvisação é ilimitado, pois está
ligado ao pensamento e criatividade humana.

Desenvolvimento
O desenvolvimento consiste em moldar o conteúdo do solo
para cada parte. Diferente do conteúdo em si, que é o uso de
técnicas e materiais usados para o preenchimento do solo, aqui é

LINGUAGENS | Estrutura
onde tudo se organiza e cada coisa tem sua ordem ou momento
de entrar, como em um roteiro de filme no qual cada fala tem o
seu momento.
Esse tipo de inteligência musical é percebido quando o solo
tem momentos, clima e dinâmicas diferentes.

Como em um jogo de xadrez com início, meio e fim, o solo


terá também sua trama.
O desenvolvimento faz parte da estratégia do pensamento
aliado à emoção. Os dois gerentes manobram a trama do solo
buscando o objetivo final.

A estratégia ou planejamento do solo não é algo que


possa ser analisado ou montado previamente em minutos. Há
quem goste de fazer isso para gravações, ou para um momento
importante, por não querer arriscar ou outros motivos, e é possível
em algumas situações, mas não quando o repertório é grande e
você tem um grande espaço de solo aberto a sua espera.
Tudo são flashes em milésimos de segundos, que podem
ganhar subdivisões ao extremo, capazes de fazer o solista
imaginar, pensar ou sentir diferentes percepções no momento do
solo.
Imagine três ou cinco frases, ideias ou mais opções em
partículas de segundos em cada respiração, e essa rotina por toda
a vida! Essa é a vida de um improvisador.
Pode parecer um tanto desesperador, mas essa sensação
diminui quando o vocabulário aumenta, e é como se o tempo
se desdobrasse em maiores períodos, nos quais o solista teria
instantes, segundos e minutos para decidir.

A partir desse pensamento, podemos pensar no solo em


três partes. Vejamos algumas dicas para cada parte:

Início:

1. o início e o fim do solo falam do seu caráter e essência;


2. o objetivo deve estar claro em sua mente;
3. acredite no som que está produzindo;
4. a base melódica é construída de motivos e frases;
5. respirar é importante para dosar a intensidade;
6. o início do solo pode dar continuidade ou não em relação ao
solo anterior.

Meio:

1. consiste em confirmar e ampliar sua história;


2. é onde a mente e as emoções se misturam continuamente;
3. coordene e alterne o que sente e o que pensa;
Caminhos da Improvisação | 237
4. procure o máximo de diálogo com os instrumentos que o
acompanham, pois eles o ajudarão a construir também seu
solo;
5. você pode criar subtemas a cada momento;
6. os subtemas são motivos que são desenvolvidos com uma
perspectiva aliada ao acompanhamento harmônico ou
rítmico;
7. esse é o momento de mais intensidade na criatividade do
solo;
8. conduza sua história para um desfecho;
9. em alguns estilos, o meio do solo pode não ter o compromisso
da ligação de ideias e construção, podendo ter formas mais

LINGUAGENS | Estrutura
abstratas e descontinuadas.

"Imagine três ou cinco frases, ideias ou mais


opções em partículas de segundos em cada
respiração, e essa rotina por toda a vida! Essa
é a vida de um improvisador."

Final:

1. trata de concluir sua história e entregar para o próximo


solista ou voltar ao tema;
2. você pode desconstruir as ideias;
3. pode diminuir a dinâmica do solo ou elevar ao ponto
máximo;
4. pode dar sentido ou não ao término, isso ficará nítido se
você realmente estiver escolhendo assim;
5. finais de solo são como pouso de avião: alguns normais,
outros perigosos e outros podem explodir tudo; dependendo
da aterrissagem, essa explosão na improvisação pode
ser um verdadeiro desastre ou um clima escolhido para o
próximo solo.

Ambientes
A construção do ambiente sonoro de cada solo se mistura
entre o conteúdo e o desenvolvimento. Nessa temática, a
concepção é muito mais conceitual e abstrata do que técnica.
Os ambientes são criados e ganham forma a cada novo
momento ou período dos solos.
Existe uma dependência do que cada músico da base
sugere, isso motiva novos desenhos e formas.
Estamos falando de ambientes sonoros, abstratos, não
limitados a espaço físico, portanto é uma linguagem musical que
se desdobra por meio de ideias, frases e diálogo entre os músicos.
Podem ser criados, estabelecidos por um tempo e de
repente serem desfeitos por uma nova ideia.
Alguns ambientes são sustentados por toda música. Isso
acontece quando existe um groove específico ou para cada solo.
Nesse caso fica estabelecido um mesmo ambiente sonoro onde o
solo se acomoda e passeia com fraseado e climas próprios.
Quando é assim, o solista cria seu próprio ambiente
independente da banda; ainda que tudo esteja em harmonia, o
solo irá criar seu ambiente individual dentro de um maior, que é
do acompanhamento.
Em harmonias modais ou tonais, isso pode aparecer. Se
Caminhos da Improvisação | 239
o acompanhamento fizer parte de um groove específico, então
o solista ficará mais livre em suas próprias ideias, mas, quando
o acompanhamento é progressivo, aí o solo passa a ser uma
construção conjunta, mesmo que o solista esteja em destaque.
Assim são formados os ambientes sonoros da improvisa-
ção, com dinâmicas diferentes e sempre de forma inesperada de-
pendendo apenas do estilo da música.

A criatividade de cada solista trará novos elementos ou


poderá repetir quantas vezes for necessário um mesmo, porque
cada músico encontra seu habitat no solo, alguns preferem a co-
modidade, já outros preferem correr o risco do novo e inespera-
do.

Existem riscos em cada solo, mas também existe aconchego,

LINGUAGENS | Estrutura
e esses são fatores que irão totalmente ao encontro da mente e
personalidade de cada músico.

Difere, às vezes, do que o solista é como pessoa socialmente


falando, justamente por se tratar de uma outra linguagem, outro
ambiente e dimensão, que é a dimensão do som e não do espaço-
tempo que habitamos socialmente como humanos.

"Existem riscos em cada solo, mas também


existe aconchego, e esses são fatores que
irão totalmente ao encontro da mente e
personalidade de cada músico."
Nos solos, cada som tem vida própria a partir do seu
surgimento, tudo é diferente do nosso ambiente social comum e
a personalidade humana emerge por meio de cada combinação
entre notas. Isso vale para improvisação, composição e arranjo.
Estética
A estética do solo é um conceito totalmente visual, embora
o ambiente seja sonoro, mas o termo parte da percepção visual,
isso tem muito a ver com a combinação dos sentidos chamada
sinestesia.
A estética é o resultado final da construção entre forma,
conteúdo, desenvolvimento e ambientes.
É a arquitetura musical, em que todas as belezas são
combinadas para gerar um tipo de imagem musical.
Essas imagens são construídas por meio da melodia,
harmonia e ritmo.

Melodia
A melodia cria o desenho contínuo, com formas livres,
seguindo padrões ou não. Isso pode ser traduzido pelo movimento
ascendente ou descendente das notas, os movimentos livres de
arpejos e intervalos que se misturam em formas de zigue-zague
e outras.

Harmonia
A harmonia cria a textura, na qual cada acorde gera um
ambiente menor, com profundidade pela formação das vozes e
da sustentação para os desenhos melódicos. Como comparado
Caminhos da Improvisação | 241
anteriormente na parte 2 deste livro, a harmonia é o chão por
onde passam as melodias.

As melodias, por meio de escalas, arpejos e intervalos, criam


suas formas com embasamento harmônico e assim a estética do
solo se constrói, com infinitas combinações que dependem de
cada músico da base, para que o solista estabeleça o conceito
estético adequado.

Ritmo

LINGUAGENS | Estrutura
O ritmo é o corte para cada curva ou linha melódica
estabelecida. As possibilidades melódicas, em união com as
harmonias, multiplicam inúmeras formas, porém, quando os
desenhos rítmicos assumem um plano mais evidente, aí se torna
infinito, pois uma mesma melodia pode aparecer em diversos
contextos de divisão rítmica.

Estilos
Os estilos também criam ambientes e formam estéticas,
que não definem, mas moldam o solo em um ambiente estabe-
lecido. A estética nesse caso tem a ver com as pinturas de uma
casa, as cores usadas, os quadros e molduras que assim dão o to-
que final.

Essa concepção de linguagem está localizada sempre


no subjetivo, nas entrelinhas, e é exatamente o domínio ou
conhecimento dessa arte que pode garantir ótimos resultados.
Os estilos têm dinâmicas diferentes. Por isso os solos
sempre buscam respeitar cada estilo.

Existe uma liberdade enorme para cada estilo, mas é


importante que essa liberdade esteja em harmonia com ele.
Podemos comparar com o traje de cada ocasião: você pode ser
criativo nas opções, mas deve observar o que manda o figurino,
buscando bom senso e equilíbrio.
Existem ocasiões em que desequilibrar ou buscar curvas
perigosas é possível e instigante, mas nem todos os estilos têm
esse percurso sinuoso.

Alguns possuem um caráter mais formal, festivo, reflexivo,


contemplativo, abstrato, então a linguagem se desenvolve
desenhando formas que se alinham com o ambiente do estilo.

A estética é uma criação contínua que se desenha a cada


novo momento. Possivelmente uma das informações musicais
que mais ficam memorizadas na mente do público, porque
aborda todos os processos musicais como melodia, harmonia,
ritmo, estilos, conteúdo, forma e ambiente.

Assim todos esses elementos formam o processo de


estrutura da linguagem na improvisação. Com a observação e
percepção nesses quesitos, a preocupação sempre será no nível
estratégico e panorâmico, buscando níveis mais aguçados de
se comunicar com o público e assim produzir solos não movidos
apenas pela emoção ou razão, mas pela união e equilíbrio desses
dois pilares ligados à essência de nossa existência.
Caminhos da Improvisação | 243

LINGUAGENS | Estrutura
"Os estilos têm dinâmicas diferentes. Por
isso os solos sempre buscam respeitar cada
estilo."
Expressão
Agora falaremos sobre alguns temperos e ferramentas
essenciais da expressão. Um músico recebe essa gama de
informações e leva para casa, acreditando estar com tudo para
desenvolver sua inspiração, mas, ao montar seu instrumento ou
setup, ele se depara com a seguinte pergunta: E agora? O que eu
faço?
Ao tocar algumas escalas, naturalmente ele quer se soltar
e desenvolver sua criatividade, mas grande parte se depara com
uma dificuldade e uma distância entre a informação e a fluência
do fraseado, pois, ainda que ele saiba quais notas usar, também
se questiona: Como usar tudo isso?
É claro que as coisas não fluem naturalmente, mas acredito
que esse pequeno assunto pode trazer muitas possibilidades. O
que recheia, embeleza, e dá forma ao grupo de notas da escala
são alguns pequenos detalhes que vamos conhecer agora.

Passagens cromáticas
Existem inúmeras possibilidades para essas passagens e
esse assunto é mais bem abordado no tema da escala cromática,
mas basicamente são notas tocadas como preparação melódica
para a nota alvo. O movimento pode ser ascendente ou
descendente e pode conter notas cromáticas que estão fora da
escala. As divisões e possibilidades podem ser estudadas para
cada grau da escala a ser tocada.
Caminhos da Improvisação | 245

14
Esse sistema de escolhas melódicas cria automaticamente
inúmeros motivos para a nota alvo.
Veja que, nos exemplos a seguir, a nota alvo estará sempre
depois do início da frase, ou pode estar também no meio de
várias notas. Essa nota alvo sempre é uma nota da escala possível
ao acorde, mas pode ser encontrada em qualquer ponto do
compasso.

LINGUAGENS | Expressão
As melodias com passagens cromáticas soam mais
complexas e, quanto mais aparecem, mais as notas básicas da
escala se escondem no meio de tantas outras cromáticas.

Apogiatura
Um ornamento que pode ser bastante usado. Pode ser com
uma ou mais notas ascendentes ou descendentes, sem limite de
intervalo. Podem ser usados intervalos simples como semitom,
tom, ou intervalos maiores com mais notas. Vejamos alguns
exemplos:
1. uma nota e intervalo de semitom;

2. duas notas cromáticas, uma nota com intervalo de um tom


e duas notas cromáticas descendentes;

3. três notas e duas com intervalos maiores.

Grupeto
Os grupetos são grupos de 4 ou 5 notas. Costumam dar
bastante movimento em torno da nota principal.

Os grupetos podem ser tocados em qualquer grau das


escalas. Veja a seguir como soa em cada grau em uma escala
diatônica.
Caminhos da Improvisação | 247
Notas diatônicas em cima e com semitom nas debaixo.

No próximo exemplo, a escala sobe diatônica, mas as notas


de cima e debaixo das notas base estão todas com semitom.

Os grupetos aparecem constantemente em músicas


populares de diversos estilos, nos temas e naipes também. Não

LINGUAGENS | Expressão
costumam ser escritos, mas os solistas se valem muito deles para
interpretar melhor trechos musicais onde originalmente seriam
notas paradas. A melhor forma de perceber onde soa melhor é
fazendo passagens em melodias conhecidas até se acostumar ao
som e assim poder usar como vocabulário.

Glissando
São passagens rápidas entre duas notas, sem limite de
extensão podendo ser diatônicas ou cromáticas. O exemplo
cromático abaixo mostra como é escrito, e depois como deve ser
executado. O glissando é um efeito deslizante.
Agora um exemplo com característica mais diatônica:

Notas de aproximação
São notas cromáticas meio tom acima ou abaixo da nota
alvo. Essas notas podem aparecer antes ou depois e gerar um
efeito de retardo na chegada da nota. É o tipo de sensível que
cada nota tem.
Caminhos da Improvisação | 249

Mordente
É um efeito elástico da nota, que pode ser para cima ou para
baixo também, com distâncias de um semitom ou um tom, mas
não impede que sejam feitos mordentes com intervalos maiores
da nota alvo.

LINGUAGENS | Expressão
Bend
O Bend altera a afinação da nota para cima (bend up) ou
para baixo (bend down). Caracteriza um som contínuo em comas
ou microtons, sem a precisão das posições conhecidas. Alguns
estilos usam bastante o bend. Esse efeito enriquece muito a
interpretação. Ele pode ser usado por uma distância que vai de
semitom até mais tons e depende do domínio técnico de cada
instrumentista para desenvolver as melhores possibilidades.
Existem inúmeras formas para aplicar o bend em melodias.
Como nota de chegada, de saída ou ainda no meio da nota
descendo ou subindo.
Trinado
É a variação rápida entre duas notas inúmeras vezes,
obedecendo ao tempo da nota base. Pode ser feito de forma
diatônica ou cromática, para cima ou para baixo. Os trinados
representam algo festivo, pomposo ou uma expectativa, entre
outros adjetivos e sensações. É bastante usado em arranjos de
orquestra e bandas para momentos especiais. Na improvisação,
podem-se obter bons momentos com uma sequência de trinados.
Deve ser estudado em toda a extensão do instrumento de forma
diatônica e cromática.

Vibrato
É uma suave variação da afinação que pode ser executada
de forma rápida ou lenta. Sua técnica varia de instrumento para
instrumento. O vibrato está bem ligado às percepções emocionais
e sempre foi bastante usado na música popular.
Sua velocidade alterna de acordo com cada estilo ou mesmo
o andamento de cada música. Usou-se muito o vibrato rápido em
baladas, e depois essa velocidade foi se tornando cada vez mais
lenta. Em alguns estilos, era usado de forma contínua, nota após
nota quando possível, mas alguns músicos também adotaram
não usar o vibrato, por questões ideológicas e culturais.
A pulsação em cada nota pode ser bem lenta e quase
imperceptível, ou de forma mais rápida e também atenuada. O
movimento também pode ser durante toda a duração da nota ou
Caminhos da Improvisação | 251
somente ao final.
É uma ferramenta importante para o uso em variados
estilos e cada instrumento pode obter diferentes performances no
vibrato, também depende do bom gosto e sensibilidade de cada
músico para se obter melhores resultados.
A velocidade pode estar ligada a percepções de divisões
para que sejam percebidas as diferenças e seus melhores efeitos.

LINGUAGENS | Expressão
Nota fantasma ou Ghost note
São notas tocadas de forma mais abafada ou omitidas,
dando a percepção de que foram tocadas em sequência. O efeito
é obtido por alguma sequência melódica que normalmente é
uma escala ou arpejo, dando a entender que essa nota está de
fato sendo tocada. O efeito das notas fantasmas é muito usado
no Jazz e em execuções mais rápidas como o Bebop, Frevo, Choro
e outros estilos. Seu efeito normalmente é mais executado na
segunda nota de duas colcheias e em quiálteras de 3 também na
segunda nota. Sua técnica muda de acordo com o instrumento,
mas o efeito bem tocado permite fazer a melodia soar bem
diferente, dando mais desenvoltura rítmica.
Existem diversas formas de executar esse efeito, e cada
estilo faz soar diferentes as notas fantasmas. Importante é ouvir
os mestres para distinguir como cada um aprofundou a linguagem
e pronúncia de cada nota. As técnicas de execução são diferentes
em cada instrumento.
Quando em andamentos rápidos, as notas fantasmas
tendem a ter mais efeitos, sendo usadas de uma a três notas em
uma passagem, por exemplo.

Todos esses efeitos ou temperos, como chamei aqui, são


ferramentas importantes, mas sobretudo devem ser usados com
fina percepção para cada momento, porque o uso exagerado pode
fazer grande diferença na beleza do solo. Não existe um critério
para isso, pois, além do gosto de quem usa, depende também
do público que consome bem cada informação. Então é como
na culinária: dificilmente alguém vai usar mais alho, sal e cebola
do que arroz ou carne na mesma panela, por simples questão de
senso e bom gosto.
Caminhos da Improvisação | 253

LINGUAGENS | Expressão
Fraseologia
Uma das coisas mais fascinantes na improvisação é o poder
da comunicação não verbal. O mundo dos sons é muito diferente
do mundo social, em vários aspectos. Primeiro porque ele facilita
a interatividade entre pessoas expansivas ao diálogo, como
também a pessoas introspectivas, tímidas e com certas fobias
sociais que sempre foram comuns na história humana.
A improvisação musical permite a expressão e a exposição
de ideias que são mais profundas do que as palavras, porque toda
linguagem tem sua limitação, e talvez a limitação dos sons seja
apenas essa, de não traduzir completamente em palavras um
sentimento, motivação ou ideal.
Por outro lado, a capacidade de dizer além de palavras nos
coloca em um nível de sintonia muito mais fina com a percepção
humana, pelo fato de que as palavras às vezes criam problemas
se não usadas corretamente, já os sons causam contemplação e a
possibilidade de levar as pessoas a outras dimensões.
Outras linguagens, como a expressão corporal, conseguem
também ir além e dizer o que não pode ser dito.
A música lida com dois mundos intrínsecos ao ser humano:
o mundo das emoções e o mundo da racionalidade, temas já
falados anteriormente no capítulo sobre Fundamentos.
Esses dois caminhos se cruzam constantemente, embora
guardem suas virtudes e dificuldades, mas o caminho que os sons
percorrem tem o poder de acessar algumas ruas desses ambientes
que nem sempre outras linguagens conseguem.
Você pode desenvolver sua capacidade de comunicação de
Caminhos da Improvisação | 255

15
uma forma surpreendente por meio dos sons, buscando sempre,
na sinceridade da sua percepção, as melhores construções de
ideias, sem que isso comprometa sua índole ou caráter, pois às
vezes temos esses problemas com as palavras ou até mesmo com
os gestos. Podemos nos pegar expressando com os microgestos
aquilo que sentimos de forma sincera, mas não gostaríamos
de demonstrar. Essa linguagem de expressão corporal é muito
estudada hoje em dia e expressa mais verdade do que as palavras.

LINGUAGENS | Fraseologia
Já com os sons, existe um filtro para alguns desses con-
tratempos, porque o som sempre te leva para vários lugares
possíveis, assim como as palavras, mas dificilmente vão te
comprometer, garantindo que você pode de fato falar o que
quer, ainda que não seja verbal e ainda que não saiba o que o
outro lado entendeu.
É um mundo que exige mais sensibilidade de percepção, o
mundo dos sons. Temos muito o que aprender ainda sobre isso.

Sendo assim, os sons te levarão para lugares como:

Nova percepção – Ambiente não físico, criado instantaneamente


pelos sons que conectam sua mente a novas percepções. São
dimensões profundas e de fina sintonia entre nossa percepção e
realidades metafísicas. São criados quando o som se conecta a sua
mente e assim gera uma sequência de sentimentos e percepções
que podem te fazer entender, perceber ou querer buscar algo que
não é encontrado em nossa dimensão ou no seu mundo natural.
"Você pode desenvolver sua capacidade de
comunicação de uma forma surpreendente
por meio dos sons."

Sua consciência – Sua realidade interior sobre quem é, o que faz


ou fez, o que deseja, o que te motiva, suas sensações positivas e
negativas.

Consciência do Solista – A personalidade de um ou mais músicos,


seus sentimentos, criatividade, ideias e caminhos da mente mu-
sical, psicológica, espiritual e racional do músico ou compositor.

Reflexão – De forma impressionante, o mundo dos sons conse-


gue te levar a refletir sobre causas das mais diversas linhas de
pensamento. Talvez te faça entender ou traga mais conflitos, mas
a verdade é que de fato as melodias, ritmos e todo movimento
sonoro podem te levar naturalmente a esses ambientes.

Ambiente de decisões – Conexão criada entre uma dúvida, con-


flito e a forma como a música caminha em seu cérebro, levan-
do-te a gerar uma nova realidade de pensamento na qual uma
possível solução, ou mesmo apenas a motivação para tomar uma
decisão, já se torna possível, devido à liberação de pensamentos
gerados a partir do som.

Passado – Determinados sons não conhecidos podem te levar ao


passado de forma involuntária, já alguns sons que fazem parte da
sua memória podem também te levar, gerando um mesmo sen-
timento já vivido ou um sentimento que você não viveu naquela
situação. Assim também, tudo se liga aos cinco sentidos, como
comida, imagens, perfumes e texturas.
Caminhos da Improvisação | 257
Futuro – De forma mais intrigante, é difícil dizer algo sobre o fu-
turo sem que você o tenha vivido, mas acaba vivendo pelos sons.
Diversas pessoas viveram sensações do futuro por meio do som
e por isso projetaram o que lá experimentaram para a realidade
atual, isso por meio de atitudes, ideias e realizações. Não é à toa
que muitos músicos são vistos como à frente do seu tempo, e pes-
soas de outras áreas também. Só há uma possibilidade de isso
não ser possível, que é você acreditar que isso não é possível.
Todo esse silencioso e minucioso processo acontece o tem-
po todo quando a música se faz presente, mesmo que você não
esteja ligado nisso, e é bem difícil se ligar em tudo. Seria como
você imaginar o que cada célula, molécula ou neurônio faz em
cada ação que você exerce, mas a realidade é que existem milha-
res de processos que se desdobram com os sons e você é o con-

LINGUAGENS | Fraseologia
dutor desses processos de uma forma soberana, mas o único de-
talhe é que, depois que o som se propaga, aí você já não tem mais
controle sobre os efeitos dele, pois você é apenas o transmissor.
Somos os transmissores de realidades e inúmeros efeitos
que a música pode causar, mas há quem não ligue para nada disso
e apenas se preocupe com as notas ou os sistemas musicais es-
tabelecidos. Talvez seja uma forma de colocar o pé mais no chão
ou de não viajar em tantas ideias possíveis, mas a realidade é que
tudo está acontecendo com o som que você emite.
Essa introdução sobre fraseologia serve para falar da im-
portância do que construímos costumeiramente com as notas,
com compromisso ou não, com consciência ou não.
Existem infinitas realidades que se desdobram com o som,
pois ele tem em si o poder de criar novas realidades.
Mesmo que não seja possível dominar o efeito exa-
to do que fazemos ou projetamos, o mais importante é
praticar a conexão real com cada nota emitida. Não im-
porta a quantidade de notas, pois não é o que conta no re-
sultado final, mas a coerência, bom senso, sinceridade e do-
mínio de linguagem que exercemos na emissão dos sons.
Acredito que uma consciência musical mais ativa gera uma
responsabilidade maior com a arte que é exercida. Na vida mu-
sical, existem diversos caminhos a seguir, existe quem não quer
se compromissar com nada e gosta apenas de gastar energia.
Pronto, isso é uma realidade escolhida e tem seu valor; já outros
mergulham na música de forma introspectiva, e assim existem
várias formas de trilhar os caminhos. Isso foi falado no capítulo
sobre os fundamentos da linguagem, então compreender essas
camadas do processo já te faz um músico diferente, porque você
nunca mais vai olhar a música da mesma forma ou pelo menos de
forma passiva.

Organização
Existem muitas teorias sobre as formas de improvisar e cada
professor tem sua própria didática, porém existem perguntas que
são gerais e fazem parte de um processo que é comum a todos
que mergulham na criatividade da improvisação, por exemplo:
Como começo? Que notas uso ou como desenvolvo uma
simples frase?
Existem também inúmeras respostas para isso. Formas de
organizar todo conhecimento e assim estruturar qualquer ideia
de forma concisa, prática e eficiente.
A primeira coisa é entender os processos de construção de
frases e como elas se desenvolvem.
Existem inicialmente pelo menos 5 partes do processo que
envolve a construção organizada de ideias na improvisação. São
elas: Motivo, Semifrase, Frase, Período e Chorus.
Caminhos da Improvisação | 259
1. Motivo/Célula ou Inciso
A menor unidade reconhecível de uma obra musical.
Incompleta em si mesma, porém utilizada como ponto de partida
para construção de unidades maiores.

Esse é um importante passo no caminho da improvisação,


onde você entende que pode juntar notas e testar algumas sono-
ridades.
Unir duas ou três notas forma uma célula melódica, essa cé-
lula aparece sempre no início de vários improvisos ou pode apa-
recer no meio e final de um chorus. Se comparada à linguagem

LINGUAGENS | Fraseologia
falada, seriam pequenas sílabas que buscam dizer algo ou servem
para entrar numa conversa. Podem desenvolver intervalos e pe-
quenos arpejos com distâncias ao seu próprio gosto e em toda a
extensão do instrumento.
Na improvisação, assim como na linguagem falada, existe
o desdobramento de ideias. Uma simples ideia que leva a outra e
que juntas vão dando sentido e tornando o assunto interessante.
Como improvisador, você sempre irá se valer de pequenos
motivos para desenvolver seu solo. Pensando assim, não fica tão
complicado ou distante você imaginar que poderá criar um solo
partindo de pequenos fragmentos. Esse início é motivador, pois
requer o mínimo de cada um, bastando observar um pequeno
mas essencial detalhe, você precisa saber em qual escala o acor-
de está situado e assim fazer uso das notas disponíveis da escala
para iniciar o processo de ideias.

2. Semifrase
A junção de dois ou mais motivos. Pode ser binária quando
formada de dois motivos, ou ternária quando formada por três
motivos.
Na improvisação, as ideias contendo semifrases já demons-
tram uma boa qualidade de criatividade, uma vez que as semifra-
ses ajudam a construir o material pronto para o fraseado.
É possível desenvolver uma grande variedade de ideias
dessa forma, até mesmo chorus inteiros, pois essas ideias podem
ganhar motivos rítmicos e melódicos diferentes, como também
navegar em contextos harmônicos com bastante movimento.

3. Frase
Sendo uma unidade básica da sintaxe musical, a frase tem
uma ideia musical completa que é finalizada com uma cadência.

Pode ser classificada em:


• início e terminação;
• quantitativo;
• quadratura ou quadrada;
• qualitativo.

Início e terminação
A frase pode ser suspensiva quando termina com uma
Caminhos da Improvisação | 261
cadência dominante, ou conclusiva quando termina com uma
cadência conclusiva.
Quantitativo
Quando a frase é composta por várias semifrases, podendo
ser binária ou ternária, dependendo da quantidade.
Quadratura ou Quadrada
São frases que têm a extensão de 4 compassos. Frases
maiores com múltiplos de quatro, como 8 e 16 compassos,
também são consideradas como quadratura ou quadrada.
Qualitativo
Do ponto de vista Qualitativo, este pode ser dividido de

LINGUAGENS | Fraseologia
duas formas: Afirmativa e Contrastante.
Afirmativa: Quando as semifrases são compostas de um
mesmo ou semelhante material. Contrastante: Quando as
semifrases são compostas de um material diferente.

4. Período
É paralelo ao parágrafo textual, onde a ideia é expressa
por completo e fecha um ciclo, o que na improvisação podemos
chamar de parte do tema. Normalmente o ciclo de um período
pode ser notado com a barra dupla indicando uma parte concluída.
Ex.: AABA, AABB etc.
Período repetido: Com frases idênticas diferenciando-se
apenas na conclusão. Os períodos podem ser formados por frases
de pergunta e resposta (antecedente ou consequente).
Período paralelo: As frases podem ser semelhantes no
início, mas diferem na continuação.
Período contrastante: As frases são compostas de materiais
diferentes.
5. Chorus
Estrutura completa do tema, sendo dividido em partes.
Os temas tradicionais eram compostos com predominância em
quadraturas de compassos, ou seja, com 16, 32 e 64 compassos.
O Blues contém 12 compassos em sua forma tradicional, já outros
temas, com o passar do tempo, ganharam diferentes formatos
ao gosto de cada compositor, então cada música tem sua própria
forma e, em alguns casos, o chorus de improviso obedece a uma
forma apenas para o improviso e não ligada ao tema da música.

Aplicação:
Esse conhecimento inicial da organização de frases é o
mesmo aplicado em paralelo na oração textual e também no
estudo de composição musical. Pode ser aprofundado com
diversos exemplos mais técnicos para composição, o que não se
aplica completamente na improvisação, pois na improvisação
existe o elemento do tempo-resposta entre o pensamento e a
ação.
Por causa desse tempo-resposta, a organização de ideias
e frases nem sempre irá obedecer a uma arquitetura simétrica
ou matemática perfeita, mas, ao longo dos solos, aparecem
elementos inesperados como as diferentes linguagens rítmicas,
e os contrastes de ideias, exposição técnica de cada instrumento,
longas pausas ou mesmo mudança instantânea de cenário de
acordo com as ideias e estilo musical.
Porém, é importante o aprendizado de como se forma
a estrutura para que o processo cognitivo de criatividade e
aprendizado não fique misturado à explosão de pensamentos e
ideias que rodeiam a mente do músico.
O processo mais prático para a aplicação do fraseado na
música popular seria: Motivo, Semifrase, Frase, Período e Chorus.
Caminhos da Improvisação | 263

Tipos de fraseado:
Clichês: São chamados de clichês, licks ou padrões as frases
que obedecem a um contexto histórico do estilo. Foram difundidas
por músicos mais tradicionais e moldadas durante os tempos. Os
clichês são um importante material no estudo musical, porque
significam parte da história trazida para nós e também são parte
da linguagem estabelecida durante os tempos em cada estilo.
Para aprender uma linguagem, você precisa falar o básico
dela primeiro antes de poder estabelecer suas próprias ideias.
É assim nos idiomas e também em vários tipos de linguagem
musical. Existe certo preconceito com isso por parte de alguns
músicos que defendem o não uso dos clichês, mas não é possível

LINGUAGENS | Fraseologia
aprender uma linguagem criando outra linguagem sobre ela: ou
você cria ou aprende.

Existem incontáveis clichês que foram estabelecidos com o


passar dos anos por inúmeros solistas. O que torna uma frase em
clichê é a repetição dela por vários músicos ao ponto de passar de
geração em geração e assim fazer parte de um banco de opções
para todos os músicos.

"Para aprender uma linguagem, você precisa


falar o básico dela primeiro antes de poder
estabelecer suas próprias ideias."
Curiosamente o clichê abaixo é um dos mais utilizados por
grandes músicos e por uma legião de improvisadores. Formado
por apenas 7 notas e ocupando apenas um breve compasso,
ele pode ser aplicado em muitas harmonias e se tornou mais
difundido ainda nas redes sociais atualmente.

"não é possível aprender uma linguagem


criando outra linguagem sobre ela: ou você
cria ou aprende."
Aqui está a frase usada e algumas variações:

Os padrões de arpejos, intervalos e escalas produzem


naturalmente muitos fraseados, um eficiente caminho para o
desenvolvimento do fraseado.

Criativo: São ideias que fluem naturalmente e são


executadas buscando sempre um caminho novo. O fraseado
criativo é o mais desejado por qualquer músico e só deve ser
observado o cuidado em não ferir o estilo. Normalmente o que
fere o estilo é o uso de articulações, divisões rítmicas e aplicações
Caminhos da Improvisação | 265
harmônicas fora do contexto. Algumas citações ou melodias
também podem ficar fora do contexto dependendo do momento.

"Os padrões de arpejos, intervalos e escalas


produzem naturalmente muitos fraseados,
um eficiente caminho para o desenvolvimento
do fraseado."

Tonal: Respeita um pensamento de preparação e resolução,


com apoio em II-V-I menor ou maior. Tende a resolver melodias
com base nas notas do acorde. Pode ser aplicado em harmonias
tonais e modais, porém na harmonia modal o fraseado com
aplicação tonal fica limitado, uma vez que o pensamento tonal

LINGUAGENS | Fraseologia
pede tensão e resolução.

Harmonia do tema Lazy Bird (John Coltrane)

Modal: Não cria tensões com preparação e resolução.


Pode ser desenvolvido livremente usando as notas da escala do
momento e não tem a necessidade de terminar em determinadas
notas do acorde. Pode ser aplicado em harmonias tonais e
modais, sendo que, em harmonias tonais, o som modal das
melodias se sobrepõe e pode até ignorar as tensões e resoluções,
sem a necessidade de resolução harmônica na melodia.
Aplicação em harmonia modal:

Aplicação em harmonia tonal:

Trecho de Triste (Tom Jobim)

Abstrato: Visa à criação de frases não limitadas aos sons


conhecidos, sem a preocupação dos padrões e ligação entre
frases. Busca maior liberdade em todos os sentidos, melódico,
harmônico e rítmico.

"Acima de tudo, busque sua inspiração no


som e no clima do momento. Procure ouvir
o que a música em você quer dizer. Essa
conexão sempre fará grande diferença em seu
fraseado."
Dicas:
1. crie um motivo com duas, três ou quatro notas;
2. desenvolva esse motivo criando outros semelhantes,
use elementos próximos e diferentes na forma rítmica e
melódica;
Caminhos da Improvisação | 267
3. uma frase se forma quando motivos se tornam semifrases e
estas se organizam;
4. você pode criar ou não conexão de uma frase para outra.
Isso irá determinar o tipo de fraseado que está criando; ob-
serve o estilo e a harmonia do momento;
5. após unir diversas frases, você estará organizando os pe-
ríodos ,que são as partes de cada música, e assim até de-
senvolver um chorus completo;
6. inicialmente procure desenvolver frases com dois ou
quatro compassos. Essa quadratura é importante para
a organização de ideias, pelo menos no princípio. As
harmonias tradicionais e mais conhecidas facilitam esse
processo, uma vez que, em sua maioria, são criadas em 4, 8

LINGUAGENS | Fraseologia
e 16 compassos;
7. o fraseado melódico precisa observar o contexto harmônico
e de estilo; para isso é importante ouvir os mestres de cada
estilo para desenvolver uma melhor percepção do que
já existe e formar assim o fraseado que você quer seguir.
Busque sempre as raízes daquilo que você procura. Quanto
mais fundamentada, melhor será sua base para desenvolver
seu fraseado;
8. a frase musical é como a fala, então busque pensar antes de
cada nota ou frase, respire e toque;
9. não toque frases longas no início, pois o cérebro precisa de
oxigenação e a ansiedade no princípio é natural, a respiração
ajuda a melhorar o pensamento e desenvolver melhores
ideias;
10. acima de tudo, busque sua inspiração no som e no clima
do momento. Procure ouvir o que a música em você quer
dizer. Essa conexão sempre fará grande diferença em seu
fraseado.
Articulação
A articulação é essencial para os sons musicais, assim como
a dicção também é para as palavras.
Um dos pontos mais importantes na linguagem musical
executada é a articulação e suas particularidades para cada estilo,
pois é exatamente o que diferencia de forma sonora um estilo do
outro.
Articular bem e de acordo com cada estilo envolve o poder
de se comunicar melhor. É como usar o idioma correto em cada
país.
Existem variações possíveis para cada fraseado em cada
estilo, e alguns músicos ampliaram bastante as formas de articu-
lar determinados trechos musicais.
A articulação tem o poder de determinar exatamente parte
do sentimento que se quer transmitir nos trechos musicais. Junta-
mente com os ornamentos, essas formas de expressão destacam
e transmitem, por meio da linguagem musical, diversos senti-
mentos. Isso mesmo: os sentimentos são mais bem transmitidos
quando as articulações e os ornamentos são usados de forma cor-
reta ou de uma forma além de ser correta, a forma artística, que é
quando o músico consegue traduzir tudo por meio da linguagem
musical. Mas qual seria a forma possível? Exatamente as formas
de articular trechos que podem traduzir o carinho, a ternura, o
medo, a desconfiança ou o respeito.
Pode ser difícil aliar tudo isso de forma consciente, mas é de
forma instintiva que o domínio das técnicas de articulação salta
Caminhos da Improvisação | 269

16
para a expressão musical como instrumento de melhor uso para
a comunicação dos sentimentos e da objetividade do que se quer
dizer.

Você pode tocar as notas dentro da harmonia e criar um


belo fraseado, mas, sem a articulação adequada ao estilo, uma
grande parte da beleza do que foi criado perderá o sentido.

Existem diversos sinais de articulações que devem ser estu-

LINGUAGENS | Articulação
dados tecnicamente para cada instrumento, mas aqui vamos nos
concentrar em como cada sinal se adapta ao estilo a ser apresen-
tado na improvisação.

"A articulação tem o poder de determinar


exatamente parte do sentimento que se
quer transmitir nos trechos musicais."

Padrões
As articulações têm muitas opções quando os estilos se
misturam, mas, observando os padrões das divisões básicas em
colcheias e semicolcheias ou grupos de 2, 3, 4 e 5 notas, podemos
notar alguns padrões que servem para quase todos os estilos,
contando que também existem formas que não são usadas nem
como variantes em alguns estilos, simplesmente por não fazer
soar bem.
Princípio
Inicialmente, para melhor entendimento, é importante
notar que as articulações buscam valorizar o tempo forte
do ritmo. As notas pulsam e caminham para esse tempo
que pode ser na pulsação ímpar ou par do compasso,
quando em compassos pares. Já nos compassos ímpares,
existe uma variação de possibilidades para o tempo forte.
Em todos os ritmos, é possível observar um padrão e esse
será um princípio para quase todas as articulações básicas na
improvisação.
Três pontos fazem toda a diferença na interpretação,
quando o assunto é articulação:

1. ligadura;
2. acentuações;
3. valor do corte de notas.

Ligadura
1. Entre notas iguais;
2. para duas ou três notas, destacando assim a articulação
ideal para o fraseado;
3. de frase, podendo compreender longos trechos de frases.

Para o fraseado na improvisação, a ligadura é uma forma


de expressão que pouco pode ser percebida, por se tratar de algo
muito natural no fraseado, sendo comum qualquer músico tocar,
Caminhos da Improvisação | 271
de duas ou mais notas, um fraseado com uma grande ligadura.
Mas o uso de cada forma de expressão na improvisação
ganha maior valor quando você direciona ou entende o sentido
de fazer algo porque sabe que aquilo tem um objetivo específico.
Esses detalhes são percebidos quando você executa um
fraseado com diferentes articulações ou articula em uma nota
que precisa ser ligada ou o contrário.
Por essa razão, é importante falar de forma mais minuciosa
sobre cada detalhe da articulação, primeiro de forma geral e
depois para cada estilo.
As ligaduras promovem um senso de leveza e agilidade ao
fraseado, quando abordam várias notas ou compassos seguidos.

LINGUAGENS | Articulação

Quando em notas diatônicas em movimento mais lento,


podem demonstrar ou traduzir sentimentos positivos:
ou negativos, dependendo da combinação de intervalos:

Já as cromáticas em movimento lento podem traduzir mais


suspense, desconfiança e outros sentimentos mais dramáticos:

Ligaduras diatônicas em movimento rápido podem ser


usadas para algo mais festivo, circense, virtuoso e apoteótico:

Quando em notas cromáticas em movimento mais rápido,


podem traduzir fuga, confusão e complexidade, entre outras
percepções:
Caminhos da Improvisação | 273
Cada fraseado traduz algum tipo de sentimento ou
entendimento, conceito ou ideologia, e as ligaduras estão o
tempo todo à disposição para isso.
A questão é que, na prática da improvisação, embora isso
tudo seja real e o tempo todo percebido em sentimentos e razo-
abilidade, talvez não seja analisado ou tratado como uma ferra-
menta específica e calculada para produzir um efeito ou obter um
resultado.
Muita coisa na música tem sentido matemático, outras
abordam áreas como física, química e até metafísica.
Na vida prática da improvisação, você pode até não buscar
esse entendimento, mas os efeitos a toda nota são produzidos
com ou sem o seu entendimento, por isso, quanto melhor a

LINGUAGENS | Articulação
percepção desse efeito, melhor você poderá torná-lo mais útil
para sua interpretação ou comunicação interpessoal.
Existem infinitas opções sobre os efeitos da ligadura. Faça
alguns testes e procure um sentido para alguns tipos de ligadura
como:

1. frases curtas em movimento lento com diatônicas;


2. frases curtas em movimento lento com cromatismo;
3. frases longas em movimento rápido com diatônicas;
4. frases longas em movimento rápido com cromatismo;
5. frases em movimento médio e lento com diatônicas;
6. frases em movimento médio e lento com cromatismo;
7. com intervalos superiores à oitava;
8. intervalos de microtons.
Acentuações
As acentuações ditam a entonação e ênfase que cada
nota destacada deve ter. Normalmente ligada ao groove de
acompanhamento, dialoga com a caixa, ou riffs de baixo e
ataques do piano ou guitarra. As acentuações se referem ao tom
da conversa, se enfático, brando, moroso ou imponente.
Quando a intenção difere da acentuação, o sentido real
pode não ficar expresso de forma clara.

Tipos:

Sem ligadura, notas com valor real

Aplicação: Fraseado sem destaque de acentuações,


podendo ser em melodias ou improvisação. Alguns estilos
comportam bem esse tipo de linguagem para melodias como
no exemplo acima, podendo ser Choro, Maxixe, Samba e outros.
Na improvisação, ele vai se misturar com outras acentuações e
ligaduras.

Principais acentuações

As acentuações têm sua importância em cada frase, e elas


são o meio com o qual você poderá dizer além das notas.
Caminhos da Improvisação | 275
Em ordem crescente, as acentuações permitem a você
diferenciar algumas intenções do sentimento ou comportamento
humano. Você, em algum momento, pode não perceber, mas o
uso de qualquer uma dessas acentuações fará seu fraseado soar
de uma forma que determina algum sentimento, imagem, ou
intenção, ainda que não seja o que você quer dizer.

LINGUAGENS | Articulação

Dica:
Desenvolva exercícios melódicos baseado em escalas,
tonalidades, arpejos e intervalos, usando diferentes articulações
e acentuações.

"As acentuações têm sua importância em


cada frase, e elas são o meio com o qual você
poderá dizer além das notas."
Articulações para alguns estilos
Seria impossível descrever todas as opções de articulações
para todos os estilos, uma vez que elas sofrem constantes
alterações com o passar do tempo, porém alguns padrões se
repetem em vários ritmos, gêneros e estilos. Uma articulação
de frase serve para muitas opções e pode ser: semelhante ou
específica.
A articulação no Swing pode e é usada no Frevo, Choro,
Samba, Bossa Nova, Baião, Funk e diversos outros estilos. Isso
a torna um padrão específico que pode ser aplicado em muitos
ritmos e estilos.

As articulações do Frevo e Choro têm sua origem nas


Polcas e Marchas, sendo que existem algumas especificações
de acentuações que se diferenciam, mas em princípio elas se
combinam.

O Choro tem uma articulação bastante usada que não se


aplica ao Frevo, por exemplo, que são as notas sem ligadura. Isso
é permitido no Choro, mas não é usual no Frevo. Quero dizer que
não é proibido, apenas não é usual.

O Swing, o Frevo e o Choro disponibilizam articulações


que servem de base para diversos ritmos. Existem nelas algumas
variações de ataques e deslocamento de acentuações e ligaduras.

Vamos conferir as principais articulações desses três estilos.

Choro
As notas destacadas de ligaduras são algo em comum nas
Caminhos da Improvisação | 277
opções de articulação do Choro. Duas ou mais notas, quando
soltas, valorizam a linguagem, uma vez que essas notas soltas
dialogam constantemente com o pandeiro, como instrumento
de divisão rítmica usado no Choro, e também com o violão de 7
cordas.
O Choro permite valorizar o destaque de notas sem
ligaduras, desde duas até sequências completas de fraseado.
Acentuações também podem variar em qualquer das quatro
semicolcheias.

LINGUAGENS | Articulação
Swing
No Swing, a articulação pode variar de acordo com o
andamento. Se lento ou andamento médio para a execução, a
articulação é mais constante, mas à medida que o andamento de
execução aumenta, aí a tendência é que as articulações fiquem
mais distantes, podendo variar de 4 em 4 notas ou para frases
maiores.
Outro tipo de articulação muito usada no Swing é a ghost
note, ou nota fantasma. Esse recurso torna mais leve o fraseado
e valoriza a linguagem do Swing. É um tipo de linguagem do
Jazz que permeia muitos estilos na música brasileira e latina.
Outro detalhe sobre o Swing é que as colcheias pontuadas
são aplicadas até no andamento em média de 180 no
metrônomo, depois disso as colcheias recebem valor normal.
Caminhos da Improvisação | 279

LINGUAGENS | Articulação
Frevo
No Frevo, as articulações são bem variadas também.
Ganham notas destacadas igualmente ao Choro, porém com
um detalhe não usual, pois, como os andamentos são bem mais
rápidos, não é comum o uso de vários grupos de semicolcheias
sem ligaduras, exceto quando são notas repetidas: aí se faz
necessário o uso do staccato duplo.
Caminhos da Improvisação | 281
Observamos então as diferenças e semelhanças entre essas
três diferentes linguagens. Como dito anteriormente, elas servem
de base para grande parte das articulações em outros estilos.

Valor do corte de notas


O corte de tempo de cada nota é um adereço sutil no
enredo das articulações, mas faz muita diferença quando tratado
de forma milimétrica.
No Swing, o tamanho do corte da nota precedida por
ligadura determina o efeito, se leve ou pesado. Quanto mais
destaque no corte, mais pesado, quanto menos destaque, mais

LINGUAGENS | Articulação
leve, porque, se a nota está cada vez mais ligada à próxima nota
de ataque, então ela soará quase que ligada.
O outro detalhe é a acentuação usada na nota de ataque.
Para soar mais leve, devem ser usados ataques como portato ou
tenuto, e, para soar mais pesado ou mais lento, deve ser usado o
acento e o marcato.
Ritmo
Primeiros impulsos
Fico imaginando como deve ser nossa experiência no
ventre materno, sobre os batimentos cardíacos, cada segundo de
respiração e o que de fato podemos perceber do mundo exterior,
quando envolvidos em uma placenta. Essa é a nossa primeira
experiência real com a música, por meio do ritmo.
Acredito não existir nada tão profundo e instintivo na música
quanto o ritmo, porque ele de fato está ligado a uma estrutura
indissolúvel em nossa vida, o tempo.
Tudo por aqui está ligado ao tempo, ainda que o tempo seja
ilusório ou subjetivo. Isso nos liga à essência de nossa existência e
de uma lei que não muda, pelo menos para nós mortais, que tudo
tem início, meio e fim.
Na vida, o tempo é percebido em tudo que se faz, pois tudo
tem o mesmo princípio. Em cada gesto, um efeito, um tempo
determinado; em cada atitude, um desdobramento e sequência
de eventos que mostram o poder do tempo sobre tudo.
Embora ele se desdobre pelos eventos sucessivos, sempre
se mostra subjetivo, pois, para cada um, existem diferentes
percepções, e há quem pensa poder manipular o tempo. Na
verdade, muitos conseguem até brincar com ele.
O tempo no vazio do espaço talvez não seria percebido,
mas a sequência de eventos e fatos que cada micro-organismo
Caminhos da Improvisação | 283

17
desenvolve é que desdobra a percepção dele em toda a natureza.
Esse desdobramento se tornou parte de nossa essência corpórea,
pois tudo que percebemos está ligado ao tempo.
Por isso cada um desenvolve uma percepção de mundo
e vida, um ritmo para cada coisa que faz, um ritmo na fala, nos
movimentos e em seu próprio cotidiano. Isso está ligado ao ritmo
que habita em nós.
Na música esse ritmo se desenvolve com motivações,

LINGUAGENS | Ritmo
aprendizado e prática, mas tudo nos leva a perceber na verdade o
nosso próprio ritmo, ou nossa própria essência que se desenvolve
com a sucessão de eventos e coisas que fazemos.

Temos nosso próprio tempo


Essa frase tão conhecida em nossa cultura, uma vez cantada
por Renato Russo, declara que nossa individualidade também tem
sua própria personalidade rítmica. Mesmo sendo influenciados
pela cultura, pela família, pelos sons das ruas, pelas rádios e tudo
mais, existe em nós uma fagulha divina que nos diferencia de
todos.
Existem padrões determinados para se fazer música
coletivamente, mas todos os padrões nos dão a chance de
brincar e nos comunicar por meio deles. Alguns se sobressaem
com pequenas diferenças entre outros e, quando alguém passa a
perceber seu próprio tempo, seus impulsos, seu ritmo, desenvolve
isso e consegue se comunicar distintamente, mesmo fazendo as
mesmas coisas que os outros.

Ritmo entre os povos


As culturas nos ensinam que os ritmos são a percepção de
um povo, de uma sociedade, de aldeias, vilas, famílias, bairros
ou tribos. É o ritmo daquele lugar e a mistura de sentimentos de
vida que são codificados em semicolcheias, tercinas, colcheias e
compassos desde os simples até outros mais complexos.
Do sentimento verdadeiro e expresso nascem as pequenas
mudanças e, com o passar do tempo, determinam um tipo de
dieta musical da sociedade. O corpo sente, a mente pensa e
organiza, os lábios entoam, às vezes, o que não entendem, mas
deixam isso soar, porque percebem que não podem reter.
É a música nascendo com batidas, divisões que expressam
sentimentos profundos, que mostram a essência da vida expressa
em cada ser.
A sinceridade daquilo que pulsa em cada um pode fazer
grandes mudanças na história, desde que seja realmente
expressa. Desde que não se prenda apenas aos padrões, aos
cálculos, às fórmulas, ao que foi aprendido, mas seja percebida
em cada movimento do corpo.
Dessa forma, podemos perceber o quanto o tempo é
importante na vida e o quanto, traduzido para a música, ele é
essencial. Não apenas para determinar um compasso, mas para
mostrar a essência de quem passeia pela música, pois as pessoas
se expressam com ritmo o tempo todo, mesmo sem fazer música,
na voz e forma de falar, no ritmo das palavras, nos passos, com as
mãos, com os olhos e com a cabeça.
Caminhos da Improvisação | 285

"É a música nascendo com batidas, divisões


que expressam sentimentos profundos, que
mostram a essência da vida expressa em cada
ser."
Essa percepção torna o ritmo um fator essencial e que deve
ser cultivado com todas suas possíveis evoluções e manifestações.
Não nascemos cantando, nem ouvindo acordes, mas
em nós pulsa o tempo, a vida, e da percepção que levamos co-
nosco por toda nossa existência, pulsa uma mensagem que
se desdobra em nossas atitudes em todos os momentos.
Quero motivar os leitores a uma percepção diferenciada

LINGUAGENS | Ritmo
sobre o ritmo na improvisação.
A concepção criativa da improvisação acessa diferentes
formas de interpretação, nas quais cada linha de pensamento se
transforma em uma linguagem e forma de expressão.
Usamos o pensamento melódico para pintar as linhas e
suas dinâmicas, também são empregadas todas as técnicas do
instrumento e assim conseguimos criar a forma e os traços.
Se comparadas ao corpo humano, as melodias seriam como
a parte mais destacada e exposta, ou seja, a pele.
A pele é o maior órgão do corpo humano e define a nossa
forma externa, embora não defina os atributos subjetivos da nossa
mente. Assim também, as melodias, expressas na improvisação
pela fraseologia, são o instrumento que mais expressa o caráter
da obra, porque se utilizam livremente de formas, contornos e
traços com dinâmicas de tamanho e largura, em cada momento.
Desse modo, os quadros sonoros são formados com essa
percepção em que a melodia sempre é soberana e carrega a
imagem final da obra.
Já na harmonia temos a profundidade, se comparada em
três dimensões, e a estrutura quando pensamos em um corpo. Em
algumas culturas orientais, como na música indiana, a harmonia
não está inclusa nas principais partes musicais, sendo melodia,
dança e ritmo o que eles observam como a estrutura de sua
música; mas, na música ocidental, desde o clássico até os tempos
atuais, a harmonia forma um tipo de pista por onde as melodias
se locomovem como veículos.

"Quero motivar os leitores a uma percepção


diferenciada sobre o ritmo na improvisação."
Mas é no ritmo onde encontramos os impulsos, os
batimentos cardíacos, a oscilação de tempo entre as percepções
do que é muito rápido e muito lento, as variações de humor, saúde
e impulsos mais primitivos para as nossas ações e, assim, o ritmo
carrega a essência do tempo de cada um.
Essa percepção nos leva a entender que cada músico se
adapta à forma coletiva de tocar, mas na improvisação o uso
do ritmo tem uma diferença personalizada entre os músicos, de
modo que nenhum improvisa da mesma forma quando o assunto
é ritmo e suas pulsações.

Na improvisação
Na prática da improvisação, é comum que cada músico
desenvolva seu fraseado, analise harmonias e com isso mergulhe
nos solos buscando sempre seus caminhos e estilos.
O ritmo nem sempre é tratado de forma diferenciada
Caminhos da Improvisação | 287
ou estudado com tanto comprometimento quanto no caso da
harmonia, porém um conhecimento adquirido com mais atenção
quantos aos elementos rítmicos mostrará um campo mais amplo
e muito maior do que apenas o pensamento quando envolvido
em melodia/harmonia.
Tudo que fazemos envolve ritmo e suas divisões, mas a
diferença está entre a forma passiva e a ativa da consciência.

O ritmo determina as noções de velocidade e aspectos


subjetivos de personalidade ou expressão humana. Mesmo que
uma melodia esteja rápida, você pode notar, pela articulação,
ataque e acentuações, como anda o sistema nervoso de alguém,
e também quando lenta, pois a respiração e o equilíbrio das notas
e suas subdivisões demonstram isso com facilidade.

LINGUAGENS | Ritmo
A organização dos padrões e subdivisões ajuda a manter o
controle e também a discernir entre uma ideia bem executada ou
não.

Você pode pensar em notas e na aplicação, mas precisa do


impulso rítmico que dirá exatamente o que você quer que soe.
Não sendo assim, a linguagem pode se tornar atrapalhada e a
improvisação tomar alguns rumos não desejados.

Um ponto importante na improvisação é que você não


deve tocar o que não percebe ou o que não decidiu, e isso fará a
distinção da improvisação consciente ou não. Sobre os impulsos
rítmicos, eles devem ser treinados de várias formas, porque a
diferença entre articulação, acentuações e divisões cria uma
verdadeira imagem sobre a interpretação de cada um.

O ritmo habita em todos esses temas, onde cada divisão e


seus detalhes demonstram exatamente o valor de cada melodia.
Subdivisões
Na improvisação, toda escolha de notas depende de um
elemento rítmico, envolve todas as figuras existentes e também
as pausas. A conexão e combinação entre esses elementos cria a
dinâmica das notas e estabelece o ambiente com a percepção das
pessoas, causando assim maior interesse ou não, de sorte que a
riqueza de elementos pode aguçar mais os sentidos.
A composição de ideias rítmicas é formada entre figuras e
suas relações de tempo, nas quais cada nota tem seu valor em
separado ou se liga a outras quantidades de notas, formando
assim o sentido da frase.
Esse sentido se estabelece com as frases e onde elas estão
posicionadas na subdivisão rítmica. Caso deslocadas, o sentido
pode melhorar ou se perder em relação ao estilo.
Para isso, estabelece-se o tempo 1 de cada compasso e
também o tempo forte visando a uma melhor percepção, sentido
e organização de ideias.

Na música popular e alguns estilos, o tempo forte se encon-


tra no contratempo, e esse tempo forte é a base das acentuações
de instrumentos percussivos mais graves, criando assim o ciclo
de cada compasso onde tudo gira em torno desse tempo, mesmo
não sendo o primeiro.
O “swingar” depende muito de como é tratado o tempo
forte de cada música, pois, embora exista a acentuação no tempo
1, será a combinação dos tempos, suas acentuações e levadas
que irão determinar o poder rítmico de cada obra.
Caminhos da Improvisação | 289
Em compassos ternários, a regra geral é que o primeiro
tempo seja o tempo forte, mas isso pode variar para o segundo e
terceiro, em determinadas composições ou estilos.

A subdivisão é o elemento essencial a ser observado em


cada compasso, pois a pulsação interior de cada música poderá
articular melhor as ideias, se suas pulsações forem subdivididas e
não pensadas a cada tempo do compasso.
O fraseado é concebido pela pulsação interior de cada um,
porém, quanto mais subdividido, mais opções rítmicas ficarão
à disposição. A diferença está no equilíbrio e na clareza da

LINGUAGENS | Ritmo
execução, quando o fraseado é mais bem subdividido.
Quando falo pulsação interior, é exatamente como você
subdivide o compasso em sua mente. O importante é que isso
seja um referencial em seu corpo, porque o ritmo deve pulsar
em todo o corpo e mente, quando fazemos música. Com esse
pensamento, temos menos opções e precisão, quando a pulsação
interior está firmada apenas no tempo, e não nas subdivisões.
Um compasso em 2/4 pode ser percebido das seguintes
formas, em suas subdivisões básicas:

Na progressão de cada divisão é que suas subdivisões


ganham mais possibilidades. Observe a tabela subdivida em
colcheia e o local onde cada nota aparece, se usadas todas as
possibilidades desde quatro notas até uma nota. As divisões
soam diferentes de acordo com o local no compasso onde são
executadas.
"A diferença está no equilíbrio e na clareza
da execução, quando o fraseado é mais bem
subdividido."

Colcheias

À medida que a subdivisão aumenta, as possibilidades se


multiplicam, sem contar as ligaduras deslocadas para cada nota e
acentuações em locais diferentes. Multiplique tudo isso às notas
de escalas, arpejos e intervalos, e teremos cada vez mais dígitos
matemáticos.
Caminhos da Improvisação | 291

Tercinas

LINGUAGENS | Ritmo
Dicas:
1. escolha um andamento no compasso 2/4;
2. execute divisões baseadas em colcheias e execute de uma a
quatro notas em todos os locais possíveis do compasso;
3. faça variações entre acentuações e ligaduras;
4. repita o mesmo processo com subdivisões de quiálteras de 3;
5. pratique os dois processos nos compassos 3/4 e 4/4.
Semicolcheias
Vejamos agora como se subdividem os grupos de
semicolcheias:

Cada compasso desses escrito e a mistura de divisões for-


mam um leque de possibilidades que podem ser experimenta-
das em contextos melódicos e harmônicos.
Seria impossível descrever ou colocar aqui todas as
possibilidades, mas as que foram colocadas podem aguçar a
percepção e um maior interesse pelas questões rítmicas e suas
subdivisões. Existem ainda as possibilidades com 5, 6 e 7 notas,
que ampliam mais ainda essa gama de opções.
Caminhos da Improvisação | 293

Células
Um grupo de notas também pode ser executado de várias
formas, sendo que cada uma delas criará um tipo de imagem
diferente para a melodia. De 2 até 7 notas, por exemplo, é possível
criar pequenas células rítmicas que farão um ótimo trabalho
com pequenas informações, mas com sugestões que sempre
influenciam a forma de a base se comportar ao acompanhar.

LINGUAGENS | Ritmo
Então o processo de escolha das notas rapidamente
determina como elas vão soar ritmicamente, sendo intrínseco
aos sentimentos e impulsos que quase não são percebidos.
É importante um estudo mais detalhado sobre cada possível
divisão: isso trará maior visão e vocabulário rítmico.

Economia
A economia das notas, em alguns ritmos e estilos, provoca
maior criatividade. Uma vez que não existe um longo caminho a
ser percorrido com dezenas de notas, a escolha de 3, 4 ou 5 notas
pode demandar uma série de ideias rítmicas. Um outro ponto
positivo é que isso exige menos da mente do que a produção de
longas sequências de combinações melódicas, podendo gerar
pequenos temas com células melódicas e rítmicas.

Nesse exemplo, foram usadas apenas 4 notas e, quanto


menos notas, mais possibilidades rítmicas ao gosto do solista.

Dicas:

1. escolha o ritmo e improvise com apenas uma nota, fazendo


variações de ritmo e deixando-a fluir ao seu gosto;
2. desenvolva esse exercício em temas conhecidos usando de
2 até 4 notas por maiores períodos em ciclos de chorus.

Localização exata
Uma boa opção também de entender as diferentes formas
de fazer soar as divisões é praticando o local de cada nota da
subdivisão. É um exercício simples, mas, se feito com atenção,
pode produzir uma melhor percepção quanto à importância de
cada célula rítmica.
Caminhos da Improvisação | 295

LINGUAGENS | Ritmo
Grupos de notas em diferentes
quantidades
Os fraseados mais extensos também podem ser praticados
com grupos progressivos desde duas até 7 notas. Esse é um
tema que demanda tempo e muita prática com escalas e arpejos,
mas aumenta bastante o vocabulário rítmico. É estabelecer a
pulsação em diferentes quantidades de notas e acentuações
variadas. Pausas também podem ser deslocadas para ampliar
as possibilidades. Esses 16 temas rítmicos se tornam ilimitados
quando trabalhados em articulações, acentos, tonalidades,
escalas e arpejos diferentes. Use a criatividade, percepção, pois,
nessa pequena tabela, se encontra grande parte da fraseologia
usada na improvisação atual.
Acentuações
Os estilos também determinam acentuações dentro dessas
subdivisões. Essas acentuações devem fazer parte da sua pul-
sação interior, porque assim todo fraseado estará em harmonia
com os melhores tempos e acentuações do estilo.
Caminhos da Improvisação | 297
A beleza artística das frases é determinada por onde a frase
começa e termina, onde está seu tempo forte e se combina com
o estilo; por isso, em cada ritmo, existem acentuações em dife-
rentes lugares.
Algumas acentuações podem ser usadas em vários estilos
parecidos, já outros têm mais particularidades quanto aos locais
característicos de acentuação.
É preciso perceber o que o som sugere por meio dos diver-
sos instrumentos de acompanhamento, desde o piano, o violão,
a guitarra, o baixo, a bateria, a percussão e outros.
A improvisação, acima de tudo, deve ser percebida. Apren-
demos o máximo possível para termos vocabulário e material su-
ficiente para entrar no jogo dos sons, mas ainda seremos sempre

LINGUAGENS | Ritmo
dependentes do que o ambiente sonoro e em silêncio nos propõe.
Toda compreensão é expansível e nunca uma verdade fi-
nalizada, e se não fosse, não teríamos chegado até aqui, pois as
descobertas nos mostraram toda riqueza que temos hoje de for-
ma sonora, tanto acústica como de forma eletrônica.
Nas tabelas abaixo, você encontrará uma série de ritmos
usados na música popular atual, principalmente no Brasil, nos
EUA e na América Latina. Cada ritmo tem sua particularidade, e
você poderá comparar as diferenças entre eles. Não estão aí suas
variações, porque são diversas, mas o objetivo é deixar uma refe-
rência para estudos com atenção às acentuações e possíveis arti-
culações para o fraseado em cada ritmo.
Caminhos da Improvisação | 299

LINGUAGENS | Ritmo
Caminhos da Improvisação | 301

LINGUAGENS | Ritmo

(Material de ritmos escrito pelo baterista Pedro Almeida).


Polirritmia
A polirritmia é uma importante ferramenta da linguagem
rítmica, muito usada em composições da música erudita, popular
e na improvisação.
É um tipo de linguagem que sugere a combinação de duas
ou mais marcações estabelecidas em forma de compasso ou não.
Existem composições que usam dois compassos por toda a
obra; já em outras pode surgir de forma casual. Na improvisação,
cada vez mais se descobrem novos elementos e combinações
rítmicas que acabam fazendo parte de composições ou de
momentos na improvisação.
É o tipo de pesquisa que oferece muito assunto e opções.
Inicialmente, a polirritmia pode ser entendida e praticada
de forma mais simples, apenas deslocando os acentos dos
compassos.
É comum praticar as acentuações partindo da marcação
do tempo, e esse marcador sinalizar tanto algumas partes fortes
de cada tempo, como também pode marcar o início de um novo
compasso.

Parte dos estudos pode ser desenvolvida dessa forma, para


ter mais segurança com os tempos e não se perder na contagem,
mas o recurso do deslocamento de acentos pode ser usado desde
algo mais simples até um contexto mais elaborado.
Caminhos da Improvisação | 303

Princípios da Polirritmia
1. Mudança da pulsação rítmica dentro de uma pulsação
estabelecida:

Análise:

LINGUAGENS | Ritmo
• Nas figuras apresentadas, a divisão normal para o compasso
do momento é a de cima, já a debaixo vem para demonstrar
a nova pulsação que aparece com o deslocamento de
acentuação.
• No exemplo 1, o compasso está dividido em 8 colcheias,
mas os acentos aparecem a cada 3 colcheias, alternando
a pulsação original do 4/4 e sugerindo um compasso 3/8,
resultando na polirritmia. Precisa de 8 figuras de tempo do
novo compasso para fazer o ciclo completo de colcheias
e começar a pulsação novamente, no primeiro tempo do
compasso 4/4. Esse conceito é chamado de Odd Groups,
quando frases ímpares são agrupadas, sendo contrário à
fórmula do compasso.
• No exemplo 2, o compasso está dividido em 6 colcheias,
mas os acentos aparecem a cada 3 colcheias, alternando a
pulsação original do 3/4 e sugerindo um compasso 6/8.
• No exemplo 3, o compasso está dividido em 4 colcheias
pontuadas, mas os acentos aparecem 4 vezes no compasso,
alternando a pulsação original do 3/4 e sugerindo um com-
passo 4/4.
• Nos exemplos 2 e 3, o tipo de polirritmia completa o giro
em apenas um compasso; já no exemplo 1, ela precisa de
3 compassos para completar o giro. Esse conceito recebe o
nome de Bi-Rhythm.

2. Cross Rhythm: O novo compasso sempre terá o


numerador contrário ao compasso primário. Se o primário
for ímpar, o novo será par e vice-versa, podendo aumentar
ou diminuir.
Vide Coisa Nº 5 (Nanã) de Moacyr Santos, onde a melodia
tem pulsação em 2 e a marcação rítmica pulsa em 3.

3. Altera não somente o compasso, mas também o andamento


para o novo compasso, resultando em uma Modulação
Métrica:

Compassos Compassos Diferença de


primários resultantes andamento
2/4 3/4 + 50%
3/4 6/8 ou 2/4 - 50%
3/4 4/4 + 33%
4/4 3/2 - 25%
4/4 5/4 + 25%
4/4 7/4 + 75%
Caminhos da Improvisação | 305
4. Os compassos resultantes podem ser estabelecidos por
um breve momento (Modulação Métrica Sobreposta),
ou podem fazer parte da composição. Em alguns casos,
esses novos compassos tomam o primeiro plano, fazendo o
compasso primário desaparecer e assim se estabelecendo
no momento musical, que é a Modulação Métrica.
(Vide a gravação do Branford Marsalis, no álbum
Boomington, faixa Xavier’s Lair: nessa faixa, ele e o baterista
Jeff Tain Watts fazem todas essas modulações métricas de
andamento de uma forma muito natural, chegando a ser
imperceptível, em alguns momentos, o exato compasso da
passagem, pois isso acontece partindo de um e assim vai
chamando a banda para o seu tempo.)

LINGUAGENS | Ritmo
5. As pulsações citadas servem apenas para marcação de
novos tempos, mas as divisões e melodias são infinitas, se
baseadas nas novas pulsações.
6. A escrita ideal entre dois compassos polirrítmicos será a
que melhor for compreendida para o momento. Observe
os exemplos dos princípios 6 e 7, onde o primeiro é um
compasso 4/4, mas os grupos de cinco notas sequenciais
demoram 5 compassos para completar o ciclo. Ele pode ser
escrito assim, caso haja alguma necessidade de demonstrar
o contraste com os grupos de 5 notas, ou pode adquirir a
escrita primária para o compasso em 5/16; nesse caso, fica
dependente do contexto em que o fraseado está inserido.
Se o motivo primário se tornar desnecessário, pode haver a
migração completa para o próximo compasso.

7. Assimetria Rítmica: ocorre quando compassos de


numerador ímpar como 5, 7, 11, 13 são usados, sugerindo
uma pulsação resultante de pulsações irregulares.
Caminhos da Improvisação | 307

Conceitos finais sobre Ritmo


1. Busque, acima de tudo, conhecer e entender seu próprio
ritmo, da sua alma, vida, percepções e intenções, pois essa
será sua pulsação mais natural.
2. Pesquise o material existente, arrisque, produza
seus materiais e, depois de um certo tempo, você vai

LINGUAGENS | Ritmo
encontrar elementos rítmicos que vão ao encontro de sua
personalidade, tanto para improvisar quanto para compor.
3. Busque sempre as bases mais simples para depois elaborar
elementos mais complexos.
4. Nada está finalizado no assunto dos ritmos: todo momento
existente pode ser a porta para um novo som, uma nova
batida e um novo tempo.
4
Caminhos da Improvisação | 309

HARMONIA | Harmonização das Escalas

PRÁTICA
Estudos
Individual
Existe um campo enorme de questionamentos hoje em dia,
quando o assunto é estudar. Sobre a improvisação, é comum você
se encher de perguntas e sentimentos, pois a sensação que às
vezes algumas pessoas têm é que não dá tempo de estudar tudo
em apenas uma vida, então você teria que fazer, em uma vida, o
que faria tranquilamente em várias.
A questão é que a música e nosso envolvimento com ela nos
indica vários caminhos, interesses e linguagens, e é exatamente
por isso que tudo pode se tornar às vezes inalcançável ou tão
complexo, pois algo que você sabe que precisa fazer, por mais
simples que seja, você simplesmente não o consegue.
Estudar ou praticar hoje, para muitos, é uma barreira e
até mesmo um mistério, pois alguns não conseguem entender
como esse ou outro músico chegou aonde chegou. Sabendo
que é comum ao ser humano buscar referências, muitas pessoas
buscam saber a rotina de estudos de músico A e B, buscam amplo
material, pagam aulas com vários professores e assim tentam
desvendar os mistérios da evolução musical para si.
Se estudar ou como estudar é um problema, eu passaria
a me ver como um inimigo daquilo que me atrapalha a chegar
PRÁTICA

aonde de fato quero chegar. Como minar esse inimigo e anulá-lo


a ponto de deixar o caminho livre?
Pensando assim, alguns conseguem a prática de estudar
várias horas por dia, têm sua responsabilidade controlada,
administram tudo como família, trabalho, lazer e outras coisas
para poder gerar tempo de estudo, mas, com o passar do tempo,
pouca diferença pode ser notada.
Isso tudo tem a ver com talento? Dom? Predestinação?
Existem várias linhas de pensamento para essas perguntas,
mas o meu foco aqui é elucidar e mostrar alguns caminhos
mais simples que, se forem observados, podem fazer bastante
diferença, porque, para ser um grande músico ou improvisar
muito bem, não existe uma senha de 6 ou 8 números que você
possa digitar e assim abrir o cofre e encontrar o segredo.

O que você deseja com a


improvisação?
O mundo da improvisação envolve tantos fenômenos da
admiração humana que vários deles nos levam a querer vivenciá-
los quase como uma religião. Os leigos viajam, choram, curtem,
degustam e consomem muito esse material, porque de fato
a improvisação é uma expressão humana que cria conexões
profundas entre quem ouve e quem toca.
Na improvisação existe um tipo de chão mágico ou
ambiente criado pelo som, é como um campo magnético que
faz com que muitas pessoas busquem desvendá-lo. No caso dos
músicos, esse efeito parece ser potencialmente multiplicado
quando as perguntas começam a saltar da mente, do tipo: Como
pode? Isso é humano? Eu poderia? Por que não? Mas como seria?
O que preciso? Como e quando começo?
O efeito é bem parecido para muita gente, e muitos
músicos, desde os primeiros passos na música, começam a sonhar
com o dia em que estarão no estúdio, nos teatros ou nos grandes
festivais, assim como suas referências também estiveram.

"para ser um grande músico ou improvisar


muito bem, não existe uma senha de 6 ou 8
números que você possa digitar e assim abrir
o cofre e encontrar o segredo."
Então você poderá encurtar muitos anos de luta e
investimento apenas se perguntando: Aonde quero chegar com
a improvisação?
Por que falo dessa forma? Porque ela vai consumir parte da
sua vida, caso o objetivo seja realmente mergulhar nela. E isso é
maravilhoso!
Com a improvisação, você poderá atuar nas seguintes
situações:
Entre amigos, happy hour, igreja, casamentos, escolas de
música, universidade, bandas de vários estilos, estúdios, gigs,
bares, acompanhando cantores, montando seu próprio trabalho,
viajando por aí em festivais, shows etc.
Caminhos da Improvisação | 313
Além disso, existe o que é mais importante, que é saber a
real motivação, se diversão, trabalho, espiritualidade, satisfação
ou consagração.
Cada um desses temas citados fará diferença na forma e no
tempo que você irá dedicar à improvisação.
Isso porque o desejo por ela pode estar em diferentes
lugares da sua consciência, como no coração, na mente, no corpo
ou apenas no bolso.

"Aonde quero chegar com a improvisação?"

Onde está esse desejo?

PRÁTICA | Estudos
Isso é o mesmo que você ir a uma concessionária com
dezenas de veículos e ficar perambulando sem compromisso, até
a hora em que o vendedor te pergunta: Que carro você deseja, ou
que tipo?
E aí você pode simplesmente não saber a resposta, mas
deve saber o porquê de estar ali, afinal você quer um carro.
Da mesma forma, você pode não saber, mas existe uma
razão pela qual você deseja ir mais a fundo na música.

É a hora também em que você, a partir daí, vai poder saber


quanto tempo isso te custará por dia, semana ou mês, e como
será sua vida a partir do momento em que desejar de fato inserir
a improvisação na sua vida musical.

Para cada resposta dos temas acima, haverá uma


abrangência. Com o passar do tempo, eu percebi que a
improvisação para mim se tornou como um sacerdócio, no qual
meu corpo se envolve 24h em cada tema do assunto e, assim, ela
pulsa como o sangue que corre em minhas veias. Sim, porque não
conheço um dia em que eu não estive pensando nisso desde os
últimos 27 anos.

Por essa razão, sempre pergunto aos meus alunos o que


eles de fato desejam com a improvisação, pois aí saberei qual
material usar.
Importante dizer que a improvisação é uma disciplina
diferente dos seus estudos musicais, ou pessoal, como técnicas
do instrumento, repertório de outros estilos, envolvimento
profissional ou não com a música.
Por se tratar de uma linguagem dentro da própria música, a
improvisação lida com a comunicação e expressão direta da sua
consciência, com o mundo exterior, usando o sistema de notas
para isso, por meio de estilos, músicas e situações diferentes.
Dessa forma, você precisa entender que o envolvimento
com a improvisação irá chamar sua atenção, sempre para o
aprimoramento técnico com o instrumento e conhecimentos
essenciais como harmonia, leitura na maioria dos casos, espírito
de grupo para trabalhos coletivos e, assim, ela começa a te
colocar em um novo patamar musical, onde você não é apenas o
executor de uma partitura, mas ela te colocará muitas vezes como
protagonista de histórias que irão durar alguns minutos no tempo
cronológico e talvez uma vida na memória de quem te ouve, isso
tanto para o lado bom quanto ruim, pois você cria experiências
para todos aqueles que te ouvem, mesmo que você não saiba ou
nunca tenha parado para pensar nisso, mas a improvisação fala
muito mais do que você pensa ou gostaria de dizer, e às vezes
fala muito menos do que você pensa ter falado. Esse cálculo vai
de pessoa para pessoa e você jamais terá o controle dos efeitos
gerados nas pessoas a partir do momento em que seu som for
propagado.
Caminhos da Improvisação | 315

3 Passos
Existe uma cadeia de prioridades quando o assunto é or-
ganizar os estudos. Para cada tipo de objetivo, existe um cami-
nho a ser seguido, e o que não faz sentido é você precisar de
algo e não seguir pelo lado que precisa. Isso acontece quando
faltam algumas ferramentas como foco, disciplina e paciência.
Então, para o estudo individual, vale uma sequência de
passos que devem ser observados para que você não perca tem-
po, consiga fazer render seus estudos, atingindo resultados e,
assim, motivação para subir degraus.

1. Objetivo

PRÁTICA | Estudos
O objetivo é importante ser definido, para que você sai-
ba para onde vai. Caso seu objetivo seja menor do que o inves-
timento, você poderá gastar energia e tempo desnecessários.
Mas se o objetivo for maior do que você costuma investir em
tempo e energia, então você estará enganado quanto à forma
que escolheu para estudar e estará trilhando um caminho que
não vai te levar jamais ao seu pretenso objetivo.
O autoengano produz esse efeito, em que você acha que
está de fato no caminho, mas seus resultados dizem o contrário.
Muitas coisas se confundem com um caminho eficaz e fazem
você trilhar, às vezes, não um, mas vários caminhos para chegar
ao seu objetivo.
Para cada tipo de objetivo, você precisará de uma quanti-
dade de ferramentas e tudo isso também depende do seu nível
musical.
Se o seu for o objetivo mais natural da música, que é o co-
nhecimento e a vivência da arte em sua vida, então não tenha
pressa, porque você vai gastar a vida toda e não chegará ao fi-
nal, porque ele não existe.
Em outros casos, como ter entrado numa banda e preci-
sar fazer alguns solos, tocar na igreja, casamentos ou traba-
lhar à noite, eu diria que o material é o mesmo, mas de forma
prática você precisa de menos ferramentas para atingir o seu
objetivo, pois ele se mostra mais setorial, e não algo que te
fará centrar tanta energia. Lembre-se que, quando falo obje-
tivo, significa a razão maior do porquê do seu estudo com a
improvisação. Se você estiver certo do que quer, vai mergulhar
e encontrar muitos tesouros nesse mundo.

2. Descobrir suas deficiências

Nossas deficiências podem ser parte mecânica, sensorial ou


psicológica. Qualquer um desses fatores impede e atrasa o pro-
gresso.
Mecânica – Sobre as técnicas do instrumento.
Sensorial – Sobre percepções de melodia, harmonia e ritmo.
Psicológica – Nossa percepção sobre nós, o mundo social,
artístico, profissional, o efeito da música nesses mundos,
nossa participação e contribuição em cada um deles.

3. Organizar uma lista de metas de curto, médio e longo


prazo

Não é tão difícil mapear o objetivo. Organize, em pelo me-


nos três momentos, os níveis que deseja alcançar, estabelecendo
metas. Para isso, precisa entender onde está e aonde quer che-
gar. Esse dois pontos determinam o curto e longo prazo e estabe-
lecem o médio prazo, que é o caminho mais doloroso, pois certa-
mente é o processo mais demorado em busca do objetivo.
Caminhos da Improvisação | 317

Onde estou
Decifre tudo o que tem em mãos dentro do caminho da im-
provisação. Isso mostrará seu potencial no momento, mas será
apenas o combustível para iniciar a caminhada.
De imediato, você precisa se livrar de algumas bagagens
que são os chamados vícios, ou seja, tudo que não funciona e que
te atrapalha na caminhada.
Os vícios ou bagagens desnecessárias podem estar relacio-
nados tanto ao mau uso do tempo, quanto a formas de execução
musical que não te deixam evoluir. Erros, ou práticas que te dei-
xam mais orgulhoso ao invés de te fazer evoluir. Medite um pouco
sobre isso: para atingir o objetivo, primeiro é preciso se situar na
jornada.

PRÁTICA | Estudos
"Qual o tamanho da sua perseverança?"

Aonde quero chegar


Pelo objetivo a ser conquistado, você pode descobrir quais
serão as virtudes a serem alcançadas no processo. O objetivo é o
resultado que você deseja, e esse resultado pode ser sobre algo
mais simples ou mais ambicioso.
A questão é que o objetivo também pode ser utópico, ou
seja, você pode estabelecer, porém sabe que nunca irá chegar, e
isso pode ser bom por um lado, pois te faz buscar sem fim esse ca-
minho, sabendo que sempre estará evoluindo. Por outro lado, se
objetivar algo inalcançável, pode se frustrar e abandonar esse ca-
minho em algum momento da jornada, então a pergunta é: Qual
o tamanho da sua perseverança?
Algo interessante no caminho musical é que você acaba
descobrindo a si mesmo no processo. Aprende a se conhecer
por meio da jornada, e assim se identifica com alguns atropelos,
conquistas, lutas e desânimos, pois tudo isso é intrínseco a nossa
humanidade.

"Para atingir o objetivo, primeiro é preciso se


situar na jornada."

O caminho
Aí está a parte mais interessante da caminhada, pois a
riqueza maior do conhecimento e da experiência não está nem
na partida e nem no resultado final, se você ganhou ou perdeu,
mas o que adquire ao longo do processo. Estabelecer o médio
prazo é um cálculo que, se for feito com maior precisão, poderá
determinar de fato o caminho para o sucesso de tudo.
No xadrez, a parte mais complicada ou que exige mais
cálculos é o meio jogo. Pois, no meio do jogo, cada movimento
se desdobra em inúmeras possibilidades que podem te levar à
vitória ou derrota. No caso desse processo de estudo, o que é
interessante é que a evolução ganha força ou gera a forma da
sua criatividade, estabelece o comportamento e desenvolve o
caráter, desvenda grande parte da sua personalidade e direciona
de fato aos resultados de longo prazo, ou mesmo pode te fazer
desanimar no meio do processo, descobrindo que não era de fato
o que você queria ou entendendo não ter os recursos suficientes
para chegar aos resultados mais produtivos.
Essa é a visão que uso com todos os alunos quando tenho
oportunidade de ministrar individualmente. Identifico onde
se encontram, o que querem e assim estabeleço o caminho
a ser trilhado. Essa fórmula funciona, é simples e, em todos os
momentos, vai fazer você saber em que ponto da jornada está.
Caminhos da Improvisação | 319
Serve não apenas para os estudos, mas para qualquer objetivo na
vida e também, é claro, em todo solo que fizer, pois tudo parte de
um ponto ou princípio e caminha para um objetivo ou resultado,
a menos que o objetivo seja não ter um objetivo.
Procure trabalhar os estudos com prazos não muito curtos.
Sugiro em média:

até 12 meses – curto prazo;


de 1 a 5 anos – médio prazo;
de 5 a 7 anos – longo prazo.

Os prazos parecem longos demais? Mas é a média com que


as coisas fluem de fato. Tirando alguns raros casos de fenômenos

PRÁTICA | Estudos
que temos por aqui, os melhores resultados se concretizam em
média dentro de um ciclo de 7 anos, variando para menos ou mais.
Por mais que você aprecie e mergulhe em um estudo, estilo
ou forma de tocar, somente o tempo trará maturidade, pois as
nossas percepções nos pregam peças constantemente, uma hora
dizendo para nós que estamos prontos e, em outros momentos,
mostrando-nos o quanto precisamos aperfeiçoar algo que parecia
pronto.
Alguns passos se misturam, em cada momento dos estudos
e dos prazos. Importante observar e praticar as seguintes dicas:

1. Organizar objetivos diários ou a cada momento de prática

Se você tem poucos minutos ou um dia todo livre para


estudar, escolha o que precisa vencer nesse período, pois é
importante vencer sempre pequenos objetivos. Que seja uma
determinada escala, arpejos ou mesmo aprender um novo tema,
decorando a melodia e harmonia. Assim os pequenos avanços
vão construindo uma constância e gerando resultados semanais
e mensais.

2. Fazer estudos setoriais e definidos

Isso também faz parte do trabalho diário e determina os


pequenos avanços, mas o importante aqui é não se perder com
várias escolhas, perdendo o objetivo. Alguns estudos setoriais
podem demorar algum tempo, mas precisam ser mantidos até se
obter o resultado.

O que atrapalha muito e desestimula o progresso é a quebra


da continuidade e a indisciplina com os estudos. Você pode ou não
ter um método, pode criar o seu, mas, se não conquistar pequenas
doses de forma correta, poderá se viciar nisso e se iludir achando
que está alcançando metas. Lá na frente o quebra-cabeça estará
bem desfalcado.

3. Alcançar êxito em cada estudo

A vitória tem um vital poder motivador, ao passo que


inúmeras frustrações podem trazer um desprazer terrível.
De alguma forma, podemos acostumar-nos com a quebra de
objetivos e, consequentemente, diminuir os avanços sem que
seja percebido, mas o outro lado é bem melhor, que é você
sempre cumprir propósitos, alcançar pequenas metas e, assim,
se acostumar em vencer pequenas e grandes barreiras.

É inevitável que montanhas se apresentem a nós em


qualquer nível onde estivermos, mas elas podem ser vencidas. O
que determina a vitória, ao final de cada dia, é o processo de cada
hora, minuto e segundo trabalhado.

As montanhas são estáticas, permanecem por lá; você não,


Caminhos da Improvisação | 321
você está em movimento e pode escolher ficar antes ou depois
delas. Assim são nossas vitórias ao final de cada dia, ano ou ciclo
de anos. Precisamos olhar para trás e saber que muitas montanhas
ficaram para trás, pois, apesar de enormes, são apenas obstáculos
e não o ponto final. Estamos em constante movimento e, por
isso, podemos ser ativos na decisão do que podemos e aonde
queremos chegar.

"As montanhas são estáticas, permanecem


por lá; você não, você está em movimento e
pode escolher ficar antes ou depois delas."

PRÁTICA | Estudos
Técnicas do instrumento
Cada instrumento tem inúmeras possibilidades e diferenças
em relação a outros. Nós ganhamos afinidades com cada um
de acordo com o timbre, sonoridade, extensão, dificuldade
ou facilidades, campo de trabalho e outras particularidades.
O conhecimento amplo e o domínio técnico em seu
instrumento são essenciais no mundo da improvisação, pois
qualquer possibilidade e ideia que você percebe, se inspira e quer
executar, depende do canal de propagação.
Quanto melhor fluir a técnica, melhor fluem as ideias,
pois elas se multiplicam e saltam a todo momento da sua
mente. A questão é que nem sempre elas são mostradas como
originalmente pensadas. Mas por que isso?
É comum que algumas frases não soem completas como
vieram à inspiração, ou que um solo não demonstre tanto do
quanto foi pensado, pois existe uma distância entre o que você
sente e o que está preparado para executar. Na verdade, às vezes
existe um abismo! Esse abismo tende a diminuir e pode sumir
dependendo do seu nível técnico.
Com o passar do tempo, você começa a usar alguns atalhos
do instrumento para alguns caminhos repetidos, pois cada
instrumento possibilita uma série de opções e facilidades. Mas aí
existe também o risco de o costume ganhar mais espaço que a
criatividade.
Isso se daria porque o cérebro encontra conforto em certas
atividades e, assim, tende a se acomodar com determinadas
passagens ou sonoridades, fraseados ou extensões. Pode ser bom
pelo lado da identidade, mas a criatividade sempre pede mais,
pede o risco de buscar sempre novos caminhos. Isso sempre será
uma opção e nunca um conceito negativo com relação ao músico.
Para quem toca mais de um instrumento, pode-se notar
também a diferença de linguagem ou sonoridade de um para o
outro. Mesmo que as notas e posições sejam as mesmas, o som
diferente te fará soar também diferente e com outra alma.

"Você pode improvisar em qualquer nível


técnico."

A alma do som
Esse conceito é um pouco metafísico, mas vejo grande
coerência. Quando a junção de dois elementos gera um terceiro,
então existem alguns paralelos ao mesmo conceito:

espírito + corpo = alma e consciência


sopro + instrumento = som e timbre
Caminhos da Improvisação | 323
Então cada tipo de conexão gera uma personalidade
sonora. Isso é maravilhoso, pois mostra identidade e, até quando
a pessoa é a mesma, mas o instrumento muda, também se obtém
uma nova alma sonora.
Essa personalidade pode ser mais desenvolvida com
maior conhecimento do instrumento e suas particularidades,
percorrendo diferentes lugares e combinações de sonoridade,
técnica e ideias.
Por essa razão, muitos músicos desenvolvem grandes
conflitos sobre timbre, se qual boquilha ou palheta usar; se for
igual à de tal músico, então vou chegar perto daquele timbre de
que eu gosto. Mas, com a prática, existem muitas desventuras
nessa temática.
Uma dessas desventuras ocorre, porque a menor mudança

PRÁTICA | Estudos
de combinação já provoca naturalmente uma grande diferença,
e isso vale para todos os instrumentos. Timbre é química, física
e uma série de combinações que geram um determinado som e
personalidade sonora.
Nos instrumentos temperados, isso é mais notório. Bocais e
boquilhas de uma mesma marca e modelo já soam diferentes, e,
se mudar de palhetas e bocais ou de pessoa, tudo muda.
As ideias então se expandem de tal forma com diferentes
timbres que existem pessoas que se aperfeiçoam por demais na
sonoridade e fazem disso uma verdadeira arte na sua forma de
tocar, desenvolvendo diferentes formas de sopro ou do toque no
instrumento. Em alguns casos, alguns músicos até modificaram
o instrumento para que este se adaptasse ao seu pensamento e
forma de tocar.
Então a dica é que você precisa de intimidade com seu
instrumento. Intimidade tal que você possa de fato usá-lo para
se comunicar com seu público, para que ele seja uma extensão da
sua voz musical, ideias e personalidade.
Você pode improvisar em qualquer nível técnico. Sim,
porque improvisar é usar o que tem e gerar uma história que
se desdobra desde uma nota até aqueles solos mais belos que
conhecemos.
Por isso, quanto mais apurado seu nível técnico, melhor as
ideias irão fluir.

Dicas:

• pratique tudo em toda extensão;

• desenvolva o timbre;

• mergulhe nas características específicas.

"quanto mais apurado seu nível técnico,


melhor as ideias irão fluir"

Ouvir
Quando eu tinha uns 6 meses de idade, meu pai disse para
minha mãe que iria comprar um radinho de pilha e colocar no
meu berço todos os dias e, assim, um dia eu seria músico. Uma
declaração genuína, simples, prática e eficaz.
Naquela época, não tínhamos YouTube, iPhone, iPod, iPad,
Walkman e nem mesmo uma vitrola, mas o simples fato de ouvir
música desde cedo me causou um efeito positivo por toda a vida.
Cresci indo para ensaios com meu pai e me lembro disso
desde meus 6 anos de idade. O fato de ouvir desde pequeno sem
saber os significados dos sons trouxe para mim o mundo das
imagens sonoras de forma viva, porque, para entender algo que
não conseguimos explicar naturalmente, fazemos associações.
Caminhos da Improvisação | 325
A música nos apresenta esse mundo subjetivo, onde tudo é
possível, onde as notas criam cores, espaços, desenhos, cidades
e realidades diferentes, na mente de cada um. Cria histórias
abstratas que talvez as palavras não possam dizer, mas o universo
sonoro é subjetivo a tal ponto que dá liberdade para cada pessoa
ouvir a mesma melodia e, assim, criar seus próprios conceitos,
entendimentos, sentimentos e projeções, de forma única.
Como é importante a educação musical! É de fundamental
importância para todos. Mesmo um leigo não instruído na arte
de ouvir música, pode ser educado a ouvir uma bela sinfonia e
manter a atenção, chegando até o final. É certo que algo mudará
sua forma de ver o mundo.
Na improvisação, ouvir é uma disciplina essencial. Deve ser
constante e com o caráter de buscar mais conhecimento, pois a
diferença entre o músico e o leigo ao ouvir é o discernimento que

PRÁTICA | Estudos
está em constante evolução. Acostumamos a querer saber o que
estamos ouvindo, saber nomes de músicos, ano da gravação e
diversas informações. Tudo isso faz parte do quadro mental que
formamos em nossa memória, ao tentar guardar cada momento
musical.
No estudo específico da improvisação, é importante tentar
perceber todos os sons. Melodia, harmonia, ritmo e ainda mais
o que é projetado em cada ideia. Dissecar cada momento,
comentário, riff, ostinato, e assim por diante, pois toda informação
gera, em nossa memória, uma imagem viva, e, se repetida várias
vezes, será uma realidade sonora que pode durar por toda a vida
em nosso subconsciente.
Não se sabe exatamente, mas quanto mais repetida é uma
informação, melhor ela se integra como realidade virtual no
cérebro e, assim, pode ser mais bem acessada. Por isso, a eficiência
nos estudos repetidos, e na audição isso não seria diferente.
Nossa inspiração, às vezes, somente reproduz o que temos
guardado em nosso HD cerebral, tanto para compor, arranjar ou
improvisar. O mesmo acontece com a fala: reproduzimos o que
temos no vocabulário, daí a importância de uma boa educação em
todos os aspectos, e, se o homem é produto do meio, o músico é
produto do que ouve e irá reproduzir como linguagem aquilo que
tem consigo.
A linguagem da improvisação requer infinitas horas
de audição, no mínimo para aprender cada linguagem. Isso
não diminui o talento e nem a criatividade, mas expande as
possibilidades de comunicação com diferentes públicos.
É interessante que cada instrumentista conheça gravações
de muitos mestres do seu instrumento, mas também aprenda
a ouvir outros instrumentos e, com isso, traga informações e
inspirações para o seu também.
Buscar gravações de outros estilos e formações diferentes
também é uma ferramenta no processo do aprendizado e de
expansão na percepção. Música clássica e seus períodos, música
latina, americana, europeia, africana, brasileira, orquestras,
grupos, cantores e solistas diferenciados trazem infinitas
possibilidades nas quais podemos mergulhar todos os dias.

No campo da criatividade, cada mínimo detalhe pode


ser uma célula para uma grande construção, por isso a riqueza
de informações que hoje temos a nossa disposição nos permite
escolher tudo de melhor nesse processo.

Os resultados vêm com o passar do tempo; depois de meses


e anos, começamos a reproduzir, com coerência e singularidade,
algumas informações que processamos, sem a obrigatoriedade
de ser igual, mas inspirados naquilo que nos moldou e nos
direcionou.

Durante o processo, existe o tempo de ouvir, ouvir muito, e


também chegará o tempo em que você não quer ouvir. Não quer
ser influenciado além do que já foi, pelo menos por algum tempo,
Caminhos da Improvisação | 327
mas sente necessidade de não ouvir os mestres, mas ouvir estilos
que não estão ligados ao que normalmente você pratica.

Também chega o tempo em que não sentirá necessidade


de ouvir, pois precisará buscar o máximo de si mesmo, ou o mais
natural possível de sua própria identidade; mesmo que adquirida
em conjunto com tudo que aprendeu, sentirá essa necessidade
de fazer o que ninguém te ensinou.

É o momento de arriscar a sinceridade musical, e, ao mesmo


tempo, você estará embasado em uma gama de informações que
te fizeram ser o que é.

É onde o silêncio ganha força e você precisa ouvir não com


um fone de ouvido, mas o que o seu som interior tem para fazer
soar.

PRÁTICA | Estudos
Ouvido interno
O ouvido interno depende de sua memória, do que
você guarda quando ouve e do que pratica em silêncio. Você
pode praticar sons mais simples como tentar ouvir uma
simples escala e evoluir tudo para as demais informações
como harmonia, ritmo e até estruturas mais complexas com
mais instrumentos e vozes para arranjos e composições.

Isso também te ajudará muito no processo criativo da


improvisação, pois, quando você improvisa, busca diversas fontes
de informação guardadas em sua memória como:

• memória mecânica;
• fragmentos de melodias e fraseados;
• impulsos rítmicos;
• projeções holográficas do solo.

Dicas:
1) faça da prática de ouvir um estudo constante;
2) ouça com e sem compromisso;
3) pesquise diversas versões para uma mesma música;
4) procure identificar tudo possível em uma gravação;
5) conheça bem o que você já possui antes de querer adquirir
infinitos materiais que nunca serão pesquisados;
6) alguns álbuns podem fazer mais diferença do que alguns HDs
lotados de mp3, que você provavelmente não conseguirá
conhecer;
7) busque versões mais antigas do que você gosta e pretende
seguir, pois nelas está a essência do resultado que temos
hoje;
8) você é o que escuta!

Pesquisa
Estamos bem melhores hoje do que há 30 anos no que
diz respeito a material disponível. Temos sites, redes sociais e
variadas formas de encontrar materiais importantes para estudo.
A prática da pesquisa traz um grande conhecimento,
gerando conteúdo intelectual e projetando novas ideias para
qualquer profissional ou estudante em todas as áreas do saber.
Caminhos da Improvisação | 329
O equilíbrio para cada linguagem é um dos maiores
benefícios da pesquisa, porque, em cada estilo ou tema,
existem muitas versões e interpretações. Buscar informações
detalhadas sobre um tema em específico amplia o conhecimento
e informações que serão filtradas com o tempo.
Fechar os olhos, tocar o que sente sem pensar em nada
específico é uma boa prática, que serve para muitos segmentos
da música, mas, quando você está no campo profissional, é
sempre bom buscar embasamento do que faz. O mercado ou a
cadeia produtiva tem sua própria dinâmica, e nossa contribuição
pode trazer novos conceitos, e atualizações constantes são
necessárias, pois a roda da vida está girando.
Por essa razão, eu diria que a pesquisa diminui os riscos da
incoerência e aumenta a qualidade do tempo gasto.

PRÁTICA | Estudos
A arte pela arte pode não depender de mercado ou de toda
essa adequação, mas a realidade acadêmica ou profissional nos
instiga a saber vestir melhor os trajes para cada ocasião e, assim,
sermos parte da contribuição coletiva em cada tema, show e
álbum gravado.
Ao escolher um estilo, tema, arranjo, ou mesmo em um
novo show, seja onde estiver, procure o máximo de informações
sobre essa nova realidade que se apresenta a você, pois
existe um sabor para o não saber e também para o saber: a
diferença está em quem você quer ser na cadeia produtiva,
como quer desempenhar seu papel em cada oportunidade.
No material de pesquisa, é importante saber não apenas
a parte auditiva (como gravações, intérpretes ou nomes), mas
também o que for possível captar de informação sobre autores e
a história de cada peça.
Depois de conhecer o máximo possível sobre aquilo que
pretende executar ou produzir, você poderá criar novas realidades
para aquela história musical, não correndo o risco de fazer o
mesmo, ou, se fizer o mesmo, será consciente apenas pelo desejo
de repetir o feito em outro ambiente. Suas opções sempre serão
melhores quando tiver mais conhecimento do assunto.
Na improvisação, estamos sempre repetindo e citando
algo que alguém registrou, uma simples frase ou motivo que
um músico gravou. Isso porque todo o conhecimento é gerado e
compartilhado o tempo todo, de forma que a informação musical
não guarda protocolos de autoria em cada frase, e às vezes
imaginamos que estamos copiando algo de 1996, mas aquilo está
sendo citado de uma gravação de 1945, influenciada por um autor
da música europeia de 150 ou 250 anos atrás.
Isso é impressionante, porque a música se forma de deta-
lhes, motivos melódicos e rítmicos e, a exemplo da linguagem
falada, que é passada de geração para geração, no mundo musi-
cal isso também acontece o tempo todo. Gerações dando conti-
nuidade de informações recebidas e, assim, um quadro históri-
co vai se formando. É a música caminhando durante os tempos.
Alguns sons se perdem e outros vão se reproduzindo como
um sistema de células, da mesma forma como ocorre em nossa
vida humana. O som toma diversos aspectos nesse vitral que
é a história e, assim, o conhecimento é produzido e pode ser
aprendido continuamente.
Os solos podem ser copiados e aprendidos, mas, quanto
mais se conhece, maior é a necessidade de mudar e ampliar
ou mesmo de imprimir, em uma nova oportunidade, a alma de
quem o faz. Por isso, não digo importante, mas crucial é buscar
o que foi feito, suas origens, critérios usados e o máximo de
informações sobre cada obra a ser aprendida, pois, ao repro-
duzir aquilo, sempre iremos partir de um ponto de referência
com destino a um novo ambiente sonoro.
Caminhos da Improvisação | 331
Reflexões:
1. tudo pode ser copiado, mas nada é igual;
2. importante conhecer o caminho percorrido daquilo que
buscamos aprender;
3. nunca é demais saber a mais;
4. você pode nunca usar o que sabe sobre algo, mas, se
guardar consigo o conhecimento daquela informação,
poderá alterar o curso da história adicionando parte da sua
personalidade nela;
5. precisamos aprender com o passado, para sabermos como
fazer parte da história escrevendo nela nossa participação.

Memória

PRÁTICA | Estudos
Na improvisação, uma das partes humanas que precisa de
contínua atividade e exercícios é a memória. Um improvisador,
para sair por aí e tocar, dar canja e assumir funções tanto de so-
lista como de acompanhador, precisa das seguintes ferramen-
tas sobre cada música:
1. conhecer toda a melodia;
2. saber a harmonia;
3. saber a forma;
4. convenções.

Existem diferentes situações em que, na prática, a coisa se


torna diferente; por exemplo, se você vai acompanhar um cantor
e é um músico solista. Normalmente o músico não se dá o traba-
lho de aprender e saber dizer todos os acordes da música, pois a
participação dele se resume em solos no meio da música, introdu-
ção e final. Esse é um caso comum e bem mais confortável.
Quando no repertório de um show não existe improvisação
em determinada música, então de forma prática você só aprende
a melodia, porque é somente isso que aquela música te exige;
mas, como solista em um show ou concerto e a banda está
formada para sessões de improvisação, aí você precisa de fato
saber cada música.
Nossos processos de memória são complexos e cada pessoa
desenvolve diferentes formas de memorizar partes ou músicas
inteiras. Ao longo do tempo, percebi que computamos, de formas
diferentes, cada informação musical.
Por isso, uns têm maior facilidade para memorizar partes
melódicas, e já outros memorizam melhor a harmonia. O proces-
so ainda é mais detalhado e tem muito a ver com a personalidade
e tipo de inteligências associadas para o processo de memoriza-
ção.
Descrevo pelo menos seis tipos de formas para
memorização; cada músico usa alguns ou todos no processo.
Quem consegue trabalhar melhor a maioria consegue uma
grande vantagem na execução de cada peça ou de várias peças
num show, recital ou concerto.

6 tipos de memória musical


Auditiva – Guarda sons, separando em melodia, harmonia,
ritmo e sons falados, como letras de música ou poesias,
discursos, tessituras, timbres e vozes em específico.
Espacial – Guarda distância e suas conexões básicas, como
intervalo e mais complexas como acordes.
Temporal – Guarda o tempo de cada nota, frase, compassos
e suas alternâncias.
Visual – Guarda imagens das partituras e o que foi lido.
Caminhos da Improvisação | 333
Mecânica – Guarda a posição e conexão mecânica dos
dedos e mãos de nota para nota.
Emotiva – Guarda a relação de determinados sons, ritmos,
trechos ou músicas com algum sentimento vivido.
Todos temos lapsos de memória, e isso também pode
acontecer na música em diferentes oportunidades, sendo
comprometedoras ou não, mas a prática constante sobre nossas
atividades protege esse tipo de dano possível a qualquer um.
Nossa memória é como um músculo que precisa de
constantes atividades para não atrofiar. Na vida musical, ela é
constantemente usada e deve ser expandida sempre.
Na improvisação, existem inúmeras conexões que são
usadas em maior número em relação a uma simples leitura de
partitura. Por essa razão, a necessidade da constante atividade

PRÁTICA | Estudos
daquilo que se aprendeu, mesmo que não seja com o instrumento,
mas usando seu corpo, sua voz, seu ouvido interno, seus dedos e
tudo que pode ser usado para que sua mente e memória musical
estejam sempre ativas, com rápido tempo de resposta e com fácil
acesso nas informações que são necessárias.
Dicas:
1. Para qualquer um dos tipos de memórias a serem
trabalhadas, a melhor dica é a repetição.
2. Quanto mais o cérebro passar por uma mesma situação,
mais viva ela estará e assim poderá ser acessada de forma
mais rápida.
3. Pensando que nosso cérebro é seletivo, seria como imaginar
que algumas informações principais ocupam nossa área de
trabalho; então, quanto mais usamos um arquivo, aumenta
a preferência por ele estar no lugar de mais fácil acesso ou
mesmo criar atalhos para isso.
4. Fale em silêncio para você mesmo tudo que está fazendo
musicalmente. Ativar a consciência sobre cada ação é bem
melhor do que agir e não computar, porque o registro do
que se faz fortalece a memória e as conexões neurais em
cada tipo de memória.
5. A prática e repetição de qualquer informação acelera o
tempo-resposta, melhorando o acesso e diminuindo a
burocracia cerebral.

"Repertório nunca é demais e sempre falta."

Repertório
Os repertórios existentes se renovam constantemente na
música popular. É comum que um músico monte seu repertório
pela demanda de trabalho, pois seria impossível aprender tudo
que existe, então tudo é seletivo, e às vezes didático.
Didático porque, quando têm um período livre, alguns mú-
sicos aproveitam para ganhar mais repertório, pesquisando auto-
res ou estilos. É uma prática saudável, pois permite ampliar quan-
tidade de músicas e mergulhar mais no conhecimento de alguns
estilos.
O conhecimento do repertório varia dependendo da forma
como pode ser executado.
Existem determinadas músicas cujo grau de dificuldade é
tão avançado que você precisa ter, além da leitura, um registro de
memória mecânica da peça, ainda que seja lendo, pois dificilmen-
te seus dedos responderiam a uma leitura instantânea toda vez
que fosse executar tal peça.
Então a música é estudada a ponto de não depender da par-
Caminhos da Improvisação | 335
titura, embora possa ser lida. Já outras músicas são aprendidas
rapidamente, por vários atalhos da memória, e assim o repertório
vai sendo ampliado.
Crescemos aprendendo canções do folclore, da cultura lo-
cal, músicas espirituais e populares. Essas músicas são o nosso
primeiro repertório, porque normalmente são músicas de simples
execução e podemos tocá-las quase que naturalmente.
No período de estudos, o repertório começa a ser mais se-
lecionado para o estilo que estudamos, seja Choro, Rock, canções
ou temas instrumentais.
Dizem que, nos EUA, um músico pode ser considerado um
músico de Jazz, quando sabe em torno de 180 temas ou stan-
dards. Por isso, aprender uma boa quantidade de temas te livra
de várias frustrações e constrangimentos na hora das canjas.

PRÁTICA | Estudos
Então é importante saber que, em cada repertório e estilo,
existe uma quantidade variável de músicas que são mais popula-
res ou tocadas, e dispara na frente quem pesquisa mais e acaba
aprendendo também as menos conhecidas, porque diminui aí o
risco de ser pego de surpresa.
Profissionalmente um músico que lida com improvisação
tem o dever de aprender de fato o tema, a harmonia e a forma de
cada música com que trabalha. Aprender os detalhes e até o que
está implícito. Buscar gravações, como foi falado sobre pesquisa,
e ouvir o máximo cada tema até que este se incorpore a sua cons-
ciência e memória.
Não existe, ao certo, uma quantidade de temas que se deve
saber, mas é válido se atualizar constantemente. Nem sempre
temos o tempo suficiente para fazer tudo que é necessário, mas
você pode também fechar as brechas para executar um tema uti-
lizando algumas ferramentas como:

1. memória – para levar o que já aprendeu consigo sem


precisar de partes;
2. leitura – para levar partituras ou não ser pego de surpresa
na hora de ler;
3. percepção – saber entrar no fogo, quando deve aprender
algo sem o tempo de escrever uma partitura ou mesmo de
decorar. Você aprende ali na hora e fica pronto para tocar.

Testemunho:
Em 1996, quando fui tocar com o baixista Arthur Maia pela
primeira vez, no Gate’s Pub, em Brasília, fui convidado, logo após
ele ter ido ao meu show alguns dias antes. Eu achava que teria
partituras, mas, para minha surpresa, não havia partes nem áu-
dios. O show tinha cerca de umas 15 músicas e eu tocaria umas
12.

Foi um teste de ouvido e memória para mim; aos 19 anos eu


estava com o chamado sangue nos olhos para tocar, mas aquela
situação foi um grande desafio, porque quem costuma ler parti-
turas se apoia muito nisso, ou em outras coisas como ter o tempo
para ouvir e decorar, mas ali não tinha saída. Vinha uma música
atrás da outra no ensaio.
A maioria dos músicos já sabiam as músicas e eu estava
numa sinuca de bico, porque era, de certa forma, a voz da melo-
dia das músicas. O que eu pude usar usei, que foi a memória rá-
pida, dedos para conseguir tocar e muita concentração para não
esquecer nada. Foi apenas um ensaio e depois o show.
Aquela situação me ensinou muito, pois aprendi as músicas
de uma forma diferente, e sabe de uma coisa? Nunca mais esque-
ci nenhuma delas.
Músicos diferentes, experiências diferentes.
Outras vezes dei canja no Rio com o quinteto do Paulinho
Trompete, com Widor Santiago, Hamleto Stamato, Rômulo Du-
Caminhos da Improvisação | 337
arte e Erivelton Silva. Puxaram umas músicas que eu conhecia
vagamente, mas não sabia a harmonia em específico, e isso para
mim é diferente, pois não toco nenhum instrumento de harmo-
nia. Então minha forma de aprender a harmonia foi por outro ca-
minho. Esperei uns dois improvisarem, e, em cada acorde e cho-
rus, eu usava o ouvido e ia escrevendo mentalmente a harmonia,
guardando acordes e forma da música, usando alguns atalhos
para isso, mas assim foi possível eu participar da situação com
certa tranquilidade, embora mentalmente ninguém saiba como
funcionam os mecanismos de cada um, seus paraísos, zonas de
conforto e de conflito.
Então, sobre repertório você sempre sofrerá surpresas, com
exceção de quando conhecer de fato a música pedida.
Repertório nunca é demais e sempre falta. Essa é a máxima!
Mas tenha a humildade de não participar quando tiver cer-
teza de que não fará algo bom, pois arriscar é válido, mas não so-

PRÁTICA | Estudos
mos obrigados a nos expor negativamente. Pensem nisso, todos!

Dicas:
1. monte seu repertório de acordo com suas demandas;
2. de cada música procure saber o máximo dela, como melo-
dia e harmonia;

3. de cada estilo procure uma boa quantidade;


4. pratique alguns temas em outros tons, e aprenda outros
nos 12 tons, se possível improvisando;
5. se você adora o Jazz ou outros estilos, aprenda o máximo de
cada, mas, sendo brasileiro, aprenda sempre mais da nossa
música, nossos estilos, pois os músicos de outros países es-
tão estudando nossa música constantemente e descobrin-
do sempre o quanto ela é rica nos três aspectos, melodia,
harmonia e ritmo.
Tocar
Existe uma relação profunda do músico com seu
instrumento, com sua música. Uma ligação espiritual, divina,
metafísica e transcendental que não é possível descrever
totalmente com as ciências que temos; simplesmente não há
como fechar, passar a régua e explicar em palavras.
É a experiência única a cada momento, cada segundo e cada
nota. Uma relação que talvez possa ser entendida por meio das
partículas subatômicas – reais, mas não materiais. Nessa relação,
não sabemos exatamente onde nasce o som, da mesma forma
como não se sabe onde nasce a vida.

"Em algum momento dos estudos, você pode


simplesmente fazer isto: tocar algo, uma
música, um tema e improvisar, deixar fluir."
Tocar, emitir sons, ritmos e expressões musicais, tudo é um
presente para todos que assim o fazem, uma experiência única
capaz de mudar vidas continuamente. Em tal experiência, só
existe o início, e em todo tempo estamos nos aproximando de
algo melhor, mental, psicológica e espiritualmente.
Quando nos estudos individuais abordados no capítulo
anterior, falamos sobre objetivos, prazos de estudos, técnicas do
instrumento, ouvir, pesquisar, memória e repertório – tudo isso já
é uma verdadeira entrega à música.
A música toma conta de grande parte da nossa vida e nos
leva com ela tantas vezes para onde quer. Assim, no individual,
Caminhos da Improvisação | 339

19
gastamos horas, semanas, meses, anos e uma vida toda de
aprendizado, em momentos de meditação no som, devoção e
infinitos exercícios mentais que nos levam a buscar evolução
própria na arte.
Quando estudando, trabalhando ou lecionando, estamos
de alguma forma buscando essa evolução, em relação à qual
acredito que dificilmente alguém queira voltar propositalmente
do nível que conquistou para uma ladeira abaixo e esquecer ou
deixar tudo que um dia soube. Acontece, mas não é comum, a não

PRÁTICA | Tocar
ser por grandes desilusões da vida, que algumas pessoas acabam
passando por esse caminho, mas, no fundo do coração, não é isso
que ninguém quer, pois o som, a música existe para nós e em nós
com o propósito de nos elevar e nos fazer melhor sempre, mesmo
que lentamente.
Quando essa experiência que temos no individual sai do
estudo, dos exercícios de escalas, arpejos, intervalos, lições,
outras formas de aprendizado e se transforma na oportunidade
de se tornar música, então chega o momento mágico, do milagre,
de os números ganharem vida, de as combinações se tornarem
impulsos reais químicos e físicos que ultrapassam barreiras e de
ganharem espaço na quarta dimensão, onde o som e a linguagem
transitam no espaço-tempo, livres e sem dimensões específicas.
Isso é maravilhoso! Quando um som, uma combinação
ou várias delas, cuja junção de notas, levadas e técnicas se
convencionam em energia, energia pura que ultrapassa os
sentidos – então que poder é esse?
Tocar também é um estudo constante, é uma forma de
evolução musical em que você tem inúmeras experiências
que mostram o que está bem e o que precisa melhorar. Isso é
constante.
Em algum momento dos estudos, você pode simplesmente
fazer isto: tocar algo, uma música, um tema e improvisar, deixar
fluir. Transporte-se e deixe a música falar, usando o que aprendeu,
de forma leve e na sua própria intensidade. Esse momento é
importante para lavar a alma.
É diferente de estudar, pois traz uma recompensa e serve
de raio X para tudo que você estudou anteriormente.

Independência
Na prática de um tema e improvisação, busque a
independência dos outros instrumentos, busque seu som,
características próprias e que não dependem de uma banda.
No caso de ser instrumento solista, tente montar seu
próprio acompanhamento virtual, concentrando-se na harmonia
e ouvindo internamente o baixo e bateria ou percussão. Não
esqueça: tudo é virtual e instintivo.
No caso de ser piano, guitarra, violão ou outro instrumento
do tipo, faça o que é possível no seu instrumento, leve consigo
uma bateria e baixo imaginário, instintivamente, e siga seu som.
No caso de ser baixo, improvise com uma banda, ouça a
melodia, a harmonia do piano e tudo da bateria.

Isso é criatividade!
Constantemente conheço músicos que têm dificuldade de
Caminhos da Improvisação | 341
fazer algo quando não acompanhados por certos instrumentos.
O músico que toca um instrumento de harmonia, se não ouvir o
baixo ou outro instrumento, fica limitado. Igualmente, o músico
que toca a bateria, se não ouvir o baixo ou a harmonia, também
fica limitado. E o músico que toca o saxofone ou trompete, se não
ouvir o baixo ou a harmonia, não sabe caminhar com a música.
Tudo isso pode ser diferente, pois trata-se de adquirir alguns
elementos rústicos em seu ouvido interior:

1. desenvolva impulsos rítmicos com relação ao baixo e bateria


ou percussão;
2. escute em você mesmo a levada dos estilos;
3. algo mesmo que primitivo deve soar internamente em
você. Se não tem referência, busque uma e decodifique

PRÁTICA | Tocar
isso, internalize e ouça em você;
4. pratique ouvir a harmonia até que possa ouvi-la em você
mesmo, internalizando também;
5. ouça sempre a melodia de uma música, se estiver na função
de acompanhar.

Essa prática dará independência ao tocar com músicos de


verdade, com uma banda. Você estará ligado às respostas do
que acontece naquele momento, mas estará mais seguro para
surpresas que normalmente acontecem.
Essas surpresas sempre acontecem em todos os níveis.
Você ficará sozinho em algum momento, num clima de risco em
que não se sabe ao certo o que pode acontecer, pois ao vivo tudo
é possível.
A ideia de se preparar visa diminuir os riscos de surpresas
em que você não tenha controle e, mesmo se surgir uma situação
inesperada, permitir que você esteja preparado ou menos
despreparado.

O Erro
O Arthur Maia disse uma vez uma frase numa passagem de
som que guardo comigo até hoje: “Ensaio é em casa.”

Tudo que precisamos testar, estudar, errar deve ser feito em


casa. Porque, na vida profissional, alguns erros no ensaio podem
fazer você não voltar.

O erro é comum para todos, mas não é o que ninguém


deseja, nem você, nem o que te emprega. O que te emprega muito
menos, pois, apesar da compreensão, ninguém imagina qual
o limite de erros para perder uma rica oportunidade. Às vezes,
podem ocorrer erros durante vários shows, e pode também ser
um erro apenas, exatamente onde não poderia ser. Aí depende da
tolerância, paciência de quem convidou ou mesmo da sua sorte.

Essa frase do Arthur me fez enxergar como funciona o


mercado de trabalho, onde todos estão buscando seu sustento
e ninguém quer de fato perder oportunidades, a menos que não
percebam o valor delas.

Portanto devemos aprender a lidar com erros e lapsos, mas


não permitir a irresponsabilidade.
Caminhos da Improvisação | 343
6 causas para o erro:

• falta de concentração;
• falta de preparo;
• ansiedade;
• nervosismo;
• memória;
• subestimar a música ou trecho dela.

O ruim do erro é tentar explicar, mas algumas atitudes


podem diminuir o dano:

PRÁTICA | Tocar
• humildade;
• atenção redobrada;
• mergulhar no que está fazendo;
• fazer o dever de casa.

Esses fantasmas convivem conosco, às vezes nos


assombram e às vezes conseguimos afastá-los para bem longe,
mas não há como esconder: somos humanos e sujeitos a essas e
outras coisas que podem atrapalhar nossa profissão e arte.

Erro e arte
Se por um lado o erro soa negligência, existe o momento
em que o erro tem o seu valor de apoio na construção do processo
criativo, por vários motivos já entendidos coletivamente.
Somos humanos, sujeitos aos erros comuns, mas na arte
o erro nos faz rever conceitos e caminhos. É como se fosse
necessário, embora não desejado.
Quando o erro surge no estudo, lamentamos. Mas e quando
ele surge na hora do improviso? Ou de um concerto?
Aí existem diversos sentimentos e atitudes, pois quando é
numa partitura no meio do show, realmente é lamentável. Mas e
ao improvisar? Como lidamos com isso?
A natureza de cada instrumento traz minuciosas
possibilidades que, adequadas a nossa humanidade, acabam
fazendo convergir esses chamados erros.
Uma execução rápida no piano que esbarra em uma outra
tecla, um harmônico diferente no sax ou no trompete que acaba
fazendo soar outra nota, e por aí vão tantas situações pelas quais
passamos.
Mas o que desejo ressaltar é: o que fazer depois disso
musicalmente? Balançar a cabeça, parar de tocar, extravasar o
que já está errado?
Há um ditado popular na improvisação que diz assim:
“Quando você errar uma nota da escala no solo, mude meio tom
para cima ou para baixo.”
Isso quase sempre é verdade!
Alguns erros de embocadura e dedilhado ficaram na história
e mostraram algo a mais na arte, como coisas não esperadas, mas
aceitáveis, talvez pela surpresa.
Como em Round Midnight com Miles Davis, gravado em
1956. No minuto 1:22’:
Caminhos da Improvisação | 345
Tecnicamente uma posição que gerou um harmônico
inferior da nota que deveria ser tocada, mas, diferentemente da
música clássica, a música popular abre espaço para essas coisas,
e a improvisação mais ainda, e por vezes caímos em um caminho
que não foi planejado, por uma ideia que não era a pretendida e o
erro se torna arte.

Isso não abre espaço para fazer coisas de qualquer jeito,


pois a plateia consciente sabe diferenciar as coisas, e o que você
faz, se for gravado, será lembrado por muito tempo. Então não
dê asas à incompetência e nem irresponsabilidade, mas, quando
o erro surge, é preciso saber o que fazer com ele.

Em algumas vezes, o erro mostra um novo caminho, uma


ideia nova, e o apagar de tudo que foi feito, meramente por um

PRÁTICA | Tocar
simples erro, pode trazer à luz algo muito melhor.

Alguns dizem que o erro na vida artística serve de degrau,


mas é claro que não se constrói o sucesso com pilhas de erros. No
entanto, eles estão lá e precisamos tirar proveito daquilo que é
inevitável. Devemos buscar a criatividade quando o inesperado
acontece, e isso faz parte do mundo da improvisação: encontrar
saídas é o que mais temos nos milésimos de segundos constantes
que vivemos intensamente nesse mundo.

Dicas:

1. não busque o erro, ele virá;


2. busque saídas a partir dele;
3. use a criatividade quando ele surgir;
4. potencialize a arte em qualquer oportunidade, ainda que no
erro;
5. não carregue pesos consigo, livre-se deles;
6. não confunda erro com incompetência ou
irresponsabilidade.

O medo
Dizem que o medo é uma ilusão! Concordo, todavia ele
só tem o tamanho que lhe damos. Existem consequências para
tudo com que não se toma o devido cuidado, mas também con-
sequências para tudo em que o cuidado é desmedido a ponto de
se pensar apenas na segurança.
Nossa vida aqui é um risco constante, pois, embora possa-
mos viver em média por 70 anos, ao mínimo descuido podemos
morrer. Entramos praticamente sozinhos no mundo e saímos
dele também sozinhos. Toda nossa experiência é única e somen-
te de forma individual é possível medir o que cada pessoa sente
ou vive.
Na música o medo existe e pode causar muitos danos. Por
incrível que pareça, o medo que se instala está ligado a outros
fatores como: preservação da imagem, ansiedade, medo da re-
provação pública, competições e outros.
Nossa arte é estritamente ligada à vaidade, portanto muita
coisa externa e interna pode afetar seu julgamento de si mesmo e
da sua arte a todo momento.
A coisa pode ser monstruosa a ponto de você nunca que-
rer se apresentar em público, ou somente em algumas situações,
mas você pode saber lidar com isso e conseguir algumas conquis-
tas a cada momento.
O medo da reprovação sobre algo que fez ou faz pode te
Caminhos da Improvisação | 347
impedir de fazer uma simples pergunta na aula, de dar um canja,
de fazer um arranjo, de gravar um CD ou tocar para um grande
número de pessoas. Quanto a isso, ainda existem subdivisões,
como o valor de cobrança pessoal que cada um tem em relação
ao público - 25 pessoas prestando atenção em você pode te dei-
xar mais travado que tocar para 80 mil pessoas numa festa popu-
lar. Porque depende do observador, de quem é, o que representa
ou do que você espera mostrar.
O medo, o receio e o cuidado sempre têm espaço em nossa
vida, em algum grau – se não for na música, será em alguma si-
tuação qualquer. Além disso, existem as fobias que fazem parte
do medo, mas disparam um certo pânico. Se o medo te trava, a
fobia pode te causar um pavor em relação a alguma música, an-
damento ou estilo. No mundo subjetivo, tudo é possível. Saiba
disso! Nada pode ser descartado de sua existência, valor e poder.

PRÁTICA | Tocar
Já outras pessoas são “descoladas”, mais despojadas de al-
guns sentimentos e mergulham de cabeça na experiência extrain-
do dela o melhor possível.
O centro de tudo é nossa cabeça, mente, consciência e
como ela se encontra em determinado momento.
Na improvisação, existe o fator do imediato. Tudo aparece
de repente e, por mais que você ensaie e até mesmo presuma o
que vai acontecer, pode ser que na hora tudo vá para outro lado.
E aí? O que vai fazer? Você está no mundo da improvisação, na
verdade o mundo requer improvisação a todo momento.
Se o medo trava, existe uma coisa que faz esse medo perder
espaço ou nem mesmo existir: é a motivação.
Motivação
A motivação dá coragem, intrepidez, ousadia e energia. O
medo faz perder o foco, objetivo e movimento, já a motivação faz
permanecer focado, determinado e em constante movimento,
ela gera uma energia vital e por vezes surpreendente.
Você pode estar motivado por diversos fatores como pela
arte, música, som, timbre, público, pelo dia, por alguém ou
simplesmente por vencer aquela situação, mas é importante que
esteja.
Motivação é o combustível que faz tudo se mover, é energia
pura, e demonstra que somos mais capazes do que pensamos ser.
Não deve ser confundida com euforia, pois a euforia queima
combustível muito rápido e precisa sempre de novas doses, já a
motivação não, porque ela se desdobra de um sonho, objetivo,
inspiração ou força cósmica que te impulsiona e realimenta seu
estado de perseverança, disciplina e paciência.
A motivação desbloqueia a mente e cria inúmeras conexões
da criatividade. Nesse caso, estamos falando naturalmente que
ela é uma força poderosa na improvisação.

Nova cara para velhas coisas


Acredito que já se fez muito na improvisação, e as ideias
podem parecer escassas, mas há um ponto onde tudo pode ser
diferente: é quando algo se renova.
Na música uma ideia repetida, mas em um ambiente
diferente, passa a ter nova vida.
Não é que acabaram as ideias, mas a vida, o mundo e
Caminhos da Improvisação | 349
o universo estão em constante movimento e isso nos exige
entendimento e adaptação. Precisamos nos adaptar e entender
novos conceitos.
O medo do novo ou do desconhecido impede o progresso.
Há quem se sinta bem em um certo ambiente e assim deseja
por muito tempo esse mesmo ambiente, mas é como falei: o
universo está em constante movimento.
Não se mover vai deixá-lo no passado, mas você pode
valorizar o passado e trazer a essência dele consigo também.
Na improvisação tudo isso pode ser convergido a ela. Por
isso parte desse livro não trata de partituras ou notas, frases e
acordes, mas dos conceitos que embasam grande parte das
coisas que compõe nossa consciência criativa.

PRÁTICA | Tocar
Processo criativo
Todos os assuntos anteriores deste capítulo cercam o pro-
cesso criativo, e muitos outros são filtrados em suas influências
até que algo se torne o som escolhido. Isso é impressionante,
pois o processo nasce de mínimos detalhes o tempo todo e
emerge em frações de segundos para sempre como um som no
ar para todos que ouvem.
Nosso processo criativo se vale de tudo para transformar
ideias em músicas. São inúmeras vias enviando mensagens
constantemente a nossa parte criativa do cérebro e este filtran-
do e enviando impulsos como ordens diretas ao nosso mecanis-
mo técnico. Vejamos algumas dessas vias.
1. Via artística, conhecimento e percepção musical
São usados os diversos conhecimentos aprendidos, de
forma filtrada ou não, parte do que é melhor e está mais bem
preparado, mas também fragmentos do que foi aprendido,
construindo instantaneamente um processo que não se sabe ao
certo aonde vai chegar.
Nesse momento a emoção se mistura com a razão, ou até
mesmo as duas lutam entre si tentando estabelecer território.
A razão busca organizar, fazer o que sabe e o que é ordeiro.
É parecido com o processo tonal, em que existe o planejamento,
a arquitetura e a projeção de algo construído.
A emoção busca extravasar, desaguar, abrir as comportas,
como uma represa ou vulcão em erupção. Usa sinceridade, não
se importa muito com o resultado, mas em fazer aquilo surgir e
ganhar vida. Parecido com o processo modal, em que a percepção
é mais espacial e a energia é a força que prevalece.
Tudo se traduz na escolha das notas, divisões, escalas
determinadas, sons, arpejos, ritmos e diálogos com outros
instrumentos.
Motivos rítmicos são criados o tempo todo, vindos não
apenas da bateria, mas de outros instrumentos, até mesmo
melódicos.
A harmonia também influencia notas-alvo e melodias
deslocadas do acorde principal.

2. Via social
Aqui existe a influência do mundo exterior na improvisação.
Vários tipos e linhas de motivação ativadas que, apesar de
filtradas, podem afetar positiva ou negativamente o resultado
final de cada momento.
Caminhos da Improvisação | 351
Relação com o público e projeções artísticas, profissionais,
didáticas, espirituais e fraternas afetam a escolha musical e o tipo
de emoção ou pensamentos simultâneos aos da improvisação.
Podem inspirar ou desconcentrar, e todos os músicos vivem essa
realidade.

3. Via psicológica
Talvez aqui seja o mundo mais complexo e indivisível para
o artista. No caso da improvisação, existe a relação direta com o
Eu, que influencia constantemente a decisão de cada nota, escala,
motivo, frase e toda a história a ser contada sempre.
Relação consigo mesmo, emoções, intelecto, memórias,
aspirações, relação atemporal em que o passado, presente e
futuro se misturam.

PRÁTICA | Tocar
Assim podemos entender que o processo criativo é algo
muito complexo e depende de inúmeras vias que desaguam no
momento da decisão de cada nota.
Dessa forma, cada músico recebe uma enorme quantidade
de opções para o momento da escolha e eu espero que algum
dia seja possível decodificar tudo isso em imagens sobre como a
realidade virtual e neural se desdobra e se constrói no momento
de cada solo.
Certamente será uma descoberta que poderá explicar
explicitamente coisas que para nós ainda são muito obscuras.

Respiração
Um dos pontos mais importantes para o corpo humano na
improvisação é a respiração. Isso vale para todos os instrumentos
e não apenas para os de sopro. Assim como nadar e correr são
exercícios para o corpo, na improvisação a respiração é um crucial
exercício de ideias.
Respirar é uma ação rotineira e necessária em nossa vida,
e na música usamos as pausas para demonstrar isso. As pausas
são por demais importantes para que a mente recarregue pen-
samentos, pois o contrário disso seria a falta de fluxo sanguíneo
para o cérebro, afetando gradativamente a distribuição de ideias
e funções nos momentos da improvisação.
A criatividade lida o tempo todo com a chamada inspiração,
e é pelo ato de inspirar que damos ao cérebro a capacidade de re-
novar pensamentos, continuar organizando ideias e fazendo fluir
uma série de informações que ordenam todo o corpo.
Um carro precisa de um bom motor para andar bem, se de-
senvolver e alcançar seu melhor desempenho. Assim também a
respiração tem um profundo significado para o mundo artístico,
além do espiritual e físico.
Estamos disparando comandos constantemente, desen-
volvendo e organizando circuitos internos que muitas vezes não
entendemos, mas o fazemos de forma instintiva, assim expomos
nossa personalidade, anseios e temperamento na improvisação,
como também na fala.
Uma melhor consciência sobre os bons efeitos da respira-
ção para a improvisação pode nos fazer atingir níveis mais altos
na criatividade.
É como falar: se você inicia uma fala pausadamente, mas no
desenvolver dela você fica irritado, nervoso ou temeroso, auto-
maticamente a dinâmica se altera, mudando o efeito do discurso
que poderia ser bom, mas o sucesso fica comprometido por causa
do descontrole e falta da organização de ideias.
Por que isso acontece? Fatores externos e internos nos in-
Caminhos da Improvisação | 353
fluenciam o tempo todo, mas o ato da respiração tem um poder
miraculoso para tudo na vida, e na improvisação ela é vital.
Nossas ideias tendem a se desenvolver de maneira organi-
zada, desde que trabalhadas ordeiramente, e a forma de entra-
da e saída de ar possibilita esse desempenho. Se o ar que sai é
sempre maior do que o que entra, seria como imaginar um ca-
pital financeiro que diminui a cada mês porque a menor entra-
da de capital compromete o fluxo, fazendo com que a produção
diminua e o sistema tente se organizar. Nesta dinâmica contí-
nua, alguns empregados serão demitidos e o sistema entrará
em colapso, beirando a falência. O resultado é baixa produção,
e produção de menor qualidade até os níveis mais medíocres.
Esse processo acontece a cada novo ciclo, pois o fluxo sadio
de ideias depende de uma boa respiração, e às vezes essa respi-
ração precisará expressar o silêncio de algumas microfrações de

PRÁTICA | Tocar
segundos – quando a música é rápida –, e de frações de segundos
– quando a música é lenta ou quando não for necessário uma se-
quência de tantas notas.
Quando o fraseado é contínuo como no Choro, Frevo, Be-
bop, o estilo dita uma dinâmica contínua, veloz e de poucas pau-
sas, logo é necessário maior domínio técnico, pensamento rápido
e muito reflexo.
A respiração não sofrerá tanto se houver preparo mental
para desenvolver o raciocínio, embora a parte técnica deva estar
bem trabalhada antecipadamente, caso contrário o tempo de
resposta será lento e assim comprometerá que as ideias se encai-
xem no estilo.
De forma gradativa, se os andamentos são do médio para
menos, então existe mais tempo para o raciocínio. A tendência é
que as dinâmicas e divisões rítmicas sejam mais ricas sempre que
os andamentos forem menores, pois tudo ganha mais espaço,
não diminuindo a necessidade de melhor preparo, mas ganhando
tempo para o encaixe de ideias e fraseado.
Ao mesmo tempo, sabemos que não se pode optar sempre
pelos mesmos andamentos e ficar nessa dependência gerando
também uma espécie de muleta artística em que o tocar é por
conveniência e não por oportunidades.
O fator principal aqui é a ênfase na prática de uma melhor
respiração na execução, nos estudos, e assim levar isso para os
palcos com performances mais elevadas.
Não se pode confundir um longo fraseado ou uma
sequência rápida de fraseado com falta de oxigenação, de ideias,
criatividade ou ansiedade, pois a dinâmica de solo na mente de
cada solista é diferente e pode existir muita tranquilidade em
tudo isso, assim como nem todo fraseado mais lento ou pausado
manifesta tranquilidade e paz de espírito.

"No mundo das artes, a moeda vigente são as


ideias."

É certo, em todas as práticas da vida, que a respiração,


quando controlada e praticada, nos dá um grande retorno
de benefícios e a dica aqui é observar, controlar, praticar e
desenvolver resultados com uma boa respiração.
Em situações de estresse e ansiedade, é comum que
a respiração fique mais rápida e o esforço cardíaco se eleve,
aumentando a pressão sanguínea e os batimentos cardíacos,
fazendo com que condições de luta ou fuga ganhem a cena
rapidamente. As causas podem ser várias, mas o controle de uma
respiração mais profunda, pausada e organizada, irá distribuir
melhor todas as funções que estavam em descontrole.
Por incrível que pareça, tudo isso acontece na improvisação.
A respiração pode se alterar a partir de um acorde cuja escala
Caminhos da Improvisação | 355
você não sabe, no momento de um solo ou mesmo na tentativa
de afinar uma nota. O circuito é integrado, então tudo afeta tudo.
De forma circular, a respiração contribui para trazer
melhores ideias para o palco principal da mente – simples assim
na teoria, mas a falta dessa prática pode diminuir bastante os
resultados em cada performance.
Passamos anos talvez sem pensar ou perceber muito a
respiração, embora sem ela não houvesse vida, mas, a partir
do momento em que identificamos o valor dela para tudo que
fazemos, seus benefícios e importância, aí podemos usá-la de
forma exponencial.
Normalmente atribuo à falta de uma respiração adequada
o fato de um solo não ter ganhado sua vida do jeito que poderia,
bem como o fato de ele ter morrido quase que no início, debaten-

PRÁTICA | Tocar
do-se em ideias que se perdem ou se embolam umas nas outras,
afetando coisas básicas como harmonia e ritmo.
É preciso entender que a respiração não é apenas física,
mas também artística.
No mundo das artes, a moeda vigente são as ideias. Se você
as tem, consegue viver ou sobreviver; se não as tem, viverá nas
margens em suas muitas camadas.
Por essa razão, é preciso entender o seguinte processo:

Respiração > Renovação e organização de ideias > Fluência


> Exposição > Satisfação

Essa satisfação se dá a cada momento, frase e solo, porque


o corpo está respondendo, você está bem e satisfeito com o que
faz. Logo vemos que existe um fio condutor que leva o processo
do real para o virtual, ou do corpo para a mente, onde tudo
acontece e assim esta reenvia para o corpo novamente.

Respiração > Corpo > Cérebro > Mente > Cérebro > Corpo >
Atividades

Existe um momento na improvisação que todo músico pas-


sa ou já passou. Trata-se do momento de não saber exatamente
o que fazer, qual escala, qual nota, qual ideia usar. Junto a isso, a
eminência de estar no meio do solo ou mesmo no início e ter que
fazer algo, porque você está ali atuando.
Por isso vemos, em alguns solos de grandes músicos, um
momento a mais de pausa ou a desistência de uma frase.
Esse é o momento em que é necessária a respiração, uma
a mais que pode fazer toda diferença, trazendo o novo que nem
mesmo você conhece e pode ficar impressionado com o resulta-
do.
No xadrez existe isso, quando o jogador prefere quase que
passar o lance e esperar um novo quadro surgir, normalmente
movendo o rei para o lado após o roque.
Na copa de 1958, a seleção brasileira levou um gol na final
contra a Suécia, e então Didi, o capitão da seleção, buscou a bola
no fundo das redes e caminhou lentamente para o meio-campo.
Esse foi o momento da respiração e da inspiração que mudou a
realidade e levou o Brasil ao seu primeiro título mundial.
É o momento em que você recebe uma ofensa e tem, em
sua mente, que devolver essa ofensa, mas sabe que pode se ar-
repender, então respira e nesse momento sua mente se renova e
você cria novas linhas de atitude que não conhecia – sim, porque
elas se apresentam como novidade.
Dizem que o universo é uma sanfona que inspira e expira, se
enche, dilata e se comprime. Assim também é a vida, num eter-
Caminhos da Improvisação | 357
no vai e vem no qual velhas coisas vão embora e dão lugar para
novas.
O mundo que hoje vivemos foi desenvolvido assim, por
ideias, pela fluência delas em que certamente somos resultados
da respiração e inspiração de alguém, em algum nível, para todos
os contextos que vivemos.
Então imagino o quanto podemos fazer se deixarmos a
respiração fluir melhor nos estudos, nos shows, no palco da vida
como indivíduos, e em nossa existência como espécie.
Assim tudo flui continuamente do menor para o maior, e do
infinito para o infinitésimo em um eterno sem fim, em que nós
nos situamos como espécie, indivíduos e, aqui neste livro, como
artistas criativos na arte da improvisação.

PRÁTICA | Tocar
Playbacks
O uso de playbacks para improvisação preencheu muitas la-
cunas no aprendizado prático para milhares de músicos em todo
o mundo, por ter trazido aos estudos individuais a simulação de
um acompanhamento harmônico e rítmico para o solista e aten-
der também aos músicos de base.
A prática dos playbacks ajuda principalmente a quem ainda
não está inserido no mercado e não tem um grupo de estudo.
Aqui no Brasil, nossa realidade varia muito, pois em algu-
mas cidades existe uma multiplicação natural de músicos para a
música instrumental, já em outras a difusão é bem menor e o mú-
sico é inserido prematuramente no mercado de trabalho popular,
onde, mesmo faltando vários requisitos, a oportunidade ofereci-
da não pode ser dispensada.
Em lugares onde a educação musical é mais assistida, é co-
mum existir mais de tudo, como bandas da prefeitura, de igreja,
militares, orquestras e big bands – grupos instrumentais se multi-
plicam rápido e assim ganham espaço nos palcos da cidade. Mas,
no estudo individual, ninguém costuma contar com uma base à
disposição para a prática que a improvisação requer. Os playbacks
ofereceram isso.
Nos anos 90 e até hoje, conhecemos o projeto do norte-
americano e educador Jamey Aebersold, que era a execução de
temas de Jazz com uma base verdadeira de grandes músicos no
estúdio.
Músicos dessa geração, como eu, que conheci esse material
em 1991 aos 14 anos, puderam experimentar o gosto antecipa-
do do que seria estar numa verdadeira banda um dia, com chorus
aberto e todos os instrumentos fazendo a cama para improvisa-
ção. Tínhamos a opção do L e R, que seria: de um lado da caixa de
som, ouvir apenas piano e baixo, e do outro ouvir baixo e bateria;
já ao centro ouvíamos piano, baixo e bateria.
Alguns �horus para cada música, e você podia repetir a
experiência quantas vezes fosse possível.
Aplicações gerais poderiam ser testadas, como o uso de
escalas, ritmos e melodias ao som de uma base profissional. Isso
para um músico ainda engatinhando na improvisação era uma
dádiva, seria como um jantar com os deuses.
Jamey Aebersold se preocupou em atender vários
segmentos, como Jazz, Blues, Latin, Bossa Nova, e ainda
homenagear grandes compositores. Usou algumas edições para
estudos mais aprofundados em sequências de II-V, como os
volumes 3 (intermediário) e 16 (avançado), e avançou também
para o Fusion, entre outros estilos.
Existe também a opção para instrumentos de tonalidades
Caminhos da Improvisação | 359
em C, Bb, e Eb.
Hoje com 133 volumes que tratam dos mais diversos
temas para improvisação, a série Jamey Aebersold Jazz é um
material essencial na biblioteca de qualquer músico voltado
para improvisação. Por um presente da Vida, eu tive a honra de
participar do volume 124, intitulado Brazilian Jazz, produzido pelo
pianista, arranjador, compositor (e hoje doutor pela Unicamp)
Renato Vasconcellos.
Recentemente, nos últimos 5 anos, surgiu, nas plataformas
digitais, o iRealb, hoje iReal Pro, uma evolução do famoso Band-
in-a-Box, no qual você pode criar, editar e deixar o playback ao
seu agrado. Andamentos podem ser alterados, assim como
tonalidades, volume de cada instrumento, estilos e a quantidade
de vezes para cada tema.

PRÁTICA | Tocar
Uma grande evolução, pela praticidade em poder usar
carregando consigo para qualquer lugar em seu próprio bolso.
Útil para palestras, workshops, estudos individuais e grupos.

O uso dos playbacks é útil para diversos pontos:

1. melhora percepção harmônica e rítmica;


2. gera compromisso com o andamento ou tempo de cada
acorde;
3. possibilita diversas simulações;
4. trabalha a memória harmônica e rítmica de cada tema;
5. insere o músico em diversos contextos da improvisação;
6. pode ser usado no ensino.

Não se deve comparar playbacks com uma situação ao vivo,


porque, no ao vivo, existem diversos elementos surpresas, que
não existem no playback, em que tudo é programado.
Os playbacks são fontes de preparação, “ralação” diária,
na qual o objetivo final é fazer você entender o contexto geral e
praticar temas conhecidos ou sequências harmônicas.

Dicas:

1. avalie sua performance com e sem playbacks;


2. busque as lacunas entre uma situação e outra, na qual você
está mais deficiente;
3. busque independência de outros instrumentos no acompa-
nhamento, pois, com o playback ou no ao vivo com outros
músicos, você terá bem mais segurança para as diversas si-
tuações que surgem.

"A energia é o fator principal que move toda


a arte"

Grupos de estudo
Várias bandas e músicos no país se destacaram com a práti-
ca de grupos de estudos. Desde duo a formações maiores, a união
social de amigos que compactuam com ideias e objetivos pare-
cidos na música tem gerado grande diferença. Em alguns casos,
essa cumplicidade levou à formação de bandas e, em casos indi-
viduais, houve grande lucro artístico com a prática.
A interatividade social é muito válida na prática musical,
mesmo hoje em dia quando as pessoas estão muito envolvidas
com redes sociais, seu mundo pessoal e individual. Desenvolvem
grupos a partir de si mesmas, e até orquestras já se formam com
Caminhos da Improvisação | 361
pessoas em vários lugares do mundo gravando vídeos isolada-
mente e assim se conectando.
Pensando no ao vivo, na música que se forma no tempo real
em um lugar específico, sempre podem ser praticadas várias op-
ções no estilo oficina, em que o objetivo final não é o show, mas a
produção de conhecimento e ideias musicais.
Nesse tipo de prática, pode-se avançar muito na percepção,
criação de ambientes e troca de energia interpessoal.
Dessas formas apresentadas e disponíveis, vemos um gran-
de leque de opções para o desenvolvimento de um solista na prá-
tica de tocar.
Individual, com playbacks ou grupos assim, as percepções
se desenvolvem criando uma mistura de valores que se agregam
ao conhecimento e ao poder da improvisação pessoal.

PRÁTICA | Tocar
A personalidade musical de cada um transparece em cada
situação. Assim são percebidas as qualidades e dificuldades. Acre-
dito que o músico deve fazer de cada experiência um momento
único de construção da sua arte, de modo que estando sozinho
ou acompanhado poderá conhecer seus valores e as lacunas que
podem ser mais bem trabalhadas.
Na prática musical da improvisação, seria bom que nenhu-
ma oportunidade fosse perdida e todas fossem muito bem per-
cebidas, pois é na percepção e autocrítica que se podem obter
melhores resultados de uma a outra oportunidade.

Para meditar um pouco


Faça da prática de tocar o seu palco principal da música, não
importando se está em casa, com amigos ou num grande teatro.
Suas capacidades sempre serão mais bem aproveitadas
quando a mente estiver em melhores condições, quando a ansie-
dade for bem controlada e sua inspiração estiver aguçada, pois
a inspiração depende de vários mundos, entre eles o interno e o
externo, mas conta com sua percepção sensorial de microvibra-
ções do que eu acredito vir de dimensões paralelas das quais não
temos real entendimento ainda.
Podemos assumir um entendimento empírico ou com base
em estudos científicos relacionados ao efeito da inspiração e do
que nos move a fazer música.
Alguns assumem mais a parte realística, outros já apon-
tam sempre para algo maior ou não conhecido totalmente, mas
a verdade é que, no mundo dos sons, existem diversas fontes
de inspiração que nos movem a compor, arranjar, improvisar e
fazer música em todas as suas formas. Porém, dentre todas as
formas, particularmente resumo que a energia é o fator principal
que move toda a arte musical e demais artes, pois na verdade é a
energia que move tudo na vida.
No ato de tocar, existem infinitas ações relacionadas a quí-
mica, física, matemática, psicologia e outras demais faculdades
e conhecimentos sendo desenvolvidos, senão pela nossa consci-
ência plena, mas pelos pequenos mundos que nos formam como
indivíduos.
Caminhos da Improvisação | 363

PRÁTICA | Tocar
Transcrever
Se existe uma escola que funciona em lugares que não têm
educação acadêmica de música popular, tal escola é a transcrição
de solos. Essa prática se tornou cada vez mais popular depois dos
belíssimos solos tocados pelos pais do Jazz.
Não se pode ignorar que a imitação pertence ao aprendizado
humano em áreas como falar, dançar, cantar e tocar. Ninguém
cria algo que já não esteja sendo feito de outra forma por alguém,
portanto o que fazemos pode ser a extensão de algo já feito e
assim podemos refazer ou construir algo novo com fragmentos
já existentes.
Imitar faz parte da cultura humana. É imitando que se pode
aprender algo para se comunicar em uma mesma linguagem e
de forma que todos sejam compreendidos. Isso faz parte das
linguagens pré-existentes e estabelecidas para a comunicação
social do homem. Porém a imitação tem o seu tempo de eficiência.
Para uma criança que fala, nos seus primeiros anos de vida
e até que se alfabetize, a imitação será uns dos instintos práticos
para sua sobrevivência. A transcrição de solos é tão importante e
vital para um estudante de improvisação, quanto a imitação o é
para uma criança que aprende as primeiras frases.
A experiência de tirar as mesmas notas e tocar o solo de
um músico que você tanto admira é de fato essencial para a
formação da linguagem na improvisação. Passar por cada nota,
uma por uma, pacientemente, trará experiências maravilhosas
ao músico que admira certo artista e sonha um dia fazer de
forma semelhante. De uma forma sensível, a tecnologia pode
Caminhos da Improvisação | 365

20
não ser tão benéfica quando se refere à transcrição de solos,
porque os recursos disponíveis para a diminuição do andamento,
e até a escrita virtual em programas de edição de partituras,
privam o ouvido e o cérebro de passar por momentos de grande
importância para a evolução do ouvido musical. É o caso de tocar
um solo ou uma frase na metade do seu andamento.

Com menos recursos ao seu redor, você desenvolve mais

PRÁTICA | Transcrever
instintos para a percepção melódica, harmônica e rítmica. Que
bom que você ligeiramente pode ouvir todas as notas, mas a
deficiência se instala quando você depende de ouvir sempre de
forma lenta cada passagem, quando sabemos das riquezas e
diversidades de andamentos que cada frase pode ter, uma sempre
diferente da outra.

Outra questão importante é que o contato do lápis com


o caderno, guiado pela mão, facilita a compreensão e forma
o reconhecimento ou domínio de determinadas alturas, que
se estendem para o ritmo e harmonias; logo, o músico pode
desenvolver seu ouvido musical nessas três diferentes percepções.
Nesse caso, a repetição dará a segurança no reconhecimento de
intervalos e divisões.

Imagens sonoras também se formam à medida que se


desenvolve a percepção nos três quesitos. Isso seria semelhante
ao o que se faz com crianças ao lhes ensinar o nome de cada
objeto; nesse caso uma identificação visual, e no nosso caso a
identificação é auditiva, aprendendo a dar nome a tudo que se
escuta.

Isso seria tão necessário para a improvisação? Para


improvisar, não seria melhor sentir o feeling da música e “mandar
ver”?

A inspiração constante com base em um rico vocabulário


garante solos bem equipados de ricas melodias e formas
verticais, ou seja, formas harmônicas de se pensar no mundo da
improvisação.

Só se pode ganhar na transcrição de solos. Desenvolver a


percepção significa criar um rico vocabulário que será necessário
para a diversidade de estilos com que nós profissionais lidamos
todos os dias e precisamos ser cada vez menos repetitivos, pois
a magia das notas e beleza das frases se dá justamente em saber
manipular consciente ou inconscientemente, teoricamente ou de
forma prática e instintiva, a física sonora dos intervalos, arpejos e
escalas.

Tudo isso poderá ser encontrado, analisado e esmiuçado


quando você tem um solo a sua frente e, depois de horas, dias
ou semanas e muito suor, você tem algo que lhe parece como se
você mesmo tivesse criado, tamanho é o trabalho que se tem ao
praticar essa arte de transcrever solos.

Trabalhei isso por exatos 13 anos da minha vida musical, até


que cheguei ao ponto de não querer mais fazer, por não querer
depender mais do pensamento dos grandes músicos. Achei por
bem usar tudo que aprendi com essa experiência e usar na busca
de uma linguagem própria.

O fato é que agora quero compartilhar um pouco sobre a


Caminhos da Improvisação | 367
experiência da transcrição de solos com os leitores e, deixando de
lado as considerações e introdução, vamos falar na prática como
se desenvolve essa arte.

Mãos à obra
O que nos faz querer tocar o que ouvimos é porque gostamos
e nos identificamos com um solo. Basta escolher algo não muito
complicado e de preferência do andamento médio para lento, até
que se acostume com a velocidade das passagens melódicas. Os
músicos de instrumentos melódicos poderão ter mais facilidade
para essa prática, mas isso não é regra.

PRÁTICA | Transcrever
Com bastante paciência, você pode usar no início o seu
instrumento até que, depois de muito tempo, isso já não será tão
necessário dependendo da dificuldade do solo e do tanto que seu
ouvido evoluiu.
Como existem tipos de sons diversos, como tonais, modais
e sons que se misturam em pequenas passagens de tons ou
modos, o ouvido só perceberá as diferenças à medida que souber
analisar e distinguir o contexto harmônico dos solos.

Sequência tonal

Nesse caso, os sons são mais intuitivos para a nossa cultura,


e por isso o ouvido percebe com mais naturalidade, pelo fato de a
harmonia caminhar sempre pedindo resolução e repouso.
A dica aqui para cada frase é tirar as primeiras notas.
Se você escrever uma ou duas, já é um início. O que desani-
ma, às vezes, muitos estudantes é que pensam que devem
ouvir toda a sequência, quando na verdade o princípio é que
uma nota vem após a outra.
Isso é crucial para o progresso. Se você tirou a primeira
nota, já parte para a segunda, e assim por diante. Olhando por
esse princípio, não seria tão difícil. Por isso é importante escrever,
pois, se você esquece, com a partitura escrita, terá sua obra feita,
podendo recorrer a ela mesmo que se esqueça de parte do solo.

Sequência modal

As sequências modais, apesar de serem semelhantes, po-


dem não ser tão óbvias para quem tem um ouvido mais acostu-
mado com o tonalismo, visto que normalmente elas podem estar
deslocadas da posição original do acorde, o que dificulta a per-
cepção e se faz mais necessário o uso do instrumento.
Caminhos da Improvisação | 369

Uso de sobreposições de acordes

Aqui a melodia segue uma harmonia própria, sobrepondo-


se a harmonia proposta, e na frase estão envolvidos vários

PRÁTICA | Transcrever
recortes de tons que, se tocados de forma rápida, vão enriquecer
o som proposto do acorde.
É bom começar a se aventurar em algo simples e mais
melódico, para entender os princípios usados de forma mais clara.
Há também a questão rítmica e a possibilidade do choque
de divisão escrita, que sugere uma execução quase semelhante:

Como a diferença não é tão grande na escrita, poderá haver


essa alteração; isso não é o problema, pois a divisão não nega o
princípio melódico. O importante no início é interpretar e tocar
as notas certas, sendo que, com o tempo, o ouvido perceberá
melhor as diferenças, mesmo as mais sutis.
O trabalho poderá demorar dias, mas o importante é não
se desesperar se o solo lhe parecer muito difícil. Por vezes, você
poderá passar uma melodia 20 vezes e não ouvir o ritmo ou as
notas com clareza; isso será normal até que você desenvolva sua
percepção; tudo faz parte do processo e não deve ser razão para
desespero.
O problema é viciar em ouvir e escrever notas erradas e
não conferir: a escrita fica errada e o ouvido vicia; por isso, ao
transcrever, você deverá tocar várias vezes para conferir todos os
sons.
A prova dos nove é pedir para alguém tocar com a gravação:
se for um bom executante, logo você mesmo perceberá as
diferenças. Com esses cuidados, será possível sempre obter um
nível satisfatório em cada solo, e você identificará cada escala,
divisão e passagem harmônica executada.
Acredite: tudo é possível, basta praticar, e de forma
exaustiva poderá chegar a um nível que você jamais imaginou.
Com objetivo, paciência e autoestima, as coisas vão ficando cada
vez mais acessíveis.
Depois de algum tempo, você acaba entendendo as linhas
de solo e analisando tudo por cima, sem a necessidade de tantos
detalhes.
Sei que existem várias linhas de pensamento sobre tirar
ou não solos, mas deixo aqui a minha contribuição dizendo que,
para mim, a coisa funcionou, pois sempre pensei que não somos
autossuficientes e nossa inspiração vem das mínimas coisas até
as mais complexas.
Transcrever solos gera vocabulário e o legado de cada
músico será lembrado, ainda que seja em uma frase. Isso mostra
a importância e a grandeza do que eles são para todos nós
estudantes e profissionais da improvisação.
Terminando esta dica, lembro que é importante ir
dificultando o nível para chegar a músicas tecnicamente mais
Caminhos da Improvisação | 371
complexas e tornar isso uma prática saudável.
E deixo aqui uma frase que a Elizabeth Taylor comentou
sobre o Michael Jackson se inspirar no James Brown: “Um artista
sempre se inspira em um outro bom artista”.
Hermeto Pascoal diz, no início da música Beija-Flor, do
meu CD Brasilidades: “A influência é a semelhança da alma das
pessoas.”
Para mim, a diferença está na expansão do conhecimen-
to adquirido, uma vez que você toma emprestada a inspiração
de outros para seu laboratório musical, e tenho certeza de que,
por mais que se copie, não existem dois DNAs idênticos. Sua as-
sinatura e alma sempre estarão lá soando de uma nova forma.
Este capítulo foi escrito e publicado em 2010 na revista

PRÁTICA | Transcrever
Sax&Metais, sendo revisado e reeditado para este livro.

Nas páginas a seguir estão três solos dos meus antigos


cadernos, da época em que escrevia com lapiseira, borracha
e ainda não fazia uso de nenhum programa para edição de
partituras. Guardo com muito carinho esse material que fez
muita diferença em meu aprendizado.
São eles:
Com Eddie Daniels “Passport” do álbum To Bird With Love
Com Kenny Garrett “Jackie & The Bean Stalk" do álbum
Black Hope
Com Michael Brecker “Syzygy” do álbum Michael Brecker
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PRÁTICA | Transcrever
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PRÁTICA | Transcrever
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PRÁTICA | Transcrever
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PRÁTICA | Transcrever
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PRÁTICA | Transcrever
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PRÁTICA | Transcrever
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PRÁTICA | Transcrever
5
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HARMONIA | Harmonização das Escalas

PERCEPÇÃO
Sinestesia
Sinestesia é um fenômeno neurológico que consiste na
produção de duas sensações de natureza diferente por um
único estímulo.

É um termo que caracteriza a experiência sensorial de


certos indivíduos nos quais sensações correspondentes a um
certo sentido são associadas a outro sentido.

Sinestesia é uma palavra que vem do grego synaísthesis,


onde syn significa "união" e esthesia significa "sensação", as-
sim, uma possível tradução literal seria "sensação simultânea".
Fonte: www.significados.com.br/sinestesia

No mundo das percepções, acumulamos diversas experi-


ências diárias que nos ajudam a criar conceitos diferenciados do
sistema em que vivemos, uma vez que a experiência de cada in-
divíduo é única.

Na experiência musical, o mundo sensitivo é explorado de


forma ampla e extremamente subjetiva, pois cada músico tem
diferentes tipos de percepções.

Convivemos diariamente com a experiência sinestésica, no


sentir e no falar. Observe essas frases:
PERCEPÇÃO
Ç

“Gostaria de ouvir um som mais doce.”


“Existem pessoas com humor ácido.”
“Tal músico tem um fraseado suave.”
“O clima naquele solo estava muito pesado.”

Como podemos trazer o conhecimento da sinestesia ou a


experiência com ela para o mundo da improvisação?

Todas essas frases nos remetem a experiências relacionadas


às percepções dos nossos cinco sentidos e como os relacionamos
ao que vivemos ou percebemos.

Conhecer sobre isso no mundo da improvisação pode, a


princípio, não dizer muita coisa de forma técnica musical, mas
saber que isso faz parte do nosso processo diário de linguagem,
e até mesmo se relaciona com nossas inspirações, nos chama a
atenção para uma excelente ferramenta de linguagem, percep-
ção e conhecimento que pode ser aplicada musicalmente.

As sensações, memórias e conhecimentos dos nossos 5


sentidos podem ser usados na criatividade musical, ampliando
assim as formas de decodificar e produzir os sons, inspirados em
nossas sensações memorizadas no cérebro.

De forma prática, quero trazer o conceito e a aplicação da


sinestesia relacionada à improvisação e não me ater muito a parte
científica.

Como toda percepção musical pode ser subjetiva, então


não é possível determinar os efeitos precisos da sinestesia e sua
aplicação para cada músico, mas uma leve meditação sobre o
tema já nos faz lembrar que estamos o tempo todo associando
isso com nossa vida, entretenimento, sentimentos e arte.

Imagine que você é um compositor de trilha de cinema e


recebe um pequeno filme com imagens, o áudio captado do local,
alguns sons da natureza, carros passando, pessoas conversando
e, dento de cada diálogo, um sentido diferente.

Como converteria isso para uma trilha? Como compositor,


você precisaria tentar traduzir toda a cena em instrumentos,
compassos, andamentos, timbres, melodia, harmonia, ritmos e
efeitos, certo?

Isso faz parte de um processo sinestésico que combina visão


e audição, pois o resultado final seria uma imagem musicada, na
qual as pessoas serão levadas a sentir de forma mais ampla aquela
imagem. Assim funcionam as trilhas de cinema, propagandas,
novelas e desenhos animados.

Mas como entender isso voltado para improvisação?

Primeiramente, precisamos separar as percepções básicas


de cada sentido.
Caminhos da Improvisação | 391
Visão: luz, escuro, cores, formas, profundidade, tamanhos;
Audição: volume alto e baixo, grave, médio e agudo, subgrave
e superagudo;
Tato: liso, áspero, suave, macio, peso, leve, rígido, flácido,
flexível, líquido, pontiagudo;
Paladar: doce, salgado, amargo e azedo;
Olfato: fragrâncias e odores básicos.

No mundo da composição, é necessário saber qual o


material disponível para cada peça. A instrumentação determina a
profundidade da peça e sua complexidade em combinações, mas
também aumentam as possibilidades em timbres e sonoridades.

PERCEPÇÃO | Sinestesia
Já no mundo da improvisação, tudo é quase que instantâneo
e exige muito reflexo a cada segundo. Dessa forma, tudo que se
quer fazer deve estar muito bem praticado, para criar ideias e
situações, sendo que a parte mecânica deve estar pronta.
Para entender melhor como o conhecimento do mundo
sinestésico pode ajudar na improvisação, é preciso frisar que as
sensações de cada um são subjetivas e não exatas, pois não é
uma ciência calculada, mas apenas associações dos sentidos com
o mundo musical.

Que importância esse assunto tem na improvisação?

A questão é que nossa criatividade caminha por infinitos


parâmetros em seu processo e pouco se fala na prática sobre os
caminhos da mente no processo criativo. Falamos de escalas,
timbres ou aplicações harmônicas, mas temos receio de falar do
que não sabemos tecnicamente. Aqui a situação não é de preci-
são, mas de ampliar os sentidos da criatividade, aguçar percep-
ções e combinar conhecimentos do cotidiano traduzindo para o
mundo dos sons.
"Na minha experiência com a improvisação,
aprendi a desenvolver as ideias com conceitos
associativos, por isso a sinestesia tem grande
importância para mim, embora não tenha
aprendido assim, apenas desenvolvi o proces-
so e, somente anos depois, percebi que existia
esse processo mental em atividade."

Tecnicamente, para improvisar, temos as seguintes


ferramentas:

1. horizontal – melodia;
2. vertical – harmonia;
3. movimento e velocidades – ritmo;
4. estética do som – timbres.
O conhecimento dos sons fará toda diferença nesse
processo que manipula cada intervalo, arpejo, acorde, escala,
extensão, timbre, tudo no intuito de gerar maior diversidade na
improvisação. O processo se desenvolve em cada expectador,
realçando qualidades e criando contextos subjetivos para cada
ouvinte.
Os contextos envolvem os cinco sentidos em associações
diversas e ainda despertam inúmeras emoções e pensamentos.
Tudo dos cinco sentidos pode ser associado e interpretado
pelos sons e ritmos, cabendo a cada músico pesquisar a natureza
de cada escala, intervalo, acorde e demais mecanismos. É neces-
sário também o uso das ferramentas de linguagem, abordadas
anteriormente, como apogiatura, mordentes, glissando, stacca-
Caminhos da Improvisação | 393
to, trinados, grupetos, frullatos e outros recursos de expressão.
Outro fator importante é a cultura de cada um, pois os
gostos, costumes e percepções variam muito de uma cultura para
outra ou mesmo de uma geração para outra.
Primeiro passo é perceber as diferenças entre um som e
outro.
Existe uma sequência enorme de antônimos para cada
sentimento, e talvez para cada percepção dos nossos sentidos.
É comum imaginarmos que o bemol tende para baixo, o
sustenido para cima e o bequadro equilibra os dois polos. Por
esse parâmetro, podemos usar vários tipos de comparações que
partem desde intervalos a escalas e acordes.

PERCEPÇÃO | Sinestesia
Intervalos
Nos intervalos, a ordem do som mais escuro ao claro, do
fechado ao aberto, ou do triste ao alegre, pode ser trabalhada
partindo de diminuto, menor, maior e aumentado.
Então, mesmo que não se tenha a precisão, ainda assim
a diferença entre dois ou mais sons pode ser o parâmetro de
escolha para uma melhor interpretação de sentido de frase.
Desde conceitos básicos como terça menor para triste e
terça maior para alegre, assim podem ser trabalhados os sons.
A seguir, uma série de sugestões para combinação de sons
e suas sinestesias, não de forma determinante, mas sugestiva e
expansiva, pois a criatividade de cada um poderá dizer sempre
melhor do que as teorias estabelecidas.
1. Visão
Do som mais fechado ou escuro ao mais aberto e claro,
observem a evolução de bemóis para sustenidos.

Modos
Lócrio, Frígio, Eólio, Dórico, Mixolídio, Jônio, Lídio, Lídio
#5, Lídio #9, Superlídio, Enigmática aumentada.

Ordem final: 7, 3, 6, 2, 5, 1, 4 - graus da escala maior. Depois,


as escalas se alternam para completar o sentido proposto.
Seguindo a ordem conforme as escalas escritas, temos 3º da
menor melódica, 6º da menor harmônica, 6º da maior harmônica
e 1º da enigmática aumentada.
Observe que existe uma ascensão em quartas do som mais
escuro para o mais claro.

Escala menor melódica – por graus


VII(X7alt), VI(XØ9), II(Xsus7≤9), V(X7(≤13),
I(Xm∆), IV(X7(#11), III(X∆(#5))
Caminhos da Improvisação | 395

Ordem final por graus: 7, 6, 2, 5, 1, 4, 3.

Escala menor harmônica – por graus

VII(X°≤13), II(XØ), IV(Xm7(#11), I(Xm∆), V(X7≤9),


III(X∆#5), VI(X∆#9)

PERCEPÇÃO | Sinestesia
Ordem final por graus: 7, 2, 4, 1, 5, 3, 6.

E assim cada escala ou acorde pode seguir uma ordem do


som mais fechado para o mais aberto.

Formas
É possível trabalhar algumas formas geométricas e desen-
volver melodias, harmonias e estruturas mais complexas.
Podem ser trabalhadas tanto formas exatas como não
exatas.
Usando a matemática e dividindo a escala em partes iguais,
logo surgem pelo menos 5 possibilidades.

1. Em duas partes de quarta aumentada:

2. Em três partes de terça maior:

3. Em quatro partes de terça menor:

4. Em seis partes de segunda maior:

Com dominantes:
Caminhos da Improvisação | 397
5. Em doze partes de segunda menor:

Foi pensando na divisão de três partes que John Coltrane


esquematizou o tema Giant Steps.

PERCEPÇÃO | Sinestesia

Ele estruturou em três tons (B, E≤ e G) e desenvolveu uma


forma cíclica com II-V para cada mudança. Essa seria a explicação
mais simples sobre Giant Steps. O interessante é a relação
geométrica e visual estabelecida na estrutura harmônica.
A sinestesia aplicada aqui, conscientemente ou não, serviu
de base para um tema melódico e pode se desdobrar ainda em
fraseados.
Observe o desenho original de Coltrane com as possibili-
dades e ligações geométricas em forma de Mandala. Ele visua-
liza uma estrela de 5 pontas e assim forma 5 ciclos de oitavas,
entrelaçadas em dois círculos de tons inteiros. Forma-se um to-
tal de 60 notas.

Se fizermos uma evolução na divisão da escala cromática,


teremos as seguintes formas:
Linha reta, triângulo, quadrado, estrela de 6 pontas, 12
pontas, e a Mandala permite uma estrela de 5 pontas dentro de
uma superescala cromática de 60 notas.
Caminhos da Improvisação | 399
As formas podem ser apresentadas ainda com acentos
e ligaduras, sendo que as acentuações ajudam a criar cortes e
pontos de diferentes apoios.

Infinitas formas simétricas ou irregulares podem ser


interpretadas, desde que se tenha uma imagem escolhida. O
processo pode ocorrer também de forma contrária, apenas
desenvolvendo o som e assim gerando imagens ao ouvinte.

Tamanhos

A diferença de altura pode ser facilmente interpretada com


escalas, independente de quais sejam. Imagine, por exemplo, a
diferença entre pular 10 cm e pular 50 cm, ou arremessar uma

PERCEPÇÃO | Sinestesia
bola de basquete com curto ou longo espaço. Observe a diferença
visual a partir dos dois exemplos abaixo:

Vemos aqui uma clara diferença de tamanho.


Como seria imaginar um arranha-céu? Talvez uma escala
cromática com 7 oitavas pudesse dizer isso, assim como um
intervalo mais agudo entre duas notas subindo e descendo em
staccato pode interpretar uma bola de pingue-pongue.

Cores

Não muito diferente do que vimos sobre luz e escuro,


podemos encontrar uma paleta de cores e sua progressão nos
intervalos, escalas e acordes. Vale levar em conta o contexto
rítmico, andamento e como cada ideia é apresentada.
Nos intervalos para cada grau, pode ser pensada a pro-
gressão de diminuto, menor, maior e aumentado para segundas,
terças, sextas e sétimas, e de diminuto, justo e aumentado para
quartas, quintas e oitavas.
Nos acordes, a progressão é mais complexa, mas pode
obedecer a uma ordem parecida.
Vamos usar o Dó como exemplo.
Cdim, CØ, Cm7, Cm∆, C7alt, C7(#11), C7(#5), C7,
C, C∆, C∆#11, C∆#5, C∆#9, C∆#5#9.

Não considerando todas as variáveis, mas nessa paleta


de sons de acordes existe uma progressão semelhante à dos
intervalos, a qual tecnicamente inicia com tudo diminuto, e os
intervalos vão ajustando os acordes progressivamente para meio
diminuto, menor, dominantes alterados, dominante, sétima
maior, lídios de #4, #5 e #9.
Vale enfatizar sempre que essa relação pode ser percebida
por alguns, mas por outros não, e tudo vai depender de alguns
fatores, sendo essa opção apenas uma progressão e proposta. É
como afirmar que Si é mais grave que Dó – isso depende de qual
Si e qual Dó; da mesma forma depende do tipo de uso e em qual
contexto cada acorde está, mas partindo do parâmetro básico de
bemóis e sustenidos, é possível apresentar essa opção.
As cores ainda se diferenciam em timbres, instrumentos e
extensão, sendo que, para extensão, o grave carrega mais massa,
densidade e assim traduz melhor algo mais escuro, como o agudo
e superagudo demonstram mais brilho progressivamente.

Profundidade
Tom sobre tom, acorde sobre acorde. A profundidade
Caminhos da Improvisação | 401
precisa da ideia de distância e planos diferenciados ou camadas.

Vamos analisar estes três exemplos:

Temos aqui um belo exemplo de profundidade em três

PERCEPÇÃO | Sinestesia
camadas:

1. melodia usando as notas da escala;


2. melodia mesclando escalas que se sobrepõem ao acorde;
3. melodia com contexto harmônico sobreposto e polirritmia
como terceira camada.

Assim é possível acrescentar diversas camadas ao contexto


do momento, tanto melódicas, harmônicas ou rítmicas, criando
uma espécie de visão 3D daquilo que se apresenta. Os solos mais
complexos trabalham contextos assim, e por isso são estudados
por anos.
Esse é o tipo de contexto que a música diz além das notas,
pois o que está sendo dito não é o que está visível.
"Dizem que a beleza está nas coisas simples,
mas também dizem que está nos olhos de
quem vê. Talvez seja uma construção de en-
tendimento de quem mostra e quem recebe."

2. Tato
No tato a sinestesia pode ser desenvolvida por outros meios
como as ferramentas de expressão.

Quente e Frio
A sensação de quente tem a ver com ganho de energia; e a
de frio com perda de energia. A temperatura é o grau de agitação
das moléculas, então, em um corpo quente, a movimentação é
maior que em um corpo frio, com menos energia.
Se partirmos por esse ponto, será possível entender que
um fraseado mais rápido como o Bebop ou Frevo seria quente, ao
passo que um fraseado mais espaçado, com mais pausas e bem
menos notas seria mais frio.
O único problema quanto a isso é a confusão que se faz
quanto a achar que o quente carrega emoção, e o frio não.
Até mesmo isso é um importante conceito na improvisação,
que, se entendido de forma mais ampla, pode trazer melhores
benefícios ao ensino acadêmico e popular.
Existem tabus para muitas e poucas notas, comparando
com tocar ou não com o coração.

A diferença está no controle e conhecimento de causa de


quem o faz, pois o quente pode vir com poucas notas e recheado
de dinâmicas, expressões, e o frio pode vir com muitas notas e
Caminhos da Improvisação | 403
ausência de diversas expressões.
Uma casa pode estar sob um frio de -20°C, mas aquecida com
uma lareira ou um aquecedor, da mesma forma um apartamento
pode estar fritando num calor de 40°C e bem ventilado por dentro
com ar condicionado.

Podemos então pensar e comparar o quente e o frio com o


seguinte quadro:

Quente Frio
Subgrave, grave, médio Médio, agudo, superagudo
Movimento médio/rápido Movimento médio/lento
Poucas dinâmicas e
Várias dinâmicas e expressões
expressões

PERCEPÇÃO | Sinestesia
Intervalos com menor
Intervalos com maior distância
distância

Timbres mais agudos ou estridentes podem soar mais


quentes e timbres mais escuros podem soar mais frios, mas isso
depende da interpretação, do uso das notas e de todos os outros
itens citados no quadro acima. De forma contrária, também é
possível estabelecer um padrão, usando o grave e forte para
quente e o agudo e lento para o frio.

Liso, Áspero, Suave, Macio


As texturas ligadas ao toque podem ser mais bem associadas
com ferramentas de expressão, sendo ligaduras para mais liso e
acentos ou notas sem ligaduras para áspero.
Os intervalos podem diferenciar também, sendo intervalos
justos, menores e maiores para texturas mais suaves e macias e
intervalos diminutos e aumentados para texturas mais ásperas.
Para uma estrada de chão ou uma parede texturizada, o uso
de acidentes entre cada nota real, como mordente, apogiatura,
grupeto e trinados, fortalece a ideia, porque são tipos de
obstáculos para cada nota real, e ainda a ausência de ligaduras
reforça essa ideia.

Rígido e Flácido
Na evolução de acentuações, existe diferença de percepção
para objetos mais rígidos ou flácidos.

Observe os dois fraseados a seguir:

Basicamente a mesma melodia, mas diferenciados pela


rigidez de um momento e a leveza e suavidade de um fraseado
mais molengo. Diferença clara no uso de acentos e ligaduras
mostrando lados e opções bem diferentes para uma mesma frase.

Líquido
Usaremos a água como exemplo de líquido. Ela se apresenta
de várias formas, na calmaria de um rio, na agitação do mar, nas
ondas da praia, na chuva ou mesmo dentro de um simples copo.
Usaremos a ligadura como ponto de partida, sons diatônicos
(se cristalina) e algumas escalas subindo e descendo mostrariam
Caminhos da Improvisação | 405
um bom fluxo, mas também é importante o contexto em que a
água se apresenta: se chovendo, ainda pode ser analisado em
qual contexto a chuva se apresenta – se como calmaria de uma
tarde, ou uma chuva torrencial que destrói casas ou uma cidade.
O importante é que, para cada contexto, será importante
um tipo de escala, articulação e extensão escolhida.
Ameaças com enchentes, chuvas fortes ou um mar agitado
são bem representadas por tensões, acordes dominantes e
intervalos mais dissonantes.
Já o som de águas tranquilas pode ser bem representado por
sons de repouso, acordes menores ou maiores, sons diatônicos e
intervalos justos, maiores e menores.

PERCEPÇÃO | Sinestesia
Há muita inspiração musical relacionada às águas. Inúmeras
composições tanto na música clássica quanto na música popular
em todo o mundo, e a constante influência do som do mar e
da relação do ser humano com a matéria que permeia 70% do
nosso corpo. Temos uma intimidade com a água que nos permite
facilmente compor, escrever, desenhar e improvisar livremente
sob diversas formas em que a matéria líquida H2O se apresenta
a nós.

Pontiagudo
Nosso contato com materiais pontiagudos sempre lembra o
perigo e a cautela, por isso traduzir isso musicalmente dificilmente
nos leva a ligaduras ou acordes sem dissonância. Acentos,
staccatos, martelado, efeitos mais cortantes como notas agudas
e timbres mais estridentes traduzem melhor a relação.
3. Paladar
Muitas expressões estão no inconsciente coletivo, assim
como os gostos e sabores relacionados ao som. Popularmente
na música usa-se doce para algo gostoso ou singelo, e salgado
para algo que beira o dissabor, como acordes com muita tensão
ou re-harmonizações com muitos acordes e vários centros tonais.
Já o amargo traz uma percepção ligada ao ruim de engolir, muito
embora o efeito melhor do amargo seja para o estômago, e não
inicialmente para o paladar. O azedo é divergente, pois nem todos
têm um paladar receptivo ao azedo. Hoje em dia, com muitos já
controlando os níveis de açúcar no sangue, também diminuíram
bastante o contato com alimentos muito doces. Como traduzir
essas relações para o som e a improvisação?

Semelhante à paleta de cores, a associação com as sensações


do paladar é traduzida por parâmetros que imitam a experiência
do sabor, o prazer de degustar com a audição e como cada som
penetra o ouvido. Produzir isso conscientemente nem sempre é
possível, mas, a partir do som apresentado, as percepções afloram
e entram em conexão com o mundo subjetivo das percepções de
cada um.

Importante dizer que a percepção de cada sabor envolve a


relação que temos com cada tipo de sabor: se prazer, rejeição,
traumas ou indiferença.

Doce
• Sons mais suaves;
• acordes do tipo Cdim, CØ, Cm7, C9y , Cmaj7, C7, Csus;
• escalas: Dórico, Eólio, Dominante, Pentatônica;
Caminhos da Improvisação | 407
• melodias diatônicas;
• ligaduras, intervalos justos, menores e maiores.

Salgado
• Sons mais abertos, claros;
• acordes do tipo C7(#11), C7(≤9), C∆(#11), C∆(#5),
Cm∆, Ctons, C7(#9)13;
• escalas: Maiores, Menor Melódica e Harmônica, Tons,
Diminuta;
• melodias com mais alterações e dissonantes;
• ligaduras, staccatos, mordentes, apogiaturas.

PERCEPÇÃO | Sinestesia
Amargo
• Sons abertos, mais ásperos, profundidade e realçando
outros sons;
• acordes do tipo CØ9, Cm∆, C7alt, sobreposição de
acordes;
• escalas: Maiores, Menor Melódica e Harmônica, Tons;
• cromatismo e dissonâncias;
• timbres mais ásperos, escuros;
• ligaduras, staccatos, mordentes, apogiaturas, efeitos
exóticos de cada instrumento.

Azedo
• Sons abertos, ásperos, exóticos;
• acordes do tipo C∆(#9), C/D≤, C/E≤, Cm/E, C/F#;
• escalas: Menor Melódica, Diminuta, Árabe, Purvi,
Marwa, Todi;
• maior diversidade rítmica, polirritmias, timbres mais
agudos, estridentes;
• ligaduras, staccatos, mordentes, apogiaturas, efeitos
exóticos de cada instrumento.

4. Olfato
Nosso olfato é pouco desenvolvido em relação aos animais,
cerca de 5 vezes menor em células sensoriais, ainda não sendo
possível distinguir, por exemplo, 3 fragrâncias ao mesmo tempo
e a percepção sendo unilateral, distinguindo apenas um tipo de
cada vez. A capacidade de adaptação é rápida, e o olfato se une
muito ao paladar na percepção receptiva.
Algumas pessoas conseguem quase sentir o sabor de
alimentos e líquidos pelo cheiro. Esse é um belo exemplo de
sinestesia comum para o olfato.
Fragrâncias, no caso dos perfumes, existem em seis tipos
básicos (florais, cítricas, herbais, especiadas, adocicadas e
amadeiradas), cada um com suas variedades.
Odores primários são constituídos por cânfora, almíscar,
floral, mentol, éter, acre e pútrido, cada um com suas variedades.
Codificando o olfato para improvisação, temos dois lados
práticos: fragrâncias e odores.
De forma simples, entendemos fragrâncias pelo que
gostamos em vários níveis, e entendemos odores pelo que
rejeitamos em vários níveis também.
Caminhos da Improvisação | 409
Aromas e coisas podres em resumo
Musicalmente e de forma sinestésica, poderíamos entender
as diferenças pelo que é bem-vindo ou facilmente rejeitado
conforme a qualidade. Não obstante, talvez hoje os níveis de
escolha tenham se multiplicado muito, e aquilo que, há algumas
décadas, seria rejeitado pela falta de qualidade, hoje pode ter
amplo espaço e aceitação.
Música de qualidade pode ser rejeitada ou tratada de forma
indiferente, quando tipos de música sem muitos elementos
e feitos de forma irresponsável podem ser ovacionados por
multidões.
Fica mais fácil entender os tipos de fragrâncias pelos estilos,
timbres e sofisticação do fraseado.

PERCEPÇÃO | Sinestesia
Existe uma experiência comum a quem pouco conhece
de perfumes: é que depois de experimentar uns 5 ou 7 tipos, a
referência se torna um pouco confusa, e isso não é diferente com
quem ouve pouco ou tem um ouvido menos apurado.
Traduzir a experiência das fragrâncias e odores na
improvisação poderia ser resumido no tipo de criatividade
organizada e desorganizada em todos seus níveis, ou aquilo que
causa bem-estar e mal-estar.
Tecnicamente, belas melodias, com alto nível ou não
de complexidade, trazem o tipo de fragrâncias, já o que
é feito desorganizado, desafinado, fora do ritmo e outras
desqualificações, traz à tona o mesmo sentido dos odores que
automaticamente fazem emergir a rejeição de quem percebe.
O cheiro de um cadáver mostra ausência de vida, vida dis-
tante, onde toda beleza e qualidades estão desativadas. Assim
também é possível perceber musicalmente o odor de uma com-
posição ou improvisação, quando tudo pode causar repulsa e
desinteresse, ausência de qualidade, de bem-estar, de bons mo-
mentos e de apreciação voluntária.
Os urubus e abutres sobrevivem desse odor e ausência de
vida, fazem a limpeza da carnificina e, por incrível que pareça,
eles não se sentem atraídos ou não se ajuntam onde existe vida
ativa.
Por isso existe uma cadeia alimentar também no meio mu-
sical, onde tudo é apreciado ou consumido, tanto de fragrâncias
quanto de odores.

5. Audição
A sinestesia auditiva não deve ser esperada apenas dos
sons musicais ou ordenados, mas também de tudo que ouvimos,
conhecemos e nominamos. As palavras naturalmente são
interpretadas e traduzidas em composições vindas de letras,
poemas, poesias em canções.
Traduzimos pensamentos que ouvimos internamente em
sons musicais e também os sons da natureza, como o canto dos
pássaros, o barulho das águas, os ruídos da floresta e outros
efeitos e ruídos do cotidiano.
Em A Love Supreme, de John Coltrane, no quarto movimen-
to intitulado Psalm, o autor escreve uma oração que foi traduzida
em melodias e profundo clima de devoção.
Então, pelo que ouvimos externamente e internamente,
assim é possível traduzir em música, composição e improvisação.
Hermeto Pascoal deixou um material muito interessante
que ele chama de Aura, no CD Festa dos Deuses. Ele usa um dis-
curso, um poema e uma instrução de natação, musicando em três
Caminhos da Improvisação | 411
faixas diferentes com melodias, harmonias e ritmos distintos.
Isso mostra que a criatividade realmente precisa de asas e deve
ser motivada sem limites.
Na prática da improvisação, é possível constantemente
ouvir os sons que nos motivam nos momentos que antecedem
cada fraseado.
Por vezes, não é exatamente um som, mas um impulso que
podemos levar para o som da improvisação. Isso é inspiração e
percepção à flor da pele.
Os sons que se movem em nossos ouvidos podem ficar
dias e meses lá, querendo dizer algo, não em um tom ou altura
específica, mas se movem em escalas, intervalos, exercícios
e melodias que podem e devem ser percebidos, estudados e

PERCEPÇÃO | Sinestesia
aproveitados.
Como na música a linguagem é sonora, a tradução
sinestésica é mais própria ao sons musicais. Usamos a ideia de
volume traduzido por dinâmicas, e tessituras traduzidas pela
extensão de cada instrumento.

Conceitos:

1. cada informação sinestésica pode ser traduzida para


improvisação, mas depende de pesquisa, conhecimento e
prática;

2. não é um conhecimento essencial, mas é uma experiência


vivida diariamente em vários segmentos do cotidiano, de
forma consciente ou inconsciente;

3. toda sinestesia é subjetiva, não sendo possível determinar


precisão das percepções de cada um;
4. o uso da sinestesia para improvisação serve como ferra-
menta de inspiração, pois, em suas infinitas possibilidades
de perceber o mundo, o cérebro pode se valer de todas as
portas e conexões para o uso da arte criativa, seja para mú-
sica ou qualquer outra forma de expressão.

Dicas de leitura:
Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro, do
professor de Neurologia Clínica Oliver Sacks, publicado em 2007.
O Jazz da física: a ligação secreta entre a música e a estrutura
do universo, de Stephon Alexander, 2016.
Caminhos da Improvisação | 413

PERCEPÇÃO | Sinestesia
Social
Improvisar é como correr de olhos fechados
tentando pegar o rabo de um gato preto no escuro.

Experiências
Ao longo do tempo adquirimos inúmeras experiências
com o mundo da improvisação, criando relacionamentos que se
desenvolverão continuamente em diferentes escalas de evolução,
nas três linhas seguintes:
1. música;

2. público;

3. nós.

A improvisação nos coloca no palco do mundo artístico


ainda que estejamos sozinhos em um quarto, e muitas vezes ela
nos faz sentir como estando em um quarto de estudo, quando o
local está repleto de pessoas.
Esse mundo tão cativante, profundo e intrigante se
descortina diante de nós e nos mostra constantemente o quão
pequenos somos diante de infinitas possibilidades, criando um
sentimento de poder relacionado a tudo que é possível fazer a
cada nova oportunidade.
Lendo e ouvindo depoimento de grandes nomes da impro-
Caminhos da Improvisação | 415

22
visação, é possível perceber que os notáveis músicos são insatis-
feitos e insaciáveis, e é isso que os faz alcançar novos degraus.
De forma alegórica, existe uma busca constante onde
milhões de músicos correm em direção ao tesouro. Os maiores
conseguem apenas moedas desse tesouro, então mais e
mais continuam essa busca sem parar por anos e anos, assim
algumas moedas vão sendo passadas de geração para geração.
Cada grande nome descobre uma parte desse tesouro, moedas

PERCEPÇÃO | Social
diferentes e com novidades que a cada descoberta ajudam a
melhorar as novas buscas.
Todos estão correndo, alguns conseguem algo, mas os que
não conseguem encontrar aprendem com os que encontraram
e assim continuam buscando sempre mais, ainda que seja
ensinando outros a buscar.
Alguns chegaram mais longe, mas ninguém de fato
descobriu a origem, a fonte ou o destino final. Muitos acreditam
ter chegado mais próximo.
Parece um jogo de gato e rato, porque, ao conseguir uma
trilha que parece levar ao pleno saber, o tesouro final muda de
lugar, na hipótese de ter sido apenas imaginado.
Esse é o tipo de experiência que muitos têm com a música e
a arte da improvisação. Já alguns outros se encontram espiritual,
filosófica ou mentalmente no meio dessa procura, e assim passam
a ensinar parte do caminho que aprenderam.
Essa relação de conhecimento e experiência se desdobra
a cada novo momento, podendo existir frustração, desânimo,
angústia, desprazer, desilusões e aparentes derrotas, mas
uma visão negativa só continua se assim for desejada ou
supervalorizada.

Na música, assim como na vida, os erros nos trazem grandes


ensinamentos. Por quê?

Porque a arte se aperfeiçoa no fazer, no fazer o tempo todo.


O erro é inerente ao ser humano, mas o grande valor do erro é a
busca pelo melhor e não um fim como objetivo. Na improvisação,
o erro está presente em todo o processo de criatividade, porém
sua melhor função é apontar para o alvo.
Existem músicos com uma incrível capacidade de memória
técnica, que quanto mais praticam, mais guardam inúmeras
informações, porém, nem todos são iguais e cada um tem seu
próprio caminho.
O melhor da experiência na improvisação é aprender seu
próprio caminho artístico, seja uma busca interminável ou o
deleite de ter aprendido o suficiente para obter prazer na arte.
Cada um tem um tempo para descobrir isso, pois em algum
momento da vida, quem procura com sinceridade seu próprio
caminho poderá entender onde deve se encaixar melhor no
mundo dos sons.
Assim como nem todos os animais voam, nem todos
nadam. Muitos se adaptam melhor ao frio e outros ao calor
intenso. Na vida musical, precisamos aprender com o caminho
que se descortina diante dos nossos olhos.
Caminhos da Improvisação | 417

"Por vezes, o caminho onde você mais se


garante pode nunca se tornar disponível,
ou mesmo você terá que criá-lo."
Esse caminho se desenha marcando pontos em dias
específicos, dias que fazem você ter um encontro diferente com o
som, o ritmo, o clima e consigo mesmo.
Em um bar, no teatro, no estúdio, na igreja ou em qualquer
palco, por aí você encontrará pistas do que precisa completar no
seu mapa artístico.
Pode parecer angustiante, mas é isso que de fato temos
em cada momento. Aprendemos, por muitas vezes, que não é
possível aprender tudo.

PERCEPÇÃO | Social
Cada músico, por melhor e mais preparado que possa
parecer, terá apenas parte do todo, na verdade uma infinitésima
parte, e, com o passar do tempo, esse todo se revelará sempre
maior, fazendo com que todos aprendam o seu verdadeiro
lugar e papel na música, para que não se percam na busca, mas
encontrem sua utilidade no universo, na vida e na arte.
Alguns sentimentos não escolhem endereços e nem
pessoas, eles simplesmente estão por aí como um tipo de energia.
A frustração, por exemplo, encontra o músico de igreja, o músico
que virou bancário, como também encontra o músico que foi
premiado ontem, e o músico que volta de uma turnê mundial.
Assim como outras alegrias, tristezas e desventuras permeiam
a nossa espécie inconformada, apenas porque parece carregar
consigo o desejo pela eternidade e pela infinitude.
Assim nossas experiências musicais se entrelaçam com
nossa personalidade, e nos revelam a nós e ao mundo.
Você jamais tocará igual, em nenhuma oportunidade,
ainda que seja a mesma passagem, as mesmas notas e os
mesmos músicos. Sempre será diferente, e na improvisação você
comprovará isso todos os dias.
Assim como na vida, nós temos hábitos que cultivamos
e levamos para a música e para a arte da improvisação, como,
por exemplo, a repetição de frases, de ideias ou a busca pela
não repetição. Do mesmo modo, a nossa personalidade vai
se agarrando a nossa visão de mundo, e é por isso que na
improvisação de alguma forma estamos sempre falando o que
somos.
Alguns almejam desbravar, outros almejam o sossego.
Os que almejam desbravar são mais inconformados,
inquietos e possuem uma energia surpreendente, são
desapegados e estão sempre buscando não se repetir. Preferem
enfrentar os medos e assim descobrir o que existe do outro lado
da cortina. Estão sempre observando as tendências e prontos
para novas experiências. Por vezes não são muito bem entendidos
e preferem manifestar sua música de forma mais libertária,
desfazendo-se de padrões e buscando sempre o desconhecido,
por entenderem que não podem simplesmente parar. Entendem
o mundo como um processo de mudança constante, onde tudo
está em movimento.
Já os que almejam o sossego, são mais conformados,
pacientes, introspectivos, costumam gastar muito mais energia
mental, raciocinam mais, são mais razoáveis, apegando-se
mais ao que funciona, fórmulas e padrões. Evitam o combate e
planejam mais para obter resultados. Valorizam a quietude da
vida e das coisas, a calmaria, apegam-se mais às raízes e assim
formam seu oásis particular. Normalmente gostam e se apegam
mais ao que pode ser explicado, por isso produzem buscando a
clareza de ideias. Preferem manifestar sua música de forma mais
sutil e dizer o muito no pouco. O desconhecido sempre será bem
Caminhos da Improvisação | 419
analisado antes de ser aceito, normalmente a aceitação é lenta
e com ressalvas, dadas as inúmeras variantes que surgem. Sua
atividade é sempre baseada em alguma referência e normalmente
se apegam mais às referências, fazendo-as refletir em sua música.

"Alguns almejam desbravar, outros almejam


o sossego."

Nenhum dos dois tipos deve ser julgado, porque isso é


personalidade e temperamento. Não existe o certo ou o errado
nesse nível de entendimento, mas é claro que cada um se adapta
melhor em situações diferentes. As características individuais
também podem se misturar devido a diversas influências.

PERCEPÇÃO | Social
Na música e na improvisação, muitos se agarram em
algum determinado estilo e uma forma específica de execução,
como também é comum buscar a história para seguir a
história, mas existem muitos músicos que se adaptam tão bem
a um determinado estilo de tocar que passam a preservá-lo,
desempenhando assim sua forma de improvisar sempre ligada
ao estilo que melhor se assemelha.
Em outros casos, alguns músicos aprendem a história, mas
buscando serem diferentes e até mesmo construir sua própria
história e personalidade.
Existem muitos conflitos ideológicos quanto a isso,
preconceitos e rixas em torno desse tema, mas a ideia aqui não
é levantar a bandeira de qualquer linha, mas somente acenar as
possibilidades existentes, pois música é uma escolha, e os estilos
e formas são imagens que escolhemos para assim projetar. Essas
escolhas têm muita relação com a nossa personalidade e objetivo,
podendo haver dificuldades de adaptação entre estilos e objetivo,
quando a sua personalidade está muito enraizada em um tipo de
pensamento, hábito ou cultura.
Essa relação contínua com os sons, com o público e com
nossa personalidade pode ser muito importante, se percebida
de forma crítica, ativa e não passiva. Porque inúmeros eventos
neurais se desdobram em nossa mente durante todo o processo
criativo, trazendo-nos percepções que influenciam nossa forma
de agir e como escolhemos cada nota.
No mundo criativo, tudo e nada coexistem. A inspiração
detecta uma centelha de energia, não sei o nível subatômico em
que isso se desdobra, mas uma explosão de energia desdobra
bilhões de eventos em nosso corpo e mente, trazendo consigo
todo um quadro de possibilidades a cada segundo.
Assim unimos essa centelha a três percepções do momento:
o som musical, o ambiente num todo e o que somos a cada novo
segundo. Bum!
Criamos uma experiência e um processo criativo que pode
ou não se tornar algo. Pode ser também trabalhado por meses,
como é o caso de uma composição, mas, no caso da improvisação,
é exatamente isso que ocorre a cada momento.

O que nos influencia


Nos sons:
• tipos de memórias musicais;
• ambiente sonoro;
• composição de músicos;
• clima;
• tema musical, melodia, harmonia, ritmo, estilo.
Caminhos da Improvisação | 421
No ambiente:
• público;
• tipo de evento;
• expectativa;
• local;
• quantidade de pessoas.

Em nós:
• memórias emocionais;
• estado mental do momento;
• saúde do corpo;

PERCEPÇÃO | Social
• expectativas: felicidade, realização, objetivos diversos;
• visões paralelas adotadas: mental, espiritual, social.

Comunicação
Um dos efeitos mais especiais que a improvisação carrega
consigo é a capacidade de se comunicar com o público, com a
natureza ou com você mesmo.
Um solo tem o poder de mover um ambiente dependendo
da forma como é gerenciado. Existe impacto físico e mental
em cada solo, sendo o impacto físico na capacidade de fazer as
pessoas se moverem desde aplaudir, dançar ou mesmo chorar.
Causa alegria, memórias e pode fazer com que haja reações das
mais diversas em uma plateia, que pode ser pequena ou grande,
de pessoas simples ou de intelectuais, pobres ou ricos, sem
distinção, porque o poder manipulável é o som, com inúmeras
combinações e eventos de massa sonora, velocidade e impacto
auditivo para o público presente.
Pode haver centenas de reações positivas e negativas.
Gera e conecta a mente de quem ouve a inúmeros pensamentos
e sentimentos. O impacto mental leva cada ouvido a um tipo de
dimensão diferente, movendo-se livremente no tempo-espaço,
passando por épocas diferentes, anos vividos e presentes na
memória ou ainda por situações não vividas, chamados déjà-vu
ou previsões futurísticas, sonhos se movem estando o ouvinte
acordado e ainda todos podem ir a lugares totalmente diferentes.
O som é o veículo que move a consciência para tempos e
locais diversos, gerando experiências incontáveis, as quais muitos
não conseguem sequer expressar em palavras.
Cada experiência pode estar num campo de percepção
individual e a ciência ainda tem muito o que explicar sobre os
efeitos, processo e realidades que se criam de distintas formas
em cada mente.
A conexão do som com o ouvido, nos dias de hoje,
poderia ser mais explorada por canais de comunicação, pois as
experiências no cérebro são tão ricas quanto no campo da visão,
sendo que, no campo visual, existe mais atenção, investimento
e consequentemente retorno de mercado, fazendo com que o
visual ganhe mais atenção do público.
Quem já mostrou uma música em uma roda de amigos
certamente já passou pela frustração de ouvir conversas
cruzadas, comentários desnecessários e a completa desatenção
de uma ou mais pessoas, causando com isso uma desmotivação
e consequente descaso pelo som mostrado em menos de 60
segundos.
Isso faz parte de uma cultura em que ouvir não é uma
Caminhos da Improvisação | 423
escola. As pessoas são educadas a ver, mas não a ouvir, e isso cria
a distância necessária para a tamanha aceitação das disparidades
entre o visual príncipe e o áudio sapo.
Visual príncipe é qualquer imagem que prende as pessoas
pela apelação de qualquer natureza, seja boa ou ruim. Já o áudio
sapo é qualquer tipo de som com o menor potencial possível
de conteúdo musical, em que o objetivo é fazer com que o som
ouvido não importe, desde que cause reações de euforia e bem-
estar no corpo. Isso se resume tecnicamente a dois ou quatro
acordes, levada contendo de dois a quatro compassos e melodia
diatônica, em sua maioria com uma ou duas frases chamadas
chicletes, ou de fácil assimilação, executada diversas vezes. As
definições podem ser infinitas e esse tipo de produção move
massas de pessoas. Por outro lado, se a prática de ouvir fosse

PERCEPÇÃO | Social
mais difundida, as pessoas teriam experiências mais profundas
do que no campo visual.
O visual emite detalhes mais fáceis de serem percebidos,
porque somos educados a distinguir cores, números, formatos,
pessoas, lugares e objetos desde a infância, mas qual a
porcentagem de pessoas ensinadas desde a infância a distinguir
escalas, intervalos, divisões, compassos, ritmos, harmonias e
outros tantos elementos musicais e sonoros?
Por isso a comunicação musical se torna tão difícil em
qualquer cultura na qual a educação auditiva não é amplamente
difundida.
Ouvir também é uma verdadeira arte. Porque, em terreno
fértil, a prática de ouvir cria conexões da criatividade e desenvol-
ve tipos de inteligência que são pouco explorados. Aguça a per-
cepção, promove uma reorganização de células no cérebro, que
desencadeia novos processos mentais.
O poder então da improvisação é mais percebido resumida-
mente em quem se deixa ser levado pelo som, pois não sabemos
exatamente o alcance do som em nosso consciente, subconscien-
te e inconsciente.
A comunicação pode ser visual e auditiva, mas se alguém
ouvir uma improvisação que gerou determinado efeito quando
visão e audição estavam juntos, poderá ter uma diminuição
considerável dos efeitos se apenas ouvir.
Algumas pessoas se prendem ao visual, porém, quando
vão escutar algo sem imagens, não conseguem se prender tanto
aos detalhes, uma vez que a outra parte, que é o visual, não está
ativada. Desta forma, tornam-se impacientes para as conclusões
daquele momento.

"qual a porcentagem de pessoas ensinadas


desde a infância a distinguir escalas, intervalos,
divisões, compassos, ritmos, harmonias e
outros tantos elementos musicais e sonoros?"
Em um mesmo ambiente, o músico ou a banda sempre irão
causar diversos efeitos no público, desde a aceitação à rejeição,
desde a alegria à nostalgia, ansiedade e tranquilidade. Por isso é
importante manter o foco na mensagem que deseja enviar.
Diferente das palavras, a música sempre abre um amplo
campo de entendimento ou de percepções.
Os sons das palavras podem dizer mais do que as palavras
ditas. Existe ironia, sarcasmo, dor, medo, suspeita, ansiedade,
satisfação, alegria e outros sentimentos que podem envolver
uma simples frase, do tipo: “Oi, como foi seu dia?”
Já no mundo dos sons, uma simples frase ou um momento
específico pode ampliar potencialmente o sentido do que foi
tocado.
Caminhos da Improvisação | 425
Mesmo que haja domínio técnico e uma sincera emoção no
momento da execução, a mensagem sempre ganha diferentes
sentidos para quem ouve. Pois os ouvidos não se concentram
apenas no certo ou errado, mas na energia produzida.
Essa energia chega ao cérebro como uma mensagem que
ele traduz sinestesicamente para alguma semelhança conhecida,
vivida e transforma isso em sentimentos ou pensamentos. A
partir daí, o interesse aumenta ou diminui.
A mensagem musical pode causar compreensão ou não,
interesse ou não.
Alguém pode gostar da sua música, mesmo sem entender
nada, porque a compreensão é da empatia com o som, o simples
gostar, mesmo que não haja compreensão. Como pode também

PERCEPÇÃO | Social
compreender o seu som e apenas não gostar.

"Ouvir também é uma verdadeira arte."

Outro tipo de reação é a indiferença ao que se ouve. Significa


que um determinado som ou solo em específico não foi percebido
em quase nenhuma esfera. Falta concentração, ou mesmo falta
interesse por quem ouve.
Você pode sair frustrado de um show por não ter tocado
do jeito como gostaria, mas sua música pode ter alcançado a
percepção de muitos e uma aceitação que você não imagina,
como também pode sair eufórico de um show por ter conseguido
fazer quase tudo que gostaria de ter feito, mas talvez sua
mensagem não foi compreendida, aceita ou percebida. Esse é
o tipo de controle que não temos sobre o público, sendo que o
único controle que nós temos é o de enviar ou não a mensagem
musical.
As altas produções de hoje tentam agregar o máximo de
informação em um mesmo espetáculo, como música, dança,
imagens e tecnologia, visando assim a uma maior aceitação do
público. Dessa forma, o mercado nunca para de produzir coisas
novas e de tentar se conectar ao máximo de mentes possível.
Por isso as mensagens artísticas caminham sempre tentando ir
ao encontro da percepção do público, fazendo uma espécie de
cardápio onde deseja servir aquilo que o público deseja consumir.
Na improvisação, isso também é notório, quando a música
ou solo é feito para alcançar esse efeito, a aceitação. Tudo é mais
apelativo e tende a ser mais superficial, não sendo nem certo e
nem errado, porque o que interessa é o tipo de objetivo que se
deseja alcançar – esse é o sucesso da ação.
Existem linhas mais sutis na arte, nas quais o artista não
se preocupa com o entendimento ou aceitação do público, mas
somente com que sua mensagem seja transmitida, sabendo
que ela não precisa ser compreendida naquele momento, mas a
qualquer tempo. O objetivo nesse caso é o envio da mensagem e
não a resposta.
Músicos como John Coltrane, Miles Davis, Branford Marsalis,
Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti não buscam aceitação, mas
a transmissão. Buscam ser um canal pelo qual a música passa e
apenas isso, gerando o que for possível gerar na oportunidade
recebida. Assim comungam mais com a sinceridade do momento,
desfazendo-se de frases ou momentos programados.

"Esse é o tipo de comunicação que consegue


percorrer o tempo, os anos e décadas, pois
tem compromisso somente com a arte e não
com a bilheteria."
Caminhos da Improvisação | 427

Eficácia e eficiência
Um solo pode sair tecnicamente perfeito e ainda te deixar
insatisfeito, como pode conter erros e te deixar feliz. Isso
acontece, porque a técnica usada é apenas parte do processo em
que o objetivo sempre será maior. A mensagem tem a ver com
isso, pois a escrita pode estar certa, mas não ser entendida da
forma que você queria.
Um grande amigo sempre me disse que comunicação não é
o que você diz, é o que o outro entende.
Execução, combinação dos sons com o grupo e aspirações
pessoais são camadas que se entrelaçam em cada solo, em que
cada uma, em algum momento, ganha mais atenção e é com

PERCEPÇÃO | Social
isso que precisamos aprender a lidar, pois, no final de tudo, o que
importa é se o objetivo foi alcançado.
Assim a eficiência musical cuida de saber fazer as coisas, ao
passo que a eficácia cuida de alcançar o objetivo.
Então, para alcançar o objetivo, um tipo de pensamento ou
sentimento é muito importante nesse processo: a sinceridade.

Sinceridade
Sem a sinceridade consigo mesmo, não é possível
você chegar aonde gostaria e não há satisfação naquilo que foi
proposto, uma vez que você pode fazer muitas coisas e ainda não
conseguir o que de fato queria em seu objetivo.
Esse é o fator que divide opiniões e interesses, pois alguns
músicos buscam de fato resultados instantâneos e outros buscam
resultados a longo prazo. Alguns buscam o resultado comercial, e
outros buscam resultados artísticos.
Sobre isso existem conflitos violentos que dividem,
segregam e causam inúmeros transtornos sociais, quando na
verdade devia ser observado se tal músico está fazendo apenas
o que gostaria mesmo, se está usando sua sinceridade. Se existe
sinceridade, existe público para isso.
Existem preconceitos com qualquer coisa no meio musical,
por ser um mundo que lida muito com aceitação e rejeição do que
se faz. Assim a vaidade fica sempre à flor da pele.
Na improvisação, o caráter de um solo passa muito por
esses filtros, nos quais o artista às vezes só quer ser aceito, talvez
por uma carência social, ou mesmo tenha medo de ser rejeitado.
Outros artistas não sentem essa necessidade, mas se preocupam
mais com a mensagem transmitida.
Esse é um divisor de águas para todo artista, quando
você escolhe que tipo de comunicador será, como sua arte será
mostrada: se de forma apelativa ou contemplativa, se busca
aceitação ou se busca apenas o envio da mensagem; se usa a
música como meio de autoconhecimento ou de alcançar a fama,
se busca agradar ou semear mensagens.
São questões que, em algum momento, virão à tona e
na verdade trarão sua personalidade ao encontro da sua arte,
proporcionando um casamento entre o que você é e o que a arte é.

"Um grande amigo sempre me disse que


comunicação não é o que você diz, é o que o
outro entende."
Caminhos da Improvisação | 429

Sucesso e fama
Você pode alcançar o que se propôs a fazer: isso é sucesso.
Pode ter sucesso em um estudo de meia hora, em uma gravação e
em toda sua carreira, conquistando prêmios, viajando, gravando
e produzindo. Se isso for o seu objetivo, você conquistou e obteve
sucesso.
Já a fama não depende tanto de você, mas do que os outros
dizem ou como te projetam. Essa fama pode ser positiva ou
negativa. O glamour que existe nos palcos, teatros e nas luzes
de um espetáculo pode te trazer fama, mas sem que você tenha
obtido sucesso no que se propôs a fazer, como seu sucesso pessoal
pode nunca te trazer fama ou não ser a fama que você espera.

PERCEPÇÃO | Social
Na parte mais vaidosa de nosso ser, pode existir esse tipo de
conflito ou sentimento, afetando acentuadamente a forma como
a nossa música é exposta.

Em cada solo, você pode buscar o sucesso dele, ou seja,


que ele cumpra o que você queria musicalmente: nesse caso,
só depende de você mesmo. Mas, para se obter fama em um
determinado solo, você o submeterá, independente do nível dele,
ao cruel julgamento social, em que os parâmetros de aprovação
são diversos.

Na busca pela fama, você depende de outros para obtê-la, e


ela pode vir naturalmente pelo que você faz de bom, mas, quando
não vem, pode ser que você mude sua forma de tocar para obter
isso a todo custo, se for o seu objetivo. Por esse padrão, sua forma
de tocar será a forma que você sabe que o público aceitará ou te
dará reconhecimento momentâneo.

É um caminho perigoso, se levado pelo padrão, mas apenas


por esse, porque a busca pela fama faz com que você se torne
dependente do seu público, do que ele quer, do que ele deseja,
ou mesmo do que o mercado te impõe. Você pode perder muito
da autonomia de escolha, não havendo problema desde que seja
esse caminho mesmo que você quer escolher: apenas seja sincero
ao escolher e viver isso.

Reconhecimento
O caminho pelo reconhecimento é árduo, cheio de
obstáculos e a longo prazo. Deveríamos desconfiar de qualquer
curto resultado sobre o que fazemos, pois normalmente é como
comida de micro-ondas: esquenta rápido e rápido esfria, logo
caindo no esquecimento e descrédito.
Por isso os caminhos se dividem entre a busca pelos
rápidos resultados e a construção de resultados duradouros e
inquestionáveis.
Nessa busca, muitos negociaram sua arte e trocaram por
algumas moedas de fama instantânea.
Já o reconhecimento, quando não é um objetivo, mas
uma consequência, é gerado naturalmente com consistência e
durabilidade.
Alcançar o respeito da classe musical, do público e das
mídias é um caminho longo, porque depende de inúmeros
fatores extramusicais, como responsabilidade, compromisso,
competência e continuidade.
O mundo criativo é um caminho que pode fazer você se
surpreender com os resultados que sua arte pode produzir, isso
porque uma coisa é o que você faz, já os resultados de resposta
a você são inúmeros por vários meios, trazendo assim um
Caminhos da Improvisação | 431
sentimento de satisfação e realização.
Ouvir um solo seu passando na rádio, na TV, sendo tocado
por alguém, pessoas falando do seu trabalho, ou você sendo
convidado para algo porque viram seu trabalho em algum lugar,
é talvez o início desse processo de reconhecimento profissional
e artístico que pode depois resultar em premiações, convites
cada vez melhores e com isso aumentar consideravelmente sua
imagem e aceitação pública, social e musical.

Conceitos:
1. você é um comunicador por meio da improvisação;
2. busque dizer algo além das notas;

PERCEPÇÃO | Social
3. escolha um caminho para cada solo;
4. seja verdadeiro no seu solo;
5. acredite no que faz, pois só assim acreditarão em você;
6. planeje, mas deixe a inspiração fluir;
7. busque o sucesso no que faz;
8. fama pode ser passageira e até diária;
9. reconhecimento é o resultado duradouro de todo o seu
trabalho.
Auto-
conhecimento
"Nossa música desenha nossa alma."

A arte musical sempre despertou magia, mistério,


espiritualidade e curiosidade nas pessoas. Temos o desejo do
saber, queremos saber sobre tudo, e acho que sempre foi assim,
embora muita coisa estivesse encoberta aos nossos olhos e
percepções. Mas com o passar do tempo e gerações, muitas
pessoas importantes para a história foram descobrindo formas de
fazer as coisas, e esse processo resultou em uma grande explosão
de conhecimento que começamos a viver talvez nos últimos
trezentos anos. Nos últimos trinta anos, esse processo alcançou
velocidade máxima, alterando muita coisa do mundo antigo,
como a vida social, as formas de trabalho e o conhecimento, que
não é apenas conquistado, mas também produzido.
Na música, saímos da contemplação para o entendimento
coletivo, no qual aquilo que vemos não está mais tão distante
quanto em tempos passados, sendo agora perfeitamente possível
e acessível. Antes admirávamos, hoje buscamos fazer igual ou
até melhor. Em todo momento da história musical, alguém está
fazendo algo de muito bom, até que, algum tempo depois, outros
aprendem e fazem diferente ou melhor.
A improvisação que hoje conhecemos também passou
vários processos: no início os que sabiam fazer tornaram-se astros,
mitos e gênios, mas hoje com a facilidade do aprendizado e o
rápido acesso ao conhecimento, o que escutamos rapidamente
Caminhos da Improvisação | 433

23
é descortinado. Os nomes, técnicas e detalhes são entendidos
e reproduzidos. Vivemos uma fase muito fértil quanto ao
aprendizado e conhecimento.
Conquistamos o mundo, com turnês, shows e popularidade,
porém, uma porta também está aberta para que esse processo
seja ainda mais profundo externamente: é a porta de conquista
do nosso mundo interior. Descortinar nossa personalidade e dela

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
buscar muito mais do que já foi visto.
O que sabemos de nós mesmos quanto ao que estamos
produzindo? Quanto podemos aprender sobre o processo que se
desenvolve em nós?
Antigamente não importava o porquê, somente contemplar
e admirar, já hoje entendemos que a magia não está apenas no
resultado produzido, mas em como é produzido.
Quais conexões, de onde vêm, como manipulamos os sons
e obtemos resultados com ele?
A frase “Conhece-te a ti mesmo”, atribuída a Sócrates,
suscita a ideia de que em nós existe um infinito universo interior
que, se descoberto, irá irradiar mais luz e emanar ao mundo
exterior.
Quanto material já foi produzido na música de cada país,
quanta cultura, e principalmente nos países onde a música
com improvisação é mais latente, nos países dos continentes
americanos como Brasil, Cuba, EUA e outros. Nos dias de hoje,
temos universidades, conservatórios e cursos de férias falando de
improvisação no mundo todo.
Falamos de notas, escalas, técnicas, harmonia e prática
musical, mas existem muitos passos ainda a serem conquistados.
Uma porta está aberta sobre nossa relação pessoal com a
música, e essa porta pode ser muito mais explorada, que é um
maior conhecimento sobre nossa personalidade, nossa visão
de mundo, sentimentos, pensamentos e tudo que pode ser
transformado em ideias musicais.
A criatividade nos convida ao seu banquete, onde nossos
atributos pessoais serão os verdadeiros motores para novas
criações, não apenas ligados aos padrões estabelecidos, ao que
o mercado espera, ao que é aceitável, mas de fato o que está em
nós e o que somos pode se tornar música, improvisação genuína e
naturalmente ganhar espaço pela sinceridade de cada momento.

"Conquistamos o mundo, com turnês, shows


e popularidade, porém, uma porta também
está aberta para que esse processo seja ainda
mais profundo externamente: é a porta de
conquista do nosso mundo interior."

Muita gente tem feito isso, dedicando tempo nesse


processo e assim tem trazido à luz do mundo obras relevantes,
solos pautados em introspecção e uma busca verdadeira pelo
novo, e o novo está aqui, conosco, dentro de nós.
Isso sempre existiu, mas hoje temos mais ferramentas
de acesso ao autoconhecimento e assim um maior número de
pessoas tem levado isso a sério, buscando dentro de si os sons
de suas almas, não presas a padrões e fórmulas, mas livres para
buscar o que for mais sincero, genuíno, cristalino e que pode ser
traduzido em música.
Caminhos da Improvisação | 435
Ao estudar improvisação, é preciso ampliar as percepções
para o mundo exterior e interior, não apenas depender do que se
aprende musicalmente, porque a música apenas tenta traduzir a
vida, não sendo a essência, mas decodificando-a.
Aprendemos em termos técnicos como trazer ao mundo
dos sons as diversas manifestações da vida e toda sua linguagem,
atributos e valores. Em algum momento, esse não será mais o
pensamento e sim um reflexo em que o instinto real que está em
nós poderá dizer o que de fato entende.
Ensinamos a nós mesmos, ao nosso cérebro todas as coisas,
e assim todas as informações são guardadas, memorizadas e
acessadas constantemente. Porém, de onde vem a inspiração, a
centelha de energia que explode em sons e milhares de ideias em

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
cada solo?

Programação Neurolinguística
Você pode programar sua mente a partir do momento em
que começa a conhecer o funcionamento de cada informação,
suas camadas e como elas se organizam. A improvisação lida com
isso constantemente e os melhores resultados surgem quando
sua mente está no controle do processo, e não de forma passiva.
Este livro está repleto de dicas, formas de pensamento e
pequenas explicações sobre os processos e formas de organizar
melhor a mente para obter melhores resultados tanto nos estudos
quanto nos solos.
Se o resultado final é o solo, o processo todo varia desde
um instrumento adequado, preparo técnico, saúde do corpo,
controle mental e emocional, percepções sensoriais e sociais –
todos também fazem parte das camadas que organizam as ideias.
Assim o solo é uma verdadeira construção, não sólida, mas
real para quem ouve, criando realidades a cada momento.
Todos nós podemos alcançar o nosso melhor nível durante
a vida, sendo que, em algum momento, assim como na própria
vida, iremos decrescer tecnicamente ou usaremos a energia de
forma mais contida, mas o ideal é que você aprenda a conhecer
e desenvolver seu potencial, seus limites e assim buscar, em cada
ponto, uma melhor condição.
O exercício do cérebro na improvisação é constante e,
quanto melhor organizamos cada informação, melhor ela pode
ser acessada, assim como um arquivo em seu computador: os
melhores e mais usados podem fazer parte da área de trabalho.
De certa forma, muitas partes desse livro trabalham isso,
sugerindo e reprogramando o pensamento para tornar melhores
e mais leves as ideias sobre o mundo da improvisação.
A programação neurolinguística tem sido uma chave para
que muitas pessoas possam alcançar resultados, recondicionando
a forma do pensamento, aprendendo como seu corpo e mente
funcionam, potencializando assim as habilidades e diminuindo
dificuldades e traumas adquiridos pela vida.
Perfeitamente aplicável na improvisação, pois é disso que
trata todo este livro, não apenas do como fazer, mas também
do como aprender os processos que disparam gatilhos da mente
rumo aos resultados da improvisação.
O maior resultado que você pode alcançar na improvisação
é aprender a colocar o trem nos trilhos, porque não importa a
velocidade e nem a distância da viagem, mas estar na viagem é o
que importa. Fazer parte do processo contínuo da criatividade e
saber que você está desempenhando um conjunto de ações que
irão te fazer sempre melhor e mais capaz em cada nível em que
estiver.
Não se pode apenas viver a angústia da busca, mas também
Caminhos da Improvisação | 437
precisamos do prazer da descoberta. O deleite em cada nova
oportunidade também é uma rica fonte de prazer e motivação,
fazendo com o que a mente acredite cada vez mais em novas
realidades.

5 Gatilhos
Respirar – Respirar é a fonte de novas ideias.
Visualizar – Enxergar além da música, criar sua realidade.
Projetar – Saber o que quer e aonde quer chegar.
Desenvolver – Motivos, frases, períodos, chorus, solo.

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
Arriscar – O risco faz parte da improvisação.

É claro que nenhum desses gatilhos é desprovido de


conhecimento musical, mas a partir do conhecimento e domínio
no instrumento é que você poderá conviver com o mundo abstrato
da improvisação.
Você está reprogramando sua forma de pensar e entender
musicalmente, levando a música para além dos sons e unindo-a
com sua mente, sua personalidade, seus desejos, história e
sonhos.
Com esses pensamentos, a sua imaginação sai do plano
estático, de apenas fazer o que está proposto e assume o controle,
ativando inúmeros canais de transmissão por onde passam as
ideias na mente.

Você pode avançar muito em sua arte criativa, ampliando


as formas de pensar e moldando seu corpo, mente, pensamentos
e emoções para uma nova realidade. Essa nova realidade de
pensamento coloca seu trem nos trilhos e gera energia suficiente
para você aprender a viajar nesse mundo tão fascinante, que é o
da criatividade musical.
Porém, isso não quer dizer que sempre será bom e lindo.
Os conceitos da improvisação trabalham muitas outras
qualidades e não se sujeitam apenas a padrões de estética,
nos quais o lindo é o padrão, pois, durante os tempos, outros
conceitos surgiram e ganharam seu espaço no mundo artístico. O
lindo faz parte do romantismo, por exemplo, mas no conceito do
Dadaísmo (que sugere desordem) e no Surrealismo (que sugere
múltiplas realidades), encontramos novos entendimentos sobre
a arte, segundo os quais não apenas o sentimento ou razão
servem de inspiração, mas também as múltiplas realidades que
se sobrepõem e se misturam.

Por esse pensamento, podemos entender que a mente


humana é ávida pelo novo, pela descoberta e novidade de vida.
Assim é possível, por meio de novos entendimentos, que a nossa
mente se adapte à realidade do mundo criativo e possa desenvolver
suas inspirações de forma consciente, ativa e eficiente.

O potencial de cada músico é desenvolvido pela motivação,


o sonho de querer chegar a algum lugar ou nível, pelo desejo de
viver sempre novos momentos com a música e nela descobrir
novos mundos, seja espiritual, mental ou social.

"O maior resultado que você pode alcançar


na improvisação é aprender a colocar o trem
nos trilhos, porque não importa a velocidade
e nem a distância da viagem, mas estar na via-
gem é o que importa."
Caminhos da Improvisação | 439

" A música fala de quem a projeta."

Qualidades
Comparando nossa mente com uma cidade, encontramos
ruas, praças, avenidas, becos, rios, casas, buracos, morros e
muitos outros pontos.
Ao desenvolver nossa criatividade, passeamos pelas ruas,
becos e avenidas das nossas qualidades e pelos buracos, senzalas
e cascalhos de nossas mazelas, onde nada deve ser descartado e
tudo tem o seu lugar e tempo de ser mostrado.

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
A improvisação não fala apenas de coisas boas ou belezas,
mas pode demonstrar infinitos atributos sobre o ser humano, a
natureza, a espiritualidade, o cosmos, sendo por diversos prismas
e não se concentrando apenas em lados radicais e extremos, mas
em suas infinitas realidades, que se misturam umas com as outras.

Temperamentos
São aspectos de personalidades que apontam para padrões
de comportamento, com tendências relacionadas a nossa forma
de ver o mundo. Interesses, habilidades e os atributos mais
latentes de cada um.

4 tipos principais de temperamentos


e a relação com a improvisação

Sanguíneo
“Este temperamento é expansivo, otimista e impulsivo.
Extrovertidos e sensíveis, os sanguíneos são indivíduos que
não passam despercebidos, pois são espontâneos e gostam de
interagir. Além disso, costumam fazer gestos largos e falar bem
em público.
Pontos fortes: são comunicativos, resilientes, adaptáveis e
entusiastas.
Pontos que precisam ser trabalhados: impulsividade, falta
de atenção, superficialidade e exagero.

Fleumático

“Este temperamento é sonhador, pacífico, dócil. Os


fleumáticos prezam a rotina, o silêncio e dificilmente perdem o
controle, pois costumam avaliar antes de reagir. São pacientes,
observadores, disciplinados, preferem não manifestar suas
opiniões em público e não costumam reagir bem às críticas.
Pontos fortes: são equilibrados e confiáveis.
Pontos que precisam ser trabalhados: lentidão, resistência
às mudanças e indecisão.

Colérico

“Este temperamento é explosivo, ambicioso e dominador.


Indivíduos coléricos são determinados e possuem grande
capacidade de planejamento, além de muita energia e
impulsividade. São líderes natos e explosivos.
Pontos fortes: determinação, habilidade de liderança e
praticidade.
Pontos que precisam ser trabalhados: egocentrismo,
intolerância e impaciência.
Caminhos da Improvisação | 441
Melancólico

“Este temperamento é tímido, artístico e solitário. Os


melancólicos têm a sensibilidade muito aflorada, e são pessoas
profundas, detalhistas e introvertidas, com tendência a guardar
seus sentimentos. São fiéis, desconfiados e tendem a escolher
profissões que possam exercer sozinhos.
Pontos fortes: lealdade, dedicação e sensibilidade.
Pontos que precisam ser trabalhados: egoísmo, pessimismo
e inflexibilidade.”
Fonte: www.sbie.com.br

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
Os comportamentos se cruzam normalmente com outro
tipo, existindo o predominante e o secundário; às vezes alguns
atributos de um terceiro comportamento são detectados
também.
Na improvisação, os temperamentos saltam em evidência
a cada momento, na forma de construir e desenvolver um solo.
Pontos importantes a serem observados também são o início e o
final de cada solo, onde a natureza de cada músico fica evidente,
por suas escolhas e desenhos específicos. Significa como entra e
sai de uma cena na vida real e também na improvisação.
Todos os temperamentos, se entendidos, trabalhados e
aperfeiçoados, podem fazer grande diferença na atitude musical,
pois não somos estáticos, mas seres em constante evolução,
observando e comparando novos padrões aos valores que
conhecemos, praticamos e desejamos.

"A mudança e o aperfeiçoamento residem com


os humildes, pois estes demonstram o valor
da humildade na atitude de querer aprender."
Teste de temperamento musical

Você pode analisar também seu comportamento musical a


partir de temas com velocidades diferentes e harmonias tonais e
modais.
Tocar em forma analítica é um ótimo exercício de
autoconhecimento e pode trazer mais entendimento sobre sua
personalidade e a relação dela com a música.
Alguns temas são ambientes propícios para uma análise
de comportamento e de como você desenvolve suas ideias em
ambientes diferentes.

Analise suas ideias entre:


• Balada e um tema rápido de Jazz;
• um tema modal e um tema tonal;
• Samba Canção e Bossa Nova;
• Bossa Nova e Samba;
• Samba e Choro;
• Choro e Frevo;
• Frevo e Rock;
• Rock e Funk;
• Funk e Baião;
• Baião e Latin Jazz;
• Latin Jazz e Bolero;
• Bolero e Blues.
Caminhos da Improvisação | 443
Embora cada estilo, ritmo e andamento gere um novo
ambiente, você poderá perceber detalhes da sua personalidade
se repetindo em cada tema.
Você está lá o tempo todo, e sua imagem psíquica estará
impressa em cada detalhe, musicalmente, nas articulações,
fraseado, respiração, tempo de solo, expressões e uso de cada
oportunidade harmônica, rítmica ou melódica.
É um tipo de teste no qual você irá tirar suas conclusões por
toda a vida e não em apenas um momento.

Liderança

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
Liderança significa levar outros a fazer alguma coisa. Com
sucesso ou não, um líder exerce influência sobre outras pessoas
quando as convence sobre algum objetivo.
No meio musical, as lideranças se desenham de diferentes
formas, de pequenos a grandes grupos, ou mesmo lideranças
coletivas, isso quando vários líderes se reúnem em um grupo e
um influencia o outro, mas todos visando a um único objetivo.
Uma das principais características de um líder é o poder de
convencimento, expressando sua visão, mostrando fundamento
e ser uma via possível e confiável.
Musicalmente isso é sobre a execução de uma peça com
pouco tempo para estudo, uma gravação que traz desafios ou um
show com diferentes caminhos e que exigem mais de todos.
Um líder musical mostra a todos que o caminho proposto
é possível e que todos serão melhores ao final daquele trajeto ou
projeto, que há benefícios e a jornada não será em vão.
O tempo é escasso para todos e as pessoas costumam focar
em objetivos para chegar aos seus resultados, por isso existe
naturalmente o interesse em saber onde existe o ganho. Não
se assuste com isso, pois o ganho nem sempre será financeiro,
mas existem formas de ganho nas quais cada um foca seu
objetivo, sendo elas: aprendizado, prática coletiva, vida social,
ampliar conhecimentos, projetar a carreira artística e financeira
evidentemente.
Um líder consegue mostrar isso com um belo projeto, no
qual cada um visualiza uma forma de ganho, evolução e expansão
de sua carreira.

Liderança pode ser algo nato, vindo de berço, ou motivado

Acredito que todos temos a possibilidade de liderar e, em


algum ponto da vida, iremos levar pessoas a fazer algo livremente.
Você pode imaginar que não tem esse dom, mas, se observar
bem, já levou alguém a te seguir ou desenvolver algo com você.
O silêncio como atitude em relação a uma situação,
convidar alguns colegas de infância para jogar bola, ou abrir sua
casa para receber amigos e fazer um som, são pequenas atitudes
de liderança que certamente influenciam outros a realizar algo
com você.
Pais e mães também exercem grande influência sobre os
filhos e, mesmo acima do respeito natural que se conquista, é
comum que os pais influenciem os filhos por grande parte da vida,
permitindo a eles serem iguais ou melhores e depois exercerem
influência sobre os pais.
Não se perde a liderança quando um filho, um discípulo se
torna melhor, porque, se ele de fato se tornar um líder, saberá de
onde veio.
Caminhos da Improvisação | 445
Mestres formam mestres
Esse princípio de liderança não é um objetivo em si, mas um
caminho natural do saber e do conhecimento.
É comum que um aluno, depois de um tempo, seja mais hábil
que o mestre que o formou, mas, em um nível mais profundo, as
habilidades não farão um discípulo já mestre descreditar ou se
sobrepor ao seu mestre.
A gratidão e o respeito sempre acompanharão verdadeiros
mestres e o muito saber, desprovido dessas qualidades, só
amontoará um monte de técnicas e conhecimento.
Quanto mais a árvore genealógica cresce, mais profunda se
torna sua raiz. Isso quer dizer que o conhecimento caminha por

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
gerações e multiplica milhares de adeptos, passando por mestre
e mais mestres.
Um verdadeiro mestre não retém conhecimento, porque
sabe que este não lhe pertence. O princípio da liderança envolve
compartilhar, facilitar e motivar pessoas ao crescimento.
O medo de ser superado não é um atributo de mestres, mas
do egoísmo que assola algumas pessoas.
Antigamente, aqui no Brasil, o conhecimento não era
difundido da forma como é hoje. Não existia essa rapidez e
facilidade para conseguir uma informação, então os tempos eram
outros. Vivi algumas experiências de pessoas que me negaram
informação, possivelmente achando que aquele conhecimento
passado as faria menores ou me tornaria maior que elas.
Por outro lado, conheci pessoas maravilhosas que me
apontaram para os melhores caminhos, de forma generosa
fizeram o seu papel e, por isso, a elas sou grato até hoje.
Verdadeiros mestres apontam o caminho, não te sustentam
e podem não te acompanhar, mas te fazem enxergar por onde
tem que andar.
Existe um episódio interessante no filme Operação Dragão
(1973), com Bruce Lee, quando ele está com uma roupa típica de
mestres, andando entre as árvores e surge um discípulo. A aula
dura cerca de 1 minuto e 40 segundos, mas nesse período ele
direciona o garoto em três importantes conceitos:

• conteúdo emocional;
• aprender a se expressar;
• visão panorâmica.

Interessante esse exemplo, porque envolve direcionamento,


conteúdo e exige reflexão. Uma aula em menos de 2 minutos que
servirá por toda uma vida.
Mas a perspicácia também depende do discípulo.
Um masterclass de 3 horas ou uma aula individual de 60
minutos não garantem a atenção do aluno e que o conteúdo será
levado a sério, o que fará a diferença será a atitude do aluno ao
receber a informação.
Atenção, perspicácia e prática farão a diferença. Como
disse, o mestre aponta o caminho, mas cabe ao aluno caminhar.
Um episódio interessante e marcante aconteceu comigo
aos 13 anos, quando tive minha primeira aula na UnB com o
meu mestre Luiz Gonzaga Carneiro. Antes de ele chegar, eu
estava estudando alguns exercícios de técnica, como se fosse
um tipo de aquecimento. Ele chegou, passou por mim e nem me
cumprimentou. Minutos depois me chamou e disse assim: “Eu já
vi que você consegue tocar mil notas, agora vou te ensinar a tocar
uma com qualidade.”
Dos cinco anos que estudei com ele, talvez essa seja a frase
que mais me impactou, pois foi um divisor de águas para toda
minha trajetória. Mestres são como bússolas ou GPS: mostram o
caminho.
Caminhos da Improvisação | 447
Alguns alunos são viciados em muletas. Querendo
acompanhamento constante do professor, gostam de pagar
muitas aulas e adquirem o máximo de conteúdo em livros,
gravações e vídeos. Passam tempos e pouca coisa muda, porque
não buscam ser, mas apenas ter. Material não faz milagre, atitude
faz a diferença.
Existem músicos que desenvolveram a maestria de si
mesmos, aprendem com pouco conteúdo adquirido, mas
potencializam ao máximo o aprendizado fazendo da prática uma
energia vital.
No meio musical, o som é um tipo de voz, atitude e liderança.
Seu som pode agregar multidões, sua forma de tocar, seja com
muitas ou poucas notas, porque não é isso que está valendo, mas

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
o que leva as pessoas a buscarem o caminho em que você está é
a energia.
No mundo dos sons, somos guiados pelo conteúdo
envolvido em cada momento musical, em cada frase ou ideia.
Somos guiados por harmonias e ritmos, estilos e timbres.
É um material que, se percebido e identificado, poderá
mostrar a diferença do envolvimento das pessoas ao escutar
determinado tipo de solo.
Alguns músicos foram líderes em suas épocas e influen-
ciaram incontáveis outros músicos de instrumentos diferentes,
fizeram escola e hoje são estudados, fazendo com que o silêncio
das palavras fosse tomado pelo som de seus instrumentos.

"Um verdadeiro mestre não retém conhe-


cimento, porque sabe que este não lhe per-
tence. O princípio da liderança envolve
compartilhar, facilitar e motivar pessoas ao
crescimento."
"Eu já vi que você consegue tocar mil notas,
agora vou te ensinar a tocar uma com quali-
dade."

Onde está seu melhor, ali estará sua liderança

Uma forte liderança usará o seu melhor conteúdo para


levar outros consigo. Você pode fazer muitas coisas e ter várias
habilidades, mas seu melhor desempenho como líder será onde
está o seu melhor. A diferença está entre dar voltas com isso ou
enxergar de vez onde você tem melhores aptidões.

Líderes não desejam liderar, lideram. Chefes desejam


isso, mas apenas chefiam. Você pode ser um líder sendo chefe
e pode ser um chefe sendo líder: em alguns momentos chefiar
é necessário, mas não precisa de convencimento quando existe
o poder de mandar fazer. Mas ser líder é mais nobre, porque
envolve um outro tipo de poder, o da inteligência emocional para
convencer e motivar pessoas a fazer algo de forma espontânea.
Você pode conquistar a atitude de alguém pelo poder de mandar
fazer, mas inserir nelas uma ideologia e convicção é um tipo de
poder que apenas os líderes têm.

Nota do Revisor: O exemplo de vida pessoal do próprio Bruce Lee,


nas artes marciais, é incrivelmente adequado ao raciocínio que você vinha
desenvolvendo. A relação de Bruce Lee com o ensino e o aprendizado das
artes marciais confrontou a maioria dos então mestres. A relação que
ele vivia e propunha era a mesma que você estava demonstrando em
seu texto. Bruce Lee aprendeu com humildade, buscou mestres que lhe
negaram informações, mas, ainda assim, ele aprendeu empiricamente
nas lutas com grandes mestres, e depois ensinou com generosidade até
mesmo para rivais dele.
Caminhos da Improvisação | 449

"Na música, uma frase, um solo, um som vin-


do de alguém pode te fazer mudar o curso da
sua vida."

Como testemunho particular, posso dizer que sempre alterei


o curso da minha vida por meio do som da música. Não penso em
levar outros a pensar que isso seja verdade ou que passem a viver
assim, mas comigo foi assim que sempre aconteceu, pois a música
fala, me lidera e sempre me levou a novos pensamentos, fases de
vida e na tomada de decisões, sendo que as mais importantes foram
por aconselhamento apenas do som.

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
Alguém, em algum momento, será o primeiro a perceber
a necessidade de uma mudança ou de fazer algo, outro saberá
como fazer isso; dos dois, aquele que tomar a primeira atitude,
esse será o líder. Pois aquilo precisa acontecer e as portas estão
abertas, mas a diferença está na atitude e não só em saber que
tem que fazer.

"Quem lidera um movimento musical, lidera


por ser o melhor ou por ser o primeiro a fazer."

Tomada de decisão

Outro ponto fundamental que faz parte da vida de um


improvisador é que ele é um tomador de decisões constantemente.
A cada nova respiração, existe uma sequência de
desdobramentos acontecendo e que, em décimos de segundo,
decisões e prioridades precisam ser tomadas.
INCONSCIENTE

MEMÓRIA SUBCONSCIENTE

CONSCIENTE

PLANEJAMENTO

RAZÃO ORGANIZAÇÃO

RACIOCÍNIO

INSTINTOS

VOCÊ EMOÇÃO SENTIMENTOS

CORPO ÓRGÃOS

LINGUÍSTICA

LÓGICA

MOTORA

INTELIGÊNCIAS ESPACIAL

MUSICAL

INTERPESSOAL

INTRAPESSOAL
Caminhos da Improvisação | 451

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
TECIDOS CÉLULAS MOLÉCULAS ÁTOMOS
"Líderes não desejam liderar, lideram."

Conheça sua empresa


O presidente: Você.
Diretorias: Razão e Emoção.
Gerências da Razão: Planejamento, Organização,
Raciocínio.
Gerências da Emoção: Instintos, Sentir, Fé.
Departamentos: Memórias, Inteligências.
Núcleos: Corpo, Sistemas, Órgãos, Tecidos, Células,
Moléculas, Átomos etc.
Essa ordem pode ser um pouco diferente quanto à
estruturação, mas é possível entender melhor como nosso corpo
desempenha um incrível trabalho de organização para que tudo
funcione da melhor forma possível. São subdivisões infinitas que
se organizam de acordo com nossos pensamentos, sentimentos
e decisões.
A percepção do tempo-resposta na improvisação só
melhora com maior domínio técnico e prática, fazendo com que
a mente entenda que os passos a seguir são conhecidos. Quando
os passos a seguir são desconhecidos, a tendência é esperar,
desesperar ou não fazer nada.
Por isso o controle e a inteligência emocional dependem
do conhecimento, organização de ideias e prática habitual sobre
toda informação que pode ser utilizada.

"No meio musical, o som é um tipo de voz,


atitude e liderança."
Caminhos da Improvisação | 453
Técnicas para tomada de decisão

Uma pergunta das mais comuns feitas a qualquer solista é:


O que você pensa quando improvisa?

É uma pergunta ampla, pois na verdade cada um tem


o nível de coisas que organiza para pensar. Se dividirmos por
departamentos e hierarquias, um gestor de empresa despacha
quase sempre o que é mais urgente ou importante e assim monta
sua linha de despachos.
Cognitivamente, um improvisador não pensa em tudo ao
mesmo tempo. Seria impossível, mas cada um tem suas visões e
entendimentos musicais. Existe ainda um fato que certamente é

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
comum a todo solista, que são as camadas de conhecimento.

Camadas de conhecimento
Assim como uma empresa tem um presidente, esse
presidente não decide sobre bater um martelo, levantar tijolos
e sua quantidade diária, fazer o pagamento de funcionários ou
telefonar para fornecedores.
Todos esses são papéis desempenhados por setores a ele
subordinados. Normalmente, esse presidente decide por aquilo
que está mais em evidência e que tem a ver com a imagem
da empresa, seu futuro, aceitação e rejeição no mercado,
concorrência e outros assuntos de ordem estratégica.
Na improvisação, também existem camadas que no princí-
pio são as mais importantes e depois se tornam automáticas para
a execução. À medida que o conhecimento e domínio aumentam,
os pensamentos e prioridades mudam e assim por diante.
Até o momento em que o pensamento é elevado para níveis
mais abstratos.
Níveis de pensamento

Uso aqui uma ordem que se divide por nível de visão, muito
aplicada em empresas e corporações:
1. fundamental;

2. técnico;

3. conceitual.

Fundamental

O nível mais básico e superficial a ser desenvolvido.


Nesse nível o pensamento se resume a guardar primeiras
informações, que no caso da improvisação seriam:

• escalas;
• arpejos;
• conhecimento de acordes;
• identificar mudança e tipos básicos de acordes ao ouvir;
• memorizar temas.

Técnico

O nível técnico surge quando as primeiras informações já


não são mais uma preocupação ou matéria de pensamento. Tudo
já ficou automatizado e a mente agora se prepara para novos
desafios, como:

• aplicabilidade harmônica e diversidade rítmica;


Caminhos da Improvisação | 455
• escolha das melhores escalas para cada acorde;
• fraseado claro e organizado;
• desenvolvimento dos solos em níveis progressivos;
• desenvolvimento de linguagem para cada estilo.

Conceitual

O nível conceitual traz consigo uma diferença em relação


aos dois iniciais, que é o pensamento filosófico, estratégico e mais
virtual, não dependente apenas de informações musicais. Na
maioria do repertório aprendido, já é possível exercer os detalhes

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
dos outros dois níveis:

• visão estratégica do solo;


• organização de estruturas;
• fluência na comunicação;
• pensamento temático em níveis filosófico, espiritual,
psicológico e abstrato;
• emoção e razão em equilíbrio.

Algo interessante é que o nível conceitual pode ser


alcançado diversas vezes sem que se tenha o domínio completo
das áreas do nível técnico, e mesmo quem transita bem no nível
conceitual nem sempre se mantém em cada solo nesse nível, por
vezes transitando também muito no nível técnico.
A música traz essas surpresas a cada solo, no qual você
pode decolar em um momento e no outro não parar de dar voltas,
porque são muitas variáveis influenciando interna e externamente
para que as coisas funcionem como você imagina ou espera.
Você pode espernear e não sair do lugar em um solo e, em
outro, talvez você encante a plateia. É uma verdadeira loteria, mas
pode ser bem reduzida com maior domínio técnico e conceitual,
porém, quanto maiores são as variáveis, mais dependente de tudo
será o seu solo, pois, ainda que dependa tecnicamente apenas de
você, o resultado final depende sempre da construção e harmonia
de todas as coisas que estão ligadas ao que você constrói.

Então, voltando ao princípio da pergunta sobre o que um


solista pensa ao improvisar, aí estão alguns parâmetros e linhas
de pensamento, nos quais existem camadas de raciocínio que se
sobrepõem às outras já aprendidas e claramente perceptíveis na
execução.

A cada nova respiração, existe todo esse mundo descrito,


comparado a uma empresa onde você é o presidente e tomador
de decisões, e também existem essas camadas de conhecimento
onde estará sua atenção.

Sobre sua gestão criativa


1. Mantenha sua mesa limpa;
2. organize e controle sua emoção, mas não reprima, pois ela
é o combustível vital na improvisação;
3. pense, organize, projete, mas não faça de seu solo apenas
uma conta matemática, pois a música precisa fluir;
4. arriscar é importante, mas conhecer os seus limites previne
grandes desastres;
5. alguns funcionários são úteis no seu devido lugar, mas,
se desejam assumir lugares onde não têm competência
para agir, tornam-se nocivos para uma empresa, e assim
Caminhos da Improvisação | 457
também alguns sentimentos e raciocínios. Controle-os e
não seja controlado por eles, você é o tomador de decisões.

PERCEPÇÃO | Autoconhecimento
Legado
Alguns pés de jabuticaba só dão a sua primeira safra
depois de 12 anos. Algumas coisas você planta e outros
colhem, mas você está colhendo o que todos plantaram.

Estou no ano de 2017. Nesse momento, olho para trás


no tempo e sinto um enorme privilégio e responsabilidade, por
entender o que até aqui chegou para nossa geração. Estamos no
ápice do que foi produzido até agora de conhecimento, tecnologia
e todos os tipos de riquezas na história da humanidade.
Infelizmente, conta-se também a bifurcação do lado
negativo, pois a história do joio e do trigo se mostra verdadeira
quanto ao que se produz de bom e de ruim, com qualidade e
ausência dela.
Musicalmente recebemos aqui no Brasil a contribuição de
inúmeras culturas que nos ajudaram a formar o mosaico artístico
que temos hoje: de forma predominante, a música africana e a
europeia até meados do século XIX, e a música norte e latino-
americana até os tempos de hoje.
A música brasileira hoje respira a cultura do seu povo
e também a questão da aldeia global, onde as culturas se
encontram, mesclam e se fundem formando novos dialetos
idiomáticos e musicais.
Hoje vivemos intensamente, no nosso cotidiano, o som
da música eletrônica como resultado dos últimos 50 anos e
podemos sair num sábado à tarde para escutar uma boa roda de
Choro, à noite durante a semana alguns lugares tocam Bolero,
Caminhos da Improvisação | 459

24
enquanto boates tocam música dos anos 80. Bares com quartetos
de Jazz instrumental, e às vezes um concerto de música clássica
é executado por uma orquestra sinfônica ao ar livre. Grupos de
dança se organizam para Salsa, Frevo e Samba. Essa dinâmica
varia de cidade para cidade.
Existe lugar para a boa música em todas as cidades. O
mercado é amplo, cruel em vários sentidos, mas a música sempre
encontra seu oxigênio por meio de heróis que se sacrificam para

PERCEPÇÃO | Legado
elevar a bandeira da arte em meio a lutas, contrariedades do
sistema econômico e social. A educação aqui no Brasil passa por
uma fase de grandes mudanças, em que temos dúvidas em saber
para qual lado estamos caminhando.
No mundo da improvisação, estamos ávidos e respiramos
ainda o som produzido pelos mestres de todos os instrumentos
nos últimos 100 anos. Gravações surgindo e nos mostrando pela
música o quanto eles fizeram em condições tão diferentes das
nossas atuais.
Cada artista, em sua época, levou o bastão até onde
conseguiu, e esse bastão seguiu e se multiplicou por tantos
países, como se fosse uma tocha olímpica que precisava viajar
pelos tempos e não apenas geograficamente.
Músicos de todas as épocas deram suas vidas pela arte e
deixaram verdadeiros presentes sem ao menos imaginar aonde
sua música chegaria.
Muitos desejaram viver o que vivemos hoje, essa facilidade
em obter informação, em ter acesso ao que mais admiramos,
mas eles foram heróis porque produziram o conhecimento que
hoje é estudado. Fizeram muito com o pouco que tinham e
multiplicaram o poder da música por meio de seus talentos. São
tantos nomes, infindáveis nomes que não caberiam neste livro.
Uma árvore genealógica que não vem apenas do Jazz ou Choro,
da Salsa ou da música europeia. Somos hoje o resultado não
apenas daquilo que nos fascina e está em nossos fones de ouvido.
Uma música faz menção a outra música de outra época,
um estilo agradece ao outro que lhe concedeu vida, e assim o
conhecimento tem caminhado por tempos longínquos, desde a
descoberta dos sons musicais como ferramenta de comunicação
e expressão humana.
Imaginar que grandes nomes não pela fama, mas pelo seu
esforço contribuíram para o que temos hoje, não recebendo
reconhecimento devido, mas inserindo em sua época novas
informações nesse mosaico que se constrói pelos tempos, traz
de fato um sentimento de gratidão, respeito e compromisso em
querer carregar um pouco desse bastão.

Tendências
A importância da música para a humanidade está longe de
ser reconhecida e de receber o investimento que deveria em tantos
países. Vemos em filmes, na história e no cotidiano que o respeito
pelos profissionais musicais nunca foi um padrão a ser copiado
para outras profissões, mas o que sempre nos perguntamos é: o
que seria do mundo sem a música?
Embora a indústria da música produza milhões em vendas
de shows e espetáculos e anteriormente o faturamento fosse
pelas gravadoras com vendas de milhões de CDs e LPs, o Estado
ainda carece de uma mudança de ideologia quando o assunto é
Caminhos da Improvisação | 461
música.
Aqui no Brasil, invejamos o ensino musical de outros países,
tanto os que são menores e vivem uma economia deficiente,
quanto os que são maiores e dominam o mercado internacional.
Não é possível comparar a aplicação, eficiência e resultados
produzidos no ensino musical de países como Chile, Venezuela,
Argentina, EUA, Cuba, França, Espanha, Portugal, Alemanha,
China, Japão, Rússia e outros tantos.
Estranhamente o nosso país vive inúmeros paradoxos
quanto à realidade musical. Temos a melhor música do mundo,
em matéria de melodias, harmonias e diversidade rítmica. Não
temos a elevação pela imprensa de forma maciça com o que se
produz de tão bom na música de qualidade aqui.
Somos sufocados pela ideia de que música de qualidade

PERCEPÇÃO | Legado
não vende e somente a música feita para massas é que pode
vender. Claro que isso faz parte de uma rede mundial que engloba
não somente a produção de música, mas de alimentos, remédios,
eletrônicos e outros produtos, visando à alta produção, com mão
de obra barata e vendas em grande escala para todo o mundo.
Nossa música se pasteurizou muito nesse aspecto, e assim o tipo
de música que é produzida com sofisticação e de forma substancial
tem um espaço bem menor nos veículos de divulgação.
Com todo esse contexto global, ainda temos, nas marginais
da fama e no mercado hoje independente, a oxigenação da
criatividade, produção de inúmeros trabalhos que perdemos as
contas e que cada dia surgem nas redes sociais como música
e mercado alternativo, ganhando cada vez mais espaço e um
público que busca de fato a essência das coisas.
A improvisação vive acima de tudo isso. Acima das
dificuldades da economia, educação, espaços culturais e
preconceitos, hoje temos o melhor cenário de músicos no país, o
qual nunca tivemos.
Evolução
A informação que recebemos dos nossos antepassados foi
decodificada para a realidade atual, multiplicando-se e tomando
formas diferentes.
Embora no Brasil a improvisação não tenha evoluído em
paralelo à evolução que ocorreu no Jazz desde os anos 20, nos
últimos 50 anos esse caminho da improvisação tem desenvolvido
a sua própria história por aqui.
Talvez por uma questão sistêmica de formato musical, pois
o Choro obedeceu ao formato rondó, em AABBACCA, tornando
a música bem extensa e também por suas ricas características
melódicas que já soavam um lindo desenho melódico, mas sem
a ênfase na improvisação em cima de toda a obra, tanto que, de
forma geral, é assim até hoje, e normalmente se escolhe uma
parte para improvisar.
As improvisações eram em torno de melodias que
rodeavam a melodia principal e vários ornamentos como trinados,
apogiaturas, mordentes, grupetos e glissandos, por exemplo.
Já o Jazz se constituiu de duas partes em geral, com temas
menores nos quais a ênfase era a improvisação com base na
harmonia, na qual os temas eram predominantemente de 12
compassos para Blues e 16 ou 32 compassos obedecendo a formas
variadas como AABB e AABA, sendo o Blues a base ou a alma de
toda improvisação.
Com a sistematização do estudo da improvisação, muitos
termos técnicos vieram à mesa e o conteúdo que antes era criado
musicalmente e vivido nos bares, casas de shows e nos palcos do
mundo, passou a ser estudado, aprendido, replicado e convertido
em escolas e classes de Jazz por todo o mundo, despertando o
interesse de muitos brasileiros pela formação jazzística. Muitos
frequentaram a Berklee College of Music, fundada em 1949, e
Caminhos da Improvisação | 463
trouxeram novos conhecimentos para a música popular brasileira,
inserindo conceitos e a cultura da improvisação norte-americana.
Essa se tornou uma via diferenciada para a música popular
brasileira, pois além do Choro, que é predominantemente instru-
mental, o Jazz passou a ser uma realidade no Brasil.
Mas a improvisação jazzística se fundiu e a linguagem
ganhou espaço de fato na MPB, desde a Bossa Nova, no Samba
e, nos anos 70, no Soul, Funk e música eletrônica. Nos anos 80, a
improvisação passou a fazer parte das bandas de Rock e Fusion,
onde a música instrumental também encontrou espaço. Paralelo
a isso, o Choro mantém o seu padrão e as possibilidades da
improvisação ganham espaço em diversos estilos da MPB, mas
não apenas a improvisação jazzística. Músicos como Hermeto
Pascoal, Egberto Gismonti, Toninho Horta acrescentaram

PERCEPÇÃO | Legado
grande contribuição à percepção da improvisação brasileira,
não enfatizando o fraseado norte-americano, mas garimpando,
da própria MPB, improvisação com base em melodias e ritmos
característicos da nossa música.
A cultura do Brasil em abraçar povos diferentes, abrir as
portas e fundir culturas também prevaleceu para a improvisação,
pois todas as linhas que apareceram de novos estilos e ritmos
ofereceram espaço para a improvisação.
Caminhando em paralelo e conquistando seu próprio
espaço, o Choro, Blues, Rock, Samba, Swing, Bebop, Fusion,
Baião e Frevo se tornaram campo fértil para que a liberdade de
expressão criativa da improvisação ganhasse seu espaço em
vários caminhos diferentes, tanto na música instrumental quanto
na música cantada.
De forma genérica e bem brasileira, é possível dizer que o
conceito de improvisação do Jazz nos conquistou, assim como
nossos ritmos, melodias e harmonias conquistaram os povos do
mundo.
Se existem escolas de Jazz em todo o mundo, estão surgindo
também, aos poucos em vários países, formas de conhecer e
estudar a música brasileira, por meio de clínicas, workshops e até
disciplinas em diversas faculdades. Nessa troca de informações,
ganham todos os envolvidos com o conhecimento produzido e
aprendido.
A improvisação ganhou um caráter sistêmico, músicos
reviraram as notas com fórmulas matemáticas, inspirações
espirituais, filosóficas e até cosmológicas sobre as possibilidades
de lidar com esse fenômeno da liberdade.
Se, por um lado, a liberdade faz sem se preocupar com nomes
e teorias, o conhecimento e a manipulação das possibilidades
aprendidas criam um tipo de ciência em que a inteligência musical
une o saber e o sentir apontando para um futuro que iniciou na
segunda metade do século XX.
Toda geração imagina não ser possível avançar tanto mais
do que aonde já chegou e entende ser o seu momento o ápice de
tudo que já se fez, mas a história sempre nega essa percepção.
Tanto para os apocalípticos de todas as épocas, que sempre
imaginaram um fim iminente, quanto para os egocêntricos que
acreditaram ter chegado ao topo das coisas, a vida e sua evolução
parece sempre negar essas duas hipóteses.
Embora não saibamos até quando existiremos como
espécie, imagine-se vivendo no século X, d.C., e alguém falando
sobre celular, computadores, e-mails, playbacks, escalas
diminutas, tons inteiros, outsiders e sobreposição de acordes!
Seria inimaginável e uma completa loucura ousar pensar
nesses nomes caso alguém do futuro viesse nos falar. Um simples
trítono na idade média já era conhecido como o som do diabo.
Imagine então quão distantes e arcaicos estamos de
novas informações, conhecimento e de fazer música para daqui
Caminhos da Improvisação | 465
a 300 anos!!! Alguém vai pensar que não existiremos mais. Ei!
Toda a humanidade já pensou assim também. Quem não parou
de produzir, evoluiu, mas quem ficou vivendo de expectativas
apocalípticas parou no tempo e deixou de fazer muita coisa boa,
isso em todas as áreas.
Por isso acredito que o simples não saber o que se faz tem
o seu valor, mas o saber também tem, porque o conhecimento
liberta da escravidão da ignorância.
A união entre o sentir e o saber aponta para o futuro,
quando a consciência humana poderá viver uma nova realidade
de percepção, e quando inovações serão bem-vindas para nos
mostrar tecnologias diferentes.

"Somos um universo, se olharmos para den-

PERCEPÇÃO | Legado
tro, e ao mesmo tempo o universo nos carrega
como infinitas partículas"
A forma como lidamos com a improvisação sofrerá rupturas
e possivelmente mergulharemos em um novo conhecimento
sobre o que temos dentro de nós, aprenderemos a fazer isso e
projetaremos os novos sons musicais de forma mais consciente
e ao mesmo tempo com emoções mais avançadas, resolvidas e
evoluídas.
Vivemos ainda o radicalismo entre a música acústica e a
eletrônica, embora exista fusão das duas formas desde os anos
70, mas temos puritanos e libertários, segregadores e pacifistas
musicais. No futuro essa realidade poderá ser diferente, havendo
mais formas de manifestação, porém com maior harmonia de
convivência e produção.
Estamos ainda na adolescência da nossa espécie, vivemos
confusões mentais, rebeldias e incertezas, mas poderemos viver
diferente no futuro; não nós que hoje aqui estamos vivos, pois
veremos poucas mudanças, mas falo da espécie.
Os próximos viverão aquilo que plantamos hoje, aquilo que
fazemos de melhor e de pior.
Nossa contribuição em um solo, em uma gravação ou no
material produzido pode não chegar tão longe e se perder no
meio dos tempos, pode ser esquecida, mas chegará até outras
gerações que farão uso do que fizemos hoje, e assim o bastão do
som, da inspiração e da mentalidade musical humana caminhará
pelos tempos.
É como imaginar um único quark do nosso corpo. Eu não sei
o que ele faz, sua consciência e sua contribuição para minha vida,
mas sem sua existência eu não poderia ser o que sou. E nem você.
Da mesma forma são os antepassados! Nós somos o
resultado do que eles plantaram, do seu suor, das suas dores e
alegrias, de suas dúvidas, medos, realizações, fé, esperança
e amor. Somos apenas um só de forma vertical, e horizontal,
no tempo, no espaço e assim no universo e na história. Por
sermos minúsculos no universo, dividimo-nos e criamos nossas
dissidências, mas, se esse universo inteiro representasse apenas
um grão de areia, onde estariam nossas glórias e derrotas? Quem
seríamos? Não seríamos vistos como nos vemos hoje.
Essa analogia expressa um tipo de filosofia na qual é
possível enxergar além do agora e acima do que pensamos ser.
Somos um universo, se olharmos para dentro, e ao mesmo tempo
o universo nos carrega como infinitas partículas; sim, ele está em
movimento constante.
Por que esse pensamento? Porque esse livro fala sobre você
praticar e aprender a tirar o melhor de você.
Você não retira o melhor de você apenas sendo músico,
mas sendo humano.
A música expressa a vida e você sempre irá expressar o que
é em essência, ainda que não perceba.
Caminhos da Improvisação | 467
Sua experiência com a criatividade te ensinará muito sobre
liberdade de uma forma especial, em que você será autor de
inúmeras histórias, interessantes ou não, mas sempre contando
histórias, pois improvisar é isso. É dizer sobre você, sobre o
mundo e sobre a vida.

Encontro de gerações
O choque de gerações é inevitável e sempre trouxe grandes
mudanças de mentalidade. É claro que os novos sempre chegam
com mais energia e sangue novo, pois trazem algo mais apurado
na carga genética e no conhecimento pela ampla capacidade de
absorção. Porém, a diferença, hoje, de informações e avanços
de uma geração à outra, nos últimos cem anos, trouxe um

PERCEPÇÃO | Legado
distanciamento de mentalidades, visão e surgimento de maiores
conflitos sociais e ideológicos.
Crianças conquistando o mundo com dons superdesenvol-
vidos e idosos tentando se ajustar a novas tecnologias, jovens en-
trando para o mercado de trabalho com a sede de leões na selva,
em choque com senhores experientes que passaram por cami-
nhos até mais difíceis em outras épocas.
Jovens que não entendem antigos, por supor que os antigos
sabem menos ou são lentos para entender informações; ao
mesmo tempo, antigos que já conhecem muitos atalhos, gastam
menos energia, aprenderam a enxergar a vida e seus valores
de uma forma mais apurada e, com isso, desdenham do vigor e
capacidade dos jovens, ou tentam brecá-los.

"Os jovens podem olhar para o passado e


projetar o futuro, e os antigos podem olhar
para o futuro sem se desfazer do passado."
Inteligência e Sabedoria
Reflita um pouco sobre a mistura da inteligência com a
sabedoria, pois a inteligência traz os novos conhecimentos,
enquanto a sabedoria conhece a essência da vida. A mistura
entre a velocidade para correr no labirinto da vida e a memória
dos atalhos que levam ao mesmo destino. A mistura entre a força
de fazer e o conselho sobre como fazer.
Aos jovens é importante observar a história passada e fazê-
la ser melhor, caso aprenderem com a vida dos antigos, seus erros
e acertos; caso contrário, ela poderá se repetir por gerações.
Aos antigos é importante acreditar na história futura e
passar o conhecimento aos jovens, para que também a história
não se repita por gerações.
Os jovens podem olhar para o passado e projetar o futuro, e
os antigos podem olhar para o futuro sem se desfazer do passado.
Esse misto do tempo, do vai e vem das coisas, do passado e
futuro em relação com o presente propicia melhores experiências
no cotidiano.
Mais colaboração, aceitação e convivência podem apontar
para um futuro diferente, quando os antagônicos convergem
para um mundo melhor.
Musicalmente existe a troca de experiências e a harmonia
dos extremos, que também pode gerar novas e melhores
realidades a todo o tempo.
A guerra das muitas notas com as poucas, o julgamento do
tocar com o coração ou intelecto, sentir ou saber, tocar quente ou
frio e demais extremos precisam apontar para uma novidade que
pode ou não ser vivida por muitos que estão abertos ao novo.
Tudo é uma questão de poder e vaidades!
Caminhos da Improvisação | 469
Uns querem o bastão antes do tempo, e outros não querem
largar o bastão.
As misturas são tantas em nossa realidade social que
existem velhos preparando lanches em micro-ondas e jovens no
forno a lenha. Jovens usando suspensórios e velhos se tatuando.
Os jovens estão buscando a música tradicional, o Bebop,
o Choro e o Bolero, enquanto velhos estão nas programações
eletrônicas ou sons mais alternativos. Jovens cavando o passado
e velhos abrindo as cortinas do futuro.
Tudo isso mostra um processo de ajustamento entre
as diversas fusões, o encontro das eras como nunca houve,
convergindo aos poucos para uma nova imagem de vida humana.
A música do futuro não conhecemos, embora alguns

PERCEPÇÃO | Legado
já estejam nela, já tenham transitado nela, mas em meio a
tanta badalação midiática das apelações, essa música não foi e
dificilmente é percebida.
A improvisação do futuro sempre foi tateada pelos grandes,
alguns foram entendidos, outros não, mas sempre existe uma
porta a nossa frente chamada futuro, na qual podemos bater,
entrar e de lá trazer novas experiências.
John Coltrane desejava curar pessoas pela música e, até
se alguém estivesse com algum problema, isso seria resolvido
ao som da música – ele buscava isso. Tateou o futuro, anos a
sua frente, se desconectou do que podia fazer dele um pop star,
mergulhou em seu interior e de lá nos revelou o futuro, 40, 50 e
100 anos à frente.

Miles Davis negou a permanência nos estilos em que foi


aceito, ousou quebrar a casca de ovo várias vezes e nos revelar
novos mundos musicais.
Ao passo que Wynton Marsalis, na metade da segunda
década de vida, resolveu olhar para os princípios e raízes do Jazz,
preservando os valores para novas gerações.
Aqui no Brasil, muitos têm mesclado raízes com inovações,
tomando como base formas e contextos da música clássica com
o Choro, como é o caso dos Caprichos de Hamilton de Holanda.
Outros como Carlos Malta garimpam as raízes dos sons indígenas
e transformam em linguagem acessível, difundindo assim culturas
das nossas origens brasileiras. Marcio Montarroyos também fez
isso em pelo menos dois de seus álbuns.
A improvisação no Brasil passeou pelos Chorinhos de Se-
verino Araújo e sua Orquestra Tabajara, encontrando lugar no
Frevo que o Maestro e Saxofonista Spok resgatou e lançou para
o futuro levando para diversos países do mundo com sua Or-
questra.
A criatividade e liberdade encontrou a voz de Elis Regina,
levou Rosa Passos ao ápice do reconhecimento junto aos
grandes do Jazz. Do próprio Jazz, fez nomes como Pat Metheny,
Herbie Hancock, Wayne Shorter, David Sanborn, John Patitucci
e outros se encantarem com as riquezas musicais de Milton
Nascimento, Djavan e Toninho Horta. Miles Davis se encantou
com a música de Hermeto Pascoal, e as Orquestras de Wynton
Marsalis e Spok se encontraram nas ruas de Olinda celebrando
o Jazz e o Frevo. Arranjos de Vittor Santos no Lincoln Center,
Michael Brecker interpretando Flávio Venturini e Mike Stern
com Arthur Maia, um francês que veio para o Brasil pela nossa
música, o saxofonista Idriss Boudrioua e o brasileiro que morou
em Cuba por amor à música cubana, o trompetista Moises Alves.
O Jazz se casou com o Samba e nasceu a Bossa Nova: Stan
Getz e João Gilberto gravaram em 1964 e, trinta anos depois, em
1994, o Maestro Tom Jobim e Pat Metheny tocam Insensatez no
Carnegie Hall.
Chucho Valdez e sua banda Irakere com Ivan Lins, que
também gravou álbum com o trompetista Terence Blanchard.
Paquito D’Rivera com o Trio Corrente conquistando o Grammy,
Caminhos da Improvisação | 471
Joshua Redman com o Maestro Letieres Leite e sua Orkestra
Rumpilezz, o jovem e virtuoso Pedro Martins conquistando
prêmios internacionais e viajando o mundo com o experiente
Kurt Rosenwinkel. Wynton Marsalis interpretando Pixinguinha
– quem podia esperar isso? Hamilton de Holanda conquistou
esse feito.
No Jazz, Art Blakey convidou o nosso Victor Assis Brasil
para seus Jazz Messengers, Claudio Roditi viajou com a Orques-
tra do grande Dizzy Gillespie, e um Bombeiro de Brasília teve
suas composições gravadas por Bob Mintzer, Chris Potter e John
Patitucci.
Assim vemos o zigue-zague e o entrelaçamento dos sons,
como se fosse um novo DNA musical que se forma, em que a
música passa por milhares de artistas e parece nos mostrar que

PERCEPÇÃO | Legado
ela tem livre acesso no tempo-espaço, fazendo as dobras do
tempo que a tecnologia ainda aguarda por novas descobertas
para tornar realidade.
Sabedoria e Inteligência não dependem de idade para se
manifestar. É como o sentimento de velhice ou jovialidade: exis-
tem idosos querendo viver e jovens querendo morrer.
A improvisação musical é o caminho que manifesta a li-
berdade do pensamento, emoções e a conexão entre pessoas
e épocas. Ela diz o que somos e nos conta as histórias do pas-
sado, anuncia o futuro e nos faz viver melhor e intensamente o
Agora, ao qual chamamos Presente.

"A improvisação musical é o caminho que


manifesta a liberdade do pensamento"
CODA
Caminhos da Improvisação | 473

HARMONIA | Harmonização das Escalas


Meu caminho
Iniciação
Meu primeiro contato com música foi motivado pelo
meu pai. Ele tocava bombardino na banda do Colégio Centrão
em Planaltina, Distrito Federal, e me levou com minha mãe ao
concerto da banda. Eu tinha 2 meses de idade e o Professor
Limeira, maestro da banda, disse que eu era muito novinho para
ser levado a uma apresentação. Depois eu fiquei conhecido como
o garoto da caixa de sapato, por causa desse episódio. Quando
tinha 6 meses de idade, meu pai disse para minha mãe que eu
seria músico e ele iria comprar um radinho de pilha e colocar para
eu escutar música todos os dias.
Minha primeira lembrança foi aos 5 anos de idade
acompanhando meu pai no ensaio da Banda Sinfônica de
Brasília, regida pelo Maestro Reynaldo. Eu vi mais de 50 músicos
empenhados em uma mesma música. Partituras e ensaios de
horas sempre aos sábados à tarde. Meu desejo foi de participar
também daquele laboratório, pois ali havia algo mágico.
Ver meu pai estudando em casa os métodos e chorinhos
todos os dias na clarineta foi o impulso real de que eu precisava
para decidir o que eu queria ser por toda minha vida.
CODA

Ele me deu minha primeira aula de música quando eu


tinha 7 anos de idade. Ensinou-me a solfejar, reconhecer as
alturas diatônicas e cromáticas. Esse foi meu princípio, e até hoje
considero que o solfejo é a minha essência como músico.

"Eu queria ser melhor que eu todos os dias."

Aos 10 anos, entrei no SESI, para estudar clarineta. Eu


tinha uma meta, que era estudar todo o Klosé, método francês
de clarineta, e assim eu estudava por toda a manhã no SESI e à
noite em casa, sempre que chegava das aulas da escola. Chegava
a estudar de 8 a 10 horas por dia, não ligava para finais de semana
e nada me tirava o foco. Eu queria ser melhor que eu todos os
dias. Esse se tornou meu objetivo de vida.
Lembro-me da primeira vez em que ouvi Jazz. Foi em 1987,
eu tinha 11 anos, e o trompetista Paulinho de Castro, filho do
Zenon (in memoriam), maestro da banda do SESI, sempre me
emprestava um saco com umas 20 fitas cassetes, contendo várias
gravações, de todo tipo. Ouvíamos juntos por horas e sonhávamos
em um dia tocar como aqueles virtuosos.
Eu tinha pouco mais de 6 meses que estudava clarineta,
e meu pai, meu primeiro professor e clarinetista da Banda da
Polícia Militar, gostava de ouvir música clássica e estudar aquelas
peças com muitas semicolcheias, do tipo, Fingal’s Cave, Oberon
e Capricho Espanhol, chorinhos como André de Sapato Novo e
Chorando em São Paulo. Tinha discos e mais discos, e aquilo me
influenciou a gostar da música erudita, que para mim se tornou
um grande objetivo de vida. Essas mesmas músicas foram as
primeiras que comecei a querer tocar, e mal sabia ele que estava
injetando em mim uma alta dosagem de perseverança e amor
pela música, e claro, pelas semicolcheias. Mas aí o Paulinho me
deixou dois LPs do Wynton Marsalis, e me disse:
– Junior, são dois irmãos que tocam Jazz, Wynton e Branford.
Logo quem?
Era noite e eu estava curioso para saber o que era Jazz,
que som era e como soava. Ele me disse que eles improvisavam
o tempo todo, e então eu queria saber o que era improvisar.
Enquanto isso, minha realidade era de estudar as 633 lições de
mecanismos do método do Klosé, e tocar na banda do SESI.
Estudava lá todos os dias pela manhã e ensaiava aos sábados.
A primeira música que eu ouvi, era a que dava o título do
disco, Black Codes. Aquilo era inominável! Que loucura! Quanta
técnica, notas rápidas e um ritmo que eu demorei anos para
entender. Minha cabeça fritou em poucos minutos, mas uma coisa
ficou gravada em mim, eu queria decifrar aquilo! Que contraste
para um disco que se chamava Black Codes!
Foi um grande Big Bang na minha cabeça, e ela mudou!
Timbres, dinâmicas, graves e agudos impactantes, que na
hora eu não tive a menor capacidade para entender o que estava
acontecendo. Ali foi meu nascimento e batismo no Jazz. Não
entendi nada, mas gostei! Afinal, o desconhecido sempre atrai
curiosos.
Caminhos da Improvisação | 477
O outro disco era Think of One, e com esses dois LPs, eu nem
imaginava que estava ouvindo o que tinha de melhor e mais atual
no mundo do Jazz. Esses discos ganharam o Grammy na época.

O Batismo
Eu não fui instruído a ouvir aquilo, não tinha ninguém por
perto e não havia mestres acessíveis para dizer o nome daquele
som e que ali era uma combinação de ritmos, acordes e melodias
que eram influenciados pelos mestres do Jazz e que depois
influenciaria as próximas gerações.
Foi uma grande experiência, e então, minha percepção

CODA | Meu caminho


auditiva foi ampliada. O som estava falando comigo e dizendo
que a música não tem limites.
Porém, da mesma forma que uma criança é batizada
e não sabe o significado daquilo até se passarem muitos
anos, eu também passei algum tempo no que chamo de fase
primitiva musical. A fase em que tudo é obscuro e você não tem
entendimento de quase nada. Quase nada tem nome, e você não
sabe para que rumo o som vai.
Harmonia, para mim e entre minha comunidade musical,
era um mundo à parte, e que ninguém ousava acessar. Era como
se tivesse um aviso no cérebro dizendo: Não ultrapasse! Todos
meus amigos eram músicos de sopro e não ligados ao estudo de
harmonia.
Os músicos que são iniciados hoje na improvisação na minha
cidade, Brasília, dificilmente sofrerão por falta de informação,
pois, com o advento das redes sociais, aplicativos, demais sites
de acesso ao mundo dos áudios, vídeos, e ainda o grande acervo
de partituras, e-books e PDFs, ninguém vai ficar a ver navios ou
morrer de ansiedade como foi quando comecei, quando aqui em
Brasília só havia uma grande livraria musical e os livros eram mais
voltados para música clássica. Muita coisa boa já acontecia nas
noites, mas eu não tinha acesso, primeiro pelo ciclo que vivia e
também pela minha idade.
O pior de tudo era a falta de direção. Ninguém a minha volta
tinha um parágrafo para dizer sobre o assunto, e mesmo quando
líamos alguns dos poucos livros disponíveis, era como se os livros
estivessem codificados. Dez minutos de leitura e a mente ficava
embaralhada.
Enquanto eu estava na minha ignorância, ou nascendo para
a música, num ambiente de pouca informação, o Michael Brecker
havia gravado nesse mesmo ano o álbum que levava seu nome,
Pastorius havia sido espancado por brigar num bar vindo a morrer
logo depois, Eddie Daniels havia gravado o álbum Breakthrough e,
por aqui no Brasil, saíam álbuns como os do Márcio Montarroyos
tocando a música Carioca, que foi uma escola de bom gosto para
mim, e o Idriss Boudrioua lançava seu segundo LP, com o nome
de seu filho Jamal. Álbum que eu só viria a conhecer em 1990 por
meio do próprio Idriss.

"Decidi escrever tudo que eu gostava de ouvir


ou queria tocar!"

Um meio viável
Ainda aos 11 anos, encorajei-me a fazer algo que, depois
de anos, vim descobrir que era uma das formas mais usadas nas
universidades de Jazz pelo mundo todo. Decidi escrever tudo que
eu gostava de ouvir ou queria tocar!
Passei então a escrever músicas e melodias de todo tipo,
Caminhos da Improvisação | 479
entre Choro, Erudito, e MPB, menos Jazz, pois apesar de ouvir e
gostar, quase não tinha material.
Essa carência de material não é sentida hoje, mas por
outro lado o excesso e facilidade de gravações traz o perigo da
superficialidade, porque poucos músicos param para perceber os
sons, quando na verdade se valem do direito de ter, e não do dom
de ser.

Moises Alves
Conheci o Moises Alves em 1988, excelente trompetista
e referência nacional como improvisador, o que eu chamo de

CODA | Meu caminho


matador, o cara que só anda com uma bala de prata na agulha, e
dificilmente erra o tiro.
O que eu mais queria era aprender algo com ele, porém ele
não é do tipo metódico e nem cerebral; é um músico de alma,
mais emocional e prático, e posso dizer que andamos juntos
por muitos anos, falando de Jazz e ouvindo detalhe por detalhe,
frase por frase. De forma irônica, nunca estudamos juntos com
os instrumentos, pois o que nos unia eram as ideologias do Jazz,
da música e da vida. Falamos sobre música no pacote da vida, e
por isso os conceitos sobre música sempre foram mais facilmente
entendidos.
O Moisés Alves tem os atalhos da improvisação que os
livros falam, tem que se esforçar muito para verbalizar a música
que ele faz, e isso me influenciou, pois tenho a característica de
ser meio raciocínio e meio emoção, e ele me ajudou a despertar
bem o lado da percepção emocional, com dicas simples, mas que
para mim se tornaram verdadeiras enciclopédias.
"o que damos aos outros, na verdade estamos
dando a nós mesmos."

Idriss Boudrioua
Já em 1990 conheci o Idriss Boudrioua, um saxofonista
francês que morava no Brasil desde 1982, e que estava em
Brasília para o Curso Internacional de Verão da Escola de Música
de Brasília.
De tanto eu bisbilhotar a aula de saxofones, e nessa época
eu tocava somente clarineta, acho que ele ficou intrigado de ver
um menino de 13 anos, todos os dias colocar a cara no vidro da
porta para ver o que acontecia ali. Convidou-me para entrar.
Perguntou se eu tocava, no que eu disse que sim, mas somente
clarineta, e ele disse que todos os saxofonistas estavam lendo a
música Koko do Omnibook do Charlie Parker.
Bem, eu não sabia quem era Charlie Parker, e ainda tive
vontade de rir quando vi o nome da música, mas me animei
quando vi o andamento e aquele monte de notas, pois, apesar de
nunca ter tocado nada do Jazz, minha leitura estava bem em dia,
e então li aquele monte de notas, e ele gostou e disse apenas para
eu ligar a segunda nota com a terceira e a quarta com a primeira
do próximo tempo. Pronto! Eu estava inserido e apresentado ao
Bebop. Era o início da linguagem básica do Jazz.
Essa atitude inclusivista que o Idriss teve, é que me faz
acreditar na franquia das informações a um maior número de
pessoas. Passados alguns dias, ele me levou ao estacionamento
e me disse:
– Juninho, estou te dando esse LP, quando puder escreva o
que está aí.
Caminhos da Improvisação | 481
No outro dia, cheguei lá com o solo dele transcrito da música
Sternamente, e aí ele me disse: Olha, você merece o outro LP, mas
não diz para ninguém que te dei os dois LPs. Então eu comecei a
ter o Idriss como um tipo de pai musical, pois ele foi a primeira
pessoa que me fez entender o princípio do Jazz, a linha do Bebop
e suas articulações básicas. A ele todo respeito e gratidão sempre.
Atitudes assim mudam a vida das pessoas. Por isso tenho
dito que precisamos de generosidade, mas não é só de receber,
e sim de doar também, pois o que damos aos outros, na verdade
estamos dando a nós mesmos.

Primeiros sons

CODA | Meu caminho


Depois que eu comecei a me apaixonar pelo som do Jazz,
eu não parava de ouvir mais um só instante. Lembro-me de uma
gravação de 1990 do Christopher Hollyday, na qual ele solava
Cherokee com a Big Band do Maynard Ferguson. Aquele solo tinha
uma virtude que me inspirava a querer tocar mais e mais, até que
eu tirei um pouco do solo e fiquei por muito tempo tocando-o
na clarineta. Outro solo com que eu vibrava era o do Victor Assis
Brasil na música It's All Right With Me, que vinha com o mesmo
tipo de pegada. Confiram isso depois.
Porém, quando eu sentava para tentar bolar algo, não
saíam nem ideias, e nem as notas. Não tinha rumo, nem tom. Isso
foi mais ou menos no ano de 1990; o que mais me distanciava sem
eu saber é que eu não entendia a estrutura simples de como se
produz um solo sequer.
Muitas perguntas me cercavam e uma angústia terrível de
não saber sequer fazer uma frase consciente e muito menos ouvir
algo de harmonia que eu pudesse dizer o que era. Mentalmente,
era como uma prisão.
Isso era o que eu sentia quando queria tocar algo. Não era a
questão da idade e sim da informação que não estava acessível, e
assim ficou por muito tempo, embora eu estivesse tirando solos
sem parar. Então me deleitava em tocar junto com as gravações.
Isso durou dos meus 13 aos 17 anos, com pouca evolução da
consciência harmônica.

Widor Santiago
No ano de 1993, em janeiro, vi dois shows que jamais vou
esquecer. No primeiro dia, vi o show do Widor Santiago, com o
Curinga, tecladista e guitarrista, que uma semana depois faleceu,
o Genil de Castro, guitarrista, Nema Antunes no baixo, e Paulo
Rosbak na bateria.
Era no Gate’s Pub, uma casa de Jazz que parecia mais um
templo da improvisação, pois ali passavam os melhores músicos
do Brasil sempre que vinham a Brasília. Eu tinha 17 anos e não
tinha dinheiro nem para pagar a entrada.
O Moisés não havia chegado e havia mais gente do lado de
fora do que do lado de dentro, e então ouvi falar que o Widor,
na época conhecido em Brasília como Periquito, tinha sido
da banda do Bombeiro e saído em 1984 para morar no Rio. O
Moisés me falava muito dele, pois já haviam tocado juntos em
Goiânia, e dizia que ele era uma máquina de frases, e foi aí que
vi uma cena que me deu incentivo para estudar pelos próximos
anos e automaticamente despertou em mim o desejo em estudar
o saxofone. Vi o que eu nunca tinha visto na minha frente em
Brasília.
Existia uma janelinha que dava para ver o palco e lá
Caminhos da Improvisação | 483
estava eu como um rato de shows. Então, o Paulo Rosbak e o
Widor fizeram um dueto como passagem de som, cinco minutos
antes do show, só para ver se estava tudo bem, e não durou vinte
segundos para mudar o rumo da minha concepção musical.
Andamento bem rápido, eu tinha um gravador na mão e
gravei aquelas frases, depois disso eu não entendi mais nada. Que
som, precisão rítmica, timbre e caminho harmônico, tudo isso
ficou gravado para mim dizendo e me direcionando para onde eu
tinha que ir. Foi exatamente isso:

CODA | Meu caminho


Algumas coisas a mais de que não me lembro, mas esse
fraseado jamais vou esquecer.
Uma coisa é dizer, outra é fazer! E eu notei isso quando tirei
solos do Widor, pois eram solos que continham mais energia do
dia do que o que se podia escrever. Noto isso em músicos como
Kenny Garrett e Joshua Redman. Posso comparar isso também
com uma foto de um momento inesquecível, pois mesmo que
tenha sido um grande momento, a foto dificilmente te dará a
mesma energia daquele momento vivido.
Cada músico carrega consigo sua própria energia e essa
energia tem o seu raio de ação, mas não em quilômetros e sim em
vidas. O Widor tem isso! É maior do que o som que ele tira, frases
ou mesmo um grande solo. Existem pessoas que são originais
no que fazem. Mas isso você não escreve numa partitura e nem
na mente, somente capta os fluídos e cresce com eles, pois não
existe o comando “control + V” de almas.
Meu contato real com ele só se deu um ano depois no mes-
mo local ao final do show, quando tive coragem de cumprimen-
ta-lo e tentar marcar uma conversa pós-show. Fui à casa de sua
família em Taguatinga e tocamos algumas coisas de playback.
Observei bem como ele se comportava em cada harmonia e tam-
bém sua consciência em cada frase. Fizemos muitas passagens
de II-V. Eu só tocava a clarineta nesse tempo, então o via tocan-
do e realmente minha vontade de aprender o saxofone se confir-
mou. Em junho desse ano de 1994, eu finalmente arrumei um sax
e passei a estudar visceralmente. Ao Widor sou grato pela cordia-
lidade, amizade e motivação que sempre me deu. Tornamo-nos
grandes amigos até hoje e pude contar com ele na gravação de
uma faixa do meu CD Brasilidades, no qual ele deixou um brilhan-
te solo.

Lula Galvão
Um dia depois do show do Widor, em 1993 fui ao show do
Lula Galvão, com o Renato Vasconcellos no teclado, Alex Queiroz
no baixo e Erivelton Silva na bateria. O Lula improvisando
levava o público, em alguns momentos, às sensações como se
estivéssemos vibrando com um gol do Brasil em copa do mundo.
O público, em sua maioria de apreciadores mesmo daquela arte
e músicos também, aplaudia, gritava e assobiava com cada frase
que ele fazia. Ele é um grande mestre da nossa música!
Tive oportunidade de dar uma canja com eles, mas posso
dizer que ninguém iria querer ouvir essa gravação. Tocamos
Stolen Moments e Autumn Leaves. Acabando o show, o Lula
Caminhos da Improvisação | 485
chegou para mim e disse:
– Juninho, você tem tudo para ser um grande improvisador,
mas precisa estudar harmonia.
E então eu disse:
– Poxa, Lula, não tem ninguém que eu conheça por aqui para
me dar aulas, e ele disse que me daria uma aula. Então alguns dias
depois, por sorte ele estava em Brasília, naquele mês de janeiro
de 1993, e me deu uma aula que jamais vou esquecer.
Ele me perguntou:
– Qual escala você toca quando o acorde é Cmaj7?
Eu simplesmente não sabia responder.

CODA | Meu caminho


Então me mostrou os modos gregos de escalas, que para
cada grau há um acorde padrão, e como fórmula matemática eu
só precisei decorar isso.
Eu havia entendido, mas não compreendido! Isso é
exatamente o que acontece com muitos nesse caminho. Por isso
desistem ou tentam enganar a si mesmos pulando etapas.
Saí do apartamento dele em parafusos e quase não me
concentrei em nada por uns dias. Aquilo fundiu minha mente,
pois eu só conhecia o caminho horizontal da música.
Perguntei se tudo que ele fazia estava ali, e ele disse que
sim! Então saí de lá sabendo que aquilo seria minha meta pelos
próximos meses até que isso ficasse automático.
Demorei uns seis meses para automatizar isso. E sabe
como?
Comecei a rabiscar, escrever e reescrever aquela folha, fazer
cálculos, pois existem diversos tipos de inteligências, e a minha é
voltada para números e figuras. Nesse caso é melhor meu cérebro
aprender do que tocar.
Entendo ainda que o nosso cérebro só emite o que aprende;
e tudo que não sabe, para ele é apenas algo sem sentido. É como
um HD, que guarda arquivos e pode ser acessado a qualquer
momento, mas o arquivo tem que estar lá. Um outro detalhe sobre
o aprendizado, é que o cérebro aprende melhor por repetições.
Quanto mais você diz para ele o que está fazendo, mas ele
guarda. O Lula finalmente foi o cara que me abriu as portas do
mundo vertical dos sons e como eu aprendi com ele, ouvindo e
transcrevendo seus solos até que anos depois tive a honra de tocar
com ele na banda da Rosa Passos e logo depois poder contar com
ele em dois de meus CDs, o Gratidão e o Camaleão I.

Ian Guest
Conheci o Ian em 1990, no mesmo curso em que conheci
o Idriss e o Nelson Faria. Tive uma rápida experiência com ele,
quando me chamou para tocar com ele uma de suas músicas,
sendo que ele estava ao piano. Em 1992, mas uma rápida
oportunidade, e então em 1994 finalmente eu consegui respostas
para perguntas que andavam comigo já há 7 anos e ninguém me
respondia.
Eu de fato conheci uma enciclopédia musical chamada Ian
Guest. Meu mestre na Harmonia.
Comecei a conversar com ele sobre o que tinha aprendido
sobre escalas e as conversas foram descortinando mais assuntos,
até que em dois finais de semana, eu já tinha anotado um extenso
material e conversado com ele sobre a maioria dos assuntos de
sua apostila.
O Ian é como uma criança que ama a vida e que, apesar
Caminhos da Improvisação | 487
de todo o conhecimento e experiência que tem, prefere sempre
ser apenas um amante e educador da música. Esse espírito de
criança, mas não infantil, faz dele o sábio que é, tão importante
para nossa educação musical.
Ele me falou muito de grandes nomes da música e suas
experiências com eles e me explicou coisas que até então eu
jamais tinha lido em livros brasileiros. Aquelas coisas que você
dificilmente vê alguém falando por aí.
Certa vez, em minha casa no ano de 1995, eu mostrei
para ele um solo que tirei do Michael Brecker, na música Peep, e
perguntei por que uma frase estava escrita com todas as notas
certas, conferidas na altura, e a cifra que eu tinha escrita pelo Nico
Assumpção tinha um acorde que não possuía o menor cabimento
de estar ali, sendo que era possível conferir o som do acorde e o

CODA | Meu caminho


baixo no pedal exatamente como estava escrito. Simplesmente
não fazia o mínimo sentido para mim. A frase era esta:

Ele riu, e disse com toda sua simplicidade: Ah, isso é um


Outside!
Explicou-me todos os princípios e então, mais uma vez,
uma porta nova se abria para mim.
Então nesse período, eu fiz o curso de Harmonia com ele,
mas quando realmente aprendi tudo do que seu curso dizia foi
nas conversas em particular. O que eu queria saber eu perguntava
e ele sempre me disse tudo referente ao assunto Harmonia.
Anos depois passei a dar aulas no mesmo curso e então
passamos a trocar informações de como cada um lidava com os
assuntos e as dificuldades dos alunos.
Continuamos até os dias de hoje com essa relação de mestre
e discípulo e uma amizade de 20 anos, independente da distância
geográfica.

Anos seguintes
Depois disso, entrei na Banda do Bombeiro em 1996, e as
perspectivas mudaram um pouco, pois eu queria sair de Brasília
nessa época, mas acabei me estabelecendo aqui. Porém isso não
me atrapalhou nos trabalhos, mas me garantiu um dos melhores
empregos para músicos no Brasil.
Tive oportunidade de tocar com grandes músicos e assim ir
cultivando experiências no mundo da improvisação.
O entendimento sempre se tornava mais claro, e muitos
músicos surgiram em minha vida me possibilitando novas
oportunidades em seus shows, como Renato Vasconcellos, Arthur
Maia, Rosa Passos, Jhonny Alf e Alexandre Pires.

Os CDs
Em 2001 senti que tinha chegado o momento de gravar
meu primeiro álbum. Tinha algumas músicas e selecionei as 12
que fariam parte do álbum. Contei com grandes músicos como:
Lula Galvão, Jorge Helder, Moises Alves, André Vasconcellos,
Pedro Ferreira, Marcelo Maia, Erivelton Silva e jovens músicos
que estavam despontando no cenário de Brasília, como: Pedro
Caminhos da Improvisação | 489
Junior, Tiago Rosbak, Clayton Sousa e Marcos Santos.
Estava realizando um grande sonho de fazer o que muitos
tinham feito já no Brasil, que era gravar um álbum com músicas
próprias e o que eu mais gostava de fazer, improvisar. O CD se
chamou Gratidão e foi lançado em 2002.
Depois vieram mais CDs, cada um expressando diferentes
fases da minha vida; são eles: “Vitória na Cruz” (2007),
“Brasilidades” (2009), “Camaleão I” (2012), “Camaleão II” (2015),
“O Brasil do Saxofone” (2016) e “Camaleão III” (2017).
Em todos eles, tive experiências diferentes com a
improvisação. Em alguns as gravações foram produzidas,
com solos em momentos diferentes e até construídos, o que é
uma realidade no mundo dos estúdios. É uma forma diferente

CODA | Meu caminho


de improviso, pois existem cortes, remendos, e o improviso
é arquitetado não em real time. Isso se deve normalmente a
condições de espaço físico, falta de tempo para ensaios em grupo
e dificuldade de reunir todos em uma mesma situação.
Em outros já com o avanço dos mp3, envio de grandes
arquivos via sites de transferência e trânsito no espaço virtual, tive
oportunidade de gravar com o grande Bob Mintzer, que estava
nos EUA, o trompetista Mario Morejon El índio, da Alemanha, e
ainda gravar posteriormente uma composição minha no CD do
guitarrista Geraldo Henrique Bulhões, participando com Chris
Potter, John Patitucci, Adam Rogers, Nate Smith e John Escreet.
A tecnologia nos deu novas dinâmicas e oportunidades
e, assim, mesmo morando em Brasília, tenho tido ricas
oportunidades com grandes nomes da música mundial, como
recentemente conheci o grande Baptiste Herbin, virtuoso
saxofonista francês que conheceu o Brasil e com ele gravei O
Brasil do Saxofone ao vivo no Clube do Choro, em Brasília, após
uma sequência de shows desse projeto na França e no Brasil.
Os CDs Brasilidades, Camaleão I e O Brasil do Saxofone
foram gravados com banda ao vivo.
Minha experiência com a improvisação está descrita de
todas as formas neste livro, pois o que escrevi em grande parte
vem pelo conhecimento empírico, a prática nos palcos e as
experiências com o ensino dessa área nos últimos 17 anos.
De todas as formas me considero apenas um aprendiz
dessa arte, porém com a responsabilidade de não reter nada do
que tenho aprendido.
Apesar de amar a improvisação, não me considero um
músico de Jazz e com nenhum outro rótulo de estilo. De tudo
que vivi até os dias de hoje e gostaria de ter vivido muito mais,
sou grato à Vida por ter me colocado nos caminhos que trilhei e
hoje tenho orgulho de dizer que vivo da música, sou brasileiro e,
simplesmente, Músico.
Caminhos da Improvisação | 491

1. Meu maior desejo é que você possa experimentar esse


mundo da criatividade, com liberdade e não enraizado em
burocracias sonoras.
2. Os conceitos aqui descritos são partes de experiências que
vivi e aprendi, mas não são leis e nem regras.
3. Seja ousado para desconstruir tudo se achar por bem, mas
viva a sua própria realidade, pois ninguém poderá construir
e fazê-la acontecer, a não ser você mesmo.

CODA | Meu caminho


4. Viva intensamente o mundo dos sons, não tenha medo,
seja ousado, crie, desfaça tudo e crie de novo. Seja sincero e
tenha o cuidado de seguir sua intuição e coração.
5. As regras são apenas o chão, mas você pode voar; os
conceitos podem te nortear, mas você vai para onde
quiser; mergulhe e conheça os mares profundos que cada
oportunidade com o som te der.
6. Ao final de cada solo, você poderá se realizar e ficar feliz
com o resultado, mas precisa saber que o perfeito é uma
utopia.
7. O que você viver não precisa ser perfeito, será sua experi-
ência e é essa experiência que te fará seguir a caminhada.
8. Alguns dias serão inspirados, você vai desfazer as regras e
desconstruir toda informação, simplesmente porque pode,
e em outros dias vai se apegar aos padrões, clichês e receitas
de bolo.
9. No conhecimento e na educação, os mestres se tornam
discípulos e os discípulos se tornam mestres.
10. Observe a Vida, ela te dará os melhores caminhos da
improvisação.
11. A música sempre revelou o futuro da humanidade, sua
improvisação levará muitos a viajar em diferentes realidades
e dimensões.
12. Chorus aberto, o solo agora é com você.

Ouça o que a música tem a dizer!

Seja feliz!

Obrigado!
Caminhos da Improvisação | 493

CODA | Meu caminho


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
E SUGESTÕES DE LEITURA E REFLEXÃO
Obs.: As obras mencionadas abaixo são sugeridas como
complementação para os leitores.

ÁUDIO
1. John Coltrane. A Love Supreme. EUA: Impulse, 1964.

FILME
2. OPERAÇÃO DRAGÃO (Enter the Dragon). Robert Clouse.
EUA/Hong Kong: Warner Bros./Concord Productions Inc./
Bruce Lee, 1973. 102 min.

LIVROS
3. ALEXANDER, Stephon. O Jazz da Física. Lisboa: Gradiva,
2016.
4. ALVES, Luciano. Escalas para Improvisação. 1998.
5. FARIA, Nelson. Arte da improvisação. 8. ed. Rio de Janeiro:
Editora Lumiar, 1991.
6. GUEST, Ian. Harmonia – método prático. 4. ed. Rio de
Janeiro: Editora Lumiar, 2006. Vol. 1.
7. GUEST, Ian. Harmonia – método prático. 3. ed. Rio de
Janeiro: Editora Lumiar, 2006. Vol. 2.
8. KASPAROV, Gary. A vida imita o xadrez. Gestão Plus, 2008.
9. PLATÃO. A República. Disponível em diversas traduções e
edições.
10. SACKS, Oliver. Alucinações musicais. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
11. SLONIMSKY, Nicolas. Thesaurus of scales and melodic
patterns. New York: Charles Scribners Sons, 1947.

SÍTIO DA INTERNET
Sobre Escalas orientais
12. https://www.google.com.br/amp/s/hr 2013 .wordpress.
com/2013/01/28/o-sitar-e-as-notas-musicais/amp/
Sobre a arte
Poder ter a chance de criar a arte da capa deste belo e
importante projeto me deixou extremamente feliz. Foi de fato
um dos mais empolgantes e maiores desafios criativos que já
vivenciei nos últimos 10 anos de estrada, desafio este que ficou
ainda maior por ter que desvendar a mente criativa e brilhante do
mestre Ademir, conseguir extrair todas as suas ideias e ilustrá-las.
Mas, como já havíamos trabalhado diversas vezes juntos, nossa
comunicação fluiu.
Entre prazos apertados e ideias mirabolantes que vão
desde cenários surreais, sinapses nervosas até chão de teclas de
pianos coloridos, passamos por momentos de bastantes conflitos
e bloqueios criativos até chegar a uma ideia mais clara e, enfim,
após horas trabalhando, finalmente consegui criar um caminho
paralelo entre todas as ideias do Ademir e meus conceitos
criativos.
A arte da capa está repleta de sentidos e expressa
claramente a ideia de improvisação, uma vez que improvisar
ativa áreas cerebrais específicas em tempo de execução. Cada
instrumento foi pensado e criado para remeter à ideia da massa
encefálica, e o motivo de as cores e instrumentos estarem do lado
direito é o fato de que os dendritos, a parte do neurônio que coleta
informações, se organiza de forma diferente do lado direito do
cérebro, possibilitando conexões diferentes que proporcionam
o surgimento das ideias. Na tipografia, temos uma fonte legível,
suave, curvada e sem pontas, que significa algo progressivo e
contínuo; há também a silhueta de um saxofone na junção de
"r" e "v" na palavra “Improvisação”. As palavras se quebram e
se encaixam de forma improvisada formando algo sólido e único.
As setas indicam os diferentes caminhos que podemos seguir
durante a improvisação, conhecendo novos caminhos. O fundo
preto remete-se à imensidão obscura da nossa mente que ainda
não conhecemos e que podemos descobrir ao ler este livro.

Fernando Perez

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