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PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA

Prof.ª Flávia Santana Araújo


Métodos tradicionais de alfabetização
• Os métodos tradicionais de alfabetização entendem o sistema
alfabético como um código, ou seja, o estudante deve aprender o
sistema de escrita alfabética para decodificar textos.
• Para alcançar tal feito, algumas habilidades “psiconeurológicas” ou
perceptivo-motoras” precisariam ser desenvolvidas.
• “Como a escrita alfabética era concebida como um código, para
memorizar e associar as letras aos sons, os alunos deveriam alcançar
um estado de ‘prontidão’.” (p. 39)
• Isso equivale dizer que bastava o aluno fazer a correta
correspondência letra-som para estar alfabetizado.
Exercitar a escrita sem saber “escrever”?
“Para aprender a escrever, é fundamental que o aluno tenha
muitas oportunidades de fazê-lo, mesmo antes de saber grafar
corretamente as palavras: quanto mais fizer isso, mais
aprenderá sobre o funcionamento da escrita. A oportunidade
de escrever quando ainda não se sabe permite que a criança
confronte hipóteses sobre a escrita e pense em como ela se
organiza, o que representa, para que serve. Mesmo quando as
crianças ainda não sabem escrever convencionalmente, elas já
apresentam hipóteses sobre como fazê-lo.” (p. 49)
Mudando a concepção...
• “Ferreiro e Teberosky (1979) apontam que, tradicionalmente, o
problema da alfabetização tem sido exposto como uma questão de
método, e a preocupação seria a de buscar o ‘melhor e mais eficaz
método para ensinar a ler e escrever’.” (p. 48)
• “As autoras supracitadas também apontam que, nas décadas de
1960/1970, surgiram mudanças significativas no que concernia à
maneira de compreender os processos de aquisição/construção do
conhecimento e da linguagem na criança. Foi nessa época que se
passou a considerar que a escrita era uma maneira particular de
‘notar’ a linguagem e que o sujeito em processo de alfabetização já
possuía considerável conhecimento de sua língua materna.” (p. 49)
Mudando a concepção...
• Os métodos tradicionais, de base empirista, consideram que o aluno
chega à escola sem qualquer conhecimento da escrita, o que é
absurdo, pois a maior parte das sociedades modernas são
grafocêntricas.
• Quando parte-se de uma concepção de que a escrita não é um código
e sim um sistema notacional, entende-se que o aprendiz, no processo
de apropriação do sistema de escrita alfabética, formula respostas
para duas questões básicas:
• I) o que a escrita nota (significado das palavras? O significante?);
• II) como a escrita alfabética cria notações? (Utilizando símbolos
quaisquer ou convencionados? Empregando símbolos para
representar sons das palavras? Ao nível da sílaba ou do fonema? etc.)
Alguns exemplos de convenções do SEA
• Escrevemos com letras, que são diferentes de outros símbolos;
• As letras variam de formato, dependendo da forma de grafar
(“bastão”, cursiva, etc.);
• Algumas combinações de letras são possíveis para formar uma
sílaba e outras não (uma sílaba precisa de pelo menos uma vogal);
• Algumas letras têm mais de um valor sonoro (a letra O vale por /ó/,
/õ/, /ô/, /u/) e alguns valores sonoros podem ser notados por várias
letras (o fonema /s/ em português se escreve com S, C, SS, Ç, X, Z, SC,
SÇ, etc.);
O que é “psicogênese?”
O termo psicogênese pode ser compreendido como origem, gênese ou
história da aquisição de conhecimentos e funções psicológicas de cada
pessoa, processo que ocorre ao longo de todo o desenvolvimento, desde
os anos iniciais da infância, e aplica-se a qualquer objeto ou campo de
conhecimento. No campo da aquisição da escrita, esta concepção se
associa aos estudos psicogenéticos de Emília Ferreiro, Ana Teberosky e
vários colaboradores, originalmente divulgados em países de língua
espanhola, na década de 1970, com forte impacto no Brasil, a partir da
década seguinte, sobretudo na Educação Infantil e nos anos iniciais
destinados à alfabetização.
http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/psicogenese-da-aquisicao-da-escrita
Acesso em 14/06/2016.
Psicogênese da língua escrita
De acordo com este referencial, a apropriação da escrita se
apoia em hipóteses do aprendiz, baseadas em
conhecimentos prévios, assimilações e generalizações,
dependendo de suas interações sociais e dos usos e funções
da escrita e da leitura em seu contexto cultural. Tais
hipóteses oferecem informações relevantes sobre níveis ou
etapas psicogenéticas no processo de alfabetização e podem
se manifestar tanto em crianças como em adultos.

http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/psicogenese-da-aquisicao-da-escrita
Acesso em 14/06/2016.
Hipóteses de apropriação do SEA
“• As crianças, antes de poderem ler e escrever sozinhas e
convencionalmente, formulam uma série de ideias próprias ou hipóteses,
atribuindo aos símbolos da escrita alfabética significados bastante distintos
dos que lhes transmitem os adultos que as alfabetizam;
• As hipóteses elaboradas pela criança seguem uma ordem de evolução em
que, a princípio, não se estabelece uma relação entre as formas gráficas da
escrita e os significantes das palavras (hipótese pré-silábica). Em seguida a
criança constrói hipóteses de fonetização da escrita, inicialmente,
relacionando os símbolos gráficos às sílabas orais das palavras (hipótese
silábica) e finalmente compreende que as letras representam unidades
menores que as sílabas: os fonemas da língua (hipótese alfabética). Entre
esses dois momentos, haveria um período de transição (hipótese silábico-
alfabética).” (p. 50-51)
PRÉ-SILÁBICA
Numa etapa inicial, o aprendiz:
• Não entende as relações que a fala estabelece
com a escrita.
• Acredita que escrever e desenhar têm o mesmo
significado;
• Reproduz traços lineares com formas diferentes
(garatujas);
• Supõe que a palavra representa o objeto e não o
seu nome (coisas grandes têm um nome grande e
coisas pequenas têm um nome pequeno -
realismo nominal);
• Não tem segurança em nomear o que escreve;
• Na transição para a próxima etapa, mistura letras
e números na grafia..
PRÉ-SILÁBICA
Na etapa seguinte, o aprendiz:
• Começa a perceber as relações entre
escrita e fala
• diferencia letras de números;
• não aceita que seja possível escrever e
ler com menos de três letras;
• lê a palavra como um todo (leitura
global);
• não acredita que seja possível nomear
coisas abstratas (como ações e
sentimentos);
• usa as letras do nome para escrever...
PRÉ-SILÁBICA: atividades para superação
• Desenhar e escrever o que desenhou;
• Usar o nome em situações significativas (marcar atividades, objetos...);
• Reconhecer e ler o próprio nome em situações significativas (chamadas,
listas...);
• Utilizar letras móveis para pesquisar nomes;
• Bingo de letras;
• Leitura dos nomes das crianças da classe;
• Comparar e relacionar palavras;
• Identificar personagens conhecidos a partir de seus nomes, ou escrever seus
nomes de acordo com sua possibilidade;
• Atividades em que seja preciso reconhecer a letra inicial e a letra final de
palavras;
• Atividades que apontem para a variação da quantidade de letras;
• Completar palavras usando a letra inicial e final;
• Dentre outras.
SILÁBICA
“Neste nível, o primeiro dos desafios (entender o que a escrita nota) já
foi vencido, porque os alunos começam a perceber que a escrita está
relacionada com a pauta sonora da palavra. No entanto, eles
desenvolveram a hipótese de que a quantidade de letras a ser grafada
corresponde à quantidade de segmentos silábicos pronunciados. Sendo
assim, quando desejam escrever, os alunos o fazem utilizando uma
letra para cada sílaba presente na palavra. Logo, se o aluno deseja
escrever uma palavra que possui três sílabas (como, por exemplo,
martelo), muito provavelmente ele o fará colocando uma letra para
cada uma das sílaba: PFV ou, em um nível mais avançado, AEO,
grafando as vogais e ou consoantes presentes na palavra.” (p. 54-55)
SILÁBICA QUANTITATIVA
Numa etapa inicial, o aprendiz:
• Pode usar muitas letras para escrever
e, ao fazer a leitura, apontar uma letra
para cada sílaba;
• Pode escrever uma letra para cada
palavra em frases;
• Representa a sílaba com qualquer
letra, não apresentando nenhuma
correspondência entre o som e a
grafia.
SILÁBICA QUALITATIVA
Na etapa seguinte, o aprendiz:
• Usa muitas letras para escrever e, ao
fazer a leitura, apontar uma letra para
cada segmento sonoro;
• Raramente escreve uma letra para
cada palavra em frases, pois já
entende que uma frase tem várias
palavras separadas por espaços em
branco;
• Representa cada sílaba fazendo
correspondência entre o som e a
grafia, seja com as vogais ou
consoantes.
SILÁBICA: atividades para superação
• Comparar e relacionar escritas de palavras diversas;
• Escrever pequenos textos memorizados (parlendas, poemas, músicas,
trava-línguas…);
• Completar palavras com letras para evidenciar seu som;
• Relacionar figura às palavras, através do reconhecimento da letra inicial;
• Reconhecer letras em um pequeno texto conhecido;
• Relacionar textos memorizados com sua grafia;
• Cruzadinhas;
• Caça-palavras;
• Completar lacunas em textos e palavras;
• Evidenciar rimas entre as palavras;
• Usar o alfabeto móvel para escritas significativas;
• Jogos variados para associar o desenho e seu nome;
• Colocar letras em ordem alfabética;
• Contar a quantidade de palavras de uma frase;
• Dentre outras.
SILÁBICA-ALFABÉTICA
Nesta etapa, o aprendiz:
• Compreende bem que a escrita
representa os valores sonoros da fala;
• Usa muitas letras para escrever e, ao
fazer a leitura, apontar uma letra para
cada segmento sonoro, oscilando entre
sílaba e fonema;
• Percebe a necessidade de mais de uma
letra para a maioria das sílabas;
• Reconhece o som da maioria das letras;
• Atribui o valor do fonema em algumas
letras: cabelo = kblo.
SILÁBICA-ALFABÉTICA: atividades para superação
• Separar as palavras de um texto memorizado;
• Generalizar os conhecimentos para escrever palavras que não conhece;
Ditado de palavras conhecidas;
• Produzir pequenos textos;
• Reescrever histórias;
• Escrever pequenos textos memorizados;
• Relacionar personagens a partir do nome escrito;
• Ter contato com a escrita convencional em atividades significativas;
• Reconhecer letras em um pequeno texto conhecido;
• Leitura de textos conhecidos;
• Relacionar textos memorizados com sua grafia;
• Completar lacunas em textos e palavras;
• Construir um dicionário ilustrado, desde que o tema seja significativo;
• Evidenciar rimas entre as palavras;
• Contar a quantidade de palavras de uma frase;
• Dentre outras.
ALFABÉTICA
Nesta etapa, o aprendiz:
• Compreende a função social da escrita;
• Conhece o valor sonoro de todas as letras;
• Apresenta estabilidade na escrita das
palavras;
• Compreende que cada letra corresponde
aos menores valores sonoros da sílaba;
• Procura adequar a escrita à fala;
• Faz leitura com ou sem imagem;
• Separa as palavras quando escreve frases;
• Produz textos de forma convencional;
• Inicia preocupação com as questões
ortográficas.
O papel do professor alfabetizador
• “É importante que o professor, no planejamento das
atividades, esteja atento para a heterogeneidade do grupo,
oferecendo atividades diferenciadas para alunos que
apresentam hipóteses de escritas diferentes. Por outro
lado, ao propor uma atividade comum para toda a turma, o
professor deve considerar que as respostas dos alunos
serão distintas, e, nesse caso, o confronto entre diferentes
respostas é interessante.” (p. 68)
• É necessário, cada vez mais, tornar o ensino do SEA
significativo para o estudante, propiciando o
desenvolvimento de habilidades de leitura/escrita cada vez
mais aprimoradas.
Ensino do SEA na perspectiva do letramento
(REBELLO, 2015)
“Letrar é mais que alfabetizar. A alfabetização deve se
desenvolver em um contexto de letramento como início da
aprendizagem da escrita, como desenvolvimento de
habilidades de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais.
Alfabetizar letrando é, portanto, ensinar a ler e escrever o
mundo, ou seja, no contexto das práticas sociais da leitura e
da escrita, tendo em vista que a linguagem é um fenômeno
social.” (p. 245-246)
BIBLIOGRAFIA
Texto-base:
MORAIS, Artur Gomes de; ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de; LEAL, Telma
Ferraz (orgs.). Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabética. Belo
Horizonte: Autêntica, 2005. Disponível em:
<http://www.serdigital.com.br/gerenciador/clientes/ceel/arquivos/20.pdf> Acesso
em: 22 jul. 2016.

Textos complementares:
✓MORAIS, Artur Gomes de. Sistema de escrita alfabética.
✓REBELLO, Ilana da Silva. O papel social da leitura e da escrita: a questão do
letramento. Caderno Seminal Digital, ano 21, nº 24, v. 1, jul.-dez. 2015. Disponível
em:<http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/cadernoseminal/article/view/20326/15058>. Acesso
em: 22 jul. 2016.

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