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Retratos Da Escola 04 2009
Retratos Da Escola 04 2009
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SDS Ed. Venâncio III, salas 101/107, Asa Sul, CEP 70393-900, Brasília, DF, Brasil. Telefone: + 55 (61) 3225-1003 Fax: + 55 (61) 3225-2685
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Revista Retratos da Escola
v. 3, n. 4, janeiro a junho de 2009.
ISSN 1982-131X
R. Ret. esc. Brasília v. 3 n. 4 p. 1-302 jan./jun. 2009
© 2009 CNTE
Qualquer parte desta revista pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.
Copidesque
Eliane Faccion (português)
Revisão de textos
Eliane Faccion (português)
Eloah Idélia Kegler dos Santos (português e normas técnicas)
Fabíola Marques Ferigato (normas técnicas)
Capa
Robert Doisneau,
Colonie de Vancance, Paris 1988
© Atelier Robert Doisneau, 2009
Direção artística
Jean-Yves Quierry
RETRATOS DA ESCOLA é uma publicação da Escola de Formação da CNTE (Esforce), que aceita
colaboração, reservando-se o direito de publicar ou não o material espontaneamente enviado ao Comitê
Editorial. As colaborações devem ser enviadas à Revista em meio eletrônico, conforme as Normas de
Publicação, para o endereço revista@esforce.org.br.
Semestral
ISSN 1982-131X
CDD 370.5
CDU 37(05)
Editorial
Construindo políticas de Estado................................................................................................................... 7
Entrevista
Financiamento e gestão: impasses e perspectivas ..................................................................................... 11
Daniel Cara
Horácio Francisco dos Reis Filho
Romualdo Luiz Portela de Oliveira
Artigos
A educação pública e sua relação com o setor privado: implicações para a democracia
educacional
Theresa Adrião & Vera Maria Vidal Peroni............................................................................................ 107
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 1-302, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 5
SUMÁRIO
Resenhas
Documento
Normas de publicação.........................................................................................................................295
6 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 1-302, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
EDITORIAL
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 7-9, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 7
A Conae se afirma como espaço de discussão e deliberação coletiva, ao ser pre-
cedida por conferências municipais, intermunicipais, estaduais e do Distrito Federal,
em 2009, que abordarão os eixos temáticos: 1) Papel do Estado na Garantia do Direito
à Educação de Qualidade: Organização e Regulação da Educação Nacional; 2) Quali-
dade da Educação, Gestão Democrática e Avaliação da Educação; 3) Democratização
do Acesso, Permanência e Sucesso Escolar; 4) Formação e Valorização dos Profissio-
nais da Educação; 5) Financiamento da Educação e Controle Social; 6) Justiça Social,
Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade.
A expectativa é de intensa participação da sociedade civil e política nas confe-
rências e que estas, consolidadas pela conferência nacional, contribuam para a maior
organicidade das políticas para a educação.
Todo esse processo poderá resultar na afirmação da participação como um dos
mecanismos por excelência na construção de uma política de Estado, contribuindo,
assim, para o redirecionamento do panorama educacional e para a superação dos
limites históricos, como a não efetivação de um sistema nacional de educação e a não
regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados.
Buscando contribuir com os debates atuais e, neste contexto, com as conferências
de educação, em curso, esta edição da revista Retratos da Escola, organizada sob o for-
mato de dossiê, tem como temática Financiamento e Gestão da Educação Básica. Os dois
temas se articulam e guardam estreita relação, uma vez que, para a implementação
de processos de gestão, faz-se imperativa a garantia de financiamento e vice-versa.
Em consonância com sua proposta editorial, Retratos da Escola reitera as seguin-
tes seções: Entrevista, Artigo, Resenha e Documento.
Na Entrevista, convidamos educadores e lideranças de entidades e do movimen-
to social na área de educação. Com a autoridade de seus engajamentos e reflexões,
sem contar a trajetória de cada um na área a que dedicaram a vida profissional, os
convidados ressaltam os desafios do financiamento da educação básica, relacionan-
do-os à valorização e profissionalização docentes no Brasil. A história e as políticas
atuais, especialmente na instituição do Fundeb, permeiam as entrevistas, o que pro-
picia ao leitor aproximar-se do meandro dos embates e polêmicas travados em torno
desta temática.
Na seção Artigos, apresentamos, inicialmente, três análises, mais diretamente
vinculadas ao financiamento. A gestão educacional foi abordada sob vários ângulos e
recortes, permitindo ao leitor aproximar-se das temáticas mais relevantes da educa-
ção básica, em curso nos debates atuais.
Assim, sem perder de vista a dimensão sociopolítica, os artigos buscam lançar
o foco, mais detidamente, sobre uma das subáreas, ainda que o façam, sempre, sob
a ótica de enfoque articulado, buscando situar e aprofundar temas importantes. 1)
Financiamento: Fundeb, autonomia na gestão de recursos e remuneração de professores,
8 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 7-9, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Construindo políticas de Estado
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 7-9, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 9
ENTREVISTA
Financiamento e gestão
Impasses e perspectivas
Em que medida a educação básica pública brasileira avançou em aspectos como
financiamento e gestão, levando em conta o Fundeb, o custo-aluno-qualidade (CAQ),
o piso salarial e a valorização profissional, é o grande tema de fundo desta entrevista
com Daniel Cara1, Horácio Francisco dos Reis Filho2 e Romualdo Luiz Portela de Oli-
veira3, realizada pelo editor de Retratos da Escola, Luiz Fernandes Dourado.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 11-21, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 11
Daniel Cara, Horácio Francisco dos Reis Filho e Romualdo Luiz Portela de Oliveira
dos, garante uma política de financiamento para todas as etapas da educação básica
e oferece as condições legais para a implantação de um piso salarial em todo o País
– reivindicação histórica dos trabalhadores em educação – dentro do contexto de um
plano de desenvolvimento, com compromissos a serem assumidos pelos gestores em
prol de um esforço político e administrativo para a elevação dos índices educacionais.
Romualdo Portela - O financiamento é fundamental, posto que a maior parte
dos aperfeiçoamentos relacionados à educação pública pressupõe alocação de recur-
sos. Tomemos como exemplo o Plano Nacional de Educação (PNE), que, para sua
efetivação, estabelecia o gasto do equivalente a 7% do PIB. No que diz respeito à
gestão, temos duas consequências. Em primeiro lugar, a gestão adequada dos recur-
sos otimiza sua aplicação, evita desperdícios e maximiza sua utilização social. Em
segundo lugar, a adequada gestão pode melhorar o bom funcionamento da escola e
do sistema educacional como um todo. Em relação a esse último aspecto, diria que
algumas das modificações importantes a serem realizadas em nossas escolas dizem
respeito à melhoria da gestão, que não necessariamente envolvem aumento de recur-
sos e têm impacto positivo em uma educação de qualidade.
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Financiamento e gestão: Impasses e perspectivas
na lei, não necessariamente busquem “aplicar”, de fato, o previsto. É isto que ocasio-
na um debate sui generis sobre o que pode e o que não pode ser considerado despesa
em educação, assim como as fraudes. Nos países que não possuem a vinculação,
discute-se o montante de recursos necessários para se garantir uma boa educação.
Aqui, discutimos se merenda ou pagamento de aposentados são ou não despesas
em manutenção e desenvolvimento do ensino. Ou seja, o mecanismo e sua distorção
pela cultura política brasileira podem fazer com que percamos o foco acerca do que
é realmente importante.
Daniel Cara - Em primeiro lugar, precisamos manter essa garantia constitucio-
nal. Mesmo insuficientes, os 25% vinculados garantiram, desde 1988, a expansão das
redes escolares públicas municipais e estaduais na educação básica. Segundo deci-
são dos delegados da Coneb5, essas vinculações deveriam ser ampliadas para 30%.
Isto é urgente, para universalizar o acesso e melhorar a qualidade, com mais escolas,
profissionais condignamente remunerados e unidades escolares bem estruturadas,
com número adequado de alunos por professor, bibliotecas, laboratórios de ciências,
informática etc. Mas, ao invés de ampliar, há o risco de se perder essa garantia. Hoje
a DRU retira 20% dos 18% constitucionalmente vinculados pela União para inves-
timentos em educação, com perdas anuais na casa dos bilhões. E ainda há parla-
mentares e setores econômicos que defendem a criação de desvinculações de receitas
nos estados (DRE) e nos municípios (DRM). O substitutivo de Reforma Tributária do
deputado Sandro Mabel (PR-GO) na PEC 233/2008, estabelece uma espécie de DRE
no novo ICMS. Estamos negociando a retirada desse dispositivo, que é uma afronta.
É fundamental que a educação seja tratada como real prioridade. Ainda há muito
discurso e pouco recurso.
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Daniel Cara, Horácio Francisco dos Reis Filho e Romualdo Luiz Portela de Oliveira
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Financiamento e gestão: Impasses e perspectivas
“Fundeb pra Valer!”, criado e coordenado pela Campanha, sem a CNTE, sem os ges-
tores municipais e estaduais, o Fundeb seria extremamente frágil, tal como foi o Fun-
def. O projeto do Governo Federal enviado ao Congresso em 2005, era muito tímido.
Não incluía as creches e não considerava os recursos da União. A sociedade civil e o
parlamento melhoraram muito o Fundeb, mas ele ainda é insuficiente.
Horácio Reis - No início da década de 90, o movimento sindical passou a dar
um novo tratamento às questões educacionais na relação com os sistemas de ensino e
nacionalizou o debate sobre a valorização do magistério no qual questões como piso
salarial, jornada de trabalho e carreira passaram a fazer parte das pautas de entidades
nacionais, como CNTE, Consed, Undime, Crub, entre outras. A pactuação decorrente
dessa interlocução propiciou o debate sobre as subvinculações que se sucederam até
hoje. O Fundef é consequência de tudo isso. Teve limites, pelo seu perfil restritivo,
mas, além de definir mecanismos importantes para o repasse de recursos - tendo
como referência a matrícula no ensino fundamental - abriu as portas para a retomada
do debate sobre a valorização profissional. O Fundeb, por sua vez, preserva os meca-
nismos de repasse de recursos, avança na abrangência, torna-se, de fato, instrumento
importante na consolidação de um regime de colaboração entre os entes federativos
e responsabiliza a União por uma complementação indexada ao total dos recursos
do Fundo. Diferentemente do Fundef, a nova política de financiamento estimula o
diálogo entre os sistemas de ensino e pode fazer com que educadores, gestores e a
própria sociedade tratem a educação de forma sistêmica, considerando o conjunto de
seus profissionais e os insumos necessários para se atingir uma qualidade referencia-
da no social.
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Daniel Cara, Horácio Francisco dos Reis Filho e Romualdo Luiz Portela de Oliveira
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Financiamento e gestão: Impasses e perspectivas
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Daniel Cara, Horácio Francisco dos Reis Filho e Romualdo Luiz Portela de Oliveira
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Financiamento e gestão: Impasses e perspectivas
Articular os Horácio Reis - Articular os sistemas de ensino e instituir uma colaboração mútua
sistemas de ensino entre eles requer, necessariamente, um redimensionamento das políticas de financia-
mento e de gestão que garanta um atendimento de qualidade por meio de parâmetros
e instituir uma
comuns, próprios das unidades educativas públicas em qualquer esfera federativa. A
colaboração mútua regulamentação desta pactuação, que se arrasta por 21 anos, requer movimentos im-
entre eles requer, portantes na direção da complexa reforma tributária e implica a ampliação da contra-
necessariamente, um partida federal, com o aumento da transferência de recursos aos sistemas de ensino
redimensionamento que construírem planos compatíveis com a necessidade de superar as desigualdades,
numa ação integrada que preveja coerência com as normas estabelecidas e sintonia
das políticas de
entre as atividades locais e as políticas educacionais definidas por um fórum nacional
financiamento e de responsável pela promoção e qualificação da escola pública no nosso país.
gestão...
(Horácio Reis)
Os atuais marcos de financiamento são suficientes para garantir educação
de qualidade para todos?
Daniel Cara - Ainda não, mas em termos legais possuímos uma boa base. A
Constituição Federal de 1988, a LDB, o PNE e as leis do Fundeb (Emenda Consti-
tucional 53 e lei 11.494) são bastante interessantes. Porém, precisamos avançar na
garantia de qualidade. Nós, da Campanha, defendemos a inclusão de dispositivos
legais mais específicos para efetivação do CAQ. Sem isso, não será possível consagrar
o direito humano à educação no Brasil.
Horácio Reis - A diversidade econômica brasileira retrata realidades distintas
nas condições dos entes federativos. As condições dificilmente se aliam, num quadro
gerencial público, há concepções progressistas e inovadoras e concepções conserva-
doras no trato dos recursos públicos. É comum constatar percentuais mínimos serem
considerados teto no gerenciamento educacional. O exército de analfabetos constitu-
ído ao longo dos anos, as crianças impedidas de ter acesso à escola, o salário indigno
pago a professores e funcionários são indicadores da necessidade de mais verbas
a serem aplicadas num contexto qualificado de gestão, onde a autonomia político-
administrativa expresse um compromisso capaz de transformar a realidade.
Romualdo Portela - Não. Ainda que estejamos avançando em alguns setores.
Considero a formulação de uma proposta de CAQi uma importante contribuição
para a luta política. Agora temos um número em torno do qual lutar e, ao mesmo
tempo, não é um número estratosférico. É o gasto-aluno de São Paulo. Ou seja, é a
ideia de estabelecer o gasto de São Paulo como padrão nacional. É interessante como
bandeira. Outro avanço importante é a Lei do Piso. Ela força todo mundo a gastar
mais. Não podemos arrefecer na luta por uma regulamentação que altere seu espíri-
to. Entretanto, voltando à pergunta, acho que devemos gastar mais.
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Daniel Cara, Horácio Francisco dos Reis Filho e Romualdo Luiz Portela de Oliveira
Horácio Reis - O Brasil, hoje, caminha nessa direção, apesar de amargar, há qua-
se nove anos, a ausência de um dispositivo legal, vetado pelo ex-presidente FHC, ao
sancionar o PNE em 2001. Podemos afirmar que, ao final do governo Lula, o investi-
mento em educação alcançará a casa dos 5% do PIB nacional. Ampliar este percentual
é necessário, até para superar o atraso educacional, consolidado por políticas públicas
desprovidas de valores sociais. Este debate poderá ser feito em outros parâmetros, na
medida em que se passa a discutir os efeitos, em médio prazo, da camada pré-sal do
mar territorial brasileiro, já apontada pelo presidente da República como fonte de re-
cursos prováveis para combater a pobreza e erradicar o analfabetismo. A Conae cer-
tamente alinhará essa discussão na perspectiva da avaliação e posterior reformulação
e articulação dos instrumentos de políticas públicas, a exemplo da LDB, do PNE e do
PDE, configurando-se numa nova posição da sociedade brasileira.
Romualdo Portela - Temos duas frentes. De um lado, continuar defendendo a ... É fundamental
bandeira geral do aumento do gasto - lembrar do PNE, que falava em 7%, dos vetos avançar na
do Fernando Henrique, da morosidade do governo Lula em cumprir suas promessas
definição do
históricas de gastar mais (falavam em 7% do PIB antes da eleição de 2002). De outro,
continuar na formulação de propostas que forcem o aumento do gasto de maneira CAQ, com vistas
concreta, como o CAQ e o piso. Temos de pensar em coisas assim. Aliada a essas a garantir melhor
questões, é fundamental garantir a desvinculação dos recursos da educação de qual- política de
quer contigenciamento de recursos (DRU, por exemplo). Outra questão que devemos acesso, articulada
colocar na mesa é que a arrecadação global do Estado brasileiro tem aumentado, mas
à melhoria
não a de impostos. Vale dizer que o que está aumentando são as taxas e contribuições.
Por exemplo, a antiga CPMF era considerada contribuição e não imposto. Assim, sua da qualidade
arrecadação não estava vinculada à educação. Precisamos levantar a importância de dos processos
se ampliar o financiamento da educação, mesmo que para isso se tenha que aumentar formativos...
a abrangência da vinculação.
Daniel Cara - Há muitas alternativas aprovadas na Coneb, que devem ser con- (Romualdo Portela)
firmadas e, talvez, ampliadas na Conae. A primeira é vincular não só os impostos
mas todas as contribuições sociais, porque é neste âmbito que se encontra o recurso
mais dinâmico e promissor da arrecadação pública brasileira. Depois de vincular
todos os tributos, é preciso ampliar as vinculações constitucionais de 25% para 30%
para estados e municípios, e de 18% para 20%, sem DRU, para a União. O terceiro
passo é criar uma exigência política, que estabeleça o papel mais efetivo da União no
investimento em educação básica, sem prejudicar os investimentos no ensino supe-
rior. Outra alternativa é vincular um percentual do lucro líquido das empresas esta-
tais. Só em 2003, esse lucro gerou R$ 19,2 bilhões. Hoje, estima-se que seja superior
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Financiamento e gestão: Impasses e perspectivas
a R$ 30 bilhões. Todas essas medidas são promissoras, desde que os recursos sejam
bem destinados, ou seja é imprescindível o controle social. Nesse âmbito, o CAQi
também é interessante, pois ele direciona o investimento diretamente para a ponta
das redes: para a manutenção das escolas e para a valorização dos profissionais da
educação. Desse modo, fica mais fácil monitorar a aplicação dos recursos.
Notas
1 Mestre em Ciência Política. Coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diretor da Cam-
panha Global pela Educação.
2 Vice-prefeito de Olinda/PE, foi presidente da CNTE (1993/1995) e diretor de Articulação e Desenvolvimento dos
Sistemas de Ensino da Secretaria de Educação Básica do MEC (2003/2005).
3 Doutor em Educação. Professor Associado da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp) e
coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da USP.
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ARTIGOS
O Fundeb como política pública de financiamento
da educação básica
Francisco das Chagas Fernandes*
Introdução
E
ste artigo permite ao autor discorrer para o mundo sindical da educação e
para os segmentos acadêmicos e políticos que constituem seus principais
leitores, sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Embora a leitura da Emenda Constitucional (EC) nº 53, de 2006, e da Lei nº
11.494, de 2007, que a regulamentou, serem imprescindíveis para a compreensão do
Fundeb como política pública de financiamento, o presente texto quer revelar alguns
nexos históricos entre a área das finanças e da educação escolar pública e, principal-
* Graduado em Letras. Professor da Rede Pública de Ensino do Rio Grande do Norte (RN); no Ministério da Educa-
ção (MEC) é Secretário Executivo Adjunto desde 2007, foi Secretário de Educação Básica de 2004 a 2007 e Diretor
do Fundef de 2003 a 2004. E-mail: <fchagas@mec.gov.br>.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 23-38, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 23
Francisco das Chagas Fernandes
mente, dar mais visibilidade a algumas das qualidades do Fundo. A primeira e mais
importante é a adequação do Fundeb à perspectiva constitucional da universalização
de atendimento à demanda por educação básica, em todas as suas etapas e modali-
dades. A segunda é o papel indutor dos fundos estaduais e da complementação da
União para tornar efetivo o regime de colaboração. A terceira – e mais desconhecida
– é o lugar do Fundeb como uma e não a única fonte de custeio e investimento pú-
blico na educação básica. E a última, como não poderia deixar de ser numa revista
da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), é seu papel fun-
damental como valorizador dos profissionais da educação, em especial por meio da
viabilização do Piso Salarial Nacional (PSPN) para os educadores.
Vamo-nos valer, para a construção deste texto, da Constituição, Leis e Decretos que
aludem ao financiamento da educação e ao Fundeb, da experiência como gestor públi-
co nesta área até hoje e, eventualmente, de escritos sobre a temática, financiamento1.
24 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 23-38, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
O Fundeb como política pública de financiamento da educação básica
– o que teria resultado em R$ 782,61 anuais por aluno na educação básica pública.
Por isso, falamos que não é fácil financiar o ensino gratuito quando a demanda
ultrapassa a possibilidade de oferta de recursos públicos. Alguém poderia retrucar
que R$ 90 bilhões gastos em educação básica em 2007 representaram somente 3,51%
do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro de então: R$ 2,56 trilhões. E seria razoável
gastarmos pelo menos 7% em educação. Essa é uma boa discussão, que retomaremos
ao final do texto. Mas, desde já lembremo-nos que a União e os estados já despendem
mais R$ 27 bilhões na educação superior, profissional e outros programas federais -
o que teria elevado o gasto público em educação em 2007 para R$ 117 bilhões, que
corresponderam a 4,6% do PIB, segundo o publicado pelo Instituto Nacional de Pes-
quisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
A situação, portanto, não é fácil. E seria muito pior caso não tivéssemos conquis-
tado a vinculação constitucional de percentuais crescentes de impostos para a manu-
tenção e desenvolvimento do ensino (MDE). Em 1934, eram 10% da União, 20% dos
estados e 10% dos municípios. Em 1988, graças à ação de constituintes ligados à Con-
federação de Professores do Brasil (CPB), hoje CNTE, liderados pelo senador João
Calmon, chegamos ao art. 212 que prescreve 18% dos impostos da União, 25% dos
estados e do Distrito Federal e 25% dos municípios para a MDE. No mesmo artigo
se garante uma contribuição social adicional, chamada “salário-educação”, recolhida
pelos empresários à razão de 2,5% do valor de suas folhas de pagamento – o que re-
sultou em R$ 7 bilhões em 2008. Desde 1995, entretanto, 20% dos recursos da União
vinculados à MDE foram “desvinculados” por uma emenda à Constituição de caráter
provisório, renovada atualmente sob a sigla de DRU (Desvinculação das Receitas da
União), que “desviou” pelo menos R$ 4 bilhões do orçamento de 2008 da MDE. Dis-
positivo semelhante se tenta incluir na reforma tributária no nível dos Estados – Des-
vinculação das Receitas dos Estados (DRE) –, enquanto, no nível federal, está para ser
aprovada a extinção gradativa da DRU em relação aos impostos federais.
De qualquer forma, se a maior parte dos recursos para a educação pública pro-
vém de impostos – e o de maior receita é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias
e Serviços (ICMS), seguido do Imposto de Renda (IR), o Imposto sobre Produtos In-
dustrializados (IPI) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)
– não há dúvida de que o aumento de verbas para a MDE provém substancialmente
do crescimento da arrecadação da União, do DF, dos estados e dos municípios. De
1995 até setembro de 2008 a economia brasileira propiciou aumento real constante de
arrecadação – o que possibilitou uma destinação crescente de verbas para a educação.
Com a crise atual, ocorreu o contrário. Não somente os estados sofreram baixas na
receita de ICMS, como diminuiu o valor dos repasses da União para estados e muni-
cípios por meio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação
dos Municípios (FMP) – formados pelo IR e IPI. Somente o IPVA e o Imposto de
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 23-38, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 25
Francisco das Chagas Fernandes
Renda Retido na Fonte (IRRF) dos servidores estaduais e municipais têm tido receitas
crescentes nos seis meses da crise.
É nesse contexto de dúvida sobre o próprio modelo de financiamento que na-
vega a principal política de financiamento da educação do Governo Lula, o Fundeb.
O que é o Fundeb?
As considerações sobre financiamento da seção anterior foram feitas numa
abordagem geral, tomando o Brasil como uma unidade para os dados de demanda
e oferta e a média brasileira para os custos por aluno. Entretanto, a educação básica
é oferecida pelos entes federados e não pela União, cujo papel é somente de fixar
políticas e redistribuir recursos.
Ora, pelo art. 211 da Constituição, a educação infantil (de zero a cinco anos de
idade) é de competência dos municípios e o ensino médio é encargo dos estados. O
ensino fundamental, agora com duração de nove anos, é oferecido por ambos. Ao
governo do Distrito Federal compete a oferta de todas as etapas.
E quais são as disponibilidades financeiras do Distrito Federal, dos estados e
dos municípios?
Esta pergunta inquieta os gestores desde a década de 1930. Se os recursos para
a educação provêm, na maior parte, de impostos arrecadados pelos estados e muni-
cípios, certamente haverá grandes diferenças, já que as receitas refletem o vigor e a
evolução das atividades econômicas de cada ente federado e as despesas são função
de maior ou menor taxa de natalidade da população local. As desigualdades, em
1995, eram abissais. Enquanto o Município de Paulínia (SP) dispunha em valores
nominais, de cerca de R$ 5.000,00 por aluno matriculado em sua rede, alguns mu-
nicípios do Nordeste não tinham mais que R$ 50,00 anuais para educar cada aluno.
Diferenças não tão extremas, mas muito grandes, também se verificavam entre os
estados. Roraima, Amapá, Acre e Tocantins, por contarem com significativas trans-
ferências de FPE, tinham receitas por aluno cinco vezes maiores que o Ceará, o Piauí
e Alagoas. Grandes arrecadações de ICMS em alguns estados e processos de muni-
cipalização de matrículas em outros haviam aliviado algumas sobrecargas, mas a
regra eram as desigualdades. Não admira que em muitos municípios praticavam-se
vencimentos de professores equivalentes a um terço e até a um quarto do salário
mínimo nacional. A grande exceção era o Distrito Federal, aquinhoado não somente
por forte receita de impostos como por uma histórica complementação da União,
que em 2002, por força da Lei nº 10.633, de 27 de dezembro, se converteu no Fundo
Constitucional do DF, destinado às folhas de pagamento do pessoal da segurança,
saúde e educação.
26 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 23-38, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
O Fundeb como política pública de financiamento da educação básica
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Francisco das Chagas Fernandes
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O Fundeb como política pública de financiamento da educação básica
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Francisco das Chagas Fernandes
ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis) – como já fazem vários deles,
com notáveis repercussões para a valorização dos profissionais e para a autonomia e
qualidade do ensino. A educação para o campo – e não só ela - pode se beneficiar de
receitas de trabalho produtivo de educadores e educandos. Em outras palavras: o que
parecia um complicador do Fundeb acaba sendo, quando comparece o empenho e o
compromisso de cada gestor, um incentivo à captação de novos recursos.
30 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 23-38, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
O Fundeb como política pública de financiamento da educação básica
A esse respeito, basta fazer a comparação entre o perfil das fontes de recursos
em dois municípios, ambos de matrícula fortemente municipalizada: Santarém/PA
(Figura 1) e Rio de Janeiro/RJ (Figura 2). No primeiro, a complementação da União
representa 34,3% do total do Fundeb. No segundo, em vista de o estado ter um cus-
to-aluno superior ao valor-mínimo, a complementação da União é nula. Imagine-se
a disparidade se o Fundeb não existisse.
É verdade que o Fundef se havia proposto a mesma tarefa. Cálculos prelimina-
res do Presidente do FNDE à época, Barjas Negri, haviam previsto R$ 871 milhões
de reais como complementação da União a treze estados. Mas, na realidade, a par-
cela repassada pelo governo federal foi diminuindo gradativamente e representou,
em seu último ano (2006) menos de 1% do total do Fundef, beneficiando somente
o Maranhão e o Pará. Os governadores e prefeitos e, principalmente, os secretários
estaduais e municipais de educação estavam altamente preocupados com a postura
do Ministério da Fazenda, que sempre relutou em conceder complementações mais
generosas, argumentando que elas poderiam inibir o esforço fiscal dos entes fede-
rados.
Por isso, em vez de se escrever, como no art. 6º da Lei do Fundef, que o valor
mínimo seria igual ao valor médio – o que nunca foi cumprido – a opção foi asse-
gurar complementações da União crescentes – R$ 2 bilhões no primeiro ano, R$ 3
bilhões no segundo e R$ 4,5 no terceiro ano de vigência do Fundeb, que corresponde
a 2009. E o que aconteceria de 2010 a 2020? O Conselho de Secretários Estaduais
de Educação (Consed) e a União Nacional de Dirigentes Municipais da Educação
(Undime) queriam 10% da soma dos Fundos. O texto que foi melhorado na Câmara
e aperfeiçoado no Senado saiu ainda melhor: “a complementação da União será de,
no mínimo, 10% do total de recursos” que compõem o Fundo, “a partir do quarto
ano de vigência dos Fundos”.
Isto significa que a evolução da oferta de matrículas e o crescimento do poder
dos estados e municípios poderão levar os deputados e senadores a fazer crescer -
até onde puder se esticar a corda - o valor da complementação, garantindo realmen-
te a transformação do valor mínimo em custo-aluno-qualidade.
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Francisco das Chagas Fernandes
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O Fundeb como política pública de financiamento da educação básica
estados e municípios, e um quadro legal definitivo, contido no art. 206, V e VIII, bem
como no respectivo parágrafo único, dispondo sobre os instrumentos de valorização
de todos os profissionais da educação.
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Francisco das Chagas Fernandes
Notas
1 A esse respeito destaca-se, entre outros, Monlevade (2007), Pinto (2007); Gouveia; Souza; Tavares (2006), Monle-
vade; Ferreira (1997).
2 Devo este cálculo ao prof. João Antonio Cabral de Monlevade, que se baseou nos textos de Serafim Leite (1938) e
de Celso Furtado (2000).
3 Além da EC nº 53, de 2006, e da Lei nº 11.494, de 2007, são fontes imprescindíveis para entender o Fundeb os ma-
teriais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) sobre o Fundo, disponíveis em sua página
eletrônica (<www.fnde.gov.br>).
4 O novo cronograma de complementação dos repasses do Fundeb para 2009, de R$ 5,07 bilhões reflete a impor-
tância que ela tem para estes nove estados, não somente para compor seus gastos no patamar do valor mínimo
por aluno, como também para defender as finanças estaduais e municipais dos efeitos da crise que fez diminuir
as receitas de FPE e FPM. Atente-se à antecipação que o governo federal faz nos meses de abril, maio e junho no
volume dos repasses.
Referências
34 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 23-38, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
O Fundeb como política pública de financiamento da educação básica
34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e dá nova redação ao art. 60 do Ato das
Disposições constitucionais Transitórias. Disponível em: <http://www.presidencia.
gov.br/legislacao/>. Acesso em: maio 2009.
______. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III
do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para insti-
tuir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público
da educação básica. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/>.
Acesso em: maio 2009.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 23-38, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 35
Francisco das Chagas Fernandes
GOUVEIA, Andréa Barbosa; SOUZA, Angelo Ricardo de; TAVARES, Taís Moura
(Org.) Conversas sobre financiamento da educação no Brasil. Curtiba: UFPR, 2006.
36 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 23-38, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
O Fundeb como política pública de financiamento da educação básica
Anexo - Figuras
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Francisco das Chagas Fernandes
Mots clé : Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissio-
nais da Educação (Fundeb). Financement de l’enseignement primaire. Politiques publiques en
éducation. Régime de collaboration.
38 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 23-38, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Autonomia na gestão de recursos
Uma experiência pioneira no País
Introdução
C
om a Constituição Federal de 1934 (CF/34), teve início, no Brasil, a vincu-
lação constitucional de recursos para a manutenção e o desenvolvimento
do ensino. No Artigo 156 dessa Carta Magna ficou disposto, pela primeira
vez, que “a União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os Esta-
dos e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos im-
postos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos.” Com exceção
dos períodos ditatoriais, como no Estado Novo, por meio da Constituição Federal de
* Doutora em Educação. Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE/UFG).
E-mail: <wnloureiro@hotmail.com>.
** Mestrando em Educação na FE/UFG. Professor da Rede Municipal de Educação de Goiânia-GO.
E-mail: <jbneduc63@gmail.com>.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 39-49, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 39
Walderês Nunes Loureiro & João Batista do Nascimento
1937 (CF/37), e na Ditadura Militar, pela Constituição Federal de 1967 (CF/67), esse
princípio tem sido respeitado e vem sendo o meio de se assegurar o financiamento
público para a manutenção e o desenvolvimento do ensino.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88), no artigo 212, dispõe que
“a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Dis-
trito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na ma-
nutenção e desenvolvimento do ensino”.
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Autonomia na gestão de recursos: uma experiência pioneira no País
Inspirada nos dispositivos legais referidos neste texto e com a convicção de que o
financiamento da educação tem papel importante na organização e funcionamento do
sistema municipal de educação, especialmente quando a gestão defende a democrati-
zação do sistema de ensino e da escola, é que a gestão “Democrática e Popular”, eleita
para governar a cidade de Goiânia no quadriênio 2001/2004, elaborou e encaminhou,
para aprovação na Câmara Municipal, a Lei nº 8.075, de 2001, instituindo o Fundo
Municipal de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (FMMDE). O objetivo dessa
Lei foi criar as condições legais, financeiras e de gerenciamento dos recursos munici-
pais destinados ao desenvolvimento das ações e serviços do ensino, executados e/ou
coordenados pela Secretaria Municipal de Educação de Goiânia (SMEG).
A Lei de criação do FMMDE só veio a ser aprovada em final de dezembro de
2001, ou seja, com quase um ano de gestão, porque sua elaboração, no âmbito da
prefeitura, não foi uma decisão de consenso. A convicção do prefeito, da secretária
de educação e de parte dos dirigentes do governo municipal não foi suficiente para
implantar, de imediato, o FMMDE, mesmo sendo a gestão da prefeitura composta
por uma coligação de partidos políticos de esquerda, que, historicamente, vinham
defendendo tanto o princípio da vinculação legal dos recursos da educação, quanto
o artigo 69 da LDB. Mesmo assim, a defesa histórica dessas bandeiras, numa situação
concreta de governo, não impediu o surgimento de dúvidas sobre sua implementação.
Os argumentos eram os mais diversos, desde a existência de outras prioridades que
absorveriam grandes investimentos financeiros, até a dificuldade que teria a SMEG,
pela sua inexperiência, de gerir o montante dos recursos. Finalmente, o empenho do
prefeito, em conjunto com a SMEG, com parte dos gestores da prefeitura e alguns par-
lamentares, conseguiu enviar a Lei para aprovação na Câmara Municipal de Goiânia.
Além das receitas previstas no Art. 212 da CF/88, o FMMDE tinha o objetivo de
gerenciar, também, a aplicação das receitas de convênios e programas celebrados com
o Governo Federal e Estadual bem como aquelas recebidas à conta do Fundo Munici-
pal de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério (Fundef). Resolução Normativa nº 007, de 2000, do Tribunal de Contas dos
Municípios de Goiás, dispôs, em seu art. 1º que
“lei de iniciativa do Poder Executivo criará, no âmbito da Secretaria Municipal
de Educação, Fundo Municipal, de natureza contábil, para gestão exclusiva da
movimentação dos recursos provenientes do Fundo de Manutenção e Desen-
volvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério”.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 39-49, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 41
Walderês Nunes Loureiro & João Batista do Nascimento
Autonomia financeira
Democracia e pedagogia
Os recursos do Pafie destinam-se a garantir maior autonomia pedagógica, ad-
ministrativa e financeira às instituições educacionais, sejam elas escolas do ensino
fundamental ou centros municipais da educação infantil (CMEI), proporcionando
mais agilidade na solução dos problemas administrativos e na execução do projeto
pedagógico.
A descentralização financeira dos recursos públicos vinculados ao financiamen-
to da educação por meio do Pafie foi acompanhada da democratização das decisões
sobre sua aplicação, pois era a instituição educacional, juntamente com o conselho
42 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 39-49, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Autonomia na gestão de recursos: uma experiência pioneira no País
escolar e/ou conselho gestor, que decidia, através de um Plano de Aplicação, em que
utilizar os recursos recebidos. Como o repasse era feito em nome da unidade execu-
tora (Conselho Escolar e/ou Conselho Gestor), era imprescindível que a totalidade de
seus membros, em conjunto com a direção da instituição, se envolvesse na definição
do Plano de Aplicação e na execução propriamente dita dos recursos recebidos.
Conforme a Lei Municipal n° 8.183, de 2003, e o Decreto Municipal n° 147, de 2004,
os recursos repassados pelo Pafie destinar-se-ão à manutenção e ao desenvolvimento
do ensino oferecido pelas instituições educacionais (escola e CMEI) da Rede Municipal
de Educação, visando à garantia do funcionamento e a melhoria de suas instalações
físicas, bem como ações administrativas e pedagógicas.
A unidade executora do Pafie constituía-se num instrumento de gestão democrática
para as instituições educacionais, pois tanto o conselho escolar como o conselho gestor
compunham-se por membros da comunidade escolar, incluindo professores, servido-
res administrativos, pais, alunos e a direção da instituição educacional. Excetuando-se
o diretor ou a diretora que eram membros natos do conselho, os demais integrantes
eram indicados pelos seus pares, em processo de livre escolha da comunidade escolar.
A unidade executora era dotada de autonomia para, em conjunto com a direção
da instituição, elaborar o plano de aplicação e executar os recursos descentralizados
pelo Pafie. Os recursos tinham o objetivo de atender às despesas necessárias à garantia
do funcionamento, melhoria física e pedagógica das instituições educacionais públicas
municipais, fazendo frente a despesas como: aquisição de material de consumo urgen-
te e necessário ao funcionamento da instituição educacional; manutenção, conservação
e pequenos reparos; materiais para implantação do projeto pedagógico; aquisição de
material permanente voltado à área pedagógica; outros serviços e encargos necessários
à consecução de seus objetivos institucionais e pedagógicos. As instituições educacio-
nais que ministravam educação infantil e educação fundamental noturna poderiam
adquirir gêneros alimentícios e gás de cozinha a serem utilizados no preparo da ali-
mentação dos alunos.
O Pafie constituiu-se num programa de fundamental importância para a Rede
Municipal de Ensino de Goiânia, pois ele dotava as instituições educacionais de ex-
pressiva autonomia financeira, para conceber e empreender ações administrativas
e pedagógicas com significativo impacto positivo na melhoria da gestão escolar e
da qualidade do ensino ofertado. Os recursos descentralizados pelo Pafie não eram
suficientes para atender a todas as demandas das instituições educacionais, todavia
era um montante significativo para que pudessem ser realizadas inúmeras ações que
repercutiram na melhoria da gestão escolar, assim como das ações políticas e peda-
gógicas da instituição educacional.
O valor dos recursos do Pafie a serem repassados às instituições educacionais era
definido, conforme dispõe o artigo 2° da Lei n° 8.183, de 2003 e artigo 4° do Decreto n.°
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Walderês Nunes Loureiro & João Batista do Nascimento
147, de 2004, observando-se dois critérios básicos: o número de alunos matriculados, extraí-
do do banco de dados da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia, atualizados trimes-
tralmente, e os períodos de funcionamento das instituições educacionais (matutino, ves-
pertino e noturno) ou de seus níveis de ensino (educação fundamental e educação infantil).
Com o advento do FMMDE e do Pafie, a Secretaria Municipal de Educação de
Goiânia, como gestora autônoma dos recursos vinculados à manutenção e ao desen-
volvimento do ensino, não só transformou como ampliou significativamente o volume
de repasses de recursos, necessários para fazer frente às necessidades administrativas e
pedagógicas das escolas do ensino fundamental (Tabela 1) e dos centros municipais de
educação infantil (CMEI) (Tabela 2).
Antes da criação do Pafie, o recurso chegava às instituições educacionais - escolas
e CMEI - por meio dos adiantamentos. Todavia, os adiantamentos constituem-se em
uma modalidade de execução da despesa pública muito rígida, que não atendiam à
dinâmica da realidade das escolas e dos CMEI. Esse modelo de repasse só permitia que
o recurso chegasse à instituição educacional em nome de uma pessoa física (servidor
municipal vinculado à instituição), com prazo determinado para execução de, no má-
ximo, sessenta dias e com prazo de prestação de contas, de, no máximo, trinta dias. Era
uma realidade que não atendia às necessidades administrativas e pedagógicas, nem
das escolas nem dos CMEI.
Ação multiplicadora
A criação do Pafie possibilitou uma ampliação de repasse de recursos do tesouro
municipal, tanto para as escolas como para os CMEI. Quanto às escolas de Ensino
Fundamental, os repasses saltaram de R$ 915.547,00 (menos de um milhão de reais)
em 2000, para R$ 3.945.583,28 (quase quatro milhões de reais) em 2004. Um acréscimo
percentual de recursos da ordem de 330%. Em relação aos CMEI, os repasses salta-
ram de R$ 400.475,73 (menos de meio milhão de reais), para R$ 1.078.280,00 (mais de
um milhão de reais), em apenas três anos de existência do FMMDE. Um acréscimo
percentual de recursos, da ordem de 169%. Esta ampliação no volume dos recursos
repassados às escolas e CMEI transformou o cotidiano das instituições, influindo po-
sitivamente na sua realidade administrativa e pedagógica, bem como nas suas rela-
ções democráticas internas, pois permitiu a ampliação da participação da comunida-
de escolar no dia-a-dia das instituições.
Com os recursos do Pafie, as instituições educacionais, além de terem garantidos
os insumos básicos necessários ao funcionamento de suas atividades administrativas
e pedagógicas, podiam adquirir materiais e equipamentos de caráter permanente,
fundamentais ao desenvolvimento de suas ações pedagógicas.
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Autonomia na gestão de recursos: uma experiência pioneira no País
Conclusão
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Walderês Nunes Loureiro & João Batista do Nascimento
Notas
1 Em Goiás, por exemplo, os índices tanto o da Constituição Estadual (CE) quanto o da Lei Orgânica do Município
de Goiânia (LOM/Goiânia/GO) foram ampliados em relação ao estabelecido na CF/88. A CE, na sua redação
inicial, no Artigo 158, vinculava o percentual mínimo de 30% à manutenção e ao desenvolvimento do ensino pú-
blico; todavia, por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 33, de 2003, foi dada uma nova redação a esse artigo e
atualmente está disposto que será aplicado o mínimo de 28,5%, sendo 25% na manutenção e desenvolvimento da
educação básica pública, e 3,25% na sua política de ciência e tecnologia, incluindo a educação superior estadual.
A LOM/ Goiânia/ GO, na sua redação original, Artigo 257, dispôs que seria destinado à educação e ao ensino até
35% da receita resultante de impostos, não inclusas as provenientes de transferências; todavia o §9º deste mesmo
artigo estabelece que o Município se obrigará a aplicar na educação percentual nunca inferior a 30% da receita
resultante de impostos. Por meio da EC nº 33 à Lei Orgânica, de 2005, os percentuais iniciais foram reduzidos para
25%, conforme preceitua o Artigo 212 da CF/88. Estas alterações na CE e na LOM/Goiânia/GO representaram um
retrocesso na política de financiamento da educação pública estadual e do município de Goiânia.
2 Conselho Escolar é a denominação da unidade executora das escolas de ensino fundamental e Conselho Gestor
refere-se à unidade executora das instituições de educação infantil.
3 Quando da criação do FMMDE pela prefeitura de Goiânia, não havia nenhum outro município do estado de
Goiás com essa experiência e, na Região Centro-Oeste, havia a informação da existência em Cuiabá, enquanto, no
restante do país, em Belém, Aracaju e Pelotas.
Referências
46 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 39-49, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Autonomia na gestão de recursos: uma experiência pioneira no País
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 39-49, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 47
Walderês Nunes Loureiro & João Batista do Nascimento
Anexo - Tabelas
Fonte: Balancetes Mensais – Contabilidade e Div. de Acompanhamento, Controle e Prestação de Contas - FMMDE
Tabela 2 - Demonstrativo de Repasses de Recursos do Tesouro Municipal
- Pafie e do Governo Federal – PNAC / Programa Nacional de
Alimentação em Creche aos Centros Municipais de Educação
Infantil (CMEI), nos Exercícios de: 2002 a 2004.
Recursos do Tesouro Recursos Federais Total Geral dos
Exercício %
Municipal – Pafie – PNAC (*) Repasses
2002 400.475,73 0,00 400.475,73
2003 683.307,80 70,06 130.137,84 813.445,64
2004 1.078.280,00 169,25 119.392,20 1197672,20
Total Geral 2.162.063,53 249.530,04 2.411.593,57
Fonte: Balancetes Mensais – Contabilidade e Div. de Acompanhamento, Controle e Prestação de Contas - FMMDE
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Autonomia na gestão de recursos: uma experiência pioneira no País
Autonomy in resource-management
A pioneering experience in the Country
ABSTRACT: This article analyzes the legal and political conditions that made the Goiânia City Hall ex-
perience viable in the conception, approving and implementing of the Fundo Municipal de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino (Municipal Funding for Teaching Maintenance and Development - FM-
MDE) and of the Programa de Autonomia Financeira das Instituições Educacionais da Rede Municipal
de Ensino (Program for Financial Autonomy of Municipal Teaching System Educational Institutions
- Pafie), as a mechanism of decentralization and autonomy in resource-management linked to mainte-
nance and development of teaching.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 39-49, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 49
Remuneração adequada do professor
Desafio à educação brasileira
José Marcelino Rezende Pinto*
Introdução
M
uito embora a primeira lei geral de educação do País, aprovada em 15
de outubro de 1827, dedicasse sete de um total de 17 artigos aos profes-
sores, definindo inclusive o valor de seus vencimentos, foram necessá-
rios 121 anos para que se criasse, no Brasil, um piso salarial para os profissionais do
magistério, com a aprovação da Lei nº 11.738, de 2008. E, o que é mais grave, antes
mesmo de entrar em vigor, esta lei, por decisão do Supremo Tribunal Federal, já teve
suspensa, em caráter liminar, a vigência de preceitos fundamentais, em particular
o § 4º do seu art. 2º, o qual determina que na composição da jornada de trabalho
observar-se-á o limite máximo de 2/3 da carga horária para o desempenho de ativida-
des de interação com os educandos, a chamada hora-atividade.
* Doutor em Educação. Professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo (USP). E-mail: <jmrpinto@ffclrp.usp.br>.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 51-67, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 51
José Marcelino Rezende Pinto
A lei de 1827, quando a moeda em vigor era o Real original, mais conhecido pela
alcunha de Réis, muito embora não definisse a hora-atividade, estabelecia que os “or-
denados” dos professores teriam um valor “de 200$000 a 500$00 anuais, com atenção
às circunstâncias da população e carestia dos lugares”. Em valores de 20091, esses
salários representariam, respectivamente, R$ 1.138 e R$ 2.846, mensais, considerando
13 salários por ano. Não deixa de ser curioso que o piso aprovado em 2008, de R$ 950,
em valores de janeiro daquele ano, atualizado para janeiro de 2009, com base no ín-
dice definido pela legislação, e que considera a variação do valor mínimo do Fundeb
para as séries iniciais do ensino fundamental, corresponda a R$ 1.128/mês, ou seja,
praticamente o “piso” de 1827!
A lei do Império, cuja data de aprovação serviu, inclusive, como referência para a
fixação do Dia do Professor, estabelecia, ainda, que “as Mestras vencerão os mesmos
ordenados e gratificações concedidas aos Mestres” (art. 13), e determinava a realiza-
ção de concurso público para o provimento das cadeiras “perante os Presidentes [das
províncias], em Conselho” (art. 7º). No artigo 10, previa, ainda - hoje tão em moda - a
gratificação de mérito, ao determinar que
os Presidentes, em Conselho, ficam autorizados a conceder uma gratificação anu-
al que não exceda à terça parte do ordenado, àqueles Professores, que por mais de
doze anos de exercício não interrompido se tiverem distinguido por sua prudên-
cia, desvelos e grande número e aproveitamento de discípulos. (BRASIL, 1827)
Muito embora conste no preâmbulo que “D. Pedro I, por graça de Deus e unâ-
nime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Bra-
sil: Fazemos saber a todos os nossos súditos que a Assembléia Geral decretou e nós
queremos a lei seguinte”, como sabemos os súditos de hoje, pouco efeito prático teve
toda essa determinação, uma vez que, com a aprovação do Ato Adicional de 1834,
passou-se às províncias a competência legislativa face ao então ensino primário e
secundário.
Não é de estranhar, assim, que, hoje, sejam os governadores dos estados do Mato
Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Ceará, herdeiros diretos
dos antigos presidentes de província, os que se insurjem contra a lei do piso, alegan-
do sua inconstitucionalidade no âmbito do STF, através de uma Ação Direta de In-
constitucionalidade (Adin), em 28 de outubro de 2008, próximo ao Dia do Professor
e 121 anos após a provação da lei de 1827 (ADI-4167, 2008). Não deixa de chamar
atenção, também, o fato de nem serem estes os estados mais pobres da federação.
Felizmente, embora tenha suspendido, liminarmente, a vigência de alguns disposi-
tivos importantes da lei, o STF, em sua ampla maioria, repudiou a alegação de sua
inconstitucionalidade. De qualquer forma, o tema voltará ainda ao plenário do STF
para discussão e deliberação de mérito.
52 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 51-67, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Remuneração adequada do professor: desafio à educação brasileira
Para se ver o pouco impacto da lei de 1827 sobre a valorização dos professores,
vamos nos valer do relato de José Ricardo Pires de Almeida (1989), que, analisando
a situação da educação brasileira no final do século XIX, após criticar a inexistên-
cia de cursos de formação de professores, fato que, segundo ele, induzia à criação
de escolas apenas no papel, em virtude da falta de pessoal qualificado, comenta:
A esta causa natural de insucesso, deve-se juntar o afastamento natural das
pessoas inteligentes, de uma função mal remunerada e que não encontra na
opinião pública a consideração a que tem direito muito mais que as outras,
porque o professor, o institutor e a institutora substituem, em certa medida,
o pai e a mãe de família, inaptos para cumprir completamente seu dever so-
cial. (..) Os pais não podendo, ou não querendo cumprir sua tarefa, o Estado,
o tutor natural, nomeia pessoas hábeis para supri-los para ajudar a cumprir
seu dever; seria, pois, justo, eqüitativo, que estas pessoas fossem não só bem
remuneradas, mas também e sobretudo altamente consideradas. (..) É preciso
que o Governo, quando se trata de instrução primária, intervenha e retire sem-
pre –mesmo com muito pesar- um pouco de dinheiro do bolso do contribuinte
para dá-lo aos institutores (ALMEIDA, 1989, p. 65).
Feita esta viagem inicial no tempo, mostrando o quão pouco o País avançou concre-
tamente na perspectiva da valorização dos professores, o que mais surpreende é que, em-
bora já exista, hoje, uma consciência generalizada de que os professores são mal pagos, o
tema ainda é controverso, em especial na mídia ou em algumas abordagens acadêmicas,
nas quais se busca demonstrar que os professores não são tão mal pagos quanto se diz.
Neste artigo pretende-se fazer uma análise da remuneração dos professores bra-
sileiros em relação aos de outros países e a outros profissionais com nível de formação
equivalente. Será feita, também, uma discussão sobre a ordem de grandeza dos recursos
financeiros necessários para a elevação significativa da remuneração desses profissionais,
de forma a transformar a profissão docente em atividade capaz de estimular a procura
pelos cursos de licenciatura por parte dos alunos mais preparados, o que, infelizmente,
não acontece hoje em dia.
A título de exemplo, basta dizer que no vestibular de 2009 da Fuvest (2009), o qual
seleciona alunos para a USP, enquanto em cursos mais concorridos, como direito e psi-
cologia, as notas de corte foram, respectivamente, 64 e 59; nos cursos de licenciatura em
matemática/física (um mesmo curso) e pedagogia, essas notas foram, respectivamente,
22 e 38, em um total de 90 pontos.
Jornadas e salários
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José Marcelino Rezende Pinto
remuneração mensal dos professores para alguns países da América Latina, em 2000,
desconsiderando-se os extremos superiores e inferiores da escala de remuneração.
Os valores iniciais e finais da carreira, de maneira geral, são muito baixos. O
Brasil, em particular, se destaca pelo baixo valor do limite inferior, que só fica acima
de Bolívia, Equador, Peru e Venezuela. Cabe ressaltar que o salário inicial é uma va-
riável fundamental no momento de escolha de uma carreira. Constata-se, também,
nos países listados, que a razão entre a maior e a menor remuneração varia de 2,0
(Bolívia) a 3,7 (Venezuela), ficando o Brasil próximo do limite superior, com 3,6.
Talvez a abordagem mais adequada para enfrentar a questão seja comparar a
remuneração dos professores com a de outros profissionais de um mesmo país, um
indicador objetivo, levado em consideração pelos jovens no momento de escolha da
carreira. A Tabela 2 apresenta os valores médios de remuneração para um conjunto
de profissões nas diferentes regiões do País, em 2006, tendo como base os dados
da Pesquisa Nacional de Amostra a Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Pelos valores apresentados, percebe-se quão pouco valorizada, do ponto de
vista da remuneração, é a carreira dos professores da educação básica. Tomando
como referência a remuneração mensal média de um professor de 5ª a 8ª série (R$
1.088), que deve possuir curso superior para exercer a profissão, constata-se que o
policial civil (cuja exigência é de formação em nível médio) possui remuneração
50% superior; o economista recebe 3,3 vezes mais; o advogado, 2,6 vezes; o dele-
gado, 5,4 vezes; o médico, 4,4 vezes; e o juiz, o topo da lista, 11,8 vezes. É evidente
que o médico ou o juiz, para ingressar na carreira, possui maior número de anos de
formação do que o necessário para a atividade docente, mas, evidentemente, nada
justifica a distância salarial entre essas profissões.
Os dados levantados por Morduchowicz (2007) para os países da região indi-
cam que a situação do Brasil não é exceção, uma vez que em boa parte do continente
os profissionais assalariados com nível de formação equivalente ao de professores,
ganham acima deles, num percentual que é de 64%, para a Argentina, 72%, para o
Brasil, 44%, para o Chile, 94%, para o Peru, entre outros países.
De fato, os professores não são adequadamente remunerados. No entanto,,
há, ainda, argumentos contra esta tese, em princípio, tão evidente. Embora boa
parte dos estudos mostre que os professores ganham menos que outros profissio-
nais com nível de formação equivalente, vários autores, em especial os economis-
tas, gostam de salientar que, em média, os professores trabalham menos horas
por semana e, quando esse fator é levado em conta, a aparente desvantagem de-
saparece. Alegam os autores que, quando se observa a jornada semanal, os pro-
fessores acabam se encontrando em um patamar mais elevado de remuneração;
assim, a menor jornada seria um forte benefício indireto na escolha da profissão,
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Remuneração adequada do professor: desafio à educação brasileira
em especial por parte das mulheres, que podem conciliar as atividades domésti-
cas com o exercício profissional.
Um exemplo dessa posição é o estudo feito para o Banco Mundial por Xiaoyan
Liang (1999) sobre o pagamento de professores em 12 países da América Latina. Ele
argumenta que, ao não se considerar a jornada semanal de trabalho, os professores
tendem a receber remuneração menor que aquela percebida por profissionais com
formação equivalente, mas, quando se considera a jornada de trabalho, ocorre uma
inversão em boa parte dos países, com exceção de Brasil e Equador (urbano), de tal
forma que, proporcionalmente, os professores passam a ter remuneração mais eleva-
da que seus colegas de outras profissões, e com formação equivalente.
Quando se considera a jornada docente, o consenso sobre remuneração pratica-
mente inexiste. O que está por trás da discussão é a forma de aferir o tempo no plane-
jamento e preparação das aulas, nas atividades de coordenação coletiva, na correção
dos trabalhos e provas etc. Como aponta Morduchowicz (2007, p. 24)
ni las comparaciones efectuadas aquí, ni las realizadas más minuciosamente
en otros trabajos como el Liang (1999), o el más reciente de Hernani-Limarino
(2005) contemplan la cantidad de horas que un docente trabaja en el hogar en
la preparación de las clases [...].
Ou seja, os estudos que tentam mostrar que a remuneração dos professores não
é assim tão baixa partem de grave erro metodológico, ao não levar em consideração
o tempo despendido com planejamento, preparação das aulas, com a correção de
provas e trabalhos.
Se de um lado é difícil especificar o tempo adequado para as atividades docen-
tes que não impliquem a presença em sala de aula, por outro, é evidente que elas
não se esgotam aí. Da mesma forma que a jornada de trabalho de um jornalista não
leva em conta apenas o tempo para escrever a matéria (que, muitas vezes, levou
dias de elaboração), ou a jornada de um engenheiro civil não considera apenas o
tempo que ele leva para desenhar a planta de uma casa,. parece evidente que pre-
parar aula, corrigir trabalhos e provas, participar de reuniões coletivas com outros
profissionais da educação são compromissos que decorrem da própria natureza da
atividade e não podem acontecer simultaneamente com a presença do professor em
sala de aula.
Além disso, o estudo de Liang (1999) considera que os docentes possuem três
meses de férias. Ora, no Brasil, considerando que o ano letivo tem duração de 200
dias, e, no ano, há 52 semanas, que representam 104 dias destinados aos finais de
semana (sem contar os feriados), os professores não possuem mais que 60 dias/
ano,, entre férias e recesso; sem dizer que, em muitos casos, os recessos envolvem
atividades de planejamento e formação continuada.
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José Marcelino Rezende Pinto
Esse estudo (LIANG, 1999) estima a jornada semanal de 29 horas para os profes-
sores, frente a 41 horas para os não professores, enquanto o de Morduchowicz (2007)
avalia a diferença entre a média de 30,4 horas para os docentes, ante 40,4 para os não
docentes. A se considerar que o legislador nacional (Lei 11.738, de 2008) estabeleceu
que, para uma jornada de 40 horas de trabalho, o docente fique, no máximo, 2/3
(26,67 horas) em atividades com os alunos, constata-se que, na verdade, a jornada do
professor é maior que a dos demais profissionais, e não o oposto. A já comentada sus-
pensão liminar deste preceito legal pelo STF indica o quanto a matéria ainda é pouco
assimilada nos meios jurídicos. Imagine-se se na jornada de trabalho de um juiz fosse
computado apenas o tempo dedicado aos despachos e sentenças?
Quando se levanta a questão da jornada do trabalho extraclasse, é comum a críti-
ca de que, na prática, o docente se restringe a dar aulas; logo, não há porque lhe pagar
por algo que deveria ocorrer, mas que não acontece. O tempo dedicado a atividades
de planejamento e correção de trabalhos acaba preenchido por mais aulas em outras
redes de ensino, o que é verdade. Como o salário pago por uma rede é insuficiente
para viver com o mínimo de dignidade, as jornadas são fixadas de tal forma que se
possa atuar em outras redes de ensino, ou ter mais de um cargo na mesma rede. Aí
surgem as jornadas as mais esdrúxulas possíveis: 20 h, 24 h, 30 h etc.
Nas redes em que estão previstas as horas para preparação das aulas e correção
dos trabalhos (as chamadas horas-atividades), boa parte não precisa ser realizada de
forma presencial, o que cria, em verdade, um mundo de faz de conta. O empregador,
público ou privado, paga um valor de hora-aula vergonhoso, argumentando que o
professor pode exercer a atividade em outras redes, e o docente torna-se cúmplice de
um estelionato educacional, transformando-se em mero intérprete de aulas, repeti-
dor de conteúdos vazios de significado para ele e para os alunos.
Os próprios sindicatos tendem a cair, também, nessa armadilha, ao defender, nos
planos de carreira, a existência de jornadas docentes que permitam a dupla ou tripla
jornada. Alguém tem alguma dúvida de que a 60ª aula de um professor do ensino
médio, em uma sexta-feira à noite, é uma fraude?
Argumentos frágeis
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Remuneração adequada do professor: desafio à educação brasileira
senta o que para os demais trabalhadores acontece numa jornada diária; ou seja, a
cada aula, um professor de matemática, por exemplo, tem que se programar para
dar início a uma nova atividade, desenvolvê-la com os alunos, e concluí-la.
É evidente que o desgaste é completamente diferente daquele por que passa um
trabalhador que desenvolve atividade contínua em uma jornada de oito horas diárias.
Um grupo de pesquisadores brasileiros, em especial alguns economistas li-
gados ao IBMEC, à FEA-USP e à FGV-RJ, vêm dando, também, sua contribuição à
tese de que os professores não ganham mal.
Exemplar do caráter pouco científico desses estudos foi o trabalho apresen-
tado em seminário organizado no IBMEC, elaborado por Fernando de Holanda
Barbosa Filho e Samuel de Abreu Pessoa, no qual atuei como debatedor. Ao tentar
provar sua tese de que os professores não ganham mal, os autores comparam os
salários dos professores com aquele recebido pelos profissionais que fizeram os
cursos de pedagogia, matemática, letras, história, geografia, física e química (BAR-
BOSA FILHO; PESSÔA, 2009b) e concluem que não há diferenças significativas.
Ora, surpreendente seria o contrário, pois, como qualquer pessoa que en-
tende um pouco de educação sabe, as profissões selecionadas formam majori-
tariamente professores; logo, eles estavam comparando professores com.... pro-
fessores! Se os autores não estivessem tão preocupados em demonstrar sua tese,
o estudo serviria para mostrar, na verdade, como é ruim a remuneração dos
professores.
Do inédito acesso aos dados das redes estaduais de São Paulo e Rio Grande
do Sul, os ricos dados obtidos por esses autores trazem informações por demais
elucidativas. Mostram, por exemplo, que o pagamento médio mensal a um pro-
fessor na ativa, em São Paulo, é de R$ 1.461; no Rio Grande do Sul, é de R$ 1.183.
Alguma dúvida sobre o baixo estímulo dessas remunerações?
O estudo mostra, também, outro grave problema da profissão: em São Paulo,
51% dos professores não eram efetivos, ou seja, não haviam sido aprovados em
concurso público, exigência legal, como vimos, desde 1827. O pagamento médio
mensal a um professor não efetivo nesse estado era de R$ 1.174, atingindo o má-
ximo de R$ 2.212, entre os 30 e 35 anos de carreira. Para os efetivos, a média era
de R$ 1.761, atingindo o máximo de R$ 2.560, entre os 30 e 35 anos de carreira.
Há, também, o impacto dos gastos com aposentados na folha de pagamentos.
No Rio Grande do Sul, eles representam 45% do total de professores e respon-
dem por 51% da folha. Em São Paulo, esses valores são, respectivamente, 31% e
35%. Ora, como a LDB foi omissa na explicitação dos custos com aposentadoria,
boa parte dos estados e municípios os contabilizam como despesas com manu-
tenção e desenvolvimento do ensino. Assim, parcela significativa dos recursos
vinculados ao ensino do País está sendo desviada para gastos previdenciários.
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A falta de atrativo
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Remuneração adequada do professor: desafio à educação brasileira
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José Marcelino Rezende Pinto
Portanto, parece claro que a questão não é meramente de abrir mais vagas, mas
de quantos licenciados, muitos deles formados em boas instituições públicas, estão
atuando fora de sua área de formação. Quantos físicos, matemáticos e químicos es-
tão trabalhando na Receita Federal, ou no Banco do Brasil, ou na Caixa Econômica
Federal? Sabe-se que a taxa de evasão nas licenciaturas, mesmo nas instituições
públicas, supera os 50%. Por que tantos licenciandos abandonam seus cursos? Nos
cursos de medicina essa taxa é próxima de zero.
Para reverter esse quadro, não há outra saída que não seja traçar uma estraté-
gia de valorização dos professores. E não existe valorização de uma profissão sem
salários atraentes, que estimulem os melhores alunos do ensino médio a optar pela
carreira. A Tabela 3 mostra um levantamento, com base em dados da Pnad pela FGV
e divulgados pelo sítio Gloss <http://gloss.abril.com.br>, em 14 de janeiro de 2008,
com os salários iniciais de algumas profissões.
Mais do que todas as outras tabelas apresentadas neste trabalho, ela mostra cla-
ramente a falta de atrativos da profissão, do ponto de vista da remuneração inicial,
quando se consideram outras opções no mercado. Os professores, no ensino médio
ou nas séries finais do ensino médio (que exigem formação superior), possuem remu-
neração inferior a boa parte de profissões de nível técnico ou da área de vendas. Já
os professores com formação em nível médio Normal recebem menos que vigilantes,
carteiros, mecânicos, motoristas de transporte coletivo, dentre outros.
Conclusão
60 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 51-67, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Remuneração adequada do professor: desafio à educação brasileira
nal de impostos. Como as despesas de pessoal representam de 80% a 90% dos gastos
com ensino, mudar de forma significativa o padrão de remuneração dos professores e
demais trabalhadores da educação no Brasil significa ampliar os gastos com o ensino,
os quais, como mostrou Jorge Abrahão de Castro (2007), de 1995 a 2005, ficaram esta-
cionados no patamar de 4% do PIB. No mesmo período, o setor financeiro (que abriga
os grupos mais privilegiados da população) sugou dos cofres públicos a média de 8%
do PIB através dos juros e encargos da dívida pública.
Para finalizar, é importante simular o potencial de recursos públicos necessários
à educação, caso se pretenda mudança significativa no padrão de remuneração dos
profissionais da educação, em especial dos professores. Há que realizar, inicialmen-
te, uma estimativa da demanda de professores para a rede pública, usando como
referência o ano de 2008 e tendo por base um salário médio de R$ 2.500/mês3 para
a jornada de 40 horas semanais, 2/3 delas de atividades com os alunos e 1/3 para o
planejamento e avaliação do trabalho, cumpridos na escola, e os seguintes parâme-
tros de alunos/turma, referenciados na proposta do CAQi4: creche, 12; pré-escola,
22; séries iniciais do ensino fundamental, 25; séries finais do ensino fundamental e
ensino médio, 30.
Chega-se, com isso, a um gasto estimado de 4,1% do PIB, em valores de 2008.
Considerando que o país gastou, de 2001 a 2005, cerca de 3,1% do PIB com educação
básica (CASTRO, 2007), o novo padrão de remuneração e de razão alunos/turma im-
plicaria uma elevação de gastos da ordem de 1% do PIB, valor plenamente factível
para um país cuja carga tributária é superior a 35% do PIB.
Esse valor não inviabilizaria as necessidades de financiamento da educação su-
perior, assim como as demandas de crescimento, em especial na educação infantil e
nas modalidades de EJA; isto, se considerarmos que os próprios organismos interna-
cionais, como a Unesco, sugerem um gasto público com educação da ordem de 6%
do PIB, e que a Conferência Nacional da Educação Básica (BRASIL, 2008) aprovou
diretriz de ampliação dos “investimentos em educação pública em relação ao PIB, na
proporção de 1% ao ano, de forma a atingir, no mínimo, 7% do PIB até 2011 e, no mí-
nimo, 10% do PIB até 2014” (MEC, 2008, p. 26), com participação proporcionalmente
maior por parte da União, por ser quem mais arrecada.
O desenho proposto aponta para o professor em dedicação exclusiva a apenas
um cargo, com uma jornada de 40 horas, cumprida, de preferência, em um mesmo
estabelecimento de ensino, o que acontece nas redes de ensino de boa qualidade,
como é o caso das federaisl e escolas privadas, de fato, boas. É o que acontece, tam-
bém, nos países mais desenvolvidos. Sem a identificação de um professor com sua
escola e com um grupo não muito elevado de alunos, sem a constituição da equipe
escolar como um grupo coletivo de trabalho, dificilmente se melhora a qualidade
do ensino.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 51-67, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 61
José Marcelino Rezende Pinto
Notas
1 Essa atualização tem por base artigo de Martins (2001) e os valores ali indicados foram atualizados pelo INPC-
IBGE para valores de 2009.
2 O US$ PPP é uma tentativa feita pelos organismos internacionais de estabelecer uma paridade entre as moedas de
diferentes países, tendo por base seu poder de compra, que não é exatamente igual à paridade do câmbio. Embo-
ra seja um esforço válido, seus valores devem também ser entendidos como uma ordem de grandeza aproximada,
pois não é simples comparar países distintos, com diferentes cestas de consumo.
3 Valor estimado pelo autor como um primeiro patamar para tornar a profissão mais atrativa.
4 Esses indicadores tomaram por base o Estudo do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) elaborado pela Campa-
nha Nacional pelo Direito à Educação (CARREIRA; PINTO, 2007)
Referências
ALMEIDA, José Ricardo Pires de. História da instrução pública no Brasil: 1500 a
1889. São Paulo: Educ; Brasília: INEP-MEC, 1989. Edição original em francês.
62 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 51-67, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Remuneração adequada do professor: desafio à educação brasileira
______. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III
do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para insti-
tuir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público
da educação básica. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/>.
Acesso em: jun. 2009.
FUVEST. Estatísticas dos vestibulares. São Paulo, 2009. Disponível em: <http://
www.fuvest.br/vest2009/estat/estat.stm>. Acesso em: 27 mar. 2009.
HERNANI-LIMARINO, Werner. Are teachers well paid in Latin America and the
Caribbean?: relative wage and structure of returns of teachers. In: VEGAS, Emiliana
(Ed.). Incentives to improve teaching: lessons from Latin America. Washington
D.C.: The World Bank, 2005.
LIANG, Xiaoyan. Teacher pay in 12 Latin American Countries: how does teacher
pay compare to other professions, what determines teacher pay, and who are the
teacher?. Washington D.C.: World Bank, Latin American and the Caribbean Regio-
nal Office, 1999.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 51-67, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 63
José Marcelino Rezende Pinto
Anexo - Tabelas
64 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 51-67, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Remuneração adequada do professor: desafio à educação brasileira
Fonte: Elaborado pelo Inep a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) – 2006
* Valor em R$ de setembro
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 51-67, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 65
José Marcelino Rezende Pinto
Fonte: Elaborada pelo autor a partir de dados extraídos do endereço: <http://gloss.abril.com.br/sua-grana/conteudo/ranking-salarios-410344.shtml>. Acesso
em: jun. 2009.
66 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 51-67, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Remuneração adequada do professor: desafio à educação brasileira
Keywords: Teachers’ remuneration. Financing for education. Quality education. Unjust teachers’ remune-
ration. More resources for better salaries.
Mots clé: Rémunération des enseignants. Financement de l’éducation. Éducation de qualité. Rémunéra-
tion injuste des enseignants. Plus de ressources pour de meilleurs salaires.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 51-67, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 67
Gestão educacional
Concepções em disputa
Benno Sander*
Introdução
A
história da educação revela que o campo educacional é uma arena de lu-
tas em que seus atores vêm tratando de impor suas opções políticas e ar-
bitrários culturais e suas legítimas categorias de percepção e apreciação
(BOURDIEU, 1984). À luz dessa colocação, este ensaio visa discutir algumas concep-
ções de gestão educacional em disputa definidas como construções socioculturais,
em que o “passado e o presente são vistos à luz da história” (VYGOTSKY, 1978, p. 64).
Efetivamente, a história do itinerário científico e cultural do mundo ocidental, nela
incluindo a educação e sua gestão, é fortemente marcada por contradições, dissensos
e dicotomias, desde a Paidéia da antiguidade, passando pela escolástica medieval e
pela transição renascentista, até a razão ilustrada da modernidade e da contempora-
* Doutor em Educação. Professor Titular Aposentado da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Presidente da
Associação Nacional de Política e Administração em Educação (Anpae). Sítio: <www.bennosander.com>.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 69
Benno Sander
70 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Gestão educacional: concepções em disputa
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 71
Benno Sander
72 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Gestão educacional: concepções em disputa
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 73
Benno Sander
74 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Gestão educacional: concepções em disputa
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 75
Benno Sander
A modo de conclusão
76 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Gestão educacional: concepções em disputa
Referências
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 77
Benno Sander
tions: a study of problem solving and planning of change in small working groups.
1984. Tese (doutorado em Educação) – Linköping University, Linköping/SE.
KUHN, Thomas Samuel. The structure of scientific revolutions. Chicago: The Uni-
versity of Chicago Press, 1980.
PARO, Vitor Henrique. Administração escolar: uma introdução crítica. São Paulo:
Cortez, Autores Associados, 1986a.
78 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Gestão educacional: concepções em disputa
REZENDE, Antonio Muniz; SANTOS FILHO, José Camilo dos; CARVALHO, Maria
Lúcia Rocha Duarte. Administração universitária como ato pedagógico. Educação
Brasileira, Brasília, v. 1, n. 12, p. 15-58, 1978.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 79
Benno Sander
Educational management
Conceptions in dispute
ABSTRACT: The article discusses different conceptions adopted in the study and the exercise of educa-
tion management in Brazil, rooted in the country’s historical context and in the ambit of its international
interdependency relations. In the analysis of the history of knowledge in the field of educational man-
agement, the essay highlights the underlying philosophical and sociological traditions in dispute and
discusses its conceptual developments and its political and praxiological implications. Its objective is to
contribute to the understanding of acts and facts that characterize the everyday functioning of education
politics and management.
La Gestion démocratique
Des conceptions en dispute
RÉSUMÉ : Cet article discute des différentes conceptions adoptées dans l’étude et dans l’exercice de la
gestion de l’éducation au Brésil, celles-ci étant enracinées dans le contexte historique du pays et dans
le cadre de ses rapports d’interdépendance internationale. Dans l’analyse de la trajectoire des connais-
sances dans le champ de la gestion éducationnelle, cet essai met en relief les traditions philosophiques
et sociologiques sous-jacentes en dispute et discute de leurs conséquences conceptuelles et de leurs
implications politiques et praxéologiques. Son but est de contribuer pour la compréhension des actions
et des faits caractérisant le quotidien de la politique et de la gestion de l’éducation.
Gestión educacional
Concepciones en disputa
RESUMEN: El artículo discute diferentes concepciones adoptadas para el estudio y el ejercicio de la
gestión de la educación en Brasil, arraigadas en el contexto histórico del país y en el ámbito de sus rela-
ciones de interdependencia internacional. En el análisis de la trajetória del conocimiento en el campo
de la gestión educacional, el ensayo destaca las tradiciones filosóficas y sociológicas subyacentes en
disputa y discute sus desenlaces conceptuales y sus implicaciones políticas y praxeológicas. Su objetivo
es contribuir para la comprensión de los actos y hechos que caracterizan el cuotidiano de la política y de
la gestión de la educación.
80 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 69-80, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
A pesquisa no campo da Gestão da Educação
Algumas reflexões sobre as relações entre produção
do conhecimento e a prática da gestão educacional
E
ste texto objetiva destacar os elementos mais evidentes da pesquisa no cam-
po da gestão educacional, demonstrando aquilo que os pesquisadores têm
procurado abordar prioritariamente e, em particular, analisar as possíveis
relações entre esta produção, que corporifica a teoria do campo no Brasil e a prática
como realizada na organização e gestão da educação pública.
Não é verdade que a pesquisa tenha que ter sempre a articulação mais imediata
entre os seus objetos e os problemas do cotidiano da sua área de abrangência, mesmo
que este seja um recorrente reclame proclamado tanto por profissionais da educação
que se encontram na ponta dos sistemas de ensino, nas escolas, quanto pelos admi-
nistradores dos mesmos sistemas e, por vezes, pelos financiadores das pesquisas.
* Doutor em Educação. Professor Adjunto da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Programa
de Pós-Graduação em Educação da UFPR. E-mail: <angelo@ufpr.br>.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 81-94, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 81
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Ângelo Ricardo de Souza
Na segunda metade dos anos 1990, parece ocorrer o surgimento e/ou ampliação
de outras temáticas articuladas ao diretor escolar, voltada aos estudos sobre a prática
e desafios do diretor escolar bem como sobre a sua formação. Contudo, chama a aten-
ção à pequena presença de estudos sobre a direção escolar e as questões de gênero.
Esta pequena produção acerca deste objeto não corresponde à importância que as
questões sobre gênero têm nas relações de poder e, consequentemente, na composi-
ção da política escolar (PAPALEWIS, 1995; SHAKESHAFT, 1995).
A Gestão Democrática é tema muito presente em discussões na educação, des-
de a escola básica até o ensino superior, margeando especialmente os campos da
política e da legislação educacional. Consubstanciou-se num tema notório da área
e ganhou mais expressão ainda a partir da Constituição Federal de 1988 (CF/88)
e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 1996.
Este tema é abordado por aproximadamente 16% da produção. Para a investigação
deste tema, os pesquisadores dedicaram-se com mais ênfase à avaliação/relato de
experiências de gestão democrática, mas também tratam do cotidiano da gestão
democrática e às relações entre ela e a qualidade de ensino, os quais são os temas
específicos mais pesquisados.
Há uma separação importante nos estudos sobre gestão democrática. De um
lado, há estudos que parecem ser marcadamente prescritivos, isto é, voltados a apre-
sentar soluções acerca de como a escola pública deve se organizar para democratizar
sua gestão e que predominam quantitativamente. De outro lado, há estudos mais
analíticos, os quais procuram descrever e analisar problemas e situações da gestão
democrática. Via de regra, os estudos que especificamente tematizam experiências
de gestão democrática se encaixam neste segundo tipo. Já os estudos que tratam de
discutir a participação dos diferentes segmentos na gestão escolar dão evidências de
que se encaixam, em sua maioria, na primeira definição.
Outros temas importantes tratados pelas pesquisas na área dizem respeito aos
Instrumentos de Gestão Educacional/Escolar, dentre os quais estão incluídos os tra-
balhos que versam sobre planejamento escolar, avaliação institucional, técnicas e mo-
delos de gestão, etc., responsáveis por aproximadamente 13% de toda a produção
acadêmica, e que se concentra, majoritariamente, nos anos mais recentes. Chamam a
atenção às discussões sobre o papel do projeto político-pedagógico na organização e
gestão da escola, pois se registrou mais da metade dos trabalhos sobre instrumentos
de gestão neste tema específico. É também interessante observar que esses trabalhos
começaram a surgir, com a compreensão de que são instrumentos de gestão escolar,
somente a partir de 1996, não havendo qualquer registro de teses ou dissertações nos
primeiros dez anos do período analisado. Uma hipótese que pode ajudar a explicar é
a promulgação da LDB, em 1996, que aponta para a necessidade das escolas brasilei-
ras produzirem sua proposta/projeto pedagógica(o).
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estudos bibliográficos). Contudo, não são garantia alguma de que não sejam estudos
prescritivos e que, ao irem até à escola para analisar sua gestão, acabem por vezes mais
preocupados em apresentar um receituário de como as coisas deveriam ocorrer para
o bom funcionamento (leia-se: democrático) da instituição escolar. De qualquer forma,
estudos com essas perspectivas mais qualitativas permitem conhecer um pouco melhor
a escola e a educação por dentro de sua própria organização e isto é algo potencialmen-
te interessante para a pesquisa no campo.
Em texto mencionado, já alertava para alguns temas que a pesquisa não tem pri-
vilegiado (SOUZA, 2006). A pequena produção sobre as Associações de Pais e Mestres
(APM) é instigante, uma vez que essas instituições por vezes se confundem elas próprias
com a escola, pois são reconhecidamente instituições presentes na história da gestão es-
colar brasileira. Além deste assunto, continuam praticamente ausentes estudos que tra-
tem das questões de gênero e etnia no perfil dos dirigentes escolares e/ou dos demais
sujeitos da escola. Os estudos sobre o poder na escola poderiam ampliar e ressignificar
suas conclusões se tomassem estes objetos de investigação. Além disso, há pouquíssi-
mos estudos sobre um possível “efeito-gestão”, isto é, sobre os impactos gerados pelos
dirigentes escolares e educacionais e processos de gestão no desempenho estudantil.
De qualquer sorte, a partir de 1980, no período dos Estudos Atuais, a pesquisa pa-
rece estar mais próxima das realidades escolares e educacional. Porém, o pensamento
dominante na gestão educacional não parece ter cambiado muito. Aparentemente, o
conhecimento do campo partiu da necessidade de profissionalização dos dirigentes
educacionais e escolares, utilizando-se para tanto os paradigmas técnicos advindos da
teoria geral da administração de empresa e da importação da teoria da administração
escolar norte-americana (1930 a 1970), enveredou-se por questões de cunho mais peda-
gógico; tratou de dar criticidade aos problemas derivados dos “erros” de abordagem
do primeiro período; e finalizou com um pretenso futuro com face mais democrática
para a gestão da educação pública, a partir dos anos 1980.
Contudo, este suposto por-vir parece ainda não vingado, tanto na investiga-
ção científica como no ensino. Há, em parte considerável da produção, um
compasso de espera por novas teorias, por trabalhos que apontem novos ru-
mos. Enquanto isto, a pesquisa caminha, mais próxima é verdade dos casos
empíricos, relatando alguns bem (ou mal) sucedidos casos de democratização
da gestão educacional e, em muitas vezes, normatizando ou prescrevendo as
formas pelas quais as escolas e sistemas de ensinos devem se orientar para
alcançarem aquele por-vir. (SOUZA, 2008, p. 56).
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As pesquisas começam a dar destaque a esses aspectos após 1980, mas ainda em grau
aparentemente pouco suficiente.
Em síntese, aquela desarticulação entre o perfil das idéias sobre a gestão educa-
cional e o perfil do dirigente e da gestão escolar se deve: (a) ao fato de que aquelas
idéias estão debatendo um outro contexto e um outro tempo da organização e gestão
da educação, nos quais havia nas escolas outros problemas e com outros graus de
complexidade, consequentemente os dirigentes e os processos de gestão que coman-
davam tinham outro perfil, mas, é necessário que se destaque que aquela desarticula-
ção também se deve, e talvez principalmente, (b) à constatação de que não há estudos
empíricos, isto é, não trabalharam com o que de fato existe(ia) nas gestões escolares
e educacionais no país. Se isto é verdade para os dois períodos iniciais, de outro
lado parece estar mudando, pois no terceiro período histórico citado, há um número
maior de pesquisas indo às escolas e aos sistemas de ensino, conhecendo-as(os) por
dentro e tendo mais condições de identificar, bem de perto, quem são os dirigentes
escolares/educacionais e como se organizam as escolas e a educação quanto aos pro-
cessos de gestão.
Em que pese esta desarticulação, há algum sincronismo entre os perfis. E isto
é devido ao fato de que, apesar dos períodos iniciais se dedicarem pouco ou nada
a pesquisas empíricas, os estudos científicos não são voltados apenas à descrição e
análise do mundo real. A ciência também contribui para modificar o mundo, mesmo
sem se tratar de ciência aplicada, no sentido mais estrito, pois interfere no mundo
apresentando suas teses, hipóteses e sínteses que, se não explicam como as coisas são/
acontecem, interagem com os fenômenos e sujeitos reais, responsáveis por aquelas
coisas, a ponto sugerir como o mundo deveria se organizar. Na educação, em parti-
cular na gestão educacional, a pesquisa tem esta forte marca normativa. A prescrição
apresentada pelos estudos brasileiros sobre a gestão escolar produzidos ao longo do
século XX tem a força do poder acadêmico (BOURDIEU, 1998) e do poder do discur-
so competente (CHAUI, 1997) e é capaz de moldar as pessoas e as suas formas de agir
na condução das escolas públicas. De outro lado, a teoria no campo da gestão escolar/
educacional apresenta alternativas para a solução de problemas que são utilizadas pe-
los sistemas de ensino e pelas escolas, de sorte que na medida em que o modelo pres-
crito seja adotado, o perfil da gestão e do dirigente se assemelha àquela prescrição.
Considerações finais
Este artigo procurou esboçar de maneira sintética as ênfases que a pesquisa tem
dado à produção de conhecimentos no campo da gestão educacional e escolar. En-
controu, nesta direção, evidências de que os estudos do campo denotam o papel po-
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lítico que a gestão educacional carrega intrinsecamente, por ser um espaço por meio
do qual a política educacional opera. Decorrente desta constatação, as pesquisas do
campo têm apostado em temáticas como a gestão democrática e o papel dos dirigen-
tes escolares, assim como sobre a efetividade dos organismos colegiados na gestão
escolar e educacional e suas potencialidades de incremento da participação e da au-
tonomia institucional.
Mesmo encontrando frágil produção em temáticas importantes, como as rela-
ções entre gênero e poder na gestão educacional, como a APM e os grêmios estudan-
tis como instrumentos importantes de organização e gestão escolar, os estudos têm
avançado principalmente porque têm se aproximado mais da realidade empírica vi-
vida pelas pessoas que atuam diretamente nas escolas e sistemas de ensino. E isto, de
alguma maneira, parece ser o elemento que mais contribui para a aproximação tam-
bém crescente entre a teoria que se edifica no campo e a prática da gestão educacional.
A área precisa superar o seu forte normativismo, especialmente porque em boa
parte tal prescrição ignora/não avalia a realidade das escolas e sistemas de ensino.
Mas isto não significa que não se possa, nem se deva, esquecer o papel que a pesquisa
também tem de apontar caminhos para os educadores no sentido de contribuir com
a superação dos problemas na educação pública.
Notas
1 Trata de uma classificação com fins exclusivamente didáticos, não significando, em qualquer hipótese, que esta
seja a única forma possível de se avaliar os trabalhos do campo no país.
2 Para maior profundidade acerca desta avaliação e classificação, ver Souza (2007a).
3 Para tal levantamento, a fonte de dados foi o banco de teses e dissertações da CAPES, trabalhando-se com os
resumos de 516 trabalhos acadêmicos (Mestrado e Doutorado) no período compreendido entre 1987 e 2005 (ver
SOUZA, 2007a).
4 Trata-se de pesquisa que utilizou os microdados gerados pela aplicação de questionários em diretores das esco-
las públicas por ocasião do SAEB-2003. Ver detalhes em Souza (2007c), ou de forma mais resumida em Souza,
2007b.
5 Como os questionários aplicados no Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB de 2003, base da pesquisa
que gerou esta análise.
7 É sabido que a gestão democrática não surgiu após 1987, mesmo porque os autores da Escola Clássica já faziam
referências a questões que poderiam se articular com a democratização da gestão da educação. Todavia, a pre-
sença sistemática deste tema na ordem do dia das pesquisas e trabalhos acadêmicos no campo da gestão escolar
ocorreu naquele período.
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Ângelo Ricardo de Souza
Referências
LEÃO, Antônio Carneiro. Introdução à administração escolar. 3. ed. São Paulo: Cia.
Editora Nacional, 1953.
PAPALEWIS, Rosemary. Fe/Male Voices: leadership and the knowledge base. In:
DONMOYER, Robert; IMBER, Michael; SCHEURICH, James Joseph. The knowled-
ge base in educational administration: multiple perspectives. Albany, EUA: State
University of New York Press, 1995.
PARO, Vitor Henrique. Por dentro da escola pública. São Paulo: Xamã, 1995.
SHAKESHAFT, Charol. A cup half full: a gender critique of the knowledge base in
Educational Administration. In: DONMOYER, Robert; IMBER, Michael; SCHEURI-
CH, James Joseph. The knowledge base in educational administration: multiple
perspectives. Albany, EUA: State University of New York Press, 1995.
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Pressões externas na educação básica
Dissensos e gestão*
Maria Abádia da Silva**
Introdução
N
o Brasil, estudos e pesquisas revelam uma relação contínua e complexa
entre as instituições financeiras internacionais e os governos federal e
estaduais, além de parte dos empresários numa combinação em que se
aproximam os interesses das políticas internacionais aos resultados das políticas
sociais do país. A constância desta relação tem levado pesquisadores e estudiosos
a aprofundarem estudos e debates sobre as modificações estruturais na educação
pública, decorrentes dos acordos e ajuste de conduta do país aos ditames das agên-
cias internacionais.
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Pressões externas na educação básica: dissensos e gestão
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Pressões externas na educação básica: dissensos e gestão
nistração pública até meados de 1970, quando passou a conviver com as tendências
sistêmicas, pautadas no enfoque tecnoburocrático (SANDER, 1985, 2007). Então, no
âmbito escolar instalou-se o reinado da tecnocracia com o predomínio de quadros
técnicos voltados para adoção de soluções racionai e para os problemas organizativos
e administrativos num processo de separação entre o político e o administrativo.
Entre 1964 a 1984 por força da intervenção dos governos militares e das negocia-
ções com os membros de organizações de cooperação econômica dos Estados Unidos
da América (EUA), novamente a administração das instituições públicas escolares
foi objeto de dissensos. A presença dos organismos financeiros por meio de consul-
tores, diretores executivos e técnicos, viabilizou os acordos MEC/Usaid que permi-
tiram uma relação de cooperação técnica, a fim de persuadir a equipe técnica local a
compartilhar com as propostas externas a administração pública (GAIO, 2008; RO-
MANELLI, 2003).
No entanto, a partir de 1989 estreitaram as relações econômicas quando o gover-
no brasileiro aproximou-se dos preceitos de corte neoliberal, propostos pelos homens
de negócios do Consenso de Washington e subscreveu um conjunto de condiciona-
lidades traduzidas em medidas prescritivas a serem implementadas pelos governos
para ajustarem a conduta do país devedor, introduzindo no âmbito das instituições
públicas sociais os princípios concernentes às atividades de livre mercado. (SILVA,
2002; TOMMASI, 1996)
Contudo, essa prática de suprimir a cultura de direitos sociais pela cultura dos
negócios comerciais tem como finalidade ajustar as políticas públicas sociais à mo-
dernidade externa. Para isso, técnicos e diretores almejaram modificar a natureza dos
serviços sociais tais como: educação e saúde em outra reconfiguração do que é ser pú-
blico e do que é ser privado, alterando a estrutura e o ethos de funcionamento público
dessas instituições. Significa dizer, que pela composição da legislação, normatização
e princípios, os governos federal e estaduais podem modificar os direitos sociais den-
tro da ordem institucional, ainda que sob resistências de muitos.
Na década de 1990 em diante agregam-se às tendências anteriores, no âmbito
das escolas, duas concepções de administração escolar ao mesmo tempo. Uma, de-
nominada de gerencialista-empresarial de origem externa deriva das concepções dos
grupos financeiros internacionais que propuseram a lógica racional-empresarial para
os serviços públicos associada a uma visão de neutralidade técnica, competitividade
e racionalidade. Por seu turno, na tentativa de se colocar mais próximos das reivin-
dicações sociais nacionais introduziram nas suas elaborações o termo gestão formata-
do nos princípios da eficiência, eficácia, produtividade e racionalidade, para que os
países devedores pudessem alinhar sua economia ao cumprimento dos contratos e
acordos internacionais e também regular e modificar uma outra concepção pública
de educação, assemelhando-a aos princípios empresariais.
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Pressões externas na educação básica: dissensos e gestão
Considerações Finais
A partir da década de 1990, o Banco Mundial por meio dos acordos financeiros
com o Brasil, financiou projetos para a educação básica de forma compartilhada com
as equipes dos governos federal e estaduais para o desenvolvimento de programa
que instituíram outra organização e gestão na escola pública. (FRIGOTTO; CIAVAT-
TA, 2003; SILVA, 2002)
No ajuste de conduta do país, o governo brasileiro se dispôs a aceitar o estilo de
gestão preconizado pelos diretores, consultores e técnicos do Banco Mundial o que
implicava em mudanças administrativas e financeiras. Entre as mudanças, algumas
escolas transformaram a Associação de Pais e Mestre em Unidades Executoras pú-
blicas de natureza jurídica privada, presidido pelo diretor da escola e com restrita
participação dos pais e comunidade na tomada de decisões.
Outra mudança significativa diz respeito à escolha de prioridades da escola. Es-
sas passaram a ser selecionadas por gestores externos ou por eles induzidos com
descompasso entre o calendário da escola e os prazos do Banco. Os projetos geram
dificuldades de execução e pareciam destoados do planejamento escolar como um
todo pela própria rigidez das normas fixadas no acordo de empréstimo com o Banco
Mundial. Especificamente, as dificuldades ocorrem na utilização dos recursos finan-
ceiros, visto que, quando disponíveis, não coincidem com o calendário letivo e com
as necessidades da escola. Além disso, só podem ser aplicados naquilo que foi pre-
viamente acordado entre o diretor e o coordenador do projeto designado pelo banco,
alheio às decisões dos sujeitos da escola.
Ainda nos anos 1990, como resultado dos embates políticos entre as forças origi-
nárias da sociedade civil e as pressões nacionais e internacionais, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional nº 9394, de 1996, no seu art. 14 institucionalizou a gestão
democrática na escola pública como um dos princípios, que representa uma conquis-
ta das forças sociais e sindicais, das associações científicas e acadêmicas nas suas es-
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Maria Abádia da Silva
colhas. Portanto, a escola pública brasileira convive nesta primeira década do século
XXI com dois estilos de gestão antagônicos que se entrecruzam. Um deles, denomi-
nado gestão gerencialista-empresarial advindo dos preceitos econômicos e empresariais
preconizou práticas voltadas para o individualismo, racionalidade técnica, competi-
tividade e produtividade sustentadas pelos diretores dos organismos financeiros in-
ternacionais com adesão de parte dos gestores da educação que supunham melhorar
a educação à revelia dos sujeitos. E outro, denominado de gestão democrático-popular
construído na luta parlamentar e nos congressos de educação reafirma o alagamento
dos espaços públicos decisórios, o acolhimento da diversidade de propostas, a viabi-
lização dos canais de comunicação e transparência para que todos possam sentir-se
partícipes das decisões, e que, de fato, sejam sujeitos históricos. Vivemos um tempo
de escolhas!
Nota
1 Siglas de Ministério da Educação e United States Agency for International Development [Agência dos EUA para
o Desenvolvimento Internacional].
Referências
104 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 95-106, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Pressões externas na educação básica: dissensos e gestão
McNAMARA, Robert Strange. Cem países: dois bilhões de seres. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 1974.
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Maria Abádia da Silva
Keywords: Basic education policies. World Bank. Education management. Teachers’ training. Public
school.
Mots clé: Politiques de l’enseignement primaire. Banque mondiale. Gestion de l’éducation. Formation
des professeurs. École publique.
Palabras clave: políticas de Educação Básica [Enseñanza Primaria]. Banco Mundial. Gestión de la Educa-
ción. Formación de profesores. Escuela pública.
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A educação pública e sua relação com o setor privado
Implicações para a democracia educacional
Theresa Adrião*
Vera Maria Vidal Peroni**
Para iniciar
A
política educacional brasileira vem, ao longo dos últimos anos, sofrendo
modificações em sua pauta de debates e redefinindo, na prática, questões
pactuadas pelos educadores no período correspondente à década de 1980.
Conteúdos atribuídos à descentralização, autonomia da escola e à participação, que
foram, naquele período, as bases do debate sobre a gestão democrática da educação,
hoje pouco tem de democráticos, quando se prestam, em verdade, a ocultar a desres-
ponsabilização governamental diante do quadro educacional brasileiro.
Estas alterações não ocorrem apenas no campo da educação, visto que são obser-
vadas nas políticas sociais de uma maneira geral e resultam das estratégias adotadas
pelos setores hegemônicos como resposta à crise do capitalismo. Buscando melhor
perceber esse movimento este texto objetiva refletir sobre as relações entre o poder
público e o setor privado para a gestão e a oferta da educação básica, resultantes de
distintos formatos de “parcerias público-privadas”, termo aqui entendido como em
* Doutora em Educação. Professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).
** Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 107-116, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 107
Theresa Adrião & Vera Maria Vidal Peroni
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A educação pública e sua relação com o setor privado: implicações para a democracia educacional
papel do Estado para com as políticas sociais é alterado, pois com este diag-
nóstico duas são as prescrições: racionalizar recursos e esvaziar o poder das
instituições, já que instituições democráticas são permeáveis às pressões e
demandas da população, além de serem consideradas como improdutivas,
pela lógica de mercado. Assim, a responsabilidade pela execução das políticas
sociais deve ser repassada para a sociedade: para os neoliberais através da
privatização (mercado), e para a Terceira Via pelo público não-estatal (sem
fins lucrativos). (PERONI, 2006, p. 14)
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 107-116, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 109
Theresa Adrião & Vera Maria Vidal Peroni
tatal logo pública, que passa a ser de direito privado (como exemplos, citamos os ca-
sos das organizações sociais, fundações, conselhos escolares que se transformam em
Unidades Executoras etc.); b) ou por meio da instituição de parcerias entre o Estado e
instituições privadas sem fins lucrativos, genericamente identificadas como integran-
tes do Terceiro Setor para a execução das políticas sociais.
Com o quase mercado, a propriedade permanece estatal, mas a lógica de merca-
do é que orienta sua gestão, principalmente por acreditar que o mercado é mais efi-
ciente e produtivo que o Estado, aspecto da teoria neoliberal partilhado pela Terceira
Via. Neste caso, como afirma Dale (1994, p. 112):
o que está envolvido não é tanto uma deslocação direta do público para o pri-
vado, mas um conjunto muito mais complexo de mudanças nos mecanismos
institucionais através dos quais são regulados o que continuam a ser essencial-
mente sistemas educativos estatais.
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A educação pública e sua relação com o setor privado: implicações para a democracia educacional
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Theresa Adrião & Vera Maria Vidal Peroni
Não por acaso, ouve-se recorrentemente dos gestores governamentais como jus-
tificativa para a adoção desse tipo parceria a busca por certa “qualidade da educa-
ção”, ainda que esta seja imposta por avaliações externas e ditadas por uma lógica
mercantil. O conceito de qualidade também nos remete ao debate acerca da função
social da escola (PERONI, 2008). Sabe-se que historicamente, a educação sofreu in-
fluências do mercado e, particularmente neste período do capitalismo, a gestão e o
conteúdo escolar são profundamente marcados por uma noção de qualidade, instru-
mental ao mercado e adequada às demandas da reestruturação produtiva.
Há ainda outra maneira pela qual o campo educacional tem se adequado aos
ditames da Nova Gestão Pública, esta se refere ao financiamento ou subvenção por
parte do poder público a escolas e/ou instituições privadas com e sem fins lucrativos.
A justificativa para tal fenômeno recorre à necessária efetivação do direito à educação
básica, razão pela qual se generalizam programas de “compra” de vagas em escolas
privadas em substituição á ampliação das vagas em escolas públicas.
Tal tendência, ainda que historicamente presente quando se trata do direito das
crianças às creches, tem se ampliado para a educação infantil de sorte que em alguns
casos, a própria estatística educacional é comprometida na medida em que o muni-
cípio contabiliza como pública a vaga oferecida pela instituição privada strictu senso,
mas por ele subvencionada. Esse movimento indica uma preocupante ampliação do
atendimento à demanda custeada por recursos públicos, mas em subsumida à am-
pliação e à disponibilidade do setor privado. (ADRIÃO, 2008; BORGHI; ADRIÃO;
ARELARO, 2009, DOMICIANO, 2009)
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A educação pública e sua relação com o setor privado: implicações para a democracia educacional
Notas
1 Por prescrições neoliberais, entende-se o conjunto de medidas adotado pela maioria dos países do ocidente que
combinava, basicamente, a diminuição da presença estatal na oferta e manutenção de políticas sociais, ajustes
fiscais e a liberalização dos mercados tendo em vista, principalmente, as demandas do capital financeiro.
2 Terceira Via, segundo seu mais importante propositor: “[...] se refere a uma estrutura de pensamento e de prática
política que visa a adaptar a social democracia a um mundo que se transformou fundamentalmente ao longo das
últimas duas ou três décadas. É uma Terceira Via no sentido de que é uma tentativa de transcender tanto a social
democracia do velho estilo quanto o Neoliberalismo.” (GIDDENS, 2001, p. 36).
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Theresa Adrião & Vera Maria Vidal Peroni
Referências
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Theresa Adrião & Vera Maria Vidal Peroni
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Potencialidades e limitações da certificação de
professores
Carlos Roberto Jamil Cury*
Introdução
A
certificação de professores demanda considerações prévias, para que a dis-
cussão fuja de aceitações fáceis e apressadas, evitando sua negação a priori.
E exige, antes de mais nada, a adequada problematização das propostas
que circulam em órgãos oficiais. A aproximação da Conferência Nacional de Educa-
ção (Conae) é uma oportunidade rara para que a sociedade civil organizada em torno
da educação escolar possa trazer à baila temáticas com as quais vem se defrontando.
As propostas de certificação implicam a solução de algumas premissas, para enca-
minhar o debate de maneira adequada. Uma delas se refere aos docentes profissiona-
lizados por meio de mecanismos legais; a outra, às condições de trabalho e à carreira.
A formação institucional de docentes se dá de diferentes formas. A primeira
- e mais antiga – é a do curso normal em nível médio, que profissionaliza para a
* Doutor em Educação. Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). E-mail:
<crjcury.bh@terra.com.br>.
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Carlos Roberto Jamil Cury
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Potencialidades e limitações da certificação de professores
Este novo caráter nem sempre é obtido exclusivamente por meios autodidatas e
para isso existe a formação processual, contínua, ou seja, a formação continuada.
Importa não tratar sociedade e indivíduo como elementos antagônicos, mas
como polos de uma dialética maior. E não se deve retificar a qualificação na dimensão
sócio-institucional da formação inicial, como se o professor ou a professora, ao longo
da vida profissional, não construísse novos saberes, e o saber atestado pelo diploma
de conclusão do curso fosse suficiente para o pleno exercício profissional.
Por melhor e mais avançado que seja um curso de formação acadêmica, o pro-
fessor, como qualquer profissional, não sai “pronto” da universidade, mas tem ne-
cessidade de complementar, aprimorar e atualizar seus conhecimentos, por meio do
processo de pesquisa. Apropriar-se de novos conhecimentos é dar continuidade à
formação teórica. Além disso, no contexto de produção científica cada vez mais ace-
lerada, é essencial a atualização permanente, democratizando o acesso ao campo de
trabalho. Por outro lado, a prática não constitui mero campo de aplicação da teoria,
mas também, de produção de conhecimentos.
A formação inicial e a continuada fazem parte de um processo contínuo, que
busca a consolidação do sujeito como profissional da educação e, ao mesmo tempo,
da profissão de educador e da própria ambiência escolar. Ambas se apoiam em prin-
cípios e pressupostos comuns, considerando o aluno/professor como sujeito, valo-
rizando sua experiência pessoal e coletiva e o saber nascido da prática. Apoiam-se,
também, no trabalho coletivo do projeto pedagógico, cujo compartilhamento não ex-
clui, ao contrário, exige o desenvolvimento e o compromisso individuais.
Tomar a formação inicial, com suas precariedades e virtudes, como fonte para
analisar, criticar, elogiar, avaliar a atuação do docente em exercício na educação bá-
sica é incorrer no erro lógico de tomar uma manifestação importante e significativa
como se fosse o todo. Qualquer avaliador sabe que a formação inicial é a condição
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Carlos Roberto Jamil Cury
para o exercício profissional em sala de aula. Portanto, deve ser a melhor possível, a
mais rigorosa do ponto de vista do método, da teoria, a mais adequada ao perfil dos
estudantes. Entretanto, os saberes oriundos do fazer devem ser objeto de valorização
constante, o que nem sempre acontece, porque exige organização mais clara e siste-
mática, com a retomada e a reflexão de experiências e o questionamento de rotinas.
A formação continuada permite que o professor se aproprie do conhecimento
que gerou e se torne um professor-investigador, que pode rever sua prática, atribuir-
lhe novos significados e obter mais espaço para a compreensão das mudanças. Além
disso, os desafios do mundo contemporâneo implicam o conhecimento teórico-práti-
co de uma sociedade em que a sala de aula se projeta para além das quatro paredes.
Associado à valorização do docente em todos os aspectos, o art. 67 da LDB (BRA-
SIL, 1996a) ganha sentido, quando, em seu inciso IV, postula a “avaliação de desem-
penho”, que exige o preenchimento dos outros incisos.1
Caso o sujeito queira “autenticar, tornar certos” os conhecimentos reelaborados,
pode recorrer à certificação. Trata-se, pois, de um momento de identificação e reco-
nhecimento do mérito individual. O processo de certificação, a depender da vontade
dos indivíduos, se volta para a “autenticação” deste movimento processual.
Antecedentes
Até os anos 1960, havia uma espécie de simetria entre classe social, socialização
familiar e socialização escolar de professores e estudantes. O perfil socioeconômico
e cultural dos envolvidos na relação pedagógica era parecido. Eventuais lacunas no
processo de socialização escolar podiam ser preenchidas pela socialização familiar;
havia material e situações pedagógicas, como bibliotecas, incentivo à leitura, diver-
sificação cultural, experiências extra-escolares, controle do aprendizado em casa, en-
tre outros. Os destinatários do sistema escolar eram filhos das classes médias e das
classes altas, em especial após os quatro anos obrigatórios. O prosseguimento nos
estudos dependia de exames de admissão e de vagas. Essa realidade, contudo, deve
ser lida à luz da legislação vigente nos estados da federação.
O docente da escola normal era contratado em concurso público, para cujo alvo
importava um caminho precursor, onde era importante “estagiar” junto a um pro-
fessor sênior, até chegar à condição de “titular” da cadeira. As escolas normais se
habilitavam a bem preparar os docentes do ensino primário. O salário – mormente no
ensino secundário – gozava de razoável poder aquisitivo, mesmo porque a feminiza-
ção da profissão se fazia concomitante ao apoio familiar. Isto permitia um período de
trabalho direto e um período indireto, voltado para preparação de aulas e correção
de trabalhos.
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Potencialidades e limitações da certificação de professores
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Carlos Roberto Jamil Cury
Novos desafios
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Potencialidades e limitações da certificação de professores
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Carlos Roberto Jamil Cury
Da certificação
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Potencialidades e limitações da certificação de professores
As bases legais
[...]
A LDB, atendendo ao inciso XXIV do art. 22 da CF/88 e aos incisos V e VII do art.
206 (BRASIL, 1988), repõe em seu texto estes princípios de abrangência nacional:
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
[...]
[...]
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Carlos Roberto Jamil Cury
O art. 9º. desta lei atribui competências coordenadas com o conjunto normativo
existente. Assim, diz o artigo:
A União incumbir-se-á de:
[...]
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Potencialidades e limitações da certificação de professores
Também o PNE, Lei nº 10.172, de 2001, se posiciona em prol da valorização dos do-
centes e do seu desempenho, assegurada a formação continuada dos professores. Tais
iniciativas dependem tanto dos poderes públicos quanto dos profissionais, como se vê no
tópico relativo às diretrizes e à meta de nº 27 do capítulo sobre a formação e valorização:
Promover, em ação conjunta da União, dos Estados e dos Municípios, a ava-
liação periódica da qualidade da atuação dos professores, com base nas dire-
trizes de que trata a meta nº 8, como subsídio à definição de necessidades e
características dos cursos de formação continuada. (BRASIL, 2001)
Conclusão
[...]
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Carlos Roberto Jamil Cury
Notas
1 Ver Emenda Constitucional (EC) nº 19 (BRASIL, 1998), que deu redação nova aos artigos referentes aos servidores
públicos.
2 Tudo indica que a CF/67 manteve os quatro anos obrigatórios e gratuitos do ensino primário oficial e tornou obri-
gatórios mais os quatro anos seguintes (ginásio) com gratuidade condicionada. (BRASIL, 1967, art. 168, § 3º, II-III).
3 Um primeiro passo dado na direção dessa recomposição pode ser assinalada na Lei nº 11.738, de 2008.
4 Um passo significativo na direção de uma formação mais qualificada se deu com a Lei nº 10.861, de 2007 e com o
Decreto nº 6.316, de 2007, pelos quais cabe à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Ca-
pes) auxiliar o Ministério da Educação (MEC) na formulação de políticas e no desenvolvimento de atividades de suporte
à formação de profissionais do magistério para a educação básica e superior. Conferir também o Decreto nº 6.755, de 2009,
sobre fomento e apoio a programas de formação inicial e continuada de docentes.
8 Não confundir com a denominada acreditação. Esse neologismo não se confunde com os processos de autorização,
reconhecimento e credenciamento hoje sistematizados pela Lei do Sinaes (BRASIL, 2004). Ele visa complementar
esses processos, mediante avaliações autônomas realizadas por órgãos independentes, verificando os resulta-
dos dos serviços de determinadas instituições em atender e satisfazer qualitativamente os destinatários desses
mesmos serviços que devem estar conformes a um padrão de qualidade. Entre outras dimensões, ela visa tornar
processos e resultados transparentes, dar retorno para a melhoria do desempenho institucional, garantir a ética
profissional e incluir o destinatário na avaliação.
9 No Brasil, a normatização desses processos é feita pelo Instituto Nacional de Metrologia e Normatização – Inme-
tro. (2009).
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Potencialidades e limitações da certificação de professores
10 Ao contrário, as modernas redes privadas de oferta de educação escolar, além de serem compreendidas nos sis-
temas de ensino, nasceram da busca pela liberdade de ensino e da liberdade de ensinar.
11 Tal exigência foi mantida na Lei nº 11.494, de 2007, que regulamentou a EC 53, de 2006, do Fundeb (BRASIL, 2006).
Referências
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 117-134, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 129
Carlos Roberto Jamil Cury
130 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 117-134, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
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Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 117-134, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 131
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Carlos Roberto Jamil Cury
Keywords: Assessment and accreditation. Teachers’ training. Qualification for the teaching career. Tea-
ching career. Educational legislation.
Mots clé: Évaluation et certification. Formation d’enseignants. Habilitation pour l’enseignement. Carrière
de l’enseignement. Législation de l’enseignement.
De la certificación docente
RESUMEN: El presente artículo aborda la dialéctica entre la formación y actualización de profesores
y la polémica propuesta en torno a la certificación de los docentes. La formación y la actualización son
puestas en paralelo a los movimientos de orden legal que pautan, no solo la carrera del profesor, sino
también la función y la finalidad de dicha profesión. La importancia de un sistema evaluativo que re-
caiga sobre los docentes asume un nuevo significado al entenderse como una herramienta para que el
propio profesional pueda orientar sus estudios y se mantenga actualizado de cara a la realidad cada vez
más compleja que llega al salón de clases.
Palabras clave: Evaluación y certificación. Formación de profesores. Habilitación para el magisterio. Car-
rera de magisterio. Legislación de la enseñanza.
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O gestor escolar e as demandas da gestão democrática
Exigências, práticas, perfil e formação*
N
o marco legal, a gestão democrática está estabelecida na Constituição Fe-
deral do Brasil, de 1988, como um dos princípios que deve nortear o ensi-
no público. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei
nº 9.394, de 1996), no mesmo sentido, indica que o ensino será ministrado com base,
entre outros princípios, no da “gestão democrática do ensino público, na forma desta
Lei e da legislação dos sistemas de ensino” (BRASIL, 1996, art. 3o). Mesmo que de for-
ma tímida, a LDB também determina alguns parâmetros para a gestão democrática,
dentre os quais: a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola; e a participação das comunidades escolar e local em conselhos
escolares ou equivalentes. A partir da legislação federal, os sistemas de ensino (esta-
duais/DF e municipais) constituem normas próprias, objetivando a implementação
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 135-147, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 135
Regina Vinhaes Gracindo
da gestão democrática nas escolas sob sua jurisdição. Ocorre, contudo, que muitos
deles não promoveram a normatização necessária para tal e, por esse motivo, ela
vem sendo desenvolvida de variadas formas e a partir de diferentes denominações:
gestão democrática, gestão participativa, gestão compartilhada, co-gestão, dentre ou-
tras. Sob o aparente manto da semelhança, sob cada uma dessas denominações estão
alojados comportamentos, atitudes e concepções, por vezes, muito diferenciados.
Dentre as distintas formas de implementação da gestão escolar, vale destacar
duas que mais frequentemente são encontradas na realidade atual: uma, que reflete a
visão predominantemente econômica da gestão e, outra, que revela a supremacia da
visão socioantropológica dessa prática.
A primeira denota uma “volta ao passado”, numa postura neotecnicista da ad-
ministração gerencial desenvolvida em larga escala no sistema educacional brasileiro
nos anos 1970, cuja referência principal é o mercado e suas demandas. Nesse caso,
o termo gestão escolar apresenta-se como sinônimo de “gerência”, como processo
instrumental que conta, inclusive, com fartos financiamentos de diversos organismos
internacionais, para a implantação de experiências denominadas de “gerência em-
presarial da escola”, “escola-empresa” ou de “escola de qualidade total”. Esta forma
de gestão é visivelmente identificada, até mesmo, na forma organizacional de alguns
sistemas de ensino, com suas “gerências” administrativas e pedagógicas. Vale notar
que muitos dos dirigentes educacionais, que esposam essa prática, identificam-na
como politicamente “neutra”, mas que, na realidade, serve, principalmente, para a
manutenção da realidade vigente.
Na segunda, a gestão escolar focaliza a essência do processo educativo, conside-
rando os sujeitos sociais envolvidos em sua prática, e cuja direção para suas ações é a
relevância social. Essa forma de gestão deságua, necessariamente, em uma experiência
democrática na escola, envolvendo todos os segmentos escolares, tanto na concepção,
como na implementação e avaliação do trabalho escolar. Assim, desvelam-se as di-
mensões política e pedagógica da gestão escolar, intrinsecamente ligada à prática edu-
cativa e com um forte compromisso com a transformação social. Com essas caracterís-
ticas, a gestão escolar parece fazer jus à denominação de gestão democrática do ensino.
Convém destacar que esta diferença conceitual não é um mero jogo de palavras
sem significado político. Ela decorre do embate de forças político-ideológicas que
percebem a importância da gestão escolar no contexto social mais amplo e, por isso,
estabelece conceitos e ações que melhor se coadunam às diversas visões de sociedade
e Estado, sobretudo, no que se refere ao papel do Estado na oferta e responsabilidade
com a educação escolar, para todos.
Por certo, é na segunda acepção que o presente texto se apoia.
A gestão democrática aqui indicada pode ser considerada como meio pela qual
todos os segmentos que compõem o processo educativo participam da definição
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O gestor escolar e as demandas da gestão democrática: exigências, práticas, perfil e formação
dos rumos que a escola deve imprimir à educação e da maneira de implementar es-
sas decisões, num processo contínuo de avaliação de suas ações. E como elementos
constitutivos dessa forma de gestão podem ser apontados: participação, autonomia,
transparência e pluralismo. (ARAÚJO, 2000)
Há um grande leque de significados e de experiências de participação na prática
social da educação. Alguns exemplos de gestão escolar sinalizam e perpetuam um
processo de participação como colaboração de mão única, de adesão e de obediên-
cia à direção da escola, onde as decisões estão previamente tomadas, os objetivos
anteriormente estabelecidos e a “participação” delimitada a priori (BORDIGNON;
GRACINDO, 2001). Perdem-se, dessa forma, duas condições básicas para uma efe-
tiva participação: (i) a possibilidade de o sujeito poder influenciar nas decisões da
escola; (i) e a consequente corresponsabilidade com os acertos e desacertos do pro-
cesso educativo. Com estes elementos, a participação adquire caráter democrático
e torna-se propiciadora da ação comprometida dos sujeitos sociais. A participação
requer, dessa forma, a posição de governantes, não de meros coadjuvantes. Ou seja,
requer a descentralização do poder, muitas vezes concentrado nas mãos do gestor. A
verdadeira participação só é possível num clima democrático, tornando-se condição
para a gestão democrática, uma não é possível sem a outra.
Como uma das condições para o estabelecimento da gestão democrática, a pró-
pria LDB assevera que é preciso que os sistemas de ensino assegurem:
às unidades escolares públicas de educação básica que os integram
progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de
gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro
público. (BRASIL, 1996, art. 15)
Vale considerar que o conceito de autonomia está, segundo Barroso (1998), eti-
mologicamente ligado à ideia de autogoverno, que é a faculdade que os indivíduos
(ou as organizações) têm de se regerem por regras próprias. Assim, a autonomia pre-
cisa ser conquistada a partir da democratização interna e externa da escola, politi-
zando o espaço escolar e propiciando o desenvolvimento das duas facetas importan-
tes da autonomia escolar: a autonomia da escola e a autonomia dos sujeitos sociais.
(ARAÚJO, 2000)
Uma das questões importantes na gestão democrática diz respeito à abertura de
espaço para o “pensar diferente”. É o pluralismo que se consolida como postura de
“reconhecimento da existência de diferenças de identidade e de interesses que con-
vivem no interior da escola e que sustentam, através do debate, do conflito de ideias
e o próprio processo democrático” (ARAÚJO, 2000). Nota-se que a maior resistência
encontrada a essa postura pluralista está, em grande medida, na consequente distri-
buição de poder que ela enseja. Nesse sentido, ratificando a ideia da necessidade de
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Regina Vinhaes Gracindo
desconcentração do poder, Bobbio (1994) esclarece que “uma sociedade é tanto me-
lhor governada quanto mais repartido for o poder e mais numerosos forem os centros
de poder que controlam os órgãos do poder central.”
Outro elemento fundamental da gestão democrática é a transparência, que está
intrinsecamente ligada à ideia de escola como espaço público. Face ao atual predomí-
nio da lógica econômica em todos os setores sociais, inclusive na educação, garantir
a visibilidade da escola frente à sociedade, torna-se uma questão ética. Como um
amálgama dos elementos constitutivos da gestão democrática:
a transparência afirma a dimensão política da escola, sua existência pressupõe
a construção de um espaço público vigoroso e aberto às diversidades de opi-
niões e concepção de mundo, contemplando a participação de todos que estão
envolvidos com a escola. (ARAÚJO, 2000, p. 155)
Com isso, a concepção de gestão democrática descrita acaba por estabelecer no-
vas exigências e a demandar novas práticas para os gestores escolares.
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O gestor escolar e as demandas da gestão democrática: exigências, práticas, perfil e formação
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Regina Vinhaes Gracindo
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O gestor escolar e as demandas da gestão democrática: exigências, práticas, perfil e formação
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Regina Vinhaes Gracindo
sistema de ensino” (BRASIL, 1996, parágrafo único, art. 67). Dessa forma, no Brasil,
os cursos de formação de gestores escolares se configuram, ora como um aprofun-
damento oferecido nos cursos de Pedagogia, ora como cursos de pós-graduação lato
sensu ou stricto sensu. Com isso, fica garantida a formação prévia ou simultânea de
professor, seja para atuação nas séries iniciais do ensino fundamental (Licenciatura
em Pedagogia), seja para desenvolvimento das diversas disciplinas específicas, nos
anos finais do ensino fundamental e no ensino médio (demais Licenciaturas).
A forma de encarar o gestor escolar, como um professor que em determinados
momentos de sua vida assume essa função, articulando e coordenando as ações da
escola, remete à importância de que todas as licenciaturas possuam, em seus currí-
culos, componentes voltados para o entendimento da organização administrativa e
pedagógica da educação, das políticas públicas de educação e da gestão do processo
educativo. Com isso, torna-se possível credenciar qualquer professor como interlocu-
tor capaz de participar da gestão democrática que se desenvolve na escola, quer como
docente, quer como gestor.
Para tanto, a estrutura curricular precisa garantir duas dimensões na formação
do gestor escolar, tal como afirma Cury (2001):
o administrador da educação e da educação escolar, em especial, deve ser con-
templado com processos de formação geral iguais a todo e qualquer educador.
Ao mesmo tempo, ele deve receber uma formação específica que o credencie
às inúmeras tarefas e funções que se lhe são exigidas. (CURY, 2001, p.16)
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Regina Vinhaes Gracindo
Considerações finais
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O gestor escolar e as demandas da gestão democrática: exigências, práticas, perfil e formação
Referências
AZEVEDO, Janete Maria Lins de; GRACINDO, Regina Vinhaes. Educação, socieda-
de e mudança. Brasília: CNTE, 2005.
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Regina Vinhaes Gracindo
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O gestor escolar e as demandas da gestão democrática: exigências, práticas, perfil e formação
Mots clé: Gestion démocratique. Gestionnaire scolaire. Formation des professionnels de l’éducation.
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Gestão democrática e qualidade de ensino em
escolas de educação básica*
O
debate aqui proposto é fruto da problematização do conceito de qualida-
de no âmbito da pesquisa Custo-aluno-ano em Escolas da Educação Básica
que Oferecem Condições para Oferta de um Ensino de Qualidade1, realizada
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)
em parceria com grupos de pesquisa, sobretudo de universidades públicas, entre
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João Ferreira de Oliveira, Rubens Barbosa de Camargo, Andréa Barbosa Gouveia & Rosana Evangelista da Cruz
2004 e 2006. (CAMARGO et al, 2005) Discute-se de forma específica aspectos referen-
tes à presença ou ausência de processos e mecanismos de relações democráticas em
82 escolas públicas de educação básica, distribuídas em sete estados e escolhidas por
atenderem ao critério de escola de boa qualidade, estabelecidos pelo INEP2.
A apresentação de uma análise focada na dimensão da gestão democrática como
um indicador de qualidade decorre da importância que esta assumiu nos resultados
da pesquisa original, revelando que aspectos como forma de provimento do diretor,
diferentes concepções de participação e estratégias desenvolvidas para que a partici-
pação nestas escolas se efetivasse, são compreendidos como aspectos importantes da
qualidade da escola tanto pelos sujeitos entrevistados, quanto pelos pesquisadores en-
volvidos no trabalho. Neste sentido, elegemos os elementos mais incisivos percebidos
nas análises apresentadas e nos depoimentos dos entrevistados segundo dois aspectos:
a existência, ou não, de processos democráticos na forma de provimento dos cargos de
direção das escolas e as práticas dos principais mecanismos institucionais de participa-
ção da comunidade escolar.
Vale destacar que o princípio da gestão democrática do ensino público foi previs-
to, pela primeira vez, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (art.
206, inciso VII) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB - art.
3º, inciso VIII). Observa-se que o tratamento genérico do texto da LDB sobre a gestão
democrática do ensino público não permite definições mais claras de validade nacional
que poderiam contribuir para a efetiva democratização dos sistemas e redes de ensino
e das escolas, já que encaminha para estados e municípios a responsabilidade de de-
finir importantes aspectos da gestão escolar, a exemplo do caráter consultivo ou deli-
berativo dos Conselhos e da forma de provimento de cargo de diretor escolar (PARO,
2001, p. 55). A variedade nas políticas e na legislação dos sistemas de ensino, que regu-
lamentam a matéria, resulta em uma diversidade de experiências no âmbito da demo-
cratização do ensino, conforme apurado na pesquisa que originou o presente artigo.
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Gestão democrática e qualidade de ensino em escolas de educação básica
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João Ferreira de Oliveira, Rubens Barbosa de Camargo, Andréa Barbosa Gouveia & Rosana Evangelista da Cruz
de cada escola, em duas fases, uma seleção técnica por meio de provas e o processo
eleitoral paritário. Esse Núcleo Gestor realizava a coordenação geral da escola, tendo
autonomia para conduzir as atividades no estabelecimento de ensino (INEP; SEDUC-
CE, 2004, p. 118).
A mera indicação política foi considerada pelos entrevistados ou pesquisadores
como um processo pouco democrático para a definição dos ocupantes de cargos ou
funções de direção da escola, além de ser uma forma prejudicial à qualidade da edu-
cação, quando considerada, também, a dimensão da gestão, pois a cada mudança
eleitoral criam-se descontinuidades. Este processo, que se ampara em relações pauta-
das num clientelismo político entre o dirigente escolar e o “cacique” político que lhe
dá sustentação (vereador, deputados, etc.), tende a cristalizar privilégios ao invés de
direitos nas instituições escolares.
No caso do concurso público, embora, aparentemente impeça as influências de
cunho político-partidário, ou de outros critérios presentes na indicação, torna-se no-
civo ao ser mais desmobilizador e dificultar, inclusive, pressões para mudança na
linha diretiva da escola.
Conclui-se que a realização de processos eleitorais permite que a escola vivencie
em seu mais alto grau o papel de educar para uma sociedade democrática, vivendo a
escolha democrática. Desta forma o provimento do cargo de diretor por meio de elei-
ção pode constituir-se como condição de qualidade da escola, à medida que, o diretor
eleito consiga mobilizar a comunidade escolar e construir um “espírito comunitarista”.
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Gestão democrática e qualidade de ensino em escolas de educação básica
Conselho Escolar
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Gestão democrática e qualidade de ensino em escolas de educação básica
da cultura da participação no meio em que a escola está inserida, falta de uma forma-
ção que contemple a compreensão da importância da cidadania, autoritarismo nas
relações internas ou externas à escola, entre outras.
Apesar da maior parte dos Conselhos Escolares da amostra ter apresentado pro-
blemas no que se refere a uma efetiva participação, algumas experiências verificadas
revelam a importância de reforçar, cada vez mais, essa instância. São bons exemplos
disto os Conselhos cujos representantes consultam os segmentos, fazem questão de
publicizar as informações, repassando-as aos segmentos representados, afixando car-
tazes com prestação de contas, pautas e atas de reuniões e fazendo panfletos infor-
mativos para a comunidade, o que possibilita a democratização das informações e do
poder de decisão no interior da escola.
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João Ferreira de Oliveira, Rubens Barbosa de Camargo, Andréa Barbosa Gouveia & Rosana Evangelista da Cruz
Grêmio Estudantil
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Gestão democrática e qualidade de ensino em escolas de educação básica
Ainda não foi escolhido [líder de classe], porque, nós como membros do Grê-
mio achamos que seria justo o Grêmio escolher, já que estaria servindo para o
Grêmio passar as informações do Grêmio e da Direção do colégio. Mas a Di-
reção do colégio e os professores opinaram que eles, os professores, deveriam
fazer a escolha, porque eles escolheriam alunos com mais inteligência (...), que
se esforçassem mais. (Aluna, escola 12, INEP; UFPR, 2004, p. 263).
Considerações finais
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João Ferreira de Oliveira, Rubens Barbosa de Camargo, Andréa Barbosa Gouveia & Rosana Evangelista da Cruz
Notas
1 O relatório completo está disponível em: Camargo et al (2006). A pesquisa será denominada ao longo do artigo
de pesquisa original para diferenciar do trabalho posterior de problematização do conceito de qualidade a partir
dos relatórios estaduais produzidos pelas universidades envolvidas.
2 Para a pesquisa o INEP desenvolveu um Índice de Escolha da Escola com as informações do Censo Escolar.
3 Os dados da pesquisa original evidenciaram que fazem diferença na qualidade da escola aspectos como o percen-
tual de professores com formação superior, tempo de hora atividades, tamanho das turmas e da própria escola,
entre outro elementos explicitamente quantificáveis.
5 Entende-se por cultura da participação um processo no qual os sujeitos da comunidade já vivenciaram experiên-
cias de organização comunitária que permitem maior consciência nas questões que dizem respeito aos interesses
da coletividade, os quais são concebidos como direitos e não como concessão do poder público.
6 Nas escolas que não tinham APMs os Conselhos Escolares assumiram, também, o papel de Unidade Executora,
como é o caso de Porto Alegre (RS).
Referências
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Gestão democrática e qualidade de ensino em escolas de educação básica
PARO, Vitor Henrique. Escritos sobre educação. São Paulo: Xamã, 2001.
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Projeto Político-Pedagógico e gestão democrática
Novos marcos para a educação de qualidade
Ilma Passos Alencastro Veiga*
A
compreensão do papel do PPP na escola e do conceito de gestão democrá-
tica que baliza seu desempenho tem sido influenciada de forma significa-
tiva pelas políticas públicas, tanto nacionais quanto internacionais. O que
se espera da escola hoje é uma educação de qualidade, tendo como sustentáculos o
projeto político-pedagógico e a gestão democrática.
Projeto político-pedagógico da escola e gestão democrática trazem intencional-
mente em seus termos a articulação e o significado postulados para a construção dos
marcos da educação de qualidade. Pensar os novos marcos da qualidade é o objetivo
a ser atingido no pequeno espaço deste texto, estruturado em três ideias-chave. Na
primeira, faço uma breve referência às bases legais e conceituais que instituem o pro-
jeto político-pedagógico. Na segunda, reflito sobre o papel da gestão democrática no
âmbito da escola. Na terceira, teço considerações sobre educação de qualidade.
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Projeto Político-Pedagógico e gestão democrática: novos marcos para a educação de qualidade
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Ilma Passos Alencastro Veiga
A gestão democrática
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Projeto Político-Pedagógico e gestão democrática: novos marcos para a educação de qualidade
Nesse sentido, participar significa que todos podem e devem contribuir, com
igualdade de oportunidades. Para tanto, a escola conta com instâncias colegiadas, en-
tre elas, o Conselho de Escola, a Associação de Pais e Mestres (APM), o Conselho de
Classe, etc. Portanto, participação requer o sentido da construção de algo que envolve
todos os interessados e que tem a ver com educação de qualidade. Ela é condição para
a gestão democrática e uma não é possível sem a outra.
A gestão democrática da escola pública poderá constituir um caminho para a me-
lhoria da qualidade do ensino se for concebida como um mecanismo capaz de inovar
as práticas educativas da escola.
A educação de qualidade
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Projeto Político-Pedagógico e gestão democrática: novos marcos para a educação de qualidade
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Ilma Passos Alencastro Veiga
Referências
MARQUES, Mário Osório. Projeto pedagógico: a marca da escola. In: Revista Con-
texto e Educação, Ijuí, Unijuí, n. 18, abr/jun. 1990.
SHOR, Ira; FREIRE, Paulo. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janei-
ro: Paz e Terra, 1996.
170 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 163-171, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Projeto Político-Pedagógico e gestão democrática: novos marcos para a educação de qualidade
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Conselhos escolares
Espaço de cogestão da escola
Introdução
N
o meio acadêmico, um dos artigos mais citados da Lei nº 9.394, de 1996, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) é o que diz respei-
to à responsabilidade dos sistemas de ensino no tocante à definição das
normas da gestão democrática do ensino público na educação básica de acordo com
as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto peda-
gógico da escola;
* Doutora em Educação. Professora Titular do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (CE/
UFPE) e Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped).
E-mail: <marcia_angela@uol.com.br>.
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Márcia Angela da S. Aguiar
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Conselhos escolares: espaço de cogestão da escola
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Márcia Angela da S. Aguiar
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Conselhos escolares: espaço de cogestão da escola
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Conselhos escolares: espaço de cogestão da escola
Considerações finais
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Márcia Angela da S. Aguiar
Notas
1 Gestão 1995-1998 e Gestão 1999-2002.
2 Dentre os estudos e as pesquisas sobre gestão democrática e ação do governo federal e seus desdobramentos
destacamos, entre outros, Adriao e Peroni (2007), Aguiar (2008), Dourado (2004a, 2004b; 2007); Ferreira e Aguiar
(2006); Ferreira (2006a E 2006b); Fonseca, Toschi e Oliveira (2004).
3 Consultar <www.mec.gov.br>
4 Vide Cadernos do Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, disponíveis em: <www.mec.
gov.br> (AGUIAR, 2004; DOURADO, 2004a; GRACINDO, 2004; NAVARRO, 2004).
180 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 173-183, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Conselhos escolares: espaço de cogestão da escola
Referências
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 173-183, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 181
Márcia Angela da S. Aguiar
CANUTO, Vera. Políticas dirigidas ao magistério. In: OLIVEIRA, Maria das Graças
Corrêa de. Continuidades e descontinuidades das políticas de educação básica: o
caso de Pernambuco. Recife: UFPE, 2006. p. 77-132.
182 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 173-183, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Conselhos escolares: espaço de cogestão da escola
School councils
A co-management space in the school
ABSTRACT: Considering the democratization process in the public school, the article discusses the pro-
grammatic orientations that emphasize, simultaneously, the construction of a political and educational
project, through the Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares e a instituição de
unidades executoras (National Program for Strengthening School Councils and institution of executive
unities - PDDE) in teaching systems. It highlights the initiatives that aim at broadening the incorporation
of new actors in the schools’ decision making process, but it warns about the endurance of management
mechanisms that, in seeking to assure gains in efficiency, are more prone to limiting than favoring the
exercise of democratic co-management in public school.
Keywords: School’s democratic management. School council. School’s co-management. Political and edu-
cational project.
Conseils scolaires
Un espace de co-gestion de l’école
RÉSUMÉ: Considérant le processus de démocratisation de l’enseignement public, cet article problé-
matise les orientations programmatiques qui mettent en avant simultanément la construction du PPP
au moyen du Programme National de Consolidation des Conseils Scolaires (Programa Nacional de
Fortalecimento dos Conselhos Escolares) et l’institution d’unités d’exécution (PDDE) dans les systèmes
d’enseignement. Il met en relief les initiatives qui ont comme but d’élargir l’incorporation de nouveaux
acteurs dans le processus décisionnel des écoles, mais il avertit sur la permanence de mécanismes de
gestion qui, afin de garantir les gains en matière d’efficacité, limitent plutôt qu’ils ne favorisent l’exercice
de la co-gestion démocratique dans l’enseignement public.
Mots clé: Gestion démocratique de l’école. Conseil scolaire. Co-gestion de l’école. Projet politique-péda-
gogique.
Consejos escolares
Espacio de cogestión de la escuela
RESUMEN: Frente al proceso de democratización de la escuela pública, el presente artículo problemati-
za las orientaciones programáticas que enfatizan simultáneamente la construcción del Proyecto Político-
Pedagógico, por medio del Programa Nacional de Fortalecimiento de los Consejos Escolares, y la insti-
tución de unidades ejecutoras (PDDE) en los sistemas de enseñanza. Asimismo, resalta las iniciativas
que buscan ampliar la incorporación de nuevos actores en los procesos decisorios de las escuelas, pero
advierte sobre la permanencia de mecanismos de gestión que, en la búsqueda por garantizar una mayor
eficiencia, más limitan que favorecen el ejercicio de la cogestión democrática en la escuela pública.
Palabras clave: Gestión democrática de la escuela. Consejo escolar. Cogestión de la escuela. Proyecto
político-pedagógico.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 173-183, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 183
Gestão escolar em tempo de redefinição do papel
do Estado
Planos de desenvolvimento e PPP em debate
Marília Fonseca∗
Introdução
N
os anos de 1990, a gestão escolar sofreu uma série de mudanças com
o intuito de prepará-la para atender aos reclamos das reformas em-
preendidas na estrutura dos estados, que, por sua vez, adequavam-
se às demandas oriundas da configuração do novo sistema econômico global que se
instalou no final do século. A globalização trouxe implícita a ideologia segundo a
qual, para garantir desenvolvimento econômico e social, os países deveriam liberar a
economia da intervenção estatal, deixando-a a mercê das regras e sinais de mercado.
As instituições públicas foram também alvo de mudanças, que buscavam apro-
ximar a sua gestão ao modo gerencial do setor privado. No campo educacional, insta-
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 185-198, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 185
Marília Fonseca
186 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 185-198, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Gestão escolar em tempo de redefinição do papel do Estado: planos de desenvolvimento e PPP em debate
Os anos de 1990 foram o cenário para a realização das mudanças de maior im-
pacto no sistema educacional. A reforma do Estado, deflagrada no governo de Collor
de Mello, já incluía a educação como um dos alvos prioritários para dar início à re-
forma do Estado. As políticas educacionais já se diferenciavam conceitualmente das
propostas dos educadores, na medida em que sinalizavam o advento do modo “ge-
rencial” de conduzir a escola. Os objetivos centravam-se no provimento de insumos
mínimos para a escola; na adoção de medidas para neutralizar a repetência e para
garantir a permanência do aluno na escola; no estabelecimento de conteúdos nacio-
nais mínimos, enriquecidos por contribuições regionais e locais; na implantação de
um processo de avaliação permanente dos currículos e do desempenho da escola e
dos alunos (BRASIL, 1990).
As propostas não tiveram continuidade, em virtude da conturbada gestão do
governo vigente, culminando com a sua transferência para Itamar Franco e a condu-
ção do Ministério para o ministro Murílio Hingel. Pode-se dizer que, embora breve,
esta foi uma oportunidade para a retomada do diálogo do governo com os setores
organizados da sociedade, que se deu em torno do processo conhecido como “Acordo
Nacional de Educação”.
A consolidação da reforma do Estado ocorreu, concretamente, na gestão de Fer-
nando Henrique Cardoso. Uma das propostas prioritárias foi a descentralização ad-
ministrativa, pela qual foram transferidas funções da burocracia central para estados
e municípios e para as denominadas “organizações sociais”, que se configuram como
entidades de direito privado públicas, não-estatais. Tais organizações atenderiam aos
serviços como saúde e educação, considerados direitos fundamentais sem fins lucra-
tivos, mas não exclusivos do Estado. Com essa alternativa, o estado deixaria de ser
o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social, garantindo para si a
definição e o controle das decisões estratégicas. (BRASIL, 1995)
A política educacional estabeleceu as bases para a descentralização, imprimiu-se
um formato gerencial à administração pública, tornando-a mais apta para atuar com
eficiência, ou seja, com a capacidade de alcançar maiores resultados com menor custo
para o Estado. A gestão escolar foi concebida, portanto, como um conjunto de proces-
sos para modificar práticas pedagógicas e de gestão escolar, que se traduziam pelo
conjunto de ações que o Ministro Paulo Renato de Souza denominou: “A Revolução
gerenciada” (SOUZA, 2005).
A descentralização da educação básica acarretou, ainda, a adoção de novas for-
mas de financiamento da escola. Dentre elas, a adoção de fundos de natureza contá-
bil, como o Programa de Dinheiro Direto na Escola (PDDE). Outras experiências de
grande porte foram desenvolvidas por meio de acordos firmados pelo Banco Inter-
nacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial ou BM) e o governo
brasileiro. Nesta última categoria, incluem-se os projetos “Pró-Qualidade”, desen-
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Marília Fonseca
volvido nos anos de 1990, em Minas Gerais; “Educação Básica para o Nordeste”, em
nove estados da Região Nordeste e “Municipalização do Estado do Paraná”.
O último acordo de financiamento do MEC com o Banco Mundial foi firmado em
1998 para o desenvolvimento de um programa, ainda em fase de conclusão, denomi-
nado Fundo de Desenvolvimento da Escola (Fundescola) cujo objetivo era melhorar
o desempenho das escolas fundamentais das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste.
Como ação prioritária, o Fundescola instalou o Plano de Desenvolvimento da Escola
(PDE), objeto da presente análise1.
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Gestão escolar em tempo de redefinição do papel do Estado: planos de desenvolvimento e PPP em debate
pelo Congresso Nacional, significando que o fluxo orçamentário não poderia sofrer
interrupção durante o período de duração dos projetos. Esta garantia compensava a
descontinuidade que marcou a administração pública, especialmente na década de
1980, quando a sucessiva troca de ministros era acompanhada pelo cancelamento dos
projetos anteriores.
Além das promessas e aporte de recursos financeiros, o Banco prometia a me-
lhoria do funcionamento do sistema educacional, por meio de metas de impacto,
como a expansão de matrículas, a diminuição da evasão e repetência, a melhoria da
qualidade do ensino escolar e o aproveitamento da experiência do BM para incutir
eficiência à administração do sistema educacional em todos os níveis administrativos
(BANCO MUNDIAL, 1999).
A vasta coleção de estudos e pesquisas produzidos diretamente pelo Banco ou
por intermédio de consultorias constituía um dos fatores que facilitava os acordos
do Banco com as burocracias locais, e, ainda, uma das estratégias para a amplia-
ção do seu papel político junto aos países, como afirmava um de seus presidentes:
“A qualidade de nosso trabalho está melhorando, graças aos progressos de nossos
esforços para nos transformarmos em um Banco de conhecimentos. Temos criado
redes para disseminar conhecimentos em todas as regiões e os principais setores do
desenvolvimento” (WOLFENSOHN, 1997, p. 8). No campo da educação, os estudos
abrangiam uma variedade de temas voltados para a relação educação e desenvolvi-
mento, educação-emprego-renda, além de análises de custo-benefício, que mostram
a importância de “insumos” escolares (professores, material didático e metodologias)
para o desempenho dos alunos.
Um outro fato que não pode ser desconsiderado é que o Banco passou a ser o
único depositário do conhecimento acerca dos resultados dos projetos que financia-
va. Isto se deveu ao fato de que o Ministério da Educação não realizou avaliações
sistemáticas sobre o desempenho físico, financeiro e educacional dos projetos, ou,
se as fez, não as utilizou na negociação dos acordos seguintes. Dessa forma, muitos
acordos foram negociados e firmados sem se levar em conta os resultados dos proje-
tos anteriores.
Além disso, deve-se levar em conta o substrato político-ideológico que sustenta
a cooperação internacional. Em estudo anterior, levantei algumas questões acerca dos
princípios e das estratégias definidas nos textos políticos do Banco (FONSECA, 1998).
Embora os discursos de alcance público do BM expressem um sentido humanitário,
com apelos à diminuição da pobreza e à equidade na distribuição de benefícios edu-
cacionais, os documentos de divulgação mais restrita reforçam um sentido pragmá-
tico, assentado na utilidade econômica, mais do que no direito aos benefícios sociais.
Os primeiros documentos políticos produzidos nos anos de 1970 já expressavam esse
veio utilitário: “Todo ser humano deve receber um mínimo de educação básica na
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Marília Fonseca
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Gestão escolar em tempo de redefinição do papel do Estado: planos de desenvolvimento e PPP em debate
crianças (primeira a quarta séries) para inclusão antecipada no trabalho local. Com
base na experiência dos PDRIs, o Ministério da Educação implementou alguns pro-
gramas no início dos anos de 1980 [Programa Nacional de Ações Socioeconômicas e
Culturais para o Meio Rural (Pronasec) e Programa Nacional de Ações Socio-Educa-
tivas e Culturais para as Populações Carentes Urbanas (Prodasec)], dando seqüência
à política de formação antecipada para o trabalho no ciclo inicial de ensino no meio
rural e em periferias urbanas. A intenção era oferecer preparo profissional aos alunos
carentes na perspectiva da educação-produção, levando-o a transformar o produto
de seu trabalho em renda para si e para sua família (BRASIL, 1979).
Além dos dois programas de iniciativa nacional, o MEC firmou com o BM, no
início dos anos oitenta, dois acordos para o desenvolvimento da educação inicial em
áreas rurais e de periferias urbanas. São exemplos desses acordos os projetos Educa-
ção Rural (Edurural), desenvolvido na nos estados do Nordeste e o Monhangara, na
região Centro-Oeste.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 185-198, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 191
Marília Fonseca
define seus valores, sua visão de futuro, missão e os objetivos estratégicos. A partir
deles, a escola define o conjunto de ações e metas que transformarão sua visão de
futuro em realidade.
Os resultados da pesquisa relatados por Fonseca, Oliveira e Toschi (2005) mos-
tram que o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) funciona mediante o repasse
direto de recursos para a escola. Por força do acordo, no primeiro ano os recursos
provinham integralmente do PDE. Nas fases subsequentes, os estados passaram a ar-
car paulatinamente com as despesas, até assumi-las integralmente, fazendo suas as
propostas pelo acordo internacional.
Recebiam recursos financeiros e apoio técnico para elaborar o PDE as escolas que
tinham a partir de 100 alunos, organizassem unidades executoras, dispusessem de
condições mínimas de funcionamento e que possuíssem liderança forte. Os recursos
seriam repassados proporcionalmente ao número de alunos, segundo a Tabela 1.
De acordo com a própria sistemática de financiamento definida no acordo entre o
MEC e o Banco Mundial, os recursos do Fundescola decaiam ano a ano, enquanto os
do Estado aumentavam progressivamente, como mostra a Tabela 2.
Pelo fato de que o financiamento do PDE passa a ser assumido paulatinamente
pelo Estado, mesmo com o fim dos recursos internacionais as escolas adotariam intei-
ramente a concepção de gestão e a metodologia de planejamento implícitas no PDE e
também os seus custos.
As propostas dirigidas ao planejamento escolar orientam-se pelas diretrizes esta-
belecidas em documentos produzidos pelo BM (BRASIL, 1999; BANCO MUNDIAL,
1998). Afirma-se a necessidade de fortalecimento da autonomia e da gestão escolar,
com ênfase na liderança do diretor, a partir da adoção de medidas de treinamento in-
tensivo em planejamento estratégico, abordando assuntos tais como a mobilização da
comunidade, a gestão de recursos e a formação do professor. O importante era buscar
meios de financiar melhorias de qualidade e expansão de acesso à escola, sem onerar
a carga fiscal do investimento do Estado brasileiro com a educação.
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Gestão escolar em tempo de redefinição do papel do Estado: planos de desenvolvimento e PPP em debate
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Marília Fonseca
Ficou evidente que, apesar de sua existência ser anterior ao PDE, o projeto polí-
tico-pedagógico (PPP) não teve a mesma repercussão do PDE nas escolas. Ficou claro
que isso se deveu à prioridade que o poder público concedeu ao PDE, garantido o seu
financiamento e acompanhamento por mais de uma década (FONSECA, 2008).
Considerações finais
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Gestão escolar em tempo de redefinição do papel do Estado: planos de desenvolvimento e PPP em debate
evitar a repetição dos erros que têm impedido a tomada de decisões mais autônomas
para a escola básica.
Certamente, esta é uma ação de longo alcance e que exige o fortalecimento do
papel do Estado brasileiro no sentido de cumprir a sua função, apoiando a escola
para a superação das restrições (orçamentárias, gestionárias e pedagógicas) que difi-
cultam o seu protagonismo. Enfim, provendo as condições para que os profissionais
da escola assumam a sua autonomia no sentido político do termo, agindo como su-
jeitos da ação educativa.
Nota
1 O presente texto procede da pesquisa foi executada sob minha coordenação geral, integrando professores dos
Programas de Pós-graduação das universidades: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul (UFMS), Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), Universidade Federal de Uber-
lândia (UFU) e Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Seus resultados foram sistematizados no
livro “Escolas gerenciadas” (FONSECA, OLIVEIRA, TOSCHI, 2004).
Referências
ABU-DAHOU, Ibtsam. Uma gestão mais autônoma das escolas. Brasília: Unesco-
IIEPE, 2002.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 185-198, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 195
Marília Fonseca
______. O Banco Mundial como referência para a justiça social no terceiro mundo:
evidências do caso brasileiro. Revista de Educação da USP, São Paulo, vol. 24. n.1,
p. 37-69, jan/jun. de 1998.
196 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 185-198, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Gestão escolar em tempo de redefinição do papel do Estado: planos de desenvolvimento e PPP em debate
VEIGA, Ilma Passos A. Projeto político-pedagógico: novas trilhas para a escola. In:
FONSECA, Marília & VEIGA, Ilma Passos A. (orgs.). As dimensões do projeto polí-
tico- pedagógico. Campinas: Papirus, 2001, p. 45-66.
Anexo - Tabelas
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 185-198, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 197
Marília Fonseca
Keywords: School management. Plano de Desenvolvimento da Escola. Political and Educational Project.
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Gestão Democrática e Eleição de Diretor
Do exercício da autonomia à realização do direito
A
s discussões acerca da gestão democrática da educação envolvem diferen-
tes perspectivas, haja vista a diversidade de aspectos e dimensões, tanto
do campo educacional (gestão escolar, de sistemas, de políticas, de currí-
culo, gestão de sala de aula, de projetos, etc.) quanto do próprio conceito, este nem
sempre apreendido para além de uma prescrição constitucional.
Considerar a mobilização da sociedade brasileira em torno do processo consti-
tuinte e os respectivos avanços políticos assegurados na Constituição Federal de 1988
(CF/88), é de fato, algo de fundamental importância para a consolidação do debate
acerca da democracia (política, social e institucional), de suas diferentes formas de
* Doutor em Educação. Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
E-mail: <lisboaleitao@uol.com.br>.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 199-209, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 199
Antônio Lisboa Leitão de Souza
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Gestão Democrática e Eleição de Diretor: do exercício da autonomia à realização do direito
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Antônio Lisboa Leitão de Souza
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Gestão Democrática e Eleição de Diretor: do exercício da autonomia à realização do direito
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Antônio Lisboa Leitão de Souza
uma experiência de gestão democrática que não esteja pautada, dentre outros, nesses
mesmos pressupostos. E, considerando a diversidade e as disputas ideológicas, de
projeto, de concepções e de práticas sociais, culturais e educacionais existentes no
interior de cada comunidade escolar, assim como em toda sociedade, é imprescindí-
vel assegurar a autonomia institucional como condição sine quo non para a prática da
democracia no interior da escola. O sentido de “respeito à diferença de pensamento”
utilizado por Freire (2000) em relação aos sujeitos/indivívuos coletivos, também pode
ser entendido, no nível macro, como respeito à Escola, ente jurídico e formalmente
constituido na sociedade, cujos membros têm papel ativo e politicamente importante
nas definições políticas sobre os rumos da comunidade na qual está inserida.
Nesta perspectiva, entendemos a autonomia institucional – assim como a dos
sujeitos docentes e discentes – como uma das garantias a partir das quais cada um
dos que fazem a escola se sente à vontade, livre para manifestar suas posições,
para apontar caminhos, idéias, divergências, contradições, enfim, para constituir a
dinâmica própria da vida social que se reproduz dentro e a partir da escola. As pri-
meiras experiências ou aprendizagens democráticas de uma geração não deveriam
estar dissociadas do seu processo formativo escolar. Ao contrário, as práticas e pro-
cessos político-pedagógicos escolares precisam ser vistas, também, sob esta pers-
pectiva formativa, quer dizer, na medida em que cada sujeito vai se descobrindo
como um conjunto de idéias, opções, idiossincrasias, como alguém capaz de ler o
próprio mundo e de interferir, consciente e autonomamente, na própria vida social
e institucional (FREIRE, 1996), vai sendo realizado também o papel da escola em
seu sentido mais sublime. Por seu intermédio, novos sujeitos vão se libertando dos
grilhões que até então os aprisionavam na escuridão política do “mundo da caver-
na” e se descobrindo no mundo real, concreto, sobre o qual é capaz de agir (alegoria
platônica – A República). A partir desse momento, a comunidade escolar tem em
suas mãos a responsabilidade de garantir o espaço e as condições necessárias para
que ele cresça e se constitua como sujeito políticamente autônomo, situado e capaz
de contribuir com a luta coletiva, com os objetivos institucionais, com a superação
de contradições. Isto também é, em sua essência, formação humana, política, cida-
dã, coletiva; é experiência indelével que se aprofunda e se constitui, paulatinamen-
te, nos referenciais democráticos para a vida social; é o papel da escola, é currículo
materializado para além da formalidade disciplinar.
Ora, se essa aprendizagem política e democrática só se torna possível mediante
condições objetivas de liberdade de ação e de pensamento, por um lado, é preciso
ressaltar, por outro, a existência dos limites e regras normativas, regimentais, es-
tatutárias ou consuetudinais (éticas, políticas, morais) que estão presentes no quo-
tidiano social e institucional. Isso constitui, também, os parâmetros organizativos
das instituições, de modo que as ações e projetos se desenvolvem dentro desses
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Gestão Democrática e Eleição de Diretor: do exercício da autonomia à realização do direito
marcos, o que, por vezes, pode representar, para alguns, obstáculos ou justificativas
para a não realização democrática, para atitudes centralizadoras ou autoritárias, ou
ainda, para se limitar a experiência da gestão democrática à realização de eleição
para diretor, não passando além disso.
É indubitável que a realização de elições diretas para escolha de dirigentes
escolares representa um avanço democrático, uma conquista social; que é um exer-
cício de liberdade, no sentido do livre arbítrio, da manifestação da opinião e da
vontade coletiva acerca dos rumos, dos projetos, do método de trabalho e de gestão
escolhido pela comunidade para reger a ação institucional por um determinado
tempo.
Todavia, a realização de tais eleições não assegura, necessariamente, uma de-
corrente gestão democrática no âmbito escolar. Assim como destacamos acima –
que a existência de marcos legais definidores da democracia como princípio po-
lítico de gestão não representa garantia, em si, da efetiva prática democrática – o
mesmo vale para algumas práticas sócio-institucionais que têm sido adotadas como
medidas democratizantes. A eleição de diretor, por exemplo, pode exprimir o re-
sultado de um processo verdadeiramente democrático no seio da comunidade, mas
pode, também, ser usada como estratégia para freiar a continuidade da experiência,
ou mesmo para justificar medidas e ações que não implicam, obrigatoriamente, a
participação coletiva, o atendimento dos projetos institucionais, os interesses da
comunidade escolar. Esta relatividade faz parte dos limites e contradições que todo
e qualquer processo institucional tem, e que fazem parte do movimento histórico
de aprendizagem e de construção política da vida em sociedade.
O que representam os limites? Em primeiro lugar, são demonstrativos da ne-
cessidade de crescimento, de superação, por isso, instigadores do pensamento e da
ação humana. Segundo, eles existem para serem superados; não há contradições
que não sejam passíveis de leitura, de explicação e, desta forma, oferecem, elas
próprias, os elementos da superação. A identificação desses elementos depende
da capacidade político-intelectual e analítica dos sujeitos sociais ao se debruçarem
sobre seus próprios objetos de análise e campos de ação. No caso em tela, cabe a
nós, educadores, apreendermos a dinâmica das contradições sociais e, em seu bojo,
identificarmos quais aspectos ou possibilidades de mudanças são dados pela pró-
pria realidade. Com esta perspicácia, talvez alcancemos estágios qualitativamente
mais elevados de prática política, de exercício democrático, de modo a perseguir-
mos, cada vez com mais determinação e clareza política, os objetivos de nossa prá-
tica pedagógica escolar.
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Gestão Democrática e Eleição de Diretor: do exercício da autonomia à realização do direito
direito, muito mais que uma ‘Declaração Universal’ e um princípio legal, precisa ser
assegurado através do acesso e da permanência na educação escolar, em seus dife-
rentes níveis, a definição dos padrões de qualidade, de avaliação, dos referenciais
epistemológicos e culturais requer a participação da comunidade interessada. Quan-
do defendemos uma “educação pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente re-
ferenciada” [Plano Nacional de Educação (PNE) - proposta da sociedade brasileira],
estamos falando, inclusive, do protagonismo da sociedade em definir, seja por meio
de avaliações externas ou pela participação direta/indireta nos órgãos colegiados, os
referenciais de qualidade da formação curricular que a educação escolar precisa ofe-
recer, assegurando a todos os estudantes, indistintamente, as condições necessárias à
inserção e à participação ativa na vida social.
Dessa forma, fica claro que o papel da escola relativo à materialização do direito
à educação passa não apenas pelo desenvolvimento dos conteúdos curriculares, mas,
também, pela forma como estes são definidos e geridos, pelos métodos de avaliação
adotados, pela dinamização político-pedagógica proporcionada ou conquistada pela
própria comunidade. Em síntese, a realidação do direito à educação passa pelo grau
de democratização dos processos decisórios, da comunicação e das informações no
âmbito escolar. Logo, se a participação tem sido a forma mais efetiva de assegurar à
comunidade escolar a livre manifestação de suas opiniões, idéias, críticas, valores etc,
a gestão democrática impõe-se como, além de um princípio, um mecanismo social
que possibilita a materialização do direito de todos à uma educação pública, gratuita,
democrática e de qualidade socialmente referenciada.
Referências
BOBBIO, Noberto. O futuro da democracia. 8 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
CUNHA, Luiz Antonio. Educação, Estado e democracia no Brasil. 3 ed. São Pau-
lo: Cortez, 1999.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 199-209, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 207
Antônio Lisboa Leitão de Souza
208 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 199-209, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Gestão Democrática e Eleição de Diretor: do exercício da autonomia à realização do direito
Keywords: Democratic management for the school. School autonomy. Principals’ elections. Right to edu-
cation. Public school.
Mots clé: Gestion démocratique. Autonomie. Élection des directeurs. Droit à l’éducation. École publique.
Palabras clave: Gestión democrática de la escuela. Autonomía de la escuela. Elección del director. Dere-
cho a la educación. Escuela Pública.
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Gestão democrática da escola pública e a
participação emancipável
Eliza Bartolozzi Ferreira*
E
xiste uma produção científica ampla e significativa a respeito da gestão
democrática da escola pública e de seus mecanismos de participação co-
letiva, sobretudo após a promulgação desse princípio constitucional como
organizador da escola pública no País, em 1988, reforçado com a edição da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 1996. Na literatura
da área domina a assertiva de que a participação é requisito fundamental para a ges-
tão democrática. Todavia, os debates sobre a gestão democrática mantêm um fôlego
inquietante na agenda educacional, tendo em vista as contradições que perpassam o
processo político institucional em face das condições estruturais e culturais, dentre as
quais se encontra a escola, e que inibem a participação coletiva.
Este artigo objetiva trazer uma reflexão sobre as possibilidades da participação
coletiva na escola pública, partindo da análise das contradições do processo insti-
tucional, sendo este fundado em uma racionalidade técnica que se materializa na
divisão das diversas funções existentes na instituição com vistas à maior eficácia e
rendimento. Tais valores são atualmente medidos segundo critérios estabelecidos pe-
* Doutora em Educação. Professora Adjunta e Coordenadora do Núcleo de Estudos e Políticas Educacionais da Uni-
versidade Federal do Espírito Santo (NEPE/UFES) e Vice-Presidente da Associação Nacional de Política e Adminis-
tração da Educação (Anpae). E-mail: <eliza.bartolozzi@gmail.com>.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 211-223, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 211
Eliza Bartolozzi Ferreira
212 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 211-223, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Gestão democrática da escola pública e a participação emancipável
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Eliza Bartolozzi Ferreira
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Gestão democrática da escola pública e a participação emancipável
trabalho, alterada por alguns mecanismos de controle acionados pela presença de re-
presentantes da família e da comunidade. Lima (2003) classifica tipos de participação
na organização escolar e pode-se inferir a partir de seus estudos que esse é um tipo
de participação formal porque reproduz a participação decretada, no sentido de que
está sujeita a um corpo de regras formais-legais relativamente estável e organizado
na forma de documento.
Outros tipos de participação podem ser referenciados no contexto escolar e estu-
dados por Lima (2003). Mas interessa aqui destacar a participação como possibilidade
de intervenção no projeto político democrático da sociedade capitalista, como capa-
cidade de planejamento e de discussão dos diversos interesses em jogo e, sobretudo,
como discussão de um projeto educativo que se traduza na emancipação intelectual,
política e cultural dos sujeitos envolvidos na escola. Para tanto, a participação pressu-
põe sua vivência no cotidiano da escola, na superação da rígida divisão do trabalho
e na troca das experiências e saberes construídos pelos diversos atores; pressupõe a
prática da igualdade sobre o reconhecimento da diferença e das relações de poder
traçadas pelo bem estar comum. Uma escola democrática pode ser construída por
meio da participação emancipável que não esconde suas divisões e interesses, mas os
trabalha pela práxis humana.
A possibilidade de manifestação da participação emancipável exige condições
objetivas de realização, as quais podem ser garantidas em torno do PPP. Mas, por si
só, o PPP como conjunto de regras estabelecidas e bem intencionadas ou como docu-
mento institucional, não promove as transformações na organização da escola e nem
impacta na melhoria da qualidade do ensino. A elaboração do PPP não se dá por meio
da adesão de um somatório de pessoas em torno de boas intenções ou do comprome-
timento pessoal de alguns. O envolvimento do coletivo precisa de condições concre-
tas e contínuas para se efetivar com fins de consolidação de uma cultura participativa.
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Eliza Bartolozzi Ferreira
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Gestão democrática da escola pública e a participação emancipável
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Gestão democrática da escola pública e a participação emancipável
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Eliza Bartolozzi Ferreira
Considerações finais
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Gestão democrática da escola pública e a participação emancipável
Nota
1 Tendência esta reforçada pelas políticas adotadas pelos sistemas de educação no país, cujo exemplo pode ser
dado pela prática de separar as instâncias colegiadas de acordo com as tarefas a serem executadas: um conselho
planeja e um outro executa.
Referências
LIMA, Licinio Carlos Viana da Silva. A escola como organização educativa. 2. ed.
São Paulo: Cortez, 2003.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 211-223, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 221
Eliza Bartolozzi Ferreira
WEBER, Max. Os três tipos puros de dominação legítima. In: COHN, Gabriel. Max
Weber. Sociologia. 3. ed. São Paulo: Ática, 1986.
________. Ciência e política: duas vocações. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 2007.
222 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 211-223, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Gestão democrática da escola pública e a participação emancipável
Keywords: Democratic management for the school. Emancipatory participation. Education for participa-
tion. Political and Educational Project. PPP.
Mots clé: Gestion démocratique de l’école. Participation émancipatrice. Éducation pour la participation.
Projet politique-pédagogique. PPP.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 211-223, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 223
Desafios à democratização da gestão escolar e a
atuação dos professores na escola pública
Teise de Oliveira Guaranha Garcia*
Bianca Cristina Correa**
Introdução
M
ais de meio século se passaram desde as primeiras propostas de demo-
cratização das relações na escola e ampliação da participação da comu-
nidade na gestão escolar. A instauração da Gestão Democrática como
princípio constitucional válido para todas as escolas públicas do país (BRASIL, 1988,
art. 206, VI) também já alcançou sua maioridade, completando 21 anos em 2009.
A CF/88, no contexto das lutas sociais pela democratização, inovou em vários
aspectos, instituindo formas diversas de a sociedade civil exercer controle sobre as
atividades do Estado, sobretudo no que diz respeito às políticas sociais, dentre elas as
que se referem à educação escolar. A regulamentação da gestão democrática, todavia,
* Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade
de São Paulo (USP). E-mail: <teise@ffclrp.usp.br>.
** Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade
de São Paulo (USP). E-mail: <biancacorrea@ffclrp.usp.br>.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 225-237, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 225
Teise de Oliveira Guaranha Garcia & Bianca Cristina Correa
viria a ocorrer apenas oito anos após a promulgação da CF/88, com a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 1996. A LDB reafirmou a gestão
democrática como princípio orientador na organização do trabalho em escolas públi-
cas, mas transferiu a cada sistema de ensino a responsabilidade de instituir e legislar
sobre a forma de participação da comunidade em conselhos de escola ou equivalen-
tes (Art. 14). A participação de pais na definição da proposta educativa, segundo a lei,
é um direito, e a participação dos professores, um dever. A legislação, ainda, reafirma
o princípio constitucional que garante o “pluralismo de ideias e concepções pedagó-
gicas” (Art. 2). Associando os artigos que se referem ao direito/dever de participação
ao princípio que garante o pluralismo de idéias, podemos considerar que o projeto
da escola, em termos legais, deve ser um produto local, construído no debate entre
diferentes segmentos da comunidade escolar e sob a garantia do direito de expressão
de diferentes ideias e concepções. Portanto, o campo legal constituído em torno da
democratização da gestão da escola, ainda que idealmente, induz à autonomia e ao
trabalho coletivo.
Passados 20 anos da promulgação da CF/88, que diagnóstico pode ser apresenta-
do sobre os efeitos da gestão democrática legalizada? Quais foram as consequências
da explicitação da participação como um direito (das famílias) e um dever (dos pro-
fessores) para o desenvolvimento dos projetos pedagógicos nas unidades escolares?
Formamos uma geração de jovens cujas experiências envolveram sua participação
em instâncias mais democráticas da sociedade - um dos efeitos lógicos esperados?
Os jovens professores que hoje atuam na educação básica apropriaram-se de valores
democráticos em sua experiência como estudantes? A escola pública brasileira pro-
duziu a qualidade de formar pela participação? De se instituir como lócus de debate
sobre sua própria função social?
Com base nessas questões é que nos propomos a discutir, neste artigo, alguns
aspectos das políticas implementadas desde a aprovação da atual LDB e os desafios à
atuação docente, tendo em vista a democratização da gestão escolar.
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Desafios à democratização da gestão escolar e a atuação dos professores na escola pública
esforços que realiza para mantê-lo. Participar da gestão da educação por meio dos
diferentes conselhos (conselhos de escola, conselhos municipais e estaduais de edu-
cação, conselhos de acompanhamento do Fundeb1, entre outros) e da gestão escolar
é, assim, exercício de controle democrático legítimo, direito de todo cidadão.
A especificidade da educação escolar, entretanto, exige que a democracia como
componente necessário à organização do trabalho se sustente em argumentos que
vão além do direito ao controle social. Referimo-nos aos objetivos da educação e à
sua relação intrínseca com a democracia (PARO, 2008). Como nos indica Paulo Freire,
não se trata de introduzirmos uma necessária dimensão política à educação, mas de
considerarmos que a educação é política (FREIRE; SHOR, 1987). A natureza política
da educação resulta de esta ser ação necessária à construção do homem como sujeito
histórico. A organização do trabalho escolar, portanto, coerente com a natureza polí-
tica da educação, em uma perspectiva que assume a condição humana de educadores
e educandos, necessita estar assentada em uma práxis democrática, única forma de
os homens relacionarem-se como sujeitos. Entretanto, não se trata apenas de valorar
a existência de mecanismos de participação na escola, tais como os conselhos, mas de
se considerar toda a organização curricular e o conjunto das relações estabelecidas
entre profissionais e usuários como meios e conteúdos do processo formativo. Tal
pressuposto se materializaria na produção autônoma do projeto pedagógico, na par-
ticipação contínua dos sujeitos nos processos decisórios e na construção de coletivos
capazes de, enfrentando os conflitos, negociar os diferentes interesses com vistas ao
alcance dos objetivos educacionais, sendo estes, por sua vez, também objeto de per-
manente reflexão.
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Desafios à democratização da gestão escolar e a atuação dos professores na escola pública
cada de 1990. O setor privado é introduzido na escola pública para, segundo a lógica
da administração gerencial, contribuir com o serviço público agregando a este uma
suposta competência do mercado.
As reformas, ainda, enfatizam as avaliações externas como mecanismo de con-
trole, por parte do Estado, da qualidade do serviço prestado. Reconhecendo que os
indicadores selecionados para tais avaliações são objeto de debates, consideramos
aqui como um determinante da organização do trabalho na escola, o fato da comu-
nidade escolar não ter nenhuma participação ativa nesse processo, restringindo-se a
ação ao preparo dos estudantes para sua participação nas provas.
Cabe destacar a implantação de políticas de bonificação salarial mediante o al-
cance de resultados previamente estabelecidos em tais avaliações, tal como acontece
na rede estadual de São Paulo. (2008a).
É a rede estadual paulista, ainda, que nos oferece importante exemplo de asso-
ciação de qualidade à padronização, ao introduzir um modelo “apostilado” de en-
sino. Por meio de “parceria” entre a Secretaria de Estado da Educação e a Fundação
Vanzolini3, professores e estudantes da rede pública, entre 2008 e 2009, receberam
material didático do qual constavam todas as atividades a serem desenvolvidas em
todas as aulas de todas as disciplinas em todas as séries do segundo ciclo do Ensi-
no Fundamental e Ensino Médio4. Os professores recebem uma versão específica do
material do qual constam as atividades e as orientações para executá-las, enquanto os
estudantes recebem cadernos de atividades. Os gestores, por sua vez, também rece-
bem material próprio. Mais especificamente é o coordenador pedagógico que recebe
o “Caderno do Gestor” (SÃO PAULO, 2008b). As orientações a docentes e gestores
integram o conjunto de medidas relacionadas ao Currículo, Avaliação e Expectativas
de Aprendizagem decorrentes da “Nova Agenda de Educação Pública do Estado de
São Paulo”, que por sua vez é composta por um conjunto de 10 ações, apresentadas
pela Secretaria em 2008. (SÃO PAULO, 2009)
Essas medidas, em momento nenhum foram acompanhadas de outras que, ex-
plicitamente, indicassem a irrelevância de instâncias como o conselho de escola, por
exemplo, ou da gestão democrática. Assim, sem abandonar o discurso da democra-
tização e sem sequer alterar o quadro legal existente, os governantes paulistas, em
especial, veem implantando uma lógica administrativa tipicamente empresarial, em-
bora sem garantir todos os elementos materiais que seriam necessários para que tal
lógica fosse inteiramente contemplada: por um lado, padroniza-se o “ensino” e se
estabelecem meios externos para o controle da qualidade, mas, por outro lado, não há
aumento de recursos para as escolas e nem investimento em pessoal.
Importante destacar que, em âmbito federal, assistimos tentativas de investimen-
to na formação de pessoal para a gestão democrática, ainda que não haja ampliação
de recursos financeiros, por parte do atual governo. Dados os limites deste artigo,
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Observa-se, assim, que as medidas reformadoras vão sendo tomadas sem que se-
jam negadas as regulamentações que instituem a gestão democrática, sobrepondo-se
a estas não em um campo legal, mas pelo esvaziamento político de seus significados.
A definição de conteúdos a priori, por exemplo, vinculada a avaliações externas que
cobrarão tais conteúdos e cujos resultados terão impacto sobre o salário dos profissio-
nais da educação, impede que qualquer princípio democrático possa se transformar
em realidade. Por isto, se os colegiados ainda existem, suas funções perdem o senti-
do, pois na prática não podem deliberar sobre aspectos significativos da organização
do trabalho na escola, em especial, sobre o seu projeto pedagógico.
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Entendemos, assim, que ainda há espaço para que essa “entidade coletiva situa-
da num certo contexto” possa demonstrar a sua força. É preciso, pois, que se explici-
tem os significados das políticas em andamento ao mesmo tempo em que se retome
a ideia de que esse coletivo não é algo amorfo, mas, ao contrário, uma enorme força,
ainda que em potencial, que poderá, sim, redefinir o rumo de sua própria história.
Notas
1 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.
2 Reguladas pela Lei nº 9.790, de 1999, as Oscip’s constituem-se como pessoas jurídicas de direito privado e sem fins
lucrativos, qualificadas pelo poder público para atuarem como parceiras na prestação de serviços.
3 A Fundação Vanzolini é uma instituição privada mantida e administrada por docentes da Escola Politécnica da
USP. (Disponível em: <http://www.vanzolini.org.br>. Acesso em: 10 abril 2009).
6 Por neotecnicistas entendemos as políticas que, priorizando a eficiência e eficácia do processo pedagógico, em
uma lógica empresarial, reeditam o pressuposto de que o domínio de técnicas substitui a reflexão coletiva na
qualificação do trabalho pedagógico. (GARCIA; CORREA; PINTO, 2008, p. 34-35).
Referências
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Desafios à democratização da gestão escolar e a atuação dos professores na escola pública
FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janei-
ro: Paz e Terra, 1987.
PARO, Vitor Henrique. Educação como exercício do poder: crítica ao senso comum
em educação. São Paulo: Cortez, 2008.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 225-237, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 235
Teise de Oliveira Guaranha Garcia & Bianca Cristina Correa
WERLE, Flávia Obino Corrêa et al. Contexto de constituição das políticas educacio-
nais: considerações acerca da formação do professor rural. Série Estudos: periódico
do mestrado em Educação da UCDB, Campo Grande, n. 24, p.121-132, jul/dez. 2007.
236 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 225-237, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Desafios à democratização da gestão escolar e a atuação dos professores na escola pública
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A participação da família na escola
Contribuições à democratização da gestão
Introdução
O
que pensam as famílias em relação à escola? Quais são as expectativas da
escola em relação às famílias? Que mediações são possíveis estabelecer
entre a participação das famílias na escola e a democratização da gestão?
Essas e outras questões assumem centralidade nas motivações que impulsionaram as
reflexões e análises presentes neste artigo. Buscamos, pois, apreender os processos
que justificam os nexos e aproximações entre essas duas esferas, as quais, historica-
mente, têm sido espaços sociais, dentre outros, que contribuem para a construção de
identidades e subjetividades das crianças e jovens.
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Maria Vieira Silva & Lucianna Ribeiro de Lima
Tais análises, por sua vez, são derivadas de experiências que envolvem a participa-
ção das famílias na escola, como o Projeto Integrar: estreitando as relações família-escola1, re-
alizado no âmbito da Eseba/UFU no período que compreende os anos de 2005 a 2009.
Por ser a escola um ambiente complexo e rico em relações sociais, torna-se um
terreno fértil para análises de diferentes naturezas, pois, como uma teia, se interligam
e se influenciam dialeticamente na constituição de sua dinâmica organizativa. Assim,
várias possibilidades de temáticas sobre a gestão se revelaram e muito nos instiga-
ram, contudo, optamos por analisar a relação entre família e escola, buscando apre-
ender diferentes nuanças presentes neste processo. Essa escolha se deu em função
do pressuposto de que há uma crise de participação da família na escola. Por outro
lado, tem sido consenso considerar a participação das famílias na escola como um
dos elementos que poderá contribuir para o bom desempenho intelectual e afetivo
dos/as aluno/as.
Um olhar relacional para essas instituições é o que propomos com as reflexões
presentes neste texto, tendo como horizonte a pluralidade de formas e concepções
que envolvem família e escola, as quais estão ancoradas em múltiplos valores, princí-
pios, filosofias, convicções, crenças, leis, regras, dentre outros aspectos. Contudo, há
também um significativo elo que os aproximam e que tornam comum sua existência.
Ambos os espaços dividem a mesma tarefa de educar e de lidar com os difíceis ter-
ritórios da emoção, da construção da subjetividade e do aprendizado dos sujeitos de
acordo com suas especificidades. Como então pensarmos estes espaços?
Nas seções que se seguem nos propomos a um cruzamento de olhares sobre
essas duas instituições, problematizando as bifurcações e confluências para a cons-
tituição do sujeito. Colocaremos em relevo algumas alternativas em construção, as
quais buscam viabilizar a participação da família na escola como um dos mecanismos
constitutivos de uma gestão democrática.
Famílias, no plural
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A participação da família na escola: contribuições à democratização da gestão
lia é também esta instituição uma das principais responsáveis pela socialização das
crianças no contexto escolar.
Segundo Prado (1981, p. 52),
a família, como toda instituição social, apresenta aspectos positivos, enquanto
núcleo afetivo, de apoio e solidariedade. Mas apresenta, ao lado destes, aspec-
tos negativos, como a imposição normativa através de leis, usos e costumes,
que implicam, muitas vezes, em elemento de coação social, geradora de con-
flitos e ambiguidades.
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Maria Vieira Silva & Lucianna Ribeiro de Lima
homem. Este se tornou mais atuante, tanto na educação dos filhos, quanto na gestão
cotidiana do “lar”.
Ainda segundo o autor, entre as transformações ocorridas na família temos
(...) casal sem filhos; casal temporário com filhos; famílias extensas; famílias
uniparentais; casal homossexual com ou sem filhos; recasamento de avós, an-
tes separados; forte mobilidade geográfica e social dos membros da família;
igualdade entre os sexos. (MEDINA, 2002)
O autor assegura ainda que não há critérios para se julgar as consequências des-
ses modelos de família em curso, mas se desejamos a parceria entre a escola e a famí-
lia temos de reconhecer suas diferentes características e descobrir as pontes possíveis
existentes entre esses dois universos.
A partir dessas novas configurações da estrutura familiar, utilizar terminologias
como “família desestruturada” para se referir a alguma composição familiar distinta
do padrão historicamente legitimado não encontra mais repercussão, pois presencia-
mos um conjunto de novos e diferenciados arranjos familiares existentes em nosso
meio social. Sob tal perspectiva, cabe aos profissionais da educação compreender as
famílias dos(as) seus(as) alunos(as) como portadoras de semelhanças e diferenças, e
respeitar a constituição da família de cada aluno dando-lhes tratamento equitativo.
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A participação da família na escola: contribuições à democratização da gestão
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A participação da família na escola: contribuições à democratização da gestão
deslocamento da esfera dos direitos para a esfera dos serviços. O homo pedagogicus é
sujeitado e redefinido sob as mesmas referências empresariais e mercadológicas. A
gestão escolar torna-se crescentemente permeável às atividades de gerenciamento
levando para as margens as perspectivas político-pedagógicas, alimentando e le-
gitimando no interior da escola atitudes de desqualificação à dimensão política do
trabalho pedagógico por parte de seus profissionais.
O universo escolar não é produzido, contudo, por práticas homogêneas e está-
ticas, há diversos olhares, posturas e concepções que se entrecruzam. Somando-se a
essa perspectiva neoliberal, há ainda diferentes tendências de gestão escolar que se
encontram, se mesclam ou se opõem, e muitas vezes se manifestam como opositores
ou complementares, e, em outras situações aparecem com mais evidência as dimen-
sões autocrática ou democrática.
A dimensão autocrática se estabelece, sobretudo, nos processos gestoriais em que
há um predomínio da postura de um líder fechado em si mesmo com poderes ilimi-
tados e absolutos. Nessa dimensão gestorial prevalecem práticas lineares, hierarqui-
zadas e burocratizantes do processo educativo. Os gestores escolares assumem uma
postura predominantemente fiscalizadora, fisiologista e mandatária e concebem a es-
cola como um espaço neutro, negando os dissensos, os conflitos com o propósito de al-
cançar índices satisfatórios de eficácia, numa perspectiva gerencialista. (SILVA, 2008)
Ao contrário desta, a gestão democrática se traduz pelo governo baseado na
distribuição equitativa do poder e se caracteriza pela soberania do grupo, pela divi-
são dos poderes e pelo controle do autoritarismo. A gestão democrática é caracteri-
zada por diferentes dispositivos gestoriais que assumem igual importância para a
dinâmica escolar: a constituição dos conselhos; o provimento do cargo de diretores
por meio de eleição; a constituição ou revigoramento dos órgãos colegiados e grê-
mios estudantis; a elaboração e operacionalização do projeto político-pedagógico
(PPP) da escola; a participação das famílias nos diferentes espaços da gestão. Quanto
ao processo de integração entre as escolas e famílias, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 1996, reza que:
Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do
seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
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A participação da família na escola: contribuições à democratização da gestão
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Maria Vieira Silva & Lucianna Ribeiro de Lima
evento, além da venda e troca de livros, CDs e DVDs, foram desenvolvidas ativida-
des culturais como apresentações de danças, músicas e exposição de telas pintadas
por alguns alunos da escola.
Além de atividades culturais e de lazer, o Projeto Integrar atuou também visan-
do promover Contribuição aos Processos Pedagógicos em âmbito intra-escolar. A partir de
descontentamentos manifestados por pais, alunos e professores, o Projeto Integrar foi
convidado a contribuir com a criação de mecanismos que visassem minimizar os pro-
blemas apresentados pelas turmas de 5° ano (2007). A equipe ponderou que, inicial-
mente, o melhor procedimento seria identificar as percepções dos sujeitos envolvidos
no processo. Assim, realizou-se uma coleta de dados com professores, pais/respon-
sáveis e alunos, visando a uma melhor compreensão dos fatores desencadeantes de
insatisfação no âmbito dos três segmentos, para posterior intervenção.
Para a realização deste trabalho utilizamos como procedimento metodológico a
técnica de “Grupo Focal”, na qual foram propostas aos professores, alunos e famí-
lias reflexões sobre as dimensões positivas e negativas vivenciadas no espaço escolar.
Essa proposta procurou ouvir as diferentes vozes dos sujeitos envolvidos com o in-
tuito de desencadear reflexões voltadas para a ressignificação de posturas sustenta-
das por esses sujeitos.
Após a coleta de dados, a Comissão procedeu às etapas de registro, categoriza-
ção e análise dos problemas apresentados. Em seguida, elaboraram-se proposições
voltadas para os três segmentos: alunos, famílias e professores. Consolidamos todas
as fases do trabalho em um relatório e apresentamos à direção, visando contribuir
com ações de caráter global para a Gestão da escola.
Vale ressaltar a importância da postura ética durante todo o processo, uma vez
que a comissão cuidou para não haver exposição de situações particulares, solicitando
o anonimato dos sujeitos e das disciplinas a serem enfocadas nas falas dos depoentes.
Acreditamos que esse trabalho legitimou a contribuição dos pais/responsáveis
nos diversos espaços da escola, uma vez que todas as atividades descritas foram rea-
lizadas de forma participativa e coletiva pelas famílias e pelos gestores, professores e
funcionários da escola. Seguramente as ações do Projeto Integrar colaboram significa-
tivamente para a cultura da participação das famílias na escola, apontando caminhos
para a intensificação dos mecanismos de democratização da Gestão.
Acredita-se que tal proposta evidencia concepções e posturas democráticas. Nes-
se sentido, optar por uma gestão democrática é, necessariamente, abrir espaços para
a participação de todos os sujeitos envolvidos na instituição, de modo que o exercício
da escuta, da ponderação, da argumentação e do respeito a diferentes pontos de vista
seja praticado.
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A participação da família na escola: contribuições à democratização da gestão
Considerações finais
Notas
1 O Projeto Integrar originou-se em 2006 e desenvolve atividades desde então, envolvendo a partici-
pação de pais/responsáveis por alunos de 7º, 6º e 5º anos, professores e demais membros da equipe
psicoeducacional da Eseba. A coordenação é composta por representantes dos docentes e dos pais/
responsáveis, a saber: Profa. Ms. Lucianna Ribeiro de Lima (SEAPPS – 2006-2009); profa. Maria Lúcia
Silva (Caro Aluno – 2006-2007); Profa. Ms. Hosana S. Curtt Silva (Coordenadora Pedagógica do 2º e 3º
Ciclos – 2008); Profa. Lúcia Helena de Paula Menezes (Caro Aluno – 2009); Maria Vieira Silva e Cláu-
dia Aparecida M. Mariano (representantes dos pais/responsáveis – 2006-2009). Em 2009, participam
da Comissão cerca de 20 representantes, sendo o público alvo formado por 230 alunos, seus familiares
e professores.
2 Este é o início de um longo caminho a percorrer com vistas à participação efetiva das famílias na ges-
tão da escola. Esta proposta compõe o Plano de Gestão da Eseba (2007-2011).
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Maria Vieira Silva & Lucianna Ribeiro de Lima
Referências
250 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 239-252, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
A participação da família na escola: contribuições à democratização da gestão
Anexo - Fotos
Foto 1
Piquenique no Parque do Sabiá (2006)
Foto 2
Passeio ecológico no Parque Siqueirolli
com a participação do Grupo de Escoteiros
do Triângulo (2006)
Foto 3
Caminhada ecológica no Parque do Sabiá
(2007)
Foto 4
Caminhada ecológica no Parque do Sabiá
(2007)
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 239-252, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 251
Maria Vieira Silva & Lucianna Ribeiro de Lima
252 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 239-252, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
A gestão democrática e os canais de participação
dos estudantes
Adilson Cesar de Araujo*
É
necessário destacar que é difícil separar a gestão democrática da escola do
processo de luta da sociedade pela democratização do Estado brasileiro.
Assim, o entendimento de como ocorrem as relações sociais no interior de
nossas escolas passa pelo conhecimento do processo de formação e construção histó-
rica de nosso país.
Nesse sentido, Chaui (2000) destacou como a cultura senhorial, herança da so-
ciedade colonial escravista, hierarquizou o espaço social brasileiro, o que determinou
uma sociedade marcada pela verticalização: de um lado, um superior que manda;
do outro, um inferior que obedece. Para Chaui (2000), o autoritarismo não é só um
fenômeno político que afeta o Estado, pois tendemos a não perceber que é a socieda-
* Mestre em Educação. Foi dirigente do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro/DF) e é doutorando em
Educação no Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: <adcesar@ig.com.br>.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 253-266, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 253
Adilson Cesar de Araujo
Uma das táticas usadas pelos defensores da ordem neoliberal é a de buscar no-
vos significados para termos que até então estiveram presentes e foram reivindicados
pelos setores comprometidos com a democratização da educação pública. No que se
refere ao termo participação não é diferente. Como bem destaca Gimeno Sacristán
(2001, p. 224), é necessário participar, mas antes devemos levantar a seguinte per-
gunta: a serviço de que projeto de educação e de que sociedade? Ao analisar deter-
minadas políticas de educação implementadas nas duas últimas décadas, esse autor
afirma que, nos meios sociais mais conservadores, há uma volta à ideia de família
como célula natural da educação receosa da ação do Estado e dos profissionais da
educação. O resultado disso é que se passou a exigir mais poder para os pais e menos
para os professores e para o Estado.
O autor chama a atenção para um tipo de participação implementada pelos seto-
res conservadores que privilegia os pais em detrimento dos demais segmentos. Um
tipo de participação segregacionista que não colabora para a integração social, por-
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A gestão democrática e os canais de participação dos estudantes
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Adilson Cesar de Araujo
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Adilson Cesar de Araujo
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A gestão democrática e os canais de participação dos estudantes
Conselho Escolar
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Adilson Cesar de Araujo
Nas escolas em que de fato os Conselhos funcionam, eles têm servido como um
mecanismo de partilha de poder, rompendo com a lógica autocrática que tem caracte-
rizado historicamente a administração escolar.
Dessa forma, o Conselho pode ser concebido como instrumento para o exercício
da cidadania, em que por meio do debate, do poder de convencimento e da tomada de
posição, os segmentos tornam-se sujeitos ativos que interferem na vida social da escola.
Os Conselhos devem ser compostos por representantes dos segmentos da escola
democraticamente eleitos, tendo ele uma natureza essencialmente político-educativa,
destacando-se as seguintes funções: Deliberativas, Consultivas, Fiscais e Mobilizadoras.
Portanto, o Conselho Escolar constitui-se como meio importante de exercício da
cidadania no controle social das atividades da escola, pode possibilitar maior distri-
buição do poder, bem como garantir o fortalecimento dos princípios democráticos
por meio do convívio com a pluralidade que compõe o ambiente escolar.
No conselho escolar deve ser assegurada a participação autônoma dos estudan-
tes, cabendo aos professores e à gestão escolar respeitarem e discutirem os posiciona-
mentos tomados por eles, mesmo que as suas posições sejam diferentes e conflitantes
com os interesses dos professores ou da gestão escolar. Ou seja, é preciso criar as
condições de interferência autônoma dos representantes dos estudantes nos conse-
lhos, condenando, assim, quaisquer atitudes e práticas de ameaça ou perseguição
aos membros dos conselhos por expressarem opiniões divergentes ao conjunto dos
professores e membros da direção da escola.
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A gestão democrática e os canais de participação dos estudantes
rior de nossas escolas, que não têm colaborado para o crescimento pedagógico e
coletivo da escola.
Mais do que um espaço para julgar os alunos pelos resultados obtidos, numa
perspectiva de gestão democrática, o conselho de classe não deve ser fechado, secre-
to, mas, sobretudo, espaço privilegiado de diálogo sobre as questões pedagógicas da
escola. Isso será possível mediante a participação dos diferentes segmentos: professo-
res, direção, pais, funcionários de escola e, sobretudo, dos alunos.
Mas é necessário tomarmos cuidado para que o conselho de classe aberto não
se torne num local de lavagem de “roupa suja”, o que não colaboraria para o cres-
cimento pedagógico da escola. Assim, a direção da escola tem um papel importante
como mediadora de possíveis conflitos e articuladora deste momento, preparando,
previamente, os segmentos que participarão dos conselhos de classe, para o exercício
do diálogo que deve permear estes momentos.
Desta forma, os segmentos da escola têm de ter clareza sobre as metas contidas
na proposta político-pedagógica da escola e sobre os fins que ela busca atingir. Assim,
ao invés de querer arrumar culpados pelos possíveis fracassos ocorridos na escola, o
conselho de classe aberto e participativo passaria a ser mais um canal importante de
diálogo sobre as questões pedagógicas: avaliando os possíveis problemas que refle-
tem em situações de fracasso escolar, a forma de avaliação usada, a relação professor-
aluno, a cultura organizacional da escola, o porquê da indisciplina na escola, etc.
Enfim, por meio do conselho de classe aberto e participativo, a escola cria mais
um instrumento para que os diferentes segmentos, sobretudo os alunos, possam in-
terferir nas questões pedagógicas da escola, transformando-se, assim, em espaço pri-
vilegiado de crescimento coletivo.
Assembleia geral
A história é fruto da criação humana, assim como a política e suas instituições
democráticas. Para Castoriadis (1992), foi a partir dos gregos que o pensar a sociedade
deixou de ser algo restrito a alguns privilegiados, mas algo pertencente a todos os ci-
dadãos que queriam discutir, num espaço público criado por esse mesmo movimento.
Na democracia da pólis prevaleceu a opinião, a confrontação de opiniões, a for-
mação de uma opinião comum. Nesse regime, a refutação de opiniões diferentes era
aceita e legítima, constituindo a própria essência da vida pública, o que valorizava as
decisões coletivas, visando à criação de seres humanos que tivessem uma preocupa-
ção com a coletividade.
No âmbito escolar, o envolvimento direto dos diferentes segmentos na cons-
trução das regras, normas e regimentos escolares, a partir de um debate franco e
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A gestão democrática e os canais de participação dos estudantes
Considerações finais
A educação democrática da escola ainda é um desafio a ser construído. A garan-
tia legal dos princípios democráticos foi uma conquista, porém ainda insuficiente
para a construção de um modo de vida democrático em nossas escolas.
Nesse sentido, a afirmação da escola como espaço verdadeiramente público pas-
sa pela constituição de uma cultura democrática que valorize os princípios da parti-
cipação, da autonomia, do pluralismo e da transparência nas práticas escolares, como
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Adilson Cesar de Araujo
Referências
AZEVEDO, José Cloves de. Escola cidadã: desafios, diálogos e travessias. Petrópo-
lis, RJ: Vozes, 2000.
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A gestão democrática e os canais de participação dos estudantes
CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Perseu
Abramo, 2000.
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Adilson Cesar de Araujo
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RESENHAS
Custo Aluno-Qualidade Inicial
Rumo à educação pública de qualidade no Brasil
Denise Carreira e José Marcelino Rezende Pinto. São Paulo: Global e Campanha Na-
cional pelo Direito à Educação, 2007, p. 128. ISBN 978-85-260-1196-0.
O
livro de Denise Carreira e José Marcelino Rezende Pinto trata-se de um
instigante diálogo sobre a complexa temática da qualidade na educação
estruturada a partir do debate com diferentes organizações sociais, com
participantes e estudiosos dos vários campos da educação básica. Mais que um espa-
ço de reflexões acerca de um tema, esse livro constitui-se em um catalisador da luta
pela educação de qualidade como direito social.
O texto reflete o engajamento dos autores com a luta pela construção de uma
educação pública de qualidade, nesse sentido, fazem uma reconstrução histórica do
conceito de qualidade na educação e das formas que este vai assumindo nas práticas
e na legislação educacional, com vistas a apresentar uma proposta de custo aluno-
qualidade (CAQ). A questão da qualidade da educação assume, portanto, centralida-
de como forma, inclusive, de minimizar a força dos métodos quantitativos, próprios
do Estado avaliador. Os autores partem da premissa de que “qualidade é um conceito
em disputa” que resulta de processos históricos, portanto, que assume diferentes sig-
nificações a depender do contexto e da correlação de forças políticas predominantes.
Eles destacam que na sociedade brasileira, pelas condições excludentes que a per-
meiam, em boa parte de sua trajetória, qualidade na educação significou acesso à
escola, mas enfatizam que, se sem o acesso à escola não é possível falar em qualidade;
logo, apenas isto não basta.
Outro aspecto que consideram insuficiente é a construção de políticas de fi-
nanciamento da educação que se sustentem exclusivamente nos insumos a serem
aportados, sendo assim, após a escuta a diferentes sujeitos sociais e ancorados na
Campanha Nacional pelo Direito à Educação apresentam uma proposta de custo
aluno-qualidade inicial (CAQi) definido como “um patamar mínimo de qualidade
de educação e não um valor médio ou ideal”.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 269-271, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 269
Olgamir Amância Ferreira de Paiva
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Custo Aluno-Qualidade Inicial: rumo à educação pública de qualidade no Brasil
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 269-271, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 271
Gestão democrática da educação
Atuais tendências, novos desafios
Naura Syria Carapeto Ferreira (org.), São Paulo: Cortez, 2008, 6 ed., p. 119. ISBN 978-
85-249-0690-9.
O
livro “Gestão Democrática da Educação: atuais tendências, novos desa-
fios”, sob a organização de Naura Syria Carapeto Ferreira, atinge com
destaque a sua sexta edição, constituindo-se em um importante referen-
cial de leitura no campo da política e gestão da educação. É resultante da contribui-
ção de seis renomados autores, que abordam com propriedade questões candentes
da educação na contemporaneidade, especificamente, os desafios e as atuais tendên-
cias do processo de democratização da gestão escolar e das políticas de formação.
O primeiro capítulo versa sobre a autonomia e a flexibilização da gestão escolar
em Portugal. João Barroso contempla-nos com o estudo que apresenta a fundamen-
tação de propostas para a implementação de um programa de reforço da autonomia
escolar. Neste texto discute o conceito de “territorialização das políticas educativas”
situando-o no contexto da crise de governabilidade do sistema de ensino, ocorrida
em muitos países europeus, e enquadrada como a teoria do governo sobrecarregado.
A territorialização é concebida como “um fenômeno essencialmente político e que
implica um conjunto de opções que têm por pano de fundo um conflito de legitimida-
de entre o Estado e a sociedade, entre o público e o privado, entre o interesse comum
e os interesses individuais, entre o central e o local” (p. 14). Nessa perspectiva, é tam-
bém entendida como processo de apropriação, por uma determinada comunidade,
de diversos espaços sociais objetivando: contextualizar e localizar políticas e ação
educativas em contraposição à homogeneidade das normas e dos processos; conciliar
interesses públicos e privados; redefinir no processo de elaboração e execução das
políticas a participação do atores na perspectiva da lógica de implicação; transpor a
relação de autoridade baseada no “controlo vertical”, exercido de maneira monopo-
lista e hierárquica pelo Estado, para uma relação contratual, negociada e fundamen-
* Doutora em Política e Gestão Escolar. Professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail:
<marta@faced.ufu.br>
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 273-275, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 273
Marta Leandro da Silva
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Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios
vância da eleição direta. Diante dos embates e perspectivas das diversas formas de
provimento objetiva situar elementos para a rediscussão das políticas educacionais,
bem como estabelecer as correlações entre as políticas e a democratização da gestão
escolar. Dourado (p. 79) concebe a gestão democrática como:
Processo de aprendizado e de luta política que não se circunscreve aos limites da
prática educativa, mas vislumbra, nas especificidades dessa prática social e de sua rela-
tiva autonomia, a possibilidade de criação de canais de efetiva participação e de apren-
dizado do “jogo” democrático e, consequentemente, do repensar das estruturas de po-
der autoritário que permeiam as relações sociais e, no seio dessas, as práticas educativas.
Nas suas considerações argumenta que o tipo e a definição das modalidades
de acesso ao cargo de dirigente escolar devem resultar das definições e orientações
contidas no projeto político-pedagógico, bem como nos embates travados no âmbito
das relações sociais e políticas. Explicita ainda que a forma de provimento ao cargo
de dirigente escolar pode não definir o tipo de gestão, mas necessariamente interfere
no seu curso.
O quinto capítulo contempla com uma vigorosa análise sobre a gestão escolar
e os desafios das políticas de formação dos profissionais da educação na contempo-
raneidade. Naura Syria Carapeto Ferreira, autora desse capítulo e organizadora da
coletânea, incita-nos a refletir sobre a complexidade dos “nexos entre a administração
da educação e as políticas de formação dos profissionais de educação” no contexto
de transformações que vêm ocorrendo no mundo. A autora reflete sobre as questões
fundamentais contemporâneas (imagens desestabilizadoras) que se constituem em
desafios no processo de elaboração e implementação das políticas públicas, em espe-
cial, das políticas educacionais, e para a gestão escolar e formação de profissionais da
educação. Ressalta a importância da “direção” construída e legitimada na participa-
ção e no exercício da democracia. Ao delinear o cenário atual Ferreira reporta-se às
reflexões de Einstein, à análise da Schaff sobre a nova Revolução Industrial; e à pro-
posta emancipatória e solidária de Boaventura S. Santos. Nessa perspectiva, afirma
que a formação de profissionais “exige sólida formação humana e que esta relaciona-
se diretamente com a sua emancipação como indivíduo social, sujeito histórico em
nossa sociedade.” (p. 110).
Em síntese, podemos afirmar que esta coletânea é expressão da sólida funda-
mentação teórico-metodológica das pesquisas a que se reportam, e também do efe-
tivo trabalho coletivo a que se destinaram seus autores. Dessa forma alcança com
grande destaque o seu maior objetivo: estimular à reflexão e à problematização de
questões candentes da educação contemporânea, especificamente das políticas edu-
cacionais, da formação de profissionais e da democratização da gestão escolar ofere-
cendo subsídios teóricos para análises aprofundadas e necessárias intervenções na
realidade educacional brasileira.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 273-275, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 275
DOCUMENTO
Sistema Nacional Articulado de Educação
Aspectos da conformação do novo regime de
cooperação educacional
D
urante a 10ª Semana Nacional em Defesa e Promoção da Educação Públi-
ca, realizada entre 20 e 24 de abril desse ano, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE) publicou Caderno1 contendo breve
estudo comparativo sobre os eixos da Conferência Nacional de Educação (Conae), à
luz das propostas da comunidade educacional e da própria CNTE, sintetizadas no
Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira – consolidado em 1997 e atu-
alizado até 2005 – e no Caderno de Resoluções do 30º Congresso da Confederação,
ocorrido em janeiro de 2008.
Não obstante o mencionado documento ser a principal referência conceitual
para o debate da categoria sobre a Construção do Sistema Nacional Articulado de Edu-
cação: Plano Nacional de Educação (PNE) e suas Diretrizes e Estratégias de Ação (tema da
Conae 2010), o texto presente traz uma análise sobre a estrutura do Sistema Nacional
Articulado de Educação e seus desdobramentos para a educação pública brasileira.
Cabe esclarecer, de antemão, que boa parte de nossa compreensão sobre Sistema
Nacional de Educação (SNE) foi construída, coletivamente, em âmbito do Fórum Na-
cional em Defesa da Escola Pública (FNDEP) e do Fórum Nacional da LDB – ambos
instituídos logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88). Os
fóruns tinham por finalidade regulamentar o art. 22, inciso XXIV, da Carta Magna,
referente às novas diretrizes e bases da educação nacional. Quanto ao PNE, os Con-
gressos Nacionais de Educação (Coneds) contribuíram para a formação de uma base
teórico-empírica a respeito da relação entre demanda educacional e projeto político
para a educação, incluindo a organização do(s) sistema(s) de ensino. Já a experiência
de formulação do Projeto de Lei (PL) que deu origem ao PNE oficial (Lei nº 10.172, de
2001) apontou o erro do então governo federal em excluir a sociedade e o Conselho
Nacional de Educação (CNE) desse importante debate, e serve de referência histórica.
Embora a matriz das concepções de Sistema e de Plano nacionais de educação
seja coletiva, a reforma neoliberal da década de 1990, ao mesmo tempo em que uniu
os educadores contra a descentralização dos sistemas de ensino, a fragmentação dos
níveis, etapas e modalidades e a municipalização do ensino fundamental, por outro
lado, disseminou novas “visões” sobre Sistema Nacional de Educação, especialmente
acerca de sua organização e gestão.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 277-293, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 277
A CNTE, por meio deste documento, que orientará o debate de sua Conferência
de Educação, em outubro próximo, a fim de consolidar sua posição sobre os vários
conceitos que integram os temas e a concepção de SNE, apresenta uma síntese de sua
posição sobre a conformação do SNE com foco (i) nas mazelas impostas pela reforma
neoliberal à organização do Estado brasileiro e os desafios para superá-las, (ii) nos
princípios constitucionais que regem a educação e o SNE, (iii) nos recentes avanços
do regime de colaboração, protagonizados pelo MEC com os sistemas estaduais e
municipais de ensino, (iv) nos aspectos específicos da concertação, da concepção e da
operacionalização do Sistema Nacional e (v) nos desafios e elos das ações educacionais
articuladas para consolidar o SNE no atual contexto político.
A ausência de um histórico sobre sistema de educação explica-se pelo objetivo cen-
tral do texto que é apontar as causas e as possibilidades posteriores à CF/88, que levam
à consolidação de um Sistema Nacional Articulado de Educação.
Já as possíveis divergências de opiniões com nossos parceiros de luta, ou com
gestores públicos, somente reforça a importância do diálogo lançado pela Conae, que
é o espaço legítimo para construção de uma proposta democrática de SNE.
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Sistema Nacional Articulado de Educação: aspectos da conformação do novo regime de cooperação educacional
No entanto, a Emenda Constitucional (EC) nº 14, de 1996 – junto com as leis que
a regulamentaram, incluindo a nova LDB (Lei 9.394, de 1996) – desprezou a noção
institucionalizada de organização cooperativa e democrática da educação nacional.
Optou por centralizar a organização institucional e por descentralizar a execução das
políticas, de acordo com a nova redação dada ao art. 211 da Constituição. A articula-
ção dos sistemas se restringiu à concepção do art. 8º da LDB, que prevê a possibilidade
de regime voluntário de colaboração. A EC 14 ainda deu ênfase ao ensino fundamental,
através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (Fundef), Lei nº 9.424, de 1996, fragmentando a educação
básica e isolando o ensino superior. Estagnou a oferta de educação profissional nas
escolas técnicas federais, criando cisão entre a formação científico-propedêutica e a
profissional (Decreto nº 2.208, de 1997). Rompeu com o Acordo Nacional que previa
a consolidação do Pacto pela Valorização do Magistério Público da Educação Básica,
a partir de julho de 1995, negando o piso salarial profissional nacional e conferindo
salários médios, no mesmo valor previsto para o Piso, em âmbito do Fundef. Relegou
as diretrizes nacionais de valorização da carreira dos profissionais da educação e cen-
trou a regulação da educação num sistema de avaliação tosco e limitado.
Em nossa opinião, mais que um rompimento com a proposta de SNE, as re-
formas neoliberais na educação (e para a concepção de Estado) representaram um
estelionato aos princípios constitucionais, que previam – e preveem – promover a
equidade educacional no país por meio de ações (i) conjuntas entre os entes federa-
dos, (ii) sistêmicas entre os níveis, etapas, modalidades e os elementos constitutivos
da educação e (iii) democráticas entre a gestão pública e a sociedade civil.
À época, clara era a necessidade de regulamentar os artigos da Constituição de
forma a atender aos princípios fundamentais da redemocratização do país. E a con-
cepção de Sistema Nacional de Educação, implícito na CF/88, e inspirado nas Consti-
tuições de 1934 e 1946 – sob a égide do “Manifesto dos Pioneiros da Educação” – re-
presentava o único caminho possível a ser trilhado para atingir plenamente o escopo
constitucional.
A filosofia neoliberal, porém, não só desvirtuou a estrutura do Estado brasileiro
como passou a questionar a classificação da educação como bem público – e o princi-
pal alvo foi o ensino superior. Embora a resistência da comunidade acadêmica tivesse
impedido a privatização literal das universidades federais, outros mecanismos de
desmonte do ensino público superior foram utilizados largamente, com ênfase na
precarização do trabalho e dos salários dos servidores, nos cortes de investimento
e de manutenção dos campi federais e na abertura indiscriminada e inconsequente
desse nível de ensino à iniciativa privada.
Muitos são os vieses de análise das reformas e seus impactos. Todavia, para o
debate sobre Sistema Nacional Articulado de Educação, o mais importante, agora,
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 277-293, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 279
consiste em concluir o desfazimento das amarras impostas pela EC nº 14 (em parte já
desfeitas pela EC nº 53, de 2006), pela Lei nº 9.424, de 1996 (também em boa parte su-
plantada pelas leis 11.494, de 2007 e 11.738, de 2008) e pela Lei nº 9.394, de 1996, a fim
de possibilitar a reconstrução do projeto de educação pública nacionalizada, emanci-
padora e engajada nos propósitos de felicidade do povo e de prosperidade do país.
Embora as novas leis supracitadas tenham feito avançar a cooperação entre os en-
tes – ação reforçada pelo Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e pelo Plano
de Ações Articuladas (PAR), ambos em nível de políticas de governo – a LDB ainda
dispõe de vários dispositivos restritivos que necessitam ser revistos, sobretudo sobre a
gestão democrática. Por outro lado, há lacunas na regulamentação constitucional que
comprometem avanços na valorização da carreira dos profissionais da educação, que
também precisam ser preenchidas.
No aspecto político, existem resistências localizadas que se pautam na agenda
neoliberal para fazer frente ao movimento de democratização da educação. É preci-
so destacar que os estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais não têm
aderido às políticas de colaboração do MEC, ao menos à maioria delas, num claro gesto
de oposição ao projeto do governo federal, que representa prejuízo ao conjunto da
educação brasileira.
Quanto à organicidade do Sistema Nacional, o desafio consiste em superar a ex-
cessiva descentralização conferida pela LDB aos 26 sistemas estaduais, ao sistema do
DF e aos 5.564 “sistemas municipais”, que, inclusive, passaram a contar com maior
respaldo no judiciário para questionar a materialidade das normas gerais de educação, a
serem fixadas pelo poder federal (Executivo e Congresso Nacional), à luz dos coman-
dos constitucionais. A lei do piso nacional do magistério é um caso clássico, que revela
a estratégia das forças conservadoras – derrotadas nos últimos pleitos eleitorais – de
deslocar o debate político sobre projeto de sociedade para o foro judicial. Ao decidir
assuntos dessa natureza, com base em princípios da reserva do possível ou sob pressão
política de governadores de Estado – que não abrem mão de manter o controle das po-
líticas públicas educacionais – o Supremo Tribunal Federal (STF) esteriliza o poder do
Congresso de repactuar a organização da sociedade e cristaliza a concepção de Estado
conferida pelas reformas administrativa, previdenciária e educacional. E isso é muito
prejudicial para a democracia, além do que ratifica o estelionato neoliberal aplicado
na Constituição.
A gravidade dessa questão está estampada na sustentação do ministro do STF,
Carlos Ayres Britto, durante julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) nº 4.167, de 2008, contra a Lei do Piso2. Independentemente do voto, o ministro
observou com clareza os princípios originários da Constituição que fundamentam o
SNE – fato não observado pela maioria dos demais ministros, que se pautaram na con-
figuração liberal empreendida à Constituição pela reforma do Estado Mínimo.
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Sistema Nacional Articulado de Educação: aspectos da conformação do novo regime de cooperação educacional
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Ocorre que, como visto, consolidado o período da redemocratização, o país op-
tou por um projeto político antagônico ao princípio da equidade, que dependia de
forte respaldo do Estado para sua consecução. O neoliberalismo induziu uma depre-
ciação dos valores e dos compromissos sociais do Estado brasileiro, atingindo forte-
mente a educação e demais políticas públicas.
Ao contrário do que muitos pregam, a CF/88 não traz comandos utópicos, inatin-
gíveis. Sua estrutura foi edificada a partir da concepção cooperativa dos entes federa-
dos que formam a República do Brasil. Ela não promove o isolamento das unidades
federadas, mas sim a união dos esforços destas. Isso está claro no princípio da indis-
solução da República (art. 1º) e nos fundamentos do art. 3º, que preveem:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
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Sistema Nacional Articulado de Educação: aspectos da conformação do novo regime de cooperação educacional
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liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; na coexistência de instituições
públicas e privadas; na gestão democrática; na garantia de padrão de qualidade; na
valorização dos profissionais da educação escolar, através de piso salarial profissio-
nal nacional, de planos de carreira e do ingresso por concurso público aos das redes
públicas (art. 206). Na nossa concepção, esses princípios referem-se aos objetivos do
Sistema Nacional Articulado de Educação.
Já o artigo 208 descreve os deveres do Estado com a educação pública, e vale a
pena ser transcrito – com as devidas EC’s – uma vez que compreende parte das metas
a serem alcançadas pelo SNE:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garan-
tia de:
O art. 209 reconhece a oferta privada de educação, que deve atender às normas
gerais e aos requisitos de autorização e de avaliação estabelecidos pelo poder públi-
co. A rede particular deverá integrar o SNE, em razão da garantia dos princípios e
fundamentos universais da educação e do Estado brasileiro, que preveem equidade
na oferta do ensino e a não discriminação de cidadãos (observando-se, também, o art.
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Sistema Nacional Articulado de Educação: aspectos da conformação do novo regime de cooperação educacional
19, II). Ademais, toda instituição de ensino regular, independente de ser pública ou
privada, está condicionada aos ditames legais do poder público.
Outra importante referência constitucional para um SNE é o art. 211, que fora
totalmente adaptado para atender aos preceitos da Emenda 14 (Fundef). Nele estão
previstas as competências para atendimento dos níveis e etapas educacionais. E não
obstante o processo de municipalização do ensino fundamental e da educação infan-
til, atualmente, a oferta pública de ensino encontra-se organizada conforme disposi-
ção desse artigo.
As garantias materiais para investimento na educação pública estão previstas
no artigo 212. Não há dúvida que o financiamento constitui um dos pilares centrais
da política de cooperação (e de colaboração) entre os entes federados, pois somente
a vinculação constitucional de recursos é insuficiente para atender, com qualidade e
equidade, a demanda educacional no país. Desta forma, essencial o apoio técnico e
financeiro dos entes mais desenvolvidos para com os de menor capacidade.
Quanto à destinação dos recursos públicos, o art. 213 determina a aplicação prio-
ritária nas escolas públicas, porém permite destinar parte da receita de impostos às
escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, a depender da finalidade social
(pública) de cada uma. E regular o funcionamento dessas instituições similarmente
aos requisitos para a qualidade das escolas públicas parece ser uma opção bastante
plausível.
O art. 214 determina que lei federal fixe o PNE, prevendo a integração das ações
do poder público, com vistas a atender a todos os preceitos constitucionais e ao de-
senvolvimento do ensino nos diversos níveis, em especial no que diz respeito à
I - erradicação do analfabetismo;
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Os avanços do regime de colaboração, a concertação institucional do SNE e
suas concepções de abrangência e de gestão
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Sistema Nacional Articulado de Educação: aspectos da conformação do novo regime de cooperação educacional
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tado as matérias que formam o atual regime de colaboração do MEC como norteadoras
para o Sistema Nacional de Educação (articulado). E o próprio Índice de Desenvol-
vimento da Educação Básica (IDEB), a partir da agregação de variáveis mais amplas,
poderá contribuir, ainda mais, para projetar um padrão de qualidade a ser persegui-
do por cada ente da federação, pautado nas orientações das políticas do SNE.
O PDE e o PAR também inovaram na questão da contrapartida dos entes às
políticas de colaboração, e a mesma estrutura poderá ser mantida para assegurar a
continuidade de regimes colaborativos (de âmbito governamental), entre os entes
federados. Isso transfere às políticas de governo, sobretudo em períodos de transição
eleitoral, um compromisso institucional importante para a elevação da qualidade da
educação.
Do ponto de vista da estruturação do SNE, o termo articulado, expresso na de-
nominação do Sistema, justifica-se pelo fato de que, dada a autonomia prevista pelo
pacto federativo, e às inúmeras regulamentações descentralizadas, não é possível
implementar um Sistema Nacional de Educação em âmbito de uma lei específica.
Conforme observado, algumas ações de cooperação, que perfazem a estrutura do SNE,
já estão consolidadas pelo Fundeb e pelo PSPN, e outras, a exemplo das diretrizes
nacionais de carreira (PL nº 1.592, de 2003), encontram-se em vias de consolidação.
Após a Conae, restará eleger as demais políticas do espectro do SNE, a serem regula-
mentadas por lei, sobretudo aquelas que comporão o substrato da Conferência, além
de algumas outras previstas no Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação.
Destas, fazem parte, a política nacional de formação de professores (Decreto nº 6.755,
de 2009) e o Profuncionário (21ª Área Profissional de Nível Técnico, criada pela Reso-
lução CEB/CNE nº 5, de 2005).
Pontos pendentes (e vulneráveis) sobre a consolidação do SNE referem-se à
abrangência e à gestão, que não são tratados, ao menos satisfatoriamente, pelo atual re-
gime de colaboração (PAR), dadas às próprias limitações legais. Mas a feição explícita
do Sistema, que a Constituição garantiu implicitamente, depende dessas definições.
Sobre a abrangência, cabe enfatizar que o MEC, originariamente, elegeu o finan-
ciamento, a gestão, a avaliação e a formação profissional como bases para seu regime
de colaboração com os entes federados. E essa mesma base pode ser transposta para o
SNE. A CNTE tem dialogado com o Ministério sobre o reconhecimento, no PAR, do
conceito da valorização profissional – que absorve a formação – dado que o piso salarial
e as diretrizes de carreira estão postos na disputa para regulação nacional. O primei-
ro já está consolidado em legislação própria, e o segundo, em vias de aprovação pelo
Congresso, já conta com normativa emanada pela Câmara de Educação Básica (CEB)
do CNE (Resolução CEB/CNE nº 2, de 2009). O fato de o PAR já contemplar, em par-
te, essa orientação – induzindo os sistemas a consolidarem os planos de carreira dos
profissionais da educação e a pagar o piso do magistério – parece conduzir o MEC e
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Sistema Nacional Articulado de Educação: aspectos da conformação do novo regime de cooperação educacional
a Conae a incluírem esse tema no rol de abrangência do SNE, tal como se pretendia
fazer no primeiro projeto de regulamentação da LDB. O assunto, no entanto, deverá
enfrentar muita resistência, sobretudo no judiciário, assim como tem acontecido com
o PSPN. Mas sua importância para a educação compensa mais essa luta.
Quanto aos “pilares” do financiamento e da avaliação (com foco nas políticas de
governo, nas instituições e atores educacionais), esses são temas que necessitam ser
mais bem amadurecidos pela Conae, e por outros fóruns e instâncias de governo e da
sociedade, com a finalidade de atender aos pressupostos do Sistema Nacional, bem
como para se adequarem aos limites do pacto federativo. A CNTE aprofundará essas
questões em Conferência própria de educação, a tempo de projetar os encaminha-
mentos nas conferências estaduais e na Conae 2010.
Do ponto de vista da gestão, questão complexa e muito incipiente no regime de co-
laboração do MEC – até porque a legislação impõe fortes restrições – o desafio consiste
em criar novas dinâmicas para os sistemas de ensino, através de indução do SNE.
A gestão democrática – princípio caro aos educadores e que foi base-mestra do
primeiro projeto de regulamentação do Sistema Nacional de Educação – ficou reduzi-
da, na Lei nº 9.394, de 2006, aos preceitos dos artigos 14 e 15, que preveem, somente,
a participação dos profissionais no projeto pedagógico, e da comunidade nos conse-
lhos escolares, além de uma “progressiva” autonomia pedagógica, administrativa e
de gestão financeira às escolas. Por esta razão, a CNTE considera primordial resgatar
algumas concepções do PL 1.258, de 1988, adaptadas à nova realidade política do
país, sem as quais o SNE terá muitas dificuldades para se impor e fazer alcançar os
desígnios de uma educação libertária e plural, presentes nos incisos II e III, do art.
206 da CF/88.
Com base numa reivindicação coletiva e nos objetivos da Conae, as Conferências
de Educação devem constituir as instâncias institucionalizadas de debate e de coleta
das propostas sociais para a educação, com critérios de participação e periodicidade
definidos na Lei. Internamente, teriam competências deliberativas, a fim de organizar
seus trabalhos. No plano externo, a Conae figuraria como órgão máximo de consulta
do MEC e do CNE para a formulação das políticas públicas educacionais.
Abaixo da Conferência, cumprindo função consultiva e de articulação com a socie-
dade, situaria o Fórum Nacional de Educação, responsável pela organização dos temas
da Conae e pela sintetização e consulta permanente sobre as deliberações da Conferência.
O CNE manteria a função normativa do sistema de ensino federal e assumiria a
coordenação das políticas públicas deliberadas pela Conferência e/ou sugeridas pelo
MEC. A elaboração, o acompanhamento e a avaliação da Lei de Diretrizes Orçamen-
tárias, junto com o MEC, seria outra importante atribuição do CNE. Já o Ministério,
além de executor das políticas do sistema federal, dividiria o papel de coordenador
do plano de ações educacionais do SNE com o CNE.
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Quanto à composição do Fórum e do CNE, nossa proposta coaduna-se com a
de Dermeval Saviani3, a qual o MEC, em parte, já tem adotado. O Fórum teria seus
membros indicados por parte das entidades que integram a Conae. Uma lista com
certo quantitativo de vagas seria disponibilizada e as pessoas com maior número de
indicações, no limite de 3 (três) por entidade, seriam conduzidas para cumprir man-
dato de tempo a ser definido. Sistema análogo seria adotado para o CNE, porém sem
permitir que as entidades consultadas indiquem seus próprios representantes. Quan-
to à distribuição das vagas por ramos educacionais (e sociais), importante garantir a
representação de todos, tal como tem ocorrido atualmente.
Essa estrutura macro de gestão deve induzir os sistemas de ensino a democrati-
zarem suas instâncias educativas, razão pela qual os artigos 14 e 15 da LDB também
poderiam passar a prever outros elementos democráticos que se interligam ao prin-
cípio do SNE. A possibilidade de eleição direta nas escolas públicas e nos estabele-
cimentos que recebem recursos públicos, e a participação da comunidade escolar na
gestão do ensino – com representação dos segmentos que a compõe nos conselhos de
educação (estadual, distrital e municipal) – são dois deles.
Outras contribuições sobre a gestão deverão ser indicadas pela Conferência de
Educação da CNTE, em outubro.
O contexto democrático do SNE, num futuro breve, deverá conduzir à consti-
tuição do Sistema Único de Educação Básica, em âmbito dos estados e municípios,
conforme prevê o art. 11 da LDB. E essa radicalização organizativa é o caminho mais
seguro para conduzir a educação ao princípio maior da Constituição: a escola pública
unitária.
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Sistema Nacional Articulado de Educação: aspectos da conformação do novo regime de cooperação educacional
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sobre a gestão democrática. Sem que esse requisito seja atendido, de forma ampla e
segura, corre-se o risco de que os avanços do SNE sejam limitados pela onipotência
de governos que não prezam em ouvir os anseios da sociedade. E, em se tratando
de educação, impossível melhorar seu nível de qualidade num ambiente em que a
democracia escolar (e dos sistemas) não seja a válvula impulsionadora da liberdade,
da criatividade, da crítica construtiva e do diálogo fraterno.
Notas
1 Disponível: <www.cnte.org.br>, na seção sobre a 10ª Semana.
Referências
292 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 277-293, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Sistema Nacional Articulado de Educação: aspectos da conformação do novo regime de cooperação educacional
______; ______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.258, de 1988b. Fixa as
diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.
br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv=D&Datain=29/11/1988&txpagina=4267&altura=650
&largura=800>. Acesso em: ago. 2009.
______; Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara nº 180, de 2008b. Dispõe sobre o
ingresso nas universidades federais e estaduais e nas instituições federais de ensino
técnico de nível médio e dá outras providências. Disponível em: <http://www.
senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=88409>. Acesso em:
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______; ______. Projeto de Lei do Senado nº 344, de 2007b. Acrescenta inciso ao art.
14 da lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB), de forma a instituir a eleição direta para diretores de
escolas públicas. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/
detalhes.asp?p_cod_mate=81535>. Acesso em: ago. 2009.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 277-293, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 293
Normas de publicação
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 295-302, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 295
Revista Retratos da Escola
FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
Capítulo de livro
Artigo de periódico
COÊLHO, Ildeu Moreira. A gênese da docência universitária. Linhas Críticas, Brasília, v. 14,
n. 26, p. 5-24, jan./jun. 2008.
MASINI, Elcie F. Salzano et al. Concepções de professores do ensino superior sobre surdoce-
gueira: estudo exploratório com quatro docentes. Revista Brasileira de Estudos Pedagógi-
cos, Brasília, v. 28, n. 22, p. 556-573, set./dez. 2007.
Teses
296 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 295-302, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Normas da Publicação
FREI BETTO. Tortura: suprema decisão. Brasil de Fato, São Paulo, 13-19 nov. 2008. p. 2.
EXPANSÃO dos canaviais é acompanhada por exploração de trabalho. Brasil de Fato, São
Paulo, 13-19 nov. 2008. p. 5.
CONFRONTO de números. Carta Capital, São Paulo, a. 11, n. 348, 29 jun. 2005.
Decretos, leis
Constituição Federal
Relatório oficial
Gravação de vídeo
COM LICENÇA, eu vou à luta. Direção: Lui Farias. Produção: Mauro Farias. Rio de Janeiro:
Embrafilme, Produções Cinematográficas R. F. Farias Ltda., Time de Cinema, 1986. 1 DVD.
CD-Rom
MELO, Maria Teresa Leitão de. Formação e valorização dos profissionais da educação. In:
CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, CULTURA E DESPORTO, 1., 2000, Brasília.
Desafios para o século XXI: coletânea de textos... Brasília: Câmara dos Deputados, 2001.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 295-302, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 297
Revista Retratos da Escola
SILVA, Obdália Santana Ferraz. Entre o plágio e a autoria: qual o papel da universidade?.
In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 29., 2006, Caxambu/MG. Trabalhos. Disponível em:
<http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT10-1744--Int.pdf>. Acesso
em: 20 nov. 2008.
Observações gerais – ao autor principal de cada artigo serão fornecidos três (3) exempla-
res do fascículo em que seu trabalho foi publicado; em artigos de co-autoria ou com mais de
dois autores, cada autor receberá um (1) exemplar.
A revista não se obriga a devolver os originais das colaborações enviadas e informa que o
conteúdo dos textos publicados é de inteira responsabilidade de seus autores, não refletindo,
necessariamente, a opinião do comitê editorial.
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Normas de publicación
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Revista Retratos da Escola
Artículo de revista
COÊLHO, Ildeu Moreira. A gênese da docência universitária. Linhas Críticas, Brasília, v. 14,
n. 26, p. 5-24, jan./jun. 2008.
Tesis
300 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 295-302, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Normas da Publicação
FREI BETTO. Tortura: suprema decisão. Brasil de Fato, São Paulo, 13-19 nov. 2008. p. 2.
EXPANSÃO dos canaviais é acompanhada por exploração de trabalho. Brasil de Fato, São
Paulo, 13-19 nov. 2008. p. 5.
CONFRONTO de números. Carta Capital, São Paulo, a. 11, n. 348, 29 jun. 2005.
Decretos, leyes
Constitución Federal
Informe oficial
De grabación de vídeo
COM LICENÇA, eu vou à luta. Direção: Lui Farias. Produção: Mauro Farias. Rio de Janeiro:
Embrafilme, Produções Cinematográficas R. F. Farias Ltda., Time de Cinema, 1986. 1 DVD.
Cd-Rom
MELO, Maria Teresa Leitão de. Formação e valorização dos profissionais da educação. In:
CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, CULTURA E DESPORTO, 1., 2000, Brasília.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 295-302, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 301
Revista Retratos da Escola
Desafios para o século XXI: coletânea de textos... Brasília: Câmara dos Deputados, 2001.
SILVA, Obdália Santana Ferraz. Entre o plágio e a autoria: qual o papel da universidade?.
In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 29., 2006, Caxambu/MG. Trabalhos. Disponível em:
<http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT10-1744--Int.pdf>. Acesso
em: 20 nov. 2008.
e) Notas y citas: si las hay, serán enumeradas de manera secuencial y colocadas al final
del artículo. No será permitida la utilización de notas bibliográficas. Para ello, deberán ser
utilizadas las citas en el texto: la identificación de referencias en el cuerpo del trabajo debe
hacerse con la indicación del (de los) nombre(s) del (de los) autor(es), año de publicación y de
paginación. Ej: (Oliveira, 2004, p. 65).
f) Tablas y Figuras: deben ser enumeradas de manera consecutiva en números arábigos,
respetando el orden en que se incluyeron en el texto y encabezados por el título. En el montaje
de las tablas, se recomienda seguir las “Normas para la Presentación Tabular”, publicadas por
el IBGE. Cuadros: identificados como tablas, utilizando una sola numeración a lo largo de todo
el texto. Las ilustraciones (fotografías, dibujos, gráficos, etc.) serán consideradas figuras. Se re-
comienda también que las piezas se produzcan en blanco y negro, en tamaño máximo de 14
x 21 cm, con resolución (mínimo de 300 DPIs) para reproducción directa siempre que posible.
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el título y subtítulo del artículo, (ii) nombre(s) del(de los) autor(es), (iii) dirección, teléfono, fax
y dirección electrónica para contacto, (iv) la titulación y (v) vínculo institucional.
302 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 295-302, jan./jun. 2009. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
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colado quente.
Edição Impressa
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Agosto de 2009