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FUNDAMENTOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO

BACHARELADO LETRAS/LIBRAS
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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Imagens de textos bíblicos – Bíblia Física e de Aplicativo,


respectivamente. .............................................................................................. 16
Figura 2- Imagens de trechos do livro do Pequeno Príncipe – Francês,
Português e Espanhol respectivamente. .......................................................... 17
Figura 3- Harry Potter e a Pedra Filosofal – imagens do livro e DVD. ............. 18
Figura 4 - Imagens de interpretação simultânea realizadas em congressos –
línguas orais. .................................................................................................... 37
Figura 5 - Entrevista com o tradutor Ulisses Carvalho. ................................... 40
Figura 6- Entrevista UFC 194 – Interpretação Consecutiva. ........................... 41
Figura 7- Intepretação consecutiva. ................................................................ 42
Figura 8 - Lei Nº 12.319 – Brasil, 2010. ........................................................... 63
Figura 9 - Livro: Libras em Estudo – Tradução/Interpretação.......................... 66
Figura 10– O tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais e Língua
Portuguesa. ...................................................................................................... 76
Figura 11 - Artigo: Interpretar ensinando e ensinar interpretando: posições
assumidas no ato interpretativo em contextos de inclusão para surdos – autora
Audrei Gesser. ................................................................................................. 79

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APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

A disciplina Fundamentos da Tradução e Interpretação objetiva


disponibilizar novos conhecimentos e reflexões relacionadas aos conceitos de
tradução e interpretação, bem como distinguindo-os, estabelecendo as relações
e ligações dos estudos da tradução e interpretação na perspectiva das línguas
de sinais. Também discutiremos sobre a formação profissional, problematizando
a atuação e as competências necessárias para a formação de um novo
profissional. Ao longo do texto estudaremos as temáticas a seguir:
- Estudos da tradução: fundamentos históricos, conceitos, discussões
relacionadas a formação profissional (unidade I);
- Estudos da interpretação: fundamentos históricos, conceitos e aspectos
relacionados a área (unidade II);
- Estudos da tradução e interpretação da Língua de Sinais: fundamentos
históricos, conceitos e aspectos relacionados às línguas de sinais, formação
profissional (unidade III);
Sempre que possível disponibilizamos vídeos, indicação de leituras, para
que você complemente seu conhecimento. A partir de agora iniciaremos nossos
estudos!!!

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APRESENTAÇÃO DO PROFESSOR

Sou a professora Maria Helena Nunes Almeida, possuo especialização


em Língua Brasileira de Sinais e Metodologias Ativas, pela Faculdade Eficaz,
graduação em Letras Libras - Bacharelado pela Universidade Federal de Santa
Catarina e Licenciatura em Libras também pela Faculdade Eficaz.
Atuo como intérprete Educacional desde o ano de 2009, a partir desta
data, já trabalhei em diferentes níveis de ensino, em instituições públicas e
privadas. Também atuo como intérprete/tradutora de Libras em outras áreas tais
como contextos artísticos e culturais, conferências, programas e debates
políticos, além de tradução de documentários.
Na área da docência, atuei na graduação e pós-graduação. Atualmente,
meus estudos estão voltados para a Tradução e Interpretação, Língua Brasileira
de Sinais e Educação Especial.

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Sumário
UNIDADE I – ESTUDOS DA TRADUÇÃO ........................................................6
1 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................. 7

2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS ....................................................... 8

3 CONCEITOS E ASPECTOS DA TRADUÇÃO ................................ 14

4 O PROFISSIONAL TRADUTOR ..................................................... 23

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 28

UNIDADE II – ESTUDOS DA INTERPRETAÇÃO ....................................... 31


1 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................ 32

2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA INTERPRETAÇÃO ................ 33

3 CONCEITOS E ASPECTOS DA INTERPRETAÇÃO ...................... 35

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 56

UNIDADE III – ESTUDOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA


LÍNGUA DE SINAIS ............................................................................................................ 58
1 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................ 59

2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA TRADUÇÃO E


INTERPRETAÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS ................................................ 60

3 CONCEITOS E ASPECTOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO


EM LÍNGUA DE SINAIS ............................................................................... 64

4 OS PROFISSIONAIS: TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS .. 75

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 86

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 87

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DISCIPLINA – FUNDAMENTOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO
UNIDADE I – ESTUDOS DA TRADUÇÃO
Professora – Maria Helena Nunes Almeida

Objetivo da aprendizagem;

● Definir conceitos da área de tradução;


● Compreender as especificidades da área;
● Reconhecer os processos de uma tradução;
● Demonstrar a importância de compreender a diferença existente
entre tradução e interpretação;
● Apresentar exemplos da área de estudo.

Plano de estudo:

Tópico 1 – Fundamentos históricos.


Tópico 2 - Conceitos e Aspectos da tradução.
Tópico 3 - O profissional tradutor.

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1 INTRODUÇÃO À UNIDADE

Olá, caro aluno, seja bem-vindo à disciplina de Fundamentos da Tradução


e Interpretação, durante todo esse percurso deste livro-texto, conheceremos
diferentes conceitos e perspectivas relacionadas aos estudos da tradução, bem
como refletir sobre as temáticas debatidas na área. A reflexão é de suma
importância para você, futuro tradutor/intérprete.
Atualmente, é comum viajarmos e conhecermos novos lugares com
culturas e línguas diferentes, isto, porque a tecnologia e a mídia de fácil acesso,
entre outros meios de comunicação nos permite evoluir com as trocas em nosso
cotidiano. Tornou-se comum encontrarmos estrangeiros na cidade em que
moramos, sendo assim, a tradução demonstra a sua relevância, como
ferramenta social no mundo globalizado.
Nesta unidade, dividimos, em três tópicos, os conceitos que embasam os
estudos da tradução. Para tanto, daremos início à busca pelos conhecimentos
da área, a partir de uma breve retomada histórica, uma vez que por meio desta
retomada, poderemos compreender e perceber que a tradução não é algo atual,
longe disso, ela vem sido discutida desde o surgimento da humanidade.
Além da parte histórica, apreciaremos algumas conceituações
imprescindíveis aos futuros tradutores e intérpretes. Enfatizamos que para atingir
tal domínio e a formação que desejam, pretendemos colaborar de forma
significativa com a sua preparação profissional e, assim, prepará-lo para exercer
com maestria a relação da prática e da teoria.
As teorias de tradução que estudaremos os ajudarão, e muito, em seu
trabalho, pois a tradução não implica somente na passagem de uma língua para
outra, sem reflexões, sem estratégias, sem escolhas tradutórias ou por palavras
soltas, pelo contrário, a tradução é um ato extremamente complexo, que precisa
ser pensado, não só uma, mas duas, três ou mais vezes para que a trabalho
final chegue ao público-alvo da melhor maneira possível, de forma clara, que
respeite sua língua e cultura.
Em seguida, elencamos algumas definições para o termo tradução:
tradução intralingual, tradução interlingual, tradução intersemiótica,
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problematizando e exemplificando cada um destes itens. A questão da fidelidade
no ato tradutório também será amplamente discutida, com vistas a refletirmos a
respeito do que é ser fiel e, em que a questão da fidelidade implica no processo
de tradução. Estas são algumas das questões que embasarão nossas
discussões no tópico 2.
No decurso do nosso estudo, moldamos, cuidadosamente, um caminho
coeso e lógico, para que fosse possível compreendermos este último tópico de
forma mais clara, por isso, no tópico 3, faremos discussões centralizadas nas
habilidades e competências do profissional tradutor. Num primeiro momento,
falaremos sobre a formação deste profissional, isto é, de que forma ocorreram
as primeiras formações e, como está sendo feita na atualidade, deste modo,
almejamos responder ao questionamento: será que já conseguimos atingir um
nível de excelência nos cursos de graduação?
Ainda no contexto de formação, abordaremos as particularidades em
relação às competências necessárias ao tradutor, de maneira a tornar-se um
profissional completo, apto a realizar seu trabalho com qualidade e ética, neste
sentido: será que conhecer uma língua, significa que já posso ser um tradutor?
A proposta desta unidade é criarmos uma base histórica e conceitual para
estudos mais complexos, passo que daremos nas próximas unidades. Portanto,
desenvolvemos um material que traz um processo crescente aos nossos
saberes sobre a temática tradução e interpretação. Espero que vocês entendam
o tamanho da responsabilidade e curtam esse mundo da tradução tanto quanto
nós! Bons estudos.

2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS

Olá caros alunos, iniciaremos agora uma viagem para o mundo da


tradução, uma área de estudo riquíssima e, a partir dela conseguiremos aprender
e vivenciar outras culturas e línguas, porém adiantamos a vocês que esta é uma
área de estudo muito desafiadora. No decorrer da disciplina vocês perceberão o
quão rico e instigador é este campo de estudo, sendo, esta disciplina um começo
para novas perspectivas e reflexões dos futuros profissionais.
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Durante toda a disciplina refletiremos sobre o conceito de tradução e
interpretação, os quais possuem perspectivas e conceitos diferentes,
dependendo da vertente que se adota nos estudos. Neste material, separaremos
as matérias da tradução dos estudos da interpretação, de forma a conceituarmos
e compreendermos a diferença entre eles, tanto na concepção das línguas orais,
quanto das línguas de sinais.
O verbo “traduzir” vem do verbo latino traducere, que significa “conduzir
ou fazer passar de um lado para o outro”, algo como “atravessar” (CAMPOS,
1987). O tradutor, em seus estudos relacionados às línguas orais também pontua
que, “traduzir nada mais é que isto: fazer passar, de uma língua para outra, um
texto escrito na primeira delas. Quando o texto é oral, falado, dizemos que há
“interpretação”, e quem realiza então é um intérprete” (CAMPOS, 1987, p. 7).
Quando estudarmos mais profundamente a temática na abordagem da língua de
sinais, conheceremos diferentes alternativas e áreas de trabalho tanto na
tradução quanto na interpretação não restritas a textos orais ou escritos.

Autores defendem a ideia de que a tradução e interpretação são


conceitos que se remetem a tarefas distintas. Traduzir estaria
ligado à tarefa de versar de uma língua para outra trabalhando
com textos escritos. Desse modo, o tradutor teria tempo para ler,
para refletir sobre as palavras utilizadas e os sentidos
pretendidos e, ao traduzir para a língua-alvo, poderia consultar
dicionários, livros, pessoas na busca de trazer os sentidos
pretendidos do modo mais adequado. Já interpretar está ligado
à tarefa de versar de uma língua para outra nas relações
interpessoais, trabalhando na simultaneidade, no curto espaço
de tempo entre o ato de enunciar e o ato de dar acesso ao outro
àquilo que foi enunciado. Assim, o intérprete trabalha nas
relações sociais em ato, nas relações face a face, e deve tomar
decisões rápidas sobre como versar um termo ou um sentido de
uma língua para outra, sem ter tempo para reflexões.
(LACERDA, 2015, p. 15).

Em vários momentos, surgirão questionamentos sobre essas linhas de


pesquisas, mas ao longo de nosso estudo nos comprometemos a deixar o mais
claro possível, a fim de chegarmos a um consenso quanto às duas perspectivas.
O objetivo deste consenso está ligado à última unidade, composta por exercícios
práticos, os quais serão desafios e, ainda, abordarão a língua de sinais.

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O campo de estudo que investigaremos tem caráter desbravador, isto é,
seu início se deu a partir do momento que povos, culturas e línguas diferentes
começaram a ter contato umas com as outras, como também com base na
necessidade de comunicação entre os povos. Estas ações fizeram com que as
práticas tradutórias começassem a surgir, obviamente, não como estudamos e
vemos hoje, mas com suas particularidades conforme as diferentes épocas e
contextos.
Segundo Campos (1987), historicamente, a questão da tradução surgiu
pela necessidade que todos os envolvidos na construção da maior torre já vista
- Torre de Babel – tinham de se comunicar, visto que a ideia desta construção
era que a mesma alcançasse o céu, entretanto este grande projeto não estava
sendo visto com bom grado pelo Senhor dos Exércitos, sendo assim, fez com
que todos os envolvidos no projeto não conseguissem/pudessem se comunicar
mais.

Pode-se mesmo dizer que, biblicamente ao menos, a tradução


nasceu de uma confusão. Todo mundo conhece a história bíblica
da Torre de Babel, uma torre que alguns homens queriam
construir altíssima com a pretensão de por ela chegarem ao céu;
mas o Senhor dos Exércitos não aprovou o projeto daqueles
pretensiosos e resolveu atrapalhar a comunicação na Torre: fez
que se confundissem as línguas, um sem compreender o que
outro queria dizer, e a incrível construção ficou por terminar, a
meio caminho do seu tão almejado objetivo. (CAMPOS, 1987, p.
10).

As comprovações históricas mostram quão antiga é a ideia da


possibilidade de diferentes povos e culturas se comunicarem. A prática tradutora
é muito antiga, visto que a necessidade de comunicação entre culturas e povos
é tão antiga quanto a prática.

A antiguidade deste mito bíblico, que se lê no Antigo


Testamento, pode dar uma ideia de como é velha neste mundo
a prática da tradução; pois é de imaginar-se que em pouco
tempo começasse a haver na Torre de Babel pessoas com certa
capacidade de entenderem mais de uma língua ao mesmo
tempo, e que essas pessoas entrassem a atuar como elos de
comunicação entre as que tinham línguas diferentes, como
intérpretes e tradutoras, portanto. E desde aí, desde os seus
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primórdios, a tradução teve sempre quem se pronunciasse a
favor dela ou contra ela. (CAMPOS, 1987, p. 10).

Para entendermos um pouco mais sobre tradução, primeiramente,


precisamos dialogar um pouco sobre linguagem, esta, que é tão essencial para
a vida humana, pois é a partir da linguagem, que todas as relações sociais
acontecem, a aprendizagem e a construção da identidade, além do mais, é por
meio da língua que expressamos e disseminamos o conhecimento.

A linguagem e a vida são uma coisa só. A linguagem não é


nenhum detalhe, então, é essencial, é substancial. Não é
acessório do humano, é condição da sua existência. O que vale
para a língua vale também para as línguas – o que vale para as
línguas vale também para a linguagem muito individual de cada
falante: não existe identidade sem a língua. Não somos nada
sem a língua. O meu falar caracteriza a minha personalidade; a
minha língua seja ela o português brasileiro, seja ela Libras, seja
ela a Língua de Sinais na Áustria, tem um forte impacto sobre a
minha maneira de ver o mundo e sobre a minha maneira de ser
alguém no mundo. (WERNER, 2009. p. 03).

Como Werner (2009) expressa, brilhantemente, em suas escritas, a vida


e a linguagem são uma coisa só, não conseguimos dissociar uma da outra.
Vamos imaginar quão triste é não ter a possibilidade de se expressar, transmitir
suas frustrações e alegrias, do transtorno em não ser entendido. Refletiremos
sobre isso, mais detalhadamente, na última unidade que estudaremos juntos,
porém, pensem comigo, quantos surdos ainda estão à mercê de uma vida
restrita, sem língua alguma?
Por muitas vezes nos vemos horrorizados pelos noticiários, vivenciados
no nosso dia a dia - “meninas encontradas na floresta sem comunicação
alguma”, “criança foi trancada no porão de casa e desconhecia as formas de
linguagem quando encontrada”. Os noticiários são chocantes, mas já pararam
para pensar que isso pode estar acontecendo próximo de nós? Quantos surdos
vocês já conheceram que não possui e não domina nem a língua de sinais, nem
a língua oral de forma escrita? Uma “comunicação” dentro de casa precária ou
que simplesmente não exista, que não vão à escola, e quando vão, não possuem
uma escolarização adequada, para que consigam desenvolver a língua? Esses

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fatos são mais recorrentes do que imaginamos, a língua é essencial, e
precisamos dela para viver.

A linguagem permite à criança obter explicações sobre o


funcionamento das coisas do mundo e sobre as razões do
comportamento das pessoas. Se não houver uma base
linguística suficientemente compartilhada, e um bom nível de
competência linguística para permitir uma comunicação ampla e
eficaz, o mundo da criança ficará confinado a comportamentos
estereotipados aprendidos em situações limitadas.
(CAPOVILLA, 2000, p. 100).

Sendo assim, a linguagem é essencial à vida humana, para nos


definirmos e construirmos como pessoas, para entendermos nosso papel
perante a sociedade, para estabelecer nossa identidade cultural. O estudioso
Capovilla (2000) nos permite compreender essa essencialidade de forma clara,
para comprovarmos essa afirmação:

A linguagem tem a importante função interpessoal de permitir a


comunicação social, ela também tem a vital função interpessoal
de permitir a comunicação social, ela também tem a vital função
intrapessoal de permitir o pensamento, a formação e o
reconhecimento de conceitos, a deliberada resolução de
problemas, a atuação refletida e a aprendizagem consciente.
(CAPOVILLA, 2000, p. 100).

Enfim, é preciso entender o quão importante foi essa breve reflexão sobre
a linguagem, pois sem ela não haveria a comunicação entre os povos, seja nas
línguas orais ou nas línguas de sinais, não haveria a troca cultural entre os
povos, como também, não haveria a tradução. Podemos, então, concluir e
compreender a importância da língua como ferramenta social, como ferramenta
cultural, sobretudo a sua relevância para a comunicação entre os seres
humanos, logo, se temos a língua essencial às trocas sociais, temos a tradução
somada a essa troca, ou seja, não se pode desligar o uso da língua, em diversos
contextos sociais, e ato tradutório.
Para Oustinoff (1956, p. 12), “a primeira função da tradução é, então, de
ordem prática: sem ela, a comunicação fica comprometida ou se torna
impossível”. O processo histórico que universalizou a tradução começou desde

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sempre, podemos citar aqui como exemplo a primeira tradução da bíblia,
atualmente, o texto bíblico é mais foi traduzido no mundo, foram muitas e muitas
línguas, atingindo diferentes povos, culturas e regiões da terra. Segundo
Oustinoff (1956), os textos bíblicos foram o objeto de maior empreendimento
dentro da história da tradução, e isso até os dias atuais.
Com a tradução podemos manter uma língua viva e transformar a sua
condição de sobrevivência para Oustinoff (1956, p. 12), “uma língua que não se
consegue mais traduzir é uma língua morta, antes de a tradição vir a ressuscitá-
la”. Se ignorarmos a existência da tradução, perderemos uma língua e,
consequentemente, uma cultura e um povo. Assim, vemos, mais uma vez, a
importância da tradução e como ela pode colaborar ao uso e à difusão da língua
de um povo a outro grupo social.
Caros alunos agora chegamos ao fim da nossa primeira reflexão, logo,
destacam-se dois pontos cruciais, primeiramente, a importância da linguagem
para o ser humano, e não menos importante da tradução como ferramenta social,
em prol da continuidade destas línguas e da comunicação entre os povos.

Ou seja, espera-se do profissional, nos casos da tradução


cultural, um grau de intervenção bastante acentuado, inclusive
ciente de que suas escolhas lexicais, terminológicas e culturais
podem afetar os processos de visibilização ou de apagamento
de certos povos. (SANTOS e FRANCISCO, 2018, p. 2940).

Oustinoff (1956) conclui que “a tradução é uma operação de natureza


dinâmica, nunca estática”, por isso o tradutor e o intérprete estão em evidência
na sociedade, por esse motivo os estudos e as pesquisas pertinentes à área
estão crescendo cada vez mais e, estão em constante debate.

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3 CONCEITOS E ASPECTOS DA TRADUÇÃO

Iniciaremos este segundo tópico, informando que discutiremos aqui


conceitos importantíssimos, que você como futuro tradutor e intérprete de Língua
Brasileira de Sinais, precisa compreender, dominar e distinguir.
No decorrer deste tópico estudaremos os diferentes tipos de tradução -
tradução intralingual, tradução interlingual e tradução intersemiótica, à luz do
estudioso Roman Jakobson (1959).
A tradução intralingual, também chamada de reformulação, implica em
uma interpretação dos signos verbais por meio de outros signos verbais, porém
dentro da mesma língua. Vocês podem estar se perguntando, como assim
professora, dentro da mesma língua? Sim, é possível ocorrer tradução dentro da
mesma língua, podemos citar o exemplo de textos mais antigos, escritos em
português e a reformulação destes mesmos textos para o português atual.
Como falamos no tópico anterior, a bíblia é o texto em maior evidência
dentro da área da tradução, mostraremos para vocês um exemplo, para que
fique mais claro o entendimento sobre a concepção de tradução intralingual
utilizando como base as escrituras bíblicas.
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Com o avanço da tecnologia, são inúmeros os aplicativos, disponíveis
para baixarmos em nossos celulares, tablets e computadores. Buscamos no
aplicativo a palavra “bíblia”, para minha surpresa existem diferentes opções e
com diferentes focos – Bíblia para criança, mulheres, linguagem atual, entre
outros – optamos pela Bíblia na linguagem atual, quando instalada, buscamos
então o trecho bíblico que fala sobre a Torre de Babel, assunto pertinente à
tradução, e que já estudamos, anteriormente. Mas professora aonde você quer
chegar com tudo isso? Pois então, na imagem que veremos a seguir, temos um
exemplo de tradução intralingual.
A primeira imagem (Capítulo 11 de Gênesis – texto conciso) da Figura 1,
foi retirada de uma bíblia física, com uma escrita mais tradicional, já na segunda
imagem, temos o mesmo texto proveniente de um aplicativo intitulado “Bíblia
Linguagem Atual”, que como o nome diz, faz uso de uma linguagem mais atual,
simples e compreensível. Quando olhamos as imagens, percebemos, facilmente
as reformulações existentes entre um texto e outro.
Analisemos a imagem presente na Figura 1, quais considerações você
pode fazer em relação às duas imagens? Você acha que mudou o sentido? O
significado? E o objetivo final do texto?

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Figura 1 - Imagens de textos bíblicos – Bíblia Física e de Aplicativo, respectivamente.
Fonte: Imagem da autora

No versículo 3 dos excertos da Figura 1 temos um exemplo claro da


tradução intralingual, vamos juntos analisar as escolhas feitas nos dois textos:
isto é, as escolhas lexicais e terminológicas foram diferentes, porém a
mensagem é a mesma, obtendo, assim, o mesmo sentido e objetivo ao final do
texto. Desta feita, observa-se que o sentido do texto permaneceu, nas duas
versões, ou seja, estão falando de materiais para a construção. O significado de
contar um momento da rotina de construção permaneceu, portanto se a primeira
versão for lida por um adolescente dos dias de hoje terá um pouco de dificuldade
em reconhecer alguns termos e construir o significado. Veja a comparação no
Quadro 1 - Quais considerações você pode fazer em relação às duas imagens?
Você acha que mudou o sentido? O significado? E o objetivo final do texto?

Quadro 1 – Versículo 3 – Gênesis – Bíblia Física e Aplicativo

Um dia disseram uns aos outros:


Disseram uns aos outros: “Vamos fazer tijolos
- Vamos, pessoal! Vamos fazer tijolos
e cozê-los ao fogo”. Usaram tijolos, em vez de
queimados! Assim, eles tinham tijolos para
pedras, e betume, em vez de argamassa. [...]
construir, em vez de pedras, e usavam piche,
Tornemos célebre nosso nome, para não
em vez de massa de pedreiro. [...] Assim
sermos dispersos sobre toda a terra”.
ficaremos famosos e não seremos espalhados
pelo mundo inteiro.

Fonte: elaborado pela autora.

Observa-se que o significado do texto pode mudar, dependendo de quem


faz a leitura e, por isso, a tradução intralingual tem seu valor e sua necessidade,
de acordo com o público a que se destina. Desta maneira, a tradução intralingual
consiste na tradução para o mesmo signo linguístico, por exemplo: do português
para o português, do inglês para o inglês, isto é, do inglês britânico para o inglês
americano. Outro exemplo que podemos oferecer é com a tradução de uma
sinalização de um adulto surdo para uma criança surda, isto é, o sinalizante,
provavelmente, utiliza sinais mais simples e compreensíveis para uma criança
em fase de desenvolvimento de língua.

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Outro conceito importante que precisamos aprender é o de tradução
interlingual, este é um pouco mais fácil de compreender, pois é mais comum ao
nosso cotidiano. Tradução interlingual consiste em interpretação de signos
verbais por meio de outra língua. Por exemplo: do inglês para o português,
Italiano para o Francês, Português para Libras e, assim por diante. Na imagem
da Figura 2 temos a exemplificação deste conceito.

Figura 2- Imagens de trechos do livro do Pequeno Príncipe – Francês, Português e Espanhol


respectivamente.
Fonte: Mensagens 10, 2019.

As três imagens referem-se a um pequeno trecho muito conhecido do livro


“Pequeno Príncipe” do autor Antoine de Saint-Exupéry, cuja primeira versão foi
lançada em 1943. Temos a tradução em três línguas: Francês, Português e
Espanhol.
Por último, mas não menos importante, temos a tradução
intersemiótica, esta consiste em uma interpretação dos signos verbais por meio
de sistemas de signos não verbais. Alguns exemplos seriam: vídeos, história em
quadrinhos, música, dança, pintura, cinema, entre outros. É possível também,
encontrarmos tradução intersemiótica entre dois signos não verbais.

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Na imagem da Figura 3 contemplamos um nítido exemplo de tradução
intersemiótica - o livro do Harry Potter, da autora J. K. Rowling, que foi adaptado
e produzido para as telas do cinema. Em uma das imagens temos a capa do livro
e na outra a capa do DVD do filme.

Figura 3- Harry Potter e a Pedra Filosofal – imagens do livro e DVD.


Fonte: Imagem da autora.

Na Figura 3 podemos observar um exemplo de tradução intersemiótica,


um livro que foi traduzido/adaptado para as telonas.
Os próximos conceitos que estudaremos neste tópico serão de língua-
fonte e língua-alvo.
Língua-fonte é a língua que o tradutor ou intérprete vê ou ouve e, a partir
dela faz todo o processo tradutório para outra língua. Já a língua-alvo, é a língua
de destino de todo o processo de tradução. Por exemplo, em um seminário de
Literatura Brasileira, a língua-fonte, na qual está sendo produzido o discurso é o
Português e, a língua-alvo, pela qual está ocorrendo o processo de interpretação,
é a Libras, podendo, então, ser compreensível aos públicos a que se destinam:
o ouvinte e a comunidade surda.

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Durante todo o processo tradutório precisamos ter a preocupação em
relação à estrutura da língua, a intenção do autor, bem como o respeito cultural
da língua-alvo. Quando pensamos em todos estes referenciais no campo da
tradução, chegamos a um ponto primordial para analisarmos, que é a coerência
que o trabalho teve em seu produto final. Todos estes questionamentos
englobam a discussão e reflexão de um único conceito - o da ‘fidelidade’ - um
tema polêmico, notório quando buscamos este tema na Internet e, encontramos
as discussões realizadas há muito tempo no campo no que tange à tradução.
Segundo Vasconcelos e Junior (2009, p. 12) a fidelidade está relacionada a
questão da autonomia do tradutor/ intérprete, pois no momento em que é
realizado determinada leitura daquele trabalho que está sendo realizado, as
concepções teóricas condizem com a realidade vivida naquele momento.
Será que uma tradução termo a termo, palavra a palavra significa ser
coerente e atinge o objetivo do texto-fonte? Vamos pensar nas possibilidades
dos erros que podem ocorrer devido à semântica da palavra, bem como outras
possibilidades, como a incompatibilidade com a estrutura linguística entre outros.

A tradução termo a termo leva, tanto em um caso como no outro,


a resultados desastrosos, agravados pela rapidez do exercício,
mesmo quando se trata de passagens tão fáceis de entender
(...). (OUSTINOFF, 1956, p. 100).

Por exemplo, como sinalizar em Libras a frase:

QUANDO EU TINHA 10 ANOS, GOSTAVA MUITO DE BRINCAR DE BONECA


Português

QUANDO – EU – TER – 10 – ANOS – GOSTAR – MUITO – BRINCAR – BONECA


Tradução palavra por palavra

PASSADO - IDADE - 10 - GOSTAVA (INTENSIDADE) - BONECA – BRINCAR


Tradução de sentido

Nesse exemplo, observamos que a tradução de sentido fica mais


coerente ao objetivo final do texto, sendo que a tradução palavra por palavra

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pode ficar incompreensível para o interlocutor surdo, visto que não respeita a
estrutura linguística da Língua Brasileira de Sinais (SVO).

A maior vantagem de uma representação dessas é ressaltar o


fato de que a tradução não é simplesmente uma operação
literária ou uma operação linguística, mas também uma
operação conceitual: o tradutor não é um mero executor, um
simples técnico da linguagem. As operações nas quais ele se
empenha são da ordem do conceito. (OUSTINOFF, 1956, p.
103).

Vocês devem estar se perguntando: mas por que estamos falando sobre
tradução palavra por palavra se o assunto era fidelidade, professora? Como
disse Oustinoff (1956), traduzir não é meramente uma operação literária ou
linguística, estamos falando em passagens de conceitos, conceitos coerentes na
língua-alvo, mantendo o objetivo da mensagem do locutor e respeitando sua
cultura.

Contudo, se concluímos que toda a tradução é fiel às


concepções textuais e teóricas da comunidade interpretativa a
que pertence o tradutor e também aos objetivos que se propõe,
isso não significa que caem por terra quaisquer critérios para a
avaliação de traduções (ARROJO, 1986, p. 45).

A questão da fidelidade é muito ampla, vai depender da interpretação que


o tradutor aplica ao texto-fonte, bem como sua própria concepção de tradução,
conforme Arrojo (1986) pontua em seus textos. Sendo assim, nós tradutores
seremos fiéis à nossa interpretação textual do texto-fonte e a nossa interpretação
do texto-fonte implica em vários outros fatores externos, como: sentimentos,
pensamentos e a nossa construção social de um modo geral.

No entanto, por mais que o tradutor esteja imbuído do sincero


propósito de oferecer um texto isento de vícios, incorreções e
imprecisões (não querendo, aqui, dar uma ideia negativa da
tradução), por vezes, os obstáculos são intransponíveis e aquilo
que pretendia ser uma tradução se torna inevitavelmente
também uma interpretação. Isso acontece por uma simples
razão: toda língua possui suas peculiaridades, sua beleza, seus
trocadilhos e suas ambiguidades poéticas, resistindo a todos os
esforços do tradutor no sentido de adaptá-la a outro idioma.
(PENA, 2009, p. 3).
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Por fim, sabemos que a tradução ocorre em um determinado tempo e
cultura, porém o importante na questão da fidelidade é o tradutor saber
transformar a mensagem da língua-fonte para a língua-alvo, levando em
consideração o sentido, o objetivo daquele texto e a estrutura das línguas
envolvidas.

Reflita!
Há uma banda curitibana formada por mulheres, cujo objetivo é
disseminar a independência e a valorização das mulheres no hodierno, o nome
é Mulamba. Pensando nisso, convido vocês a ouvirem uma música da banda e
a analisar sua letra, que tem uma forma única de lidar com o cotidiano feminino.
Pergunto a vocês: as mulheres surdas precisam participar desta luta também?
Como poderiam ter acesso a essa música? Óbvio, que por meio de uma
interpretação/tradução em Libras, sendo assim, solicito que leiam a letra da
música, pensem em alguns dos conceitos aprendidos – intralingual,
interlingual, fidelidade – e assistam ao vídeo da interpretação feita pelo Jonatas
Medeiros, TILS da UFPR.

Ontem desci no ponto ao Quando a noite virar dia Pra onde eu não sei (pra
meio dia Nem vai dar manchete onde eu não sei)
Contramão me parecia (nem vai dar manchete) Socorro (socorro)
Na cabeça a mesma reza Amanhã a covardia vai Sou eu dessa vez (sou eu
Deus, que não seja hoje o ser só mais uma que dessa vez)
meu dia mede, mete, e insulta E eu corro (eu corro)
Faço a prece e o passo Vai filho da puta Pra onde eu não sei (pra
aperta Painho quis de janta eu onde eu não sei)
Meu corpo é minha pressa
Ouviu-se um grito agudo Socorro (socorro)
engolido no centro da cidade Tirou meus trapos, e ali Sou eu dessa vez (sou eu
E na periferia? Quantas? mesmo me comeu dessa vez)
Quem? De novo a pátria puta me Hoje me peguei fugindo
O sangue derramado e o traiu E era breu, o sol tinindo
corpo no chão E eu sirvo de cadela no Lá vai a marionete
Guria cio Nada que hoje dê manchete
Por ser só mais uma guria E eu corro (eu corro) (E ainda se escuta)

21
Socorro tô num mato Sou eu dessa vez
sem cachorro Morreu na contramão
A roupa era curta Ou eu mato ou eu morro atrapalhando o sábado
Ela merecia E ninguém vai me julgar (Pra onde eu não sei)
O batom vermelho Agonizou no meio do passeio
Porte de vadia E foda-se se me rasgar a público
Provoca o decote roupa (Sou eu dessa vez, e eu
Fere fundo o forte Te arranco o pau com a corro)
Morte lenta ao ventre forte boca Morreu na contramão como
Eu às vezes mudo o meu E ainda dou pra tu se fosse máquina
caminho chupar (Pra onde eu não sei,
Quando vejo que um homem Pra ver como é severo o socorro)
vem em minha direção teu veneno Seus olhos embotados de
Não sei se vem de rosa ou Eu faço do mundo cimento e tráfego
espinho pequeno (Sou eu dessa vez)
Se é um tapa ou carinho E Deus permita me Amou daquela vez como se
O bendito ou agressão vingar fosse máquina
E se mudasse esse ponto de E Deus permita me (Pra onde eu não sei,
vista vingar socorro)
E o falo fosse a vítima E Deus permita me Amou daquela vez como se
O que o povo ia falar? vingar fosse a última
Trocando, assim, o foco da E eu corro (Sou eu dessa vez)
história Pra onde eu não sei (pra
Tirando do homem a glória onde eu não sei)
De mandar nesse lugar Socorro

Link do vídeo da música:


https://www.youtube.com/watch?v=ZdpZ-93uUnY

Link do vídeo da interpretação:


https://www.youtube.com/watch?v=_CqXvDF8SJg

Analisem se a mensagem foi passada, se o objetivo da música foi


atingido, pensem sobre a construção das línguas e suas estruturas: há a
utilização de elementos gramaticais da Libras presentes na interpretação que

22
deixou o significado claro ao público-alvo? E, por fim, entendam como é
importante e fundamental o papel do tradutor e intérprete de Libras.

4 O PROFISSIONAL TRADUTOR

Caros alunos, neste último tópico da unidade haverá uma discussão sobre
a formação do tradutor. Durante este capítulo fizemos algumas breves
comparações/relações com as línguas sinais, desta feita, isso será discutido de
maneira mais aprofundada em nossa última unidade, inicialmente abordaremos
as línguas orais.
Como vimos anteriormente, os tradutores surgiram a partir da
necessidade da comunicação e troca entre os povos, uma atividade milenar.
Contudo, a grande preocupação até os dias atuais diz respeito ao modo como
ocorre a formação destes profissionais.

23
Recentemente a tradução começou ganhar espaço no meio acadêmico.
Antes estar neste espaço, era discutida de forma breve, com pouca notoriedade
dentro da área da Literatura e da Linguística. Segundo Paschoal (2007) somente
a partir de 1970, a tradução começou ganhar popularidade, o que instigou
discussões relevantes a seu respeito e, assim, ganhou espaço como disciplina
específica, mas considerada, apenas, uma formação complementar nos cursos
de Letras.
Sabemos que o ato de traduzir requer muitas competências, o que implica
numa formação mais específica e completa, pois a formação de um professor de
línguas requer outras competências profissionais.

No Brasil, a Tradução, situada na área de Letras, é muitas vezes


considerado um complemento da formação e,
consequentemente, não proporciona ao futuro profissional o
instrumental de que precisa para exercer sua função, já que é
restrita: não se pretende dizer que os conhecimentos adquiridos
no curso de Letras não sejam necessários à formação do
tradutor, mas é preciso aceitar que os níveis de exigência e
conhecimento de algumas disciplinas podem variar
significativamente na formação do tradutor e do professor de
línguas estrangeiras. (PASCHOAL, 2007, p. 216).

Conforme estudamos durante toda essa unidade comprovamos que o


processo de tradução não é somente a transferência de ideias de uma língua
para outra, a tradução precisa levar em consideração a cultura, o público-alvo, a
língua, entre outras peculiaridades do processo tão rico e detalhado que é o
processo tradutório.
Sendo assim, Paschoal (2007) pontua alguns vieses que a formação de
um tradutor precisa ter, a fim de mostrar como a formação necessita ser o mais
completa possível, pois o futuro profissional necessita dominar e adquirir o
conhecimento exigido para a atuação na área.

Dentre alguns pressupostos que consideramos mais


importantes para a formação de tradutores, indicamos os
seguintes: a) língua materna, b) língua estrangeira, c) relações
entre teorias linguísticas e tradução, d) cultura estrangeira, e)
tradução de textos técnicos. (PASCHOAL, 2007, p. 217).

24
Para Paschoal (2007) a formação do tradutor contribui para o
desenvolvimento das habilidades necessárias para atuação, sendo que em um
curso de formação não é necessário a sistematização e normalização em
diferentes etapas, mas sim, que as formações busquem a cooperação de
diferentes disciplinas, buscando uma formação geral e completa em todos os
âmbitos, língua e tradução.
Segundo Pagano (2009), a formação do tradutor requer o
desenvolvimento de habilidades que vão muito além do conhecimento
linguístico, por isso os cursos de formação precisam ter um olhar especial com
a prática tradutória e o processo tradutório em si, garantindo ao estudante de
tradução o desenvolvimento de percepções mais acentuadas em relação à
prática, conhecer as teorias e oportunizar a reflexão destas ações e, ainda, fazer
a relação prática versus teoria. Conforme suas reflexões, Paschoal (2007)
compreende que a grande preocupação que os cursos e os formadores
necessitam ter é a clareza das intenções neste contexto, que é formar tradutores
e não teóricos da tradução. Arrojo (1986) também complementa esse
pensamento dizendo:

ao considerarmos a tradução uma atividade essencialmente


produtora de significados, e ao considerarmos o trabalho do
tradutor pelo menos não complexo quanto o do escritor de textos
“originais”, fica evidente que não pode haver fórmulas mágicas
nem atalhos fáceis para se aprender a traduzir (ARROJO, 1986,
p. 76).

Como pontua Arrojo (1986) não existem fórmulas mágicas e caminhos


fáceis para ser um tradutor, é necessário que compreendamos a importância que
a profissão tem diante de seu papel social, por isso prescinde de muito estudo,
dedicação, envolvimento na cultura-alvo e empenho.

25
A formação adequada do profissional tradutor implica no domínio das
estratégias tradutórias, as quais ele deve ter ao realizar o seu trabalho. Posto
isto, enumeramos algumas das principais competências que o tradutor precisa
ter – competência linguística, competência tradutória e, por último, e não menos
importante, a competência referencial. Segundo Pagano (2009, p. 12) “a prática
da tradução requer estratégias de diversas naturezas, algumas das quais podem
ser adquiridas por meio da experiência, sendo que outras podem ser
desenvolvidas ou aperfeiçoadas pela formação profissional”.
Competência linguística segundo Roberts (1992, apud Quadros, 2004)
é a habilidade que o profissional precisa ter em manipular as línguas envolvidas
nos processos tradutórios, compreender e usar as línguas enredadas em todos
os seus aspectos, expressando-se corretamente, fluentemente e da forma mais
clara possível, na língua-alvo.

Além da complexa tarefa de dominar as línguas envolvidas no


processo, aprender a traduzir significa necessariamente
aprender a “ler” (...) aprender a “ler” significa, portanto, aprender
a produzir significados, a partir de um determinado texto, que
sejam “aceitáveis” para a comunidade cultural da qual participa
o leitor (ARROJO, 1986, p. 76).

É importante compreendermos que a competência linguística engloba as


duas línguas envolvidas, isso significa que tanto o tradutor quanto o intérprete
26
precisam dominar a língua em todos os seus níveis, lexical, semântico, sintático,
pragmático, as terminologias, entre outros. Para Vasconcellos e Junior (2009, p.
15) “A competência linguística é uma condição essencial – ou seja, sem ela não
é possível realizar um ato tradutório – mas não suficiente – ou seja, apenas o
conhecimento dos dois códigos não faz de um indivíduo um tradutor/intérprete.”.
Isso significa, caros alunos, que só dominar a língua, não te constitui um
tradutor ou um intérprete, existem outras exigências e competências que estes
profissionais necessitam ter para desempenhar a função.
Vamos usar como exemplo a Libras, visto que hoje em dia é comum e
normal (ainda bem!), as pessoas procurarem fazer cursos de Libras, muitos
acabam se aprofundando no assunto, buscam outros meios e se tornam fluentes
na Língua Brasileira de Sinais, mas será que para atuar como um tradutor ou
intérprete conhecer a língua basta? Como eu disse desde o começo desta
unidade, o ato tradutório é muito mais complexo do que imaginamos.
Outra competência importante deste tripé profissional é a competência
referencial, esta como diz o nome, é a competência de buscar, dominar e
socializar com o assunto abordado no trabalho aceito. Sabemos que a formação
dos tradutores é muito ampla (falaremos mais sobre isso na unidade III), isto é,
a formação não ocorre em áreas específicas de atuação, por isso o tradutor
precisa buscar o conhecimento nas áreas específicas de atuação.
Já a competência tradutória contempla várias outras habilidades,
segundo Pagano (2009) “pode ser definida como todos aqueles conhecimentos,
habilidades e estratégias que o tradutor bem-sucedido possui e que conduzem
a um exercício adequado da tarefa tradutória”.
Conforme Hurtado (2005) indica, o conceito de competência tradutória já
vem sendo discutido e estudado desde os meados de 1990, diante dessas
discussões realizadas foram várias as perspectivas e modelos propostos para
conceituar e explicar essa competência. Vários destes modelos buscam pontuar
as habilidades que compõem esta competência - como cita Hurtado (2005),
“conhecimento linguístico, culturais, de documentação, capacidade de
transferência etc.”. Porém são diversas as perspectivas referentes a este ponto:

27
Outros autores (Lowe, Pym, Hatim e Mason) preferem falar de
“habilidades e destrezas tradutórias”. Lowe aponta
características tais como: compreensão leitora e capacidade de
redação, velocidade etc.; Pym destaca a habilidade de gerar
diferentes opções e de selecionar uma única delas em função
dos fins específicos e do destinatário; Hatim e Mason postulam
destrezas de processamento do texto original (reconhecer a
intertextualidade, localizar a situacionalidade, inferir a
intencionalidade, valorizar a informatividade etc.) e de
processamento do texto de chegada (estabelecer
intertextualidade e situacionalidade, criar intencionalidade,
equilibrar a informatividade etc.) e habilidades de transferência
para renegociar estrategicamente com eficácia, eficiência e
relevância. (HURTADO, 2005, p. 23).

Então, é necessário ter um equilíbrio nestas competências e habilidades.


O profissional deve pensar no público-alvo e fazer o seu máximo para atingi-lo,
por isso, estamos aqui, neste momento, buscando um bom desenvolvimento nas
habilidades e competências.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

28
Compreendemos durante esta unidade o quão complexo é o trabalho do
tradutor, uma vez que traduzir não é apenas a passagem de uma palavra de uma
língua para outra, vai muito além, como falamos durante toda essa leitura. Quão
trabalhoso é o processo tradutório, cabendo a nós, profissionais tradutores, fazer
escolhas que sejam mais viáveis e coerentes à língua-alvo, à cultura e ao público
que irá utilizar aquela tradução.
Precisamos estar cientes e conscientes do trabalho que assumiremos,
além disso, nos questionarmos a respeito da nossa competência sobre
determinado trabalho. Sempre nos perguntarmos: será que eu possuo as
competências necessárias para exercer e assumir esse trabalho? Isto porque
está em nossas mãos, literalmente, o entendimento e até a única forma de
adquirir informações sobre alguns assuntos.
É importante compreendermos que no mundo complexo da tradução não
podemos viver sozinhos, a crítica construtiva de outro colega de profissão, que
exerce a função há mais tempo, por exemplo, só vem a colaborar e aprimorar
nosso serviço. Quando surgem dúvidas sobre alguma coisa no momento da
tradução podemos buscar livros, glossários, dicionários, como também, fazer
trocas e reflexões com os nossos pares, que já possuem mais experiência e
tempo de trabalho. As trocas são riquíssimas e nos ajudam a construir nossa
identidade profissional!
Busquem colocar em prática tudo que aprendemos durante esta unidade,
agora é o momento de fazer a relação teoria e prática, que é tão importante neste
processo de formação de vocês. A partir de agora as suas escolhas tradutórias
serão mais conscientes e caberá a você distinguir se foi uma boa escolha ou
não.
Lembre-se sempre de seu papel social como tradutor, se pensarmos,
especificamente na comunidade surda, imaginem que maravilhoso seria se tudo
fosse de fácil acesso e compreensível a eles? Cabe a nós (sim, nós tradutores,
surdos e comunidade em geral) lutarmos pelo direito linguístico e tradutório
destes cidadãos, para que eles possam ter o direito de informação tanto quanto
nós.

29
Nunca se esqueça: a tradução permite que línguas e culturas continuem
vivas e cabe a nós esta tarefa. Por isso, sempre anseie em conhecer, estudar,
aprimorar e refletir sobre o seu ato tradutório.

30
DISCIPLINA – FUNDAMENTOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO
UNIDADE II – ESTUDOS DA INTERPRETAÇÃO
Professora – Maria Helena Nunes Almeida

Objetivo da aprendizagem:

● Definir conceitos da área de interpretação;


● Compreender as especificidades da área;
● Reconhecer os processos de uma interpretação;
● Apresentar exemplos da área de estudo.

Plano de estudo:

● Tópico 1 – Fundamentos históricos da Interpretação.


● Tópico 2 – Conceitos e aspectos da interpretação.

31
1 INTRODUÇÃO À UNIDADE

Caros alunos, durante a leitura desta unidade, aprenderemos um pouco


sobre o mundo da interpretação, tentei organizar essa disciplina de forma que
estudássemos de forma separada o conceito de tradução e interpretação,
porém, como vocês já perceberam, são conceitos estudados de forma conjunta
e, muitas vezes, indissociáveis.
Durante a unidade II, retomaremos alguns pontos históricos sobre o
profissional intérprete, bem como, todo processo de formação destes
profissionais.
As teorias que trabalharemos são baseadas nas línguas orais, porém
sempre farei relações com as línguas de sinais. Trabalharemos com conceitos
importantes, como: interpretação simultânea, consecutiva e sussurrada. O intuito
é fornecer a vocês, futuros profissionais, exemplos práticos, a fim de
visualizarem, de forma mais ampla, a complexidade e responsabilidade do futuro
trabalho de vocês.
O intérprete, em sua formação, precisa conhecer e dominar estas
modalidades de interpretação, pois cada trabalho exigirá uma forma de atuação
e cabe ao profissional saber qual é a melhor modalidade de interpretação para
cada trabalho. Esta é uma das competências necessárias, que o intérprete deve
possuir: saber analisar e escolher o que é mais apropriado diante das
circunstâncias de trabalho.
Estudaremos, também, a questão da memória e da complexidade do
processo de interpretação, visto que, diferentemente, da tradução, a
interpretação pode ocorrer de forma simultânea e de contato direto com o
público-alvo, o que torna o trabalho mais complexo, podendo ocorrer
interferências externas e até problemas técnicos com os equipamentos. Para
refletirmos melhor sobre esse ato, usaremos como base Fábio Alves (2009), que
em suas pesquisas, discorre sobre memória de curto e longo prazo.
Falaremos sobre a importância do trabalho em dupla, da afinidade,
respeito e parceria, que deve ocorrer entre os profissionais durante o trabalho,

32
visto que o mesmo exige alta complexidade cognitiva e qualquer deslize no ato
interpretativo pode ocasionar um abalo emocional.
Para finalizarmos, espero que vocês leiam e olhem, com muita atenção e
carinho, todos os vídeos que sugerimos neste capítulo, pois, por meio deles
vocês poderão fazer a relação teoria e prática. Vocês, também podem buscar o
conhecimento em outros lugares além desta apostila, como, por exemplo, pelo
Youtube, o qual consiste em um instrumento riquíssimo, que só veio fortalecer e
aumentar nosso conhecimento. Sabendo onde procurar e como procurar, este
meio tecnológico é como um grande livro aberto, que nos proporciona
conhecimento e incontáveis relações teóricas e práticas.
Bons estudos!

2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA INTERPRETAÇÃO

Olá, caros alunos, no decorrer do estudo deste tópico, conheceremos e


construiremos alguns conceitos da área da interpretação, seguindo a mesma
linha de pensamento que utilizamos na unidade anterior, todavia, agora, o foco
é um pouco diferente, pois exibiremos em detalhes os estudos na interpretação.
Perceberemos que muitas coisas vão ao encontro dos estudos da
tradução, mas como já explanamos a temática anteriormente, você perceberá
que muitas teorias trabalham, não só a tradução, mas também a interpretação
dentro da mesma perspectiva. Apesar disso, aqui, separaremos estes dois
estudos porque nos estudos da Língua Brasileira de Sinais, estes temas são
vistos separadamente, cada um com uma função.
Conforme estudamos na primeira unidade, a tradução surgiu a partir da
necessidade das trocas já em épocas remotas. A interpretação também não
surgiu de modo muito diferente, com base nos livros históricos, a interpretação
surgiu durante a guerra, porém, como objeto de estudo é uma área muito
recente.

Apesar de evidências históricas mostrarem que a interpretação


como atividade nas áreas do comércio, diplomacia e

33
negociações de guerra data de milhares de anos, a história
moderna da interpretação inicia-se há apenas 100 anos, com as
negociações do Tratado de Versalhes, após a I Guerra Mundial,
centrada principalmente na interpretação de conferências
(PÖCHHACKER, 2004, p. 28, apud CARNEIRO, 2017, p. 3).

Segundo Carneiro (2017) logo que este tipo de trabalho começou a ser
executado chamou a atenção dos pesquisadores pelo fato de ser uma atividade,
extremamente, complexa e única. Impulsionando, a partir de então, os estudos
pertinentes à área e a preocupação de formar os profissionais para exercer esse
tipo de trabalho.

Esse novo campo de estudos logo chamou a atenção dos


psicólogos pesquisadores, que se interessaram principalmente
pela simultaneidade da escuta e da fala em dois idiomas
diferentes e por medições do lapso de tempo ocorrido entre uma
e outra. Na década de 1960, impulsiona-se a profissionalização
dos intérpretes devido à criação de escolas de
tradução/interpretação e à fundação de associações
internacionais como a FIT (International Federation of
Translators) e a AIIC (International Association of Conference
Interpreters), esta última na década de 1950. (CARNEIRO,
2017, p. 3).

Conforme Carneiro (2017) explicita em suas pesquisas, todo esse


desdobramento histórico favoreceu e incentivou a realização de pesquisas
acadêmicas, além do surgimento de escolas específicas para a
profissionalização desta função “estabelecendo uma íntima ligação entre a
prática profissional, o treinamento em nível universitário e uma linha de pesquisa
em tradução/interpretação na Universidade de Paris 3 – Sorbonne Nouvelle”
(PÖCHHACKER, 2004, p. 28-29 e p. 35 apud CARNEIRO, 2017, p. 3).
O processo de surgimento de o intérprete de Língua de Sinais ocorreu de
forma diferente e, também, podemos dizer que isso aconteceu recentemente.
Trataremos mais profundamente deste processo histórico e de
profissionalização na próxima unidade, pois abordaremos, especificamente, a
área da Língua de Sinais.

34
3 CONCEITOS E ASPECTOS DA INTERPRETAÇÃO

Iniciaremos nosso estudo em relação aos conceitos e teorias ligadas à


área de interpretação. Como dito anteriormente e reiterado ao longo dos nossos
estudos, percebemos que o conceito de tradução e de interpretação são
utilizados, por muitos pesquisadores das línguas orais, como sinônimos,
entretanto, durante esta disciplina e toda a graduação Letras/Libras, vocês
compreenderão que na perspectiva das línguas de sinais essas terminologias
possuem significados e implicações diferentes.
O primeiro conceito que estudaremos é a interpretação, encontramos
este tipo de exercício tanto nas línguas orais como nas línguas de sinais, ela
abarca as modalidades oral-auditiva e visual-espacial. Os intérpretes trabalham
em situações de tempo real e possuem o diferencial de ter o contato direto com
o público-alvo. Características que diferem interpretação de tradução, já que
esta, normalmente possui um tempo prévio de estudo e preparação para realizar
o trabalho, além disso, o contato com o público-alvo ocorre indiretamente.

35
Quando pensamos na perspectiva das línguas de sinais, esse contato
com o público ocorre de forma bem diferenciada em relação às línguas orais, isto
é, enquanto o intérprete de língua oral fica dentro de uma cabine, o intérprete de
língua de sinais fica em contato direto e exposto para todo o público, seja no
palco ou em um local mais próximo do público-alvo, entretanto, exemplificando
como ocorreria aqui no Brasil, isso ocorre quando a palestra é ministrada do
português (língua-fonte) para a Libras (língua-alvo).
Nesta esteira, tivemos alguns avanços no Brasil, por exemplo, em
congressos internacionais e específicos da Língua de Sinais, o intérprete já
trabalha dentro de uma cabine, quando a interpretação ocorre em Libras (língua-
fonte) para o Português (língua-alvo), o que antes ocorria de forma mais
‘precária’, pois o profissional fazia a interpretação sentado no auditório junto aos
outros participantes (o que implica em muitas interferências), hoje, este trabalho
ocorre dentro de uma cabine, com abafamento de som, sem interferências
tecnológicas e humanas, assim como em interpretações de línguas orais. Claro,
estamos falando de congressos maiores, com mais recursos, porém já é uma
nova perspectiva e novas possibilidades para a realização de um trabalho mais
adequado e seguro.

Em uma situação ideal, o intérprete funciona como um


transformador. Entra 110, sai 220. Entra 220, sai 110. Entra
espanhol, sai português. Entra português, sai espanhol. Como a
comunicação é processo dinâmico, a situação envolve mais que
a mera substituição de palavras. a depender das línguas em
questão, pode haver alterações estruturais e semânticas a
compensar, além de expressões idiomáticas que não encontram
correspondente imediato na língua de chegada. Há sempre
alguma variação, e o intérprete se vê diante da necessidade não
apenas de trasladas palavras, mas de adaptar conceitos.
(MAGALHÃES, 1963, p. 45).

A interpretação simultânea é a mais comum encontrarmos em congressos


e/ou eventos. Interpretação simultânea significa ‘ao mesmo tempo’, o que quer
dizer que ocorre durante a fala do palestrante, conforme ele vai explicitando seu
discurso por meio da língua-fonte, o intérprete vai fazendo a interpretação para
a língua-alvo. Magalhães (1963) descreve como ocorre a interpretação
simultânea na perspectiva das línguas orais:
36
Já na interpretação simultânea propriamente dita, os intérpretes
se isolam em uma cabine à prova de som e recebem o áudio por
meio de fones de ouvido. À medida que escutam, vão
produzindo um novo discurso na língua-meta ao microfone. A
interpretação é levada aos participantes por meio de ondas de
rádio (ou luz infravermelha) e captada por meio de receptores
sem fio e fones de ouvido individuais. (MAGALHÃES, 1963, p.
45).

A Figura (4) ilustra esta experiência para que possamos perceber as


particularidades da interpretação simultânea.

Figura 4 - Imagens de interpretação simultânea realizadas em congressos – línguas


orais.
Fonte: VoiceLink: Tradução Simultânea – 2019.

Existe um pequeno atraso entre a fala do emissor e o intérprete, isso


acontece devido ao processo interpretativo, como este ocorre de forma
simultânea, logo, é rápido e demanda grande esforço cognitivo do intérprete.

O processo de interpretação simultânea tem mais a ver com a


compreensão e expressão de ideias que com comparação entre
línguas, já que todo o processo se dá na velocidade da fala
(cerca de 150 palavras por minuto). Devido à velocidade com a
qual se deve realizar o trabalho, ele demanda altos níveis de
esforço cognitivo do intérprete. Todo o processo pode ser
dividido em três fases: a compreensão, a desverbalização e a
reexpressão. (CARVALHO, 2007, p. 51).

37
Carvalho (2007) divide esse processo em três etapas: compreensão,
desverbalização e reexpressão. Conforme vimos na citação anterior, essas três
etapas englobam todo o processo, desde o recebimento do discurso a partir da
língua-fonte até a produção do discurso na língua-alvo. Vale-nos, neste
momento, retomar algo que dissemos e solicitamos a reflexão de vocês na
unidade anterior: será que saber/conhecer uma língua já permite que a pessoa
se torne/seja um intérprete? Vocês podem perceber com os escritos de
Carvalho, que o processo é muito mais complexo e rápido, por isso o intérprete
além de dominar a língua, precisa também dominar as estratégias de
interpretação.

O processo funciona da seguinte forma: durante a fase de


compreensão há a interpretação fonológica. O intérprete
compreende o que foi dito e passa para a segunda fase,
chamada de desverbalização. Na desverbalização, o
profissional dissocia a forma linguística do conteúdo que está
sendo passado. Neste momento os conhecimentos linguísticos
e os complementos cognitivos se misturam. Durante a
reexpressão, ocorre a reformulação linguística da ideia na língua
de chegada. (CARVALHO, 2007, p. 51).

Vamos pensar, se o intérprete não domina e não compreende esses


processos, como será que chegará ao público-alvo essa interpretação? Como
exposto, anteriormente, o processo e o esforço cognitivo são muito grandes,
considerando um contexto em que o intérprete domina e possui as competências
necessárias – linguística, referencial e tradutória –. Suponha-se, agora, que o
intérprete não possua estas competências, será que o seu esforço para exercer
a função não dobra? Não triplica? Podemos dizer por experiência própria, que
no começo de nossa atividade como profissional, todo esse processo ocorria de
forma mais sofrida, pois além do desgaste cognitivo, tinha também o desgaste
emocional, percebíamos as escolhas equivocadas, o que implicava
automaticamente em feedbacks negativos do público-alvo (já que é um contato
direto), o qual piorava a situação emocional, prejudicando, consequentemente,
o processo cognitivo e a continuação da interpretação.

38
Entre as estratégias cognitivas que utilizamos para traduzir
existem algumas que podem nos servir de apoio interno ao longo
do processo tradutório. Este apoio interno se dá, sobretudo, por
meio do nosso conhecimento de mundo, que abrange nossos
conhecimentos enciclopédicos, incluindo-se nele toda nossa
bagagem cultural, e o conhecimento procedimental que nos
ensina como utilizar o que já conhecemos. (ALVES, 2009, p. 57).

Por isso, antes de assumirmos qualquer trabalho precisamos pensar,


refletir e nos questionar: será que possuo competências necessárias para
assumir esse serviço? Se eu não tenho, onde posso buscar? O que eu posso
fazer para me preparar para a interpretação? Sobre o que eu posso ler?

Reflita!
A fim de refletirmos um pouco mais sobre o que falamos, a respeito de as
competências necessárias para ser um intérprete, vamos ver a entrevista da professora
Fernanda com o intérprete Ulisses Carvalho, que foi realizada em fevereiro de 2018 no
seu canal do Youtube, em que falam sobre o perfil profissional, a formação, as
competências. Ulisses é intérprete das línguas orais, porém as temáticas abordadas,
durante a entrevista, vêm ao encontro com tudo que falamos até agora: Será que saber
uma língua me torna um intérprete? Será que mesmo sendo intérprete posso abraçar o
mundo e atuar em todas as áreas?
Esperamos que vocês consigam, a partir deste vídeo, minuciar a formação e a
responsabilidade que vocês, como futuros profissionais, terão!
Link para acesso: (para quem precisar é só ativar a legenda!)
https://www.youtube.com/watch?v=3dW9WjajeE8

39
Figura 5 - Entrevista com o tradutor Ulisses Carvalho.
Fonte: Canal do Youtube – Teacher Fernanda, 2018.

Vejamos, a partir de agora, a interpretação sussurrada, a qual acontece


do mesmo modo que a anterior: simultaneamente, porém, ao invés de ser para
um grande público-alvo, tem como foco, apenas, uma ou duas pessoas.
Segundo Magalhães (1963, p. 44) “há também a técnica conhecida como
whispering ou chuchotage, que nada mais é que uma interpretação sussurrada
‘simultaneamente’ ao pé do ouvido de um ou dois convidados. A técnica
sussurrada dispensa equipamentos”.
Em seguida, temos a interpretação consecutiva, esta é um pouco mais
complexa de entender, pois não é muito comum de encontrar este tipo de
interpretação em congressos ou em eventos. Ela pode ocorrer da seguinte
forma: o intérprete escuta/olha alguns trechos do discurso na língua-fonte e,
posteriormente, após a pausa do emissor, o intérprete produz o texto na língua-
alvo com suas próprias palavras, não seguindo, necessariamente, as mesmas
frases, contudo mantém o mesmo objetivo e o sentido do orador. Em suma, este
processo de interpretação acontece de forma intercalada, sendo o tempo
dividido entre orador e intérprete e, o público tem acesso aos dois textos.

40
Com o intuito de exemplificar, citamos um exemplo que, normalmente
ocorre na TV. A Figura 6 mostra a entrevista pós-luta do atleta Aldo. Para a
realização da entrevista foi necessário o trabalho do intérprete, que optou por
realizar um trabalho na forma consecutiva. É um exemplo simples, que nos
ajudará a organizar e compreender este conceito de interpretação.
Link para acesso do vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=8Kmp7r3f0z0
Interpretação a partir do minuto 2:52

Figura 6- Entrevista UFC 194 – Interpretação Consecutiva.


Fonte: Canal do Youtube: UFC – Ultimate Fighting Championship, 2015.

Durante toda nossa disciplina, sempre que possível, utilizaremos e


demonstraremos, de maneira prática, os conceitos que estamos estudando. A
fim de nos apropriarmos e exemplificarmos, mais uma vez o conceito de
interpretação consecutiva, analisaremos o vídeo ‘tradução consecutiva, um
exemplo prático Voicelink Tradução Simultânea’.
A transcrição e a tradução do vídeo foram realizadas pelo tradutor Alison
Felipe Gesser, solicitei ao profissional que ao fazer a tradução para o português

41
não a fizesse palavra por palavra, mas uma tradução literal, mantendo a
fidelidade semântica, porém dentro da estrutura gramatical do português. O
objetivo de utilizar essa estratégia tradutória é que vocês, caros alunos,
consigam fazer reflexões significativas em relação às escolhas do intérprete.
A Figura 7 traz dois tradutores, um homem que faz a leitura do texto em
Espanhol, e a mulher que faz a interpretação consecutiva para o inglês, logo em
seguida temos a transcrição do inglês e do espanhol, bem como, a tradução em
português das duas falas.
Link para acesso:
https://www.youtube.com/watch?v=Nl1p7NRAOQI

Figura 7- Intepretação consecutiva.


Fonte: Agrupación de Intérpretes de Barcelona, canal do Youtube –
Janapietro, 2012.

HOMEM (ESPANHOL) MULHER (INGLÊS)


Buenos días. Hoy les voy a hablar del Good morning. Today we’re here to talk
curioso caso de un pueblo andaluz, en la about a rather strange case of a village in
sierra de Cádiz, que ha optado por una Cadiz and Andalusia which has come up
curiosa respuesta ante la crisis: aprender with a rather unusual solution to the crisis:
idiomas, y concretamente el alemán. El it has decided to go for language learning

42
pueblo se llama Espera. Sí: “Espera”. Y – and not just any language: German. The
tiene 4 mil habitantes. Su economía village is called Espera and it has a
dependía mucho últimamente de la population of 4 thousand. The economy of
Construcción. Llegó a tener hasta 37 this village had been basically construction
empresas de hormigón prensado y casi based up until recently there were 30 plus
toda la población masculina se dedicaba a companies only in a special type of
esta actividad, entretanto muchas de las concrete. And while most of the men were
mujeres trabajaban en el campo. Pero, al working in that industry, the women largely
pararse el boom del ladrillo, pues, todo se attended the fields. But all of that came to
vino abajo. De todos modos, es curiosa la sudden hot with the end of the construction
reacción que les lleva al aprendizaje de un boom and so now they are dealing with
idioma tan difícil como el alemán, this. But it’s great strange it seems to me
precisamente. Porque en inglés se supone for them to have chosen German of all
que habría más puertas. Aunque el inglés things as the way out of their current
lo hable todo el mundo, la aprobación problems. You would think English for
específica, temática, para un oficio o una instance would be more of a door opener,
profesión, podría parecer más adecuada. although of course it’s also true that more
Pero no: los habitantes de Espera, o al people know it so it’s less of an edge or
menos 120 de ellos, han optado por some sort of vocational training of specific
aprender alemán. Y no es casualidad que training for a particular occupation would
la primera palabra que han aprendido a seem to be a more obvious solution, but
decir en alemán los habitantes de Espera whatever the reason the inhabitants of
sea precisamente la palabra “Arbeit”: Espera, or at least 120 of them so far, have
“trabajo”. Hay que pensar en las cifras del chosen to learn German. And not by
pueblo para entender este fenómeno. Son chance have they chosen to learn as their
francamente escalofriantes: 1234 first words of vocabulary the word “Arbeit”
demandantes de empleo, y eso en un – in other words, “work”. Now the figures
pueblo de 4 mil habitantes. Algunos for Espera are absolutely horrendous when
sobreviven a base de trabajo esporádico: you think of 1234 jobseekers in the village
campaña de la fresa en Huelva, cosecha with a total population of 4 thousand. Many
de la fruta en Zaragoza, vendimia a finales people cope by taking seasonal work,
de agosto, aceituna en noviembre... Pero they’ll harvest strawberries in Huelva, then
cuando hay una familia a que mantener es will go to harvest fruit in Zaragoza, in
muy duro vivir así, al menos por mucho August they will go to the grape harvest
tiempo, sin la menor seguridad de que and then in late fall they will harvest olives.
incluso esos trabajos esporádicos And they receive a lot of support from their
persistan en el futuro. Y en España, más families, but when you have a family to
bien en Espera, se vislumbra ya el regreso support it’s very difficult to cope with this
de la otra estampa clásica de la migración kind of seasonal migration. It’s hard to
de los años 60: la migración hacia support a family and there’s no guarantee
Alemania. Pensemos que los años 60 y 70 that the work will still be there next season.
Espera perdió habitantes. Pasó de 5 mil a So in a way Espera is now starting to go
3 mil porque mucho se fueron, back to what it was in the 60s when many
principalmente a Cataluña, Francia e of the population emigrated to Germany.
incluso Alemania. Menos en la luna, dicen Now, the village of Espera seems to be
los lugareños, espereños hay en todo el returning now to a different image of what
mundo. Los de los años 60 tuvieron it was like in the 1960s, with people
algunas sorpresas, como las retenciones emigrating on a more less seasonal basis
de impuestos que eran muy altas y to Germany. Because in fact of the 60s and
superiores incluso para los solteros. Si the 70s the population of Espera dropped
cobraban 1000 marcos alemanes, pues, from 5 thousand to 3 thousand, with people

43
recibían solo 500. Pero, en fin... las cosas emigrating to Catalonia, France, and
han cambiado bastante. En esa época, se indeed Germany. In fact, the saying goes
emigraba por hambre. Y por ahora no es in the village that except for the moon there
ese el caso de la emigración actual, are Espera villages just about everywhere
gracias a subsidios, ahorrillos y desde in the world. Now, in the 1960s the people
luego mucho apoyo familiar. La iniciativa who emigrated ran up against a number of
que les cuento es por lo menos curiosa. No surprises, such as high withholding tax,
se me habría ocurrido nunca, a pesar de especially for singles. A single man might
que a mí me gustan los idiomas e incluso expect to be earning a thousand marks and
algo sé cómo aprenderlos. El alemán, then find that he only had five thousand...
dicen algunos intérpretes, solo se aprende [correction] five hundred in his pocket at
bien de la madre o en la cama, y the end of the day. But there have been
francamente dudo que la profesora del significant changes since then and why of
pueblo esté dispuesta a eso último. En the people of Espera emigrated out of
todo caso, tiene una bien merecida fama hunger at the time they are now not quite
de difícil, por ello hay que felicitar a esas in that dire position. They’ve got subsidies,
personas que se han animado a hacer algo they’ve got some savings and they
distinto ante la crisis. Aunque el primer certainly have family support where that’s
paso tenga que ser aprenderse el available. So we can say that this is a
nominativo, el acusativo, el dativo y el rather unusual solution that they’ve taken.
genitivo... y cosas tan raras como la luna It’s rather striking. I have to say: I never
sea masculina y el sol femenino. would have thought of anything like that,
Pues¡mucha suerte y qué cundael because even though I’m somebody who
esfuerzo! Muchas gracias. likes languages and knows how to learn a
language the saying amongst interpreters
is that German can only be learned as a
mother tongue or in bed. And of course, I
seriously doubt the German teacher in
Espera will be willing to put up with the
second solution. But, in any case, German
is acknowledged to be a rather difficult
language. I have to congratulate these
people who’ve come up with a different
way to combat the crisis even thought that
means they’ll have to learn the nominative,
genitive, dative, and accusative cases...
and weird things such as that the moon is
masculine and the sun is feminine (which
is the other way around from the way it is
in Spanish). So in any case good luck!

HOMEM – TRADUÇÃO DE APOIO MULHER – TRADUÇÃO DE APOIO


AO LEITOR (ADAPTADO AO AO LEITOR (ADAPTADO AO
PORTUGUÊS) PORTUGUÊS)
Hoje, vou contar a vocês o curioso caso de Bom dia. Hoje estamos aqui para falar
uma pequena cidade da Andaluzia sobre um caso bastante curioso de uma
(Espanha), na serra de Cádis, que optou pequena cidade em Cádis e Andaluzia
por uma resposta curiosa diante da crise: (Espanha), na qual surgiu uma solução
aprender idiomas – mais precisamente, o incomum para a crise: decidiu-se optar
alemão. O nome da cidade é Espera. Isso pela aprendizagem de idiomas – e não um
44
mesmo: “Espera”. E tem 4 mil habitantes. idioma qualquer: o alemão. O nome da
Nos últimos tempos, sua economia cidade é Espera e sua população é de 4
dependia muito do setor de construção. mil habitantes. Sua economia é baseada
Ela chegou a ter 37 empresas de concreto no setor de construção, e, até
estampado e quase toda a população recentemente, havia mais de 30 empresas
masculina se dedicava à atividade, trabalhando com um tipo especial de
enquanto muitas mulheres trabalhavam no concreto. E enquanto a maioria dos
campo. Mas, quando acabou o auge do homens trabalhava nessa indústria, a
setor de construção, tudo caiu por terra. De maior parte das mulheres participava do
qualquer forma, é curiosa a reação que trabalho nos campos. Mas,
leva aquelas pessoas à aprendizagem de repentinamente, tudo mudou, com o fim do
um idioma tão difícil como o alemão, auge da construção, e agora as pessoas
especificamente. Porque, em teoria, o estão lidando com isso. Mas é muito
inglês abriria mais portas. Embora o inglês curioso, para mim, eles escolherem o
seja falado no mundo todo, a aprovação alemão, entre tudo o que poderiam ter
específica, temática, para um ofício ou escolhido como saída para seus
uma profissão, poderia parecer mais problemas atuais. Você pensaria que o
adequada. Mas, não: os habitantes da inglês, por exemplo, abriria mais portas,
cidade de Espera, ou pelo menos 120 embora, é claro, também é verdade que
deles, escolheram aprender alemão. E não mais pessoas sabem inglês, então acaba
é coincidência que a primeira palavra que sendo menos vantajoso... ou que algum
eles aprenderam a dizer em alemão seja, tipo de treinamento vocacional ou
precisamente, “Arbeit”: “trabalho”. Para específico, para uma determinada
entender o fenômeno, é preciso pensar ocupação, pareceria uma solução mais
nos números da cidade, que, francamente, óbvia, mas seja qual for a razão por trás da
são arrepiantes: 1.234 candidatos a escolha dos habitantes de Espera, ou de
emprego – e isso em uma cidade pequena, pelo menos 120 deles até agora, eles
de 4 mil habitantes. Alguns sobrevivem à escolheram aprender alemão. E, não por
base de trabalho temporário: a colheita de acaso, decidiram aprender, entre as
morangos em Huelva, a colheita de frutas primeiras palavras do seu vocabulário, a
em Saragoça, a vindima no final de agosto, palavra “Arbeit”: “trabalho”. Atualmente, os
azeitonas em novembro... Mas, quando é números da cidade de Espera são terríveis
preciso sustentar uma família, é muito quando se pensa que há 1.234 pessoas
difícil viver assim, pelo menos durante procurando emprego, de um total de 4 mil.
muito tempo, sem a menor garantia de que Muitas pessoas dependem de trabalho
até mesmo esses trabalhos temporários temporário: colhem morangos em Huelva,
ainda existirão no futuro. E na Espanha – depois vão colher frutas em Saragoça, em
ou melhor, na cidade de Espera – já se agosto vão para a colheita da uva, e,
observa a volta da outra visão clássica da depois, no final do outono, vão colher
migração dos anos 60: a migração à azeitonas. E elas recebem apoio das suas
Alemanha. Tenhamos em mente que, nos famílias, mas, quando se tem uma família
anos 60 e 70, a cidade de Espera perdeu para sustentar, é muito difícil lidar com
habitantes: passou de 5 mil a 3 mil, porque esse tipo de migração que ocorre por
muitos foram embora, principalmente para temporada. É difícil sustentar uma família
Catalunha, França e, inclusive, Alemanha. e não há garantia de que o trabalho ainda
Os habitantes nativos dizem que há estará lá na próxima temporada. Então, de
espereños no mundo todo, exceto na lua. certa forma, a cidade de Espera está
Aqueles que emigraram nos anos 60 começando a voltar ao que era nos anos
tiveram algumas surpresas, como as 60, quando boa parte da população
retenções de impostos, que eram muito emigrou para a Alemanha. Agora, a
altas, até mesmo para pessoas solteiras. pequena cidade de Espera parece estar

45
Se a pessoa cobrasse 1.000 marcos voltando a uma imagem diferente de como
alemães por um trabalho, receberia era nos anos 60, com as pessoas
apenas 500. Mas, enfim... as coisas emigrando para a Alemanha, mas com
mudaram bastante. Nessa época, as uma base menos temporária. Porque, na
pessoas emigravam por causa da fome. E, verdade, nos anos 60 e 70, a população de
por enquanto, não é esse o caso da Espera caiu de 5 mil para 3 mil, com
emigração atual, graças a subsídios, pessoas emigrando para a Catalunha,
pequenas economias e, sem dúvidas, França e Alemanha. Segundo um ditado
muito apoio familiar. A iniciativa que estou de Espera, há grupos daquela cidade em
contando a vocês é, no mínimo, curiosa. quase todos os lugares do mundo, exceto
Eu nunca teria pensado nisso, apesar de na lua. Na década de 60, as pessoas que
gostar de idiomas e, inclusive, de saber um emigraram enfrentaram uma série de
pouco sobre como aprendê-los. Alguns surpresas, como a alta retenção de
intérpretes dizem que só se aprende bem impostos, especialmente para solteiros.
o alemão se a aprendizagem acontecer Um homem solteiro que esperasse ganhar
com a mãe ou na cama – e, sinceramente, mil marcos poderia descobrir que, no final
duvido que a professora daquela pequena do dia, só teria 500 mil... [correção] 500 no
cidade esteja disposta à última opção. De seu bolso. Mas houve mudanças
qualquer forma, o alemão merece a fama significativas desde então, e, pelo fato de
de ser difícil; por essa razão, é preciso pessoas da cidade de Espera terem
parabenizar a essas pessoas que emigrado para fugir da fome, agora elas
decidiram fazer algo diferente diante da não estão nessa posição horrível. Elas têm
crise, mesmo que o primeiro passo seja subsídios, algumas economias e,
aprender o caso nominativo, o acusativo, o certamente, apoio da família quando
dativo e o genitivo... e coisas tão estranhas possível. Então, podemos dizer que se
como “lua” ser masculino e “sol”, feminino. trata de uma solução bastante incomum. É
Então, muita sorte e que o esforço valha a impressionante. Eu preciso dizer: eu
pena! Muito obrigado. nunca teria pensado em algo assim,
porque, embora eu seja alguém que gosta
de idiomas e saiba como aprender um, os
intérpretes dizem que o alemão só pode
ser aprendido como língua materna ou na
cama – e, claro, eu duvido que a
professora de alemão da cidade de Espera
esteja disposta à segunda opção. Mas, de
qualquer forma, o alemão é reconhecido
como um idioma muito difícil. Eu tenho de
parabenizar a essas pessoas que
inventaram uma maneira diferente de
combater a crise, mesmo que isso
signifique que elas terão de aprender o
caso nominativo, o genitivo, o dativo e o
acusativo... e coisas estranhas como “lua”
ser masculino e “sol”, feminino (no
espanhol, funciona ao contrário). Então, de
qualquer forma, boa sorte!

46
Após leitura e análise, vale-nos construir um processo reflexivo sobre as
ações tradutórias, o qual será permeado por questões. Estas questões terão
respostas e os respectivos comentários, os quais servirão como um norte ao
nosso processo de aprendizagem.

QUESTÕES RELEVANTES DO PONTO DE VISTA DA TRADUÇÃO

1) “37 empresas” traduzido como “mais de 30 empresas”, isto é, de forma


menos precisa:

Su economía dependía mucho The economy of this village had been


últimamente de la Construcción. Llegó a basically construction based up until
tener hasta 37 empresas de hormigón recently there were 30 plus companies
prensado (...) only in a special type of concrete (...)
Nos últimos tempos, sua economia Sua economia é baseada no setor de
dependia muito do setor de construção. construção, e, até recentemente, havia
Ela chegou a ter 37 empresas de concreto mais de 30 empresas trabalhando com
estampado (...) um tipo especial de concreto (...)

2) “Concreto estampado” (“hormigón prensado”) traduzido como “tipo


especial de concreto” (“special type of concrete”), isto é, de forma menos
específica:

Su economía dependía mucho The economy of this village had been


últimamente de la Construcción. Llegó a basically construction based up until
tener hasta 37 empresas de hormigón recently there were 30 plus companies only
prensado(...) in a special type of concrete. (...)
Nos últimos tempos, sua economia Sua economia é baseada no setor de
dependia muito do setor de construção. construção, e, até recentemente, havia
Ela chegou a ter 37 empresas de concreto mais de 30 empresas trabalhando com um
estampado (...) tipo especial de concreto (...)

3) Correção de uma informação por parte da tradutora (5.000 > 500 marcos
alemães), algo relativamente frequente na modalidade de tradução de
que estamos tratando:

Si cobraban 1000 marcos alemanes, pues, A single man might expect to be earning a
recibían solo 500. thousand marks and then find that he only
had five thousand... [correction] five
hundred in his pocket at the end of the day.

47
Se pessoa cobrasse 1.000 marcos Um homem que esperasse ganhar mil
alemães por um trabalho, receberia marcos poderia descobrir que, no final do
apenas 500. dia, só teria 500 mil... [correção] 500 no
seu bolso.

4) Inserção de explicação gramatical sobre diferenças do gênero das


palavras “lua” e “sol” no contraste entre o alemão e o espanhol,
informação relevante para a compreensão do público da tradução:

(...) y cosas tan raras como la luna sea (...) and weird things such as that the moon
masculina y el sol femenino. is masculine and the sun is feminine
(which is the other way around from the
way it is in Spanish).
(...) e coisas tão estranhas como “lua” ser (...) e coisas estranhas como “lua” ser
masculino e “sol”, feminino. masculino e “sol”, feminino (no espanhol,
funciona ao contrário).

Sendo assim, de um modo geral, questionamos: vocês acham que


ocorreram perdas de informações para chegar ao público-alvo? Pensando,
então, em um contexto de Língua de Sinais, em uma interpretação consecutiva
em Libras, será que esse processo é mais difícil? Agora, lanço um desafio, caros
alunos: busquem vídeos na Internet e tentem realizar a interpretação simultânea,
troquem com os seus pares e discutam sobre as dificuldades encontradas para
realização deste trabalho.

48
Após a análise desta interpretação consecutiva, podemos pensar o quão
importante é a memória para o profissional intérprete. No caso exibido sobre
interpretação consecutiva é fato que a intérprete possui como apoio suas
próprias anotações, feitas durante a fala do orador, porém são apenas palavras-
chave para a construção da interpretação, sendo assim, a memória da
profissional precisa elaborar e trabalhar em alto nível de capacidade, para que
seja possível reter as informações.

A memória é vista como o resultado de uma cadeia de


interações; a elaboração de mapas conceituais mentais pode
aumentar nossa capacidade de retenção e recuperação de
memória. Se operarmos com mapas conceituais, nossos

49
acessos a um determinado componente de nossa memória
podem ser estabelecidos de forma múltipla, ou seja, temos
várias possibilidades de acesso a esta rede de interrelações a
fim de recuperarmos uma informação previamente armazenada.
(ALVES, 2009, p. 62).

Segundo Potter (apud ALVES, 2009, p. 59) “é necessário examinar a


memória humana analisando suas três principais características, ou seja, a
capacidade de armazenar informações, a capacidade de recuperar informações
armazenadas e a capacidade de esquecê-las”.
Alves (2009) em seus estudos conceitua e diferencia os processos de
compreensão em duas perspectivas, a memória de curto prazo e a memória de
longo prazo. É de suma importância, para o processo de interpretação
consecutiva, entender e conhecer o funcionamento da memória, pois é esta a
sua principal aliada.
Podemos entender que a memória de curto prazo consiste em:

Diríamos que este tipo de memória está sempre disponível, seu


acesso e processamento são tão rápidos que ocorrem de forma
inconsciente. Contudo a rapidez da memória de curto prazo e os
automatismos que advêm dela podem ser perigosos para o
tradutor. Sabemos que a tradução é uma tarefa que requer
reflexão consciente. O perigoso reside em não estarmos atentos
para esses automatismos e deixarmos escapar nuanças
presentes no texto de partido sem transpô-las para o texto de
chegada (ALVES, 2009, p. 61).

Observamos que a memória de curto prazo está sempre disponível e


acaba acontecendo de maneira inconsciente, o que a torna perigosa ao processo
tradutório, pois pode interferir equivocadamente. Já adianto que, por isso, é
interessante o trabalho em dupla ou em trios.
Em contrapartida, a memória de longo prazo dispõe de:

A memória de longo prazo é aquela que permite ao indivíduo


estabelecer uma forma estável de codificação de informações
que possibilita sua recuperação consciente por meio das redes
associativas. O tipo de apoio interno que é precioso para o
tradutor advém exatamente da memória de longo prazo.
(ALVES, 2009, p. 62).

50
Como podemos perceber a memória de longo prazo é importantíssima
para o intérprete, pois é por meio dela que ocorre a possibilidade de retomar e
resgatar conceitos no ato interpretativo. E por isso cada profissional intérprete
terá a sua, pois a sua constituição depende das vivências e contextos em que
cada um está inserido.
Com a finalidade de complementar as reflexões sobre memória de longo
e curto prazo, trago, vocês, as discussões de Freire (2008) em relação a teoria
Modelos dos Esforços do pesquisador Daniel Gile (1995).
Gile (1995) pontua que durante o ato interpretativo, especificamente,
durante a realização do processo da interpretação simultânea, o intérprete
realiza três esforços durante a realização do trabalho, são eles: esforço de
audição e análise, esforço de produção e esforço de memória de curto prazo.
É preciso compreender que durante a realização da interpretação
simultânea, de um modo geral, o processo todo engloba muito mais que
simplesmente uma troca de léxico, é necessário atentar-se às possíveis
ambiguidades, reconstruindo o sentido do discurso da língua-fonte para a língua-
alvo, assim, o primeiro é o esforço de audição e análise, que compreende em:

O esforço de audição e análise consiste em todas as operações


voltadas à compreensão, desde a análise das ondas sonoras
portadoras do discurso oral na língua de partida que chegam aos
ouvidos do intérprete, passando pela identificação das palavras,
até chegar às decisões finais sobre o “significado” do que foi dito
pelo palestrante (GILE, 1995: 162, apud FREIRE, 2008, p. 161).

Já o segundo é o esforço de produção, que compreende em:

Esse é o nome dado à exposição no processo de interpretação.


Na interpretação simultânea, o esforço de produção é definido
como o conjunto de operações que vão desde a representação
mental da mensagem a ser apresentada, passando pelo
planejamento do discurso oral, até a concretização desse
planejamento. (GILE, 1995, p. 165 apud FREIRE, 2008, 165).

Isso significa que o esforço de produção acontece muito rápido, é algo


que você já realiza, mas ainda não sabe o nome do processo. Quando você ouve
a palavra e faz a representação do significado daquela palavra na língua-fonte

51
você está, simultaneamente, exposto ao outro público, o público-alvo, e você,
rapidamente, faz a associação daquela sua representação na representação da
outra língua e, consequentemente, faz a interpretação. Em outras palavras,
você, intérprete, ouve uma palavra na língua portuguesa e, rapidamente, sua
mente processa a sua representação e já faz referência a sua possível
representação em Libras, fazendo, assim, que você sinalize e deixe o discurso
claro ao público que está assistindo.
Por conseguinte, o esforço da memória de curto prazo reflete na
capacidade que o profissional precisa ter em guardar as informações relevantes
durante o processo interpretativo, bem como, possuir a capacidade de também
relembrar e resgatar todas as informações quando necessário.

Durante a interpretação, as operações da memória de curto


prazo (com duração de poucos segundos) ocorrem
continuamente. Algumas devem-se ao intervalo entre o
momento em que os sons são ouvidos e o momento em que são
interpretados (…). Outras operações dessa natureza, ainda,
devem-se às características específicas de um palestrante ou
discurso (...). Há também fatores específicos da linguagem que
requerem operações da memória de curto prazo (GILE, 1995,
pp.168-169 apud FREIRE, 2008, p. 162).

Esse esforço é necessário, pois, como já falamos, anteriormente, há uma


pequena diferença no tempo de fala e no tempo de interpretação, se o
profissional não desenvolver este esforço, sempre perderá conteúdo e o seu
público-alvo terá prejuízos seríssimos. Desta feita, ressalto, mais uma vez, a
importância da conscientização da responsabilidade que a profissão carrega.
“Em outras palavras, o intérprete deve: 1) compreender o discurso oral em língua
estrangeira apresentado pelo palestrante; 2) produzir o discurso oral equivalente
em sua língua materna; e 3) armazenar em sua memória de curto prazo o que
foi dito anteriormente.” (FREIRE, 2008, p. 161).
Ao entender a existência e a importância destes esforços, o profissional
estará em condições para iniciar em contextos diversos de interpretação e,
assim, desenvolver características prototípicas de cada situação e tipo de
trabalho. Apesar disso, mesmo com estes esforços em desenvolvimento ou já

52
desenvolvidos, há, ainda, um leque de condições que acabam dificultando o
trabalho do intérprete. Isto é, ao pensar em todo o contexto interpretativo, o
intérprete acaba tendo desvantagens, Gile (1995) investiga esta relação desigual
entre o intérprete, o palestrante e o público. Sendo que, este público quer apenas
ter o contato com o conteúdo original e que a interpretação esteja a mais próxima
possível do original, mas não considera o desempenho e os estágios que o
intérprete precisa passar, os quais são:

a) não tem o mesmo controle concedido ao palestrante sobre a


produção do discurso oral;
b) geralmente, não tem a mesma capacidade de compreensão
do assunto em pauta em comparação com o público;
c) precisa ter uma capacidade de memória de curto prazo muito
mais ampla do que a do palestrante e do público; e, além disso,
d) deve ser capaz de coordenar de modo adequado a
compreensão do discurso oral em língua estrangeira, a
produção do discurso oral em língua materna e a utilização da
memória de curto prazo ao passar do estágio de input para o
estágio de output ao longo de todo o evento de interpretação.
(FREIRE, 2008. p. 164).

Devemos considerar todas estas condições e pensar, que ao aceitarmos


um trabalho como intérprete, é necessário se preparar, ou seja, solicitar, ao
contratante, condições mínimas de trabalho, por exemplo, acesso ao texto
utilizado pelo palestrante ou a apresentação em PowerPoint, a fim de entender
a temática que será explicitada e se preparar por meio de o processo tradutório,
já que, em alguns casos, há palavras específicas que necessitam de um estudo
prévio. Esta leitura auxiliará na compreensão da fala e, consequentemente, nas
escolhas linguísticas adequadas na língua-alvo. Esta simples ação poderá
melhorar sua atuação profissional e deixar seu trabalho com condições positivas
tanto físicas como psíquicas.

53
Além de todos os conceitos e reflexões que trabalhamos, discutimos e
entendemos até agora, há outro ponto importante para a formação do intérprete:
o trabalho em dupla, o qual já havia falado na primeira unidade. Realizar trocas
de conhecimentos e experiências com nossos colegas de trabalho é
importantíssimo, pois permite a nós, profissionais, conhecermos diferentes
realidades de atuação, diferentes estratégias, visto que cada intérprete tem seu
perfil de atuação.
Conforme estudamos, o trabalho do intérprete é extremamente
desgastante, por isso, é necessário que o trabalho seja realizado, no mínimo, em
dupla, isto permite o revezamento durante todo o evento.

A principal razão para se trabalhar a dois é absoluta atenção


exigida no ofício. Eventos desafiadores, com grande densidade
de conteúdo apresentado em alta velocidade, requerem dos
intérpretes total foco na conferência. Qualquer distração é
imediatamente punida com perda de conteúdo ou, pior, de
credibilidade (MAGALHÃES, 1963, p. 45).

54
O ideal é que estes revezamentos ocorram entre 20 e 30 minutos, pois
conforme estudamos em Gile (1995) a capacidade de processamento mental é
limitada e qualquer desempenho, que passa desta capacidade de
processamento, já fica comprometido. Quando pensamos na perspectiva das
línguas de sinais, podemos acrescentar o desgaste físico que uma interpretação
de longa duração pode causar, em um contexto de interpretação da língua oral
para a língua de sinais.

Está provado que o ser humano só é capaz de manter níveis


ótimos de atenção por curtos períodos de tempo. Trabalhando
em dupla os intérpretes têm a possibilidade de se revezar a cada
20 ou 30 minutos, permitindo com isso que cada um dê o
máximo de si quando chegar sua vez (MAGALHÃES,1963, p.
45).

Um evento de longa duração, por exemplo, com mais de uma hora-


relógio, requer, no mínimo, dois intérpretes, porém, em uma situação ideal, três
intérpretes seriam perfeitos, isto porque o tempo de ‘descanso’ mental e físico
seria um pouco maior, fato que deixaria a qualidade da interpretação sempre
elevada. Todavia, este ‘descanso’ não é efetivo, já que é possível observar em
eventos que contam com a presença de intérprete de Libras, que o intérprete
que não está atuando publicamente sempre está atento à palestra e à atuação
de seu colega de trabalho, pois mesmo que não esteja em seu momento efetivo
de atuação precisa estar sintonizado, pois ali, naquele momento de ‘descanso’,
está atuando como ‘intérprete de apoio’.

Mas engana-se quem pensa que o trabalho se resume à fase


ativa de produção do intérprete, quando este fala ao microfone.
Ao final de seu pequeno turno, a ideia não é propriamente
relaxar. A fase passiva de trabalho também pode ser bastante
exigente, ocupando o intérprete no auxílio ao seu companheiro.
Por isso mesmo, enquanto aguarda novamente sua vez, o
colega que ‘descansa’ precisa manter-se muito atento à palestra
(MAGALHÃES, 1963, p. 45).

55
Para finalizar, reiteramos que a situação ideal de atuação é com três
intérpretes, pois assim ocorreria o revezamento tanto do intérprete que está
atuando efetivamente como do intérprete de apoio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro acadêmico, esta unidade teve por objetivo auxiliá-lo em seu


aprendizado como futuro profissional intérprete e, por isso, definimos conceitos
primordiais à categoria; compreendemos que há especificidades da área da
tradução como também da interpretação; reconhecemos, ainda, os processos
existentes em uma interpretação e refletimos com exemplos práticos. Alguns
exemplos fazem parte da interpretação de línguas orais, mas podemos utilizar
estes saberes para desenvolver o trabalho em língua de sinais.
Há grande responsabilidade no ato interpretativo, portanto, vocês, futuros
profissionais, devem ter extrema consciência disso, além de respeitar seus
56
próprios limites, reconheçam em que podem melhorar e sempre invistam em seu
saber e desenvolvimento. Lembrem-se de que a língua é algo que está em
constante mudança, nós, intérpretes, trabalhamos com língua, logo, devemos
estar, também, em constante mudança.
Na próxima unidade estudaremos a interpretação e a tradução na
perspectiva da Língua Brasileira de Sinais. Embora já tenhamos apresentados
as possíveis relações com as línguas orais, no próximo capítulo conheceremos
um pouco da história e dos conceitos pertinentes à área, além disso, faremos
reflexões sobre a relação entre teoria e prática.

57
DISCIPLINA – FUNDAMENTOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO
UNIDADE III – ESTUDOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA LÍNGUA
DE SINAIS
Professora – Maria Helena Nunes Almeida

Objetivos de aprendizagem:

● Definir conceitos históricos da Tradução e da Interpretação das


línguas de sinais;
● Relacionar os campos de pesquisa e abordagens teóricas
referentes à área da Língua Brasileira de Sinais;
● Compreender as legislações que norteiam a profissão;
● Promover discussões sobre Ética, Cultura e Língua, bem como
responsabilidades educacionais em sala de aula inclusiva;
● Reconhecer os processos de uma tradução;
● Demonstrar a importância de apreender a diferença entre tradução
e interpretação.

Plano de estudo:

Tópico 1 – Fundamentos históricos da Tradução e Interpretação da


Língua de Sinais.
Tópico 2 - Conceitos e aspectos da tradução e interpretação em
Língua de Sinais.
Tópico 3 - Os profissionais: tradutor e intérprete de Libras.

58
1 INTRODUÇÃO À UNIDADE

Nesta unidade, abordaremos a área da tradução e interpretação com


ênfase na Língua Brasileira de Sinais. Os conceitos de tradução e interpretação
da mesma forma que são utilizados nas línguas orais são utilizados nas línguas
de sinais, por isso versaremos, neste capítulo, assuntos e temáticas que
abordam, especificamente, a língua em questão: a língua de sinais, que se dá
na modalidade visual-espacial.
No decorrer do primeiro tópico, conheceremos um pouco sobre o
processo de reconhecimento e profissionalização do tradutor e intérprete de
línguas de sinais em alguns lugares e aqui no Brasil.
Antigamente, o entendimento e os desejos por essa profissão surgiam
dentro das instituições religiosas, hoje, já podemos observar que isto está
mudando, uma das razões para esta mudança reside no fato da visibilidade que
a profissão adquiriu. Atualmente, o interesse pela profissão está crescendo entre
os jovens.
Dedicamos um trecho à legislação que permeia e regulariza a profissão,
além das mudanças ocorridas a partir de sua homologação.
No segundo tópico, abordaremos questões mais específicas da
interpretação, como o apontamento de procedimentos técnicos/escolhas que
podemos fazer durante o processo de interpretação. Estes conceitos terão como
base os estudos realizados por Barbosa (2004), a autora traz e reflete a respeito
de alguns procedimentos técnicos de tradução, que, aqui, neste capítulo,
relacionaremos com a interpretação. Este contraponto estará fundamentado nos
postulados de Santiago (2012), que discorrem sobre a aplicação destes
procedimentos dentro do âmbito da Língua Brasileira de Sinais. Você perceberá
que muitas de suas escolhas durante o ato interpretativo têm fundamentação
científica e compreender as estratégias, tornam o processo mais claro.
O último tópico denominado genericamente como ‘os profissionais:
tradutor e intérprete de Libras’, aborda diferentes temáticas relacionadas ao
profissional como: o código de ética, o intérprete educacional e as possíveis
áreas de atuação.
59
Ao pensar nessas atuações propomos uma reflexão por meio de algumas
indagações: qual é o papel do intérprete educacional? Será que esta é a única
área de atuação para nós profissionais? Há uma área ideal de atuação?
Conforme estudamos nas unidades I e II é necessário que o profissional
defina um perfil de atuação, haja vista que cada pessoa tem mais afinidade e
segurança para atuar em um determinado campo, por essa razão, precisamos
reconhecer nossos limites linguísticos e até profissionais ao aceitarmos um
trabalho.
Vocês perceberão que, nesta unidade, deixamos muitas indicações de
leitura. Essas leituras formam a base para nossa formação, que pode ser
complementada por meio de contínuas reflexões e estudos. Assim, solicitamos
que se atentem às sugestões de leitura, procurem fazê-las, pois o contato com
as diferentes perspectivas permite que você se torne um profissional crítico e de
qualidade.
Aproveitem os estudos!

2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA


LÍNGUA DE SINAIS

Conforme o que estudamos durante esta disciplina o processo de


profissionalização e inserção do tradutor e intérprete nasceu a partir da
necessidade de comunicação entre os povos, tanto nas relações comerciais
como em outros contextos, por exemplo, a guerra. Em relação ao surgimento
deste profissional na área da língua de sinais não foi diferente, a necessidade de
comunicação dos surdos e uma participação efetiva na sociedade implicaram no
processo histórico de formação deste profissional.

Em vários países há tradutores e intérpretes de língua de sinais.


A história da constituição deste profissional se deu a partir de
atividades voluntárias que foram sendo valorizadas enquanto
atividades laborais na medida em que os surdos foram
conquistando o seu exercício de cidadania. A participação de
surdos nas discussões sociais representou e representa a chave
para a profissionalização dos tradutores e intérpretes de língua

60
de sinais. Outro elemento fundamental neste processo é o
reconhecimento da língua de sinais em cada país. (QUADROS,
2004, p. 13).

Segundo Quadros (2004, p. 13) “na medida em que a língua de sinais do


país passou a ser reconhecida enquanto língua de fato, os surdos passaram a
ter garantias de acesso a ela enquanto direito linguístico”. Essa garantia de
acesso implicou na garantia de acesso a qualquer lugar para o cidadão surdo,
dando a ele a oportunidade de ter intérprete em diferentes lugares.
No Brasil não foi diferente, muitos dos intérpretes que trabalham
atualmente, começaram a sua atuação e aprendizagem dentro das instituições
religiosas, processo esse, que contribuiu para que os profissionais ganhassem
visibilidade pela sociedade. Segundo Quadros (2004), a presença de intérpretes,
neste espaço, surgiu em meados dos anos 80. Outros apontamentos
importantes da pesquisadora são:

b) Em 1988, realizou-se o I Encontro Nacional de Intérpretes de


Língua de Sinais organizado pela FENEIS que propiciou, pela
primeira vez, o intercâmbio entre alguns intérpretes do Brasil e a
avaliação sobre a ética do profissional intérprete.
c) Em 1992, realizou-se o II Encontro Nacional de Intérpretes de
Língua de Sinais, também organizado pela FENEIS que
promoveu o intercâmbio entre as diferentes experiências dos
intérpretes no país, discussões e votação do regimento interno
do Departamento Nacional de Intérpretes fundado mediante a
aprovação do mesmo.
d) De 1993 a 1994, realizaram-se alguns encontros estaduais.
(QUADROS, 2004, p. 15).

Percebemos que, a partir dos anos 80, muitas foram as conquistas e


evoluções da área, mas é necessário lembrarmos que, nesta época, a Libras
ainda não era reconhecida como língua, por isso este processo de
profissionalização foi ocorrendo de forma mais vagarosa do que o esperado,
porém não foram medidos os esforços para a realização de cursos, grupos de
discussões e trocas entre os profissionais.

e) A partir dos anos 90, foram estabelecidas unidades de


intérpretes ligadas aos escritórios regionais da FENEIS. Em
2002, a FENEIS sedia escritórios em São Paulo, Porto Alegre,

61
Belo Horizonte, Teófilo Otoni, Brasília e Recife, além da matriz
no Rio de Janeiro.
f) Em 2000, foi disponibilizada a página dos intérpretes de língua
de sinais www.interpretels.hpg.com.br. Também foi aberto um
espaço para participação dos intérpretes através de uma lista de
discussão via e-mail. Esta lista é aberta para todos os intérpretes
interessados e pode ser acessada através da página dos
intérpretes. (QUADROS, 2004, p. 15).

Após o reconhecimento da Libras no ano de 2002 - Lei nº 10.436, de 24


de abril de 2002 - como língua, novas oportunidades surgiram, surdos e
intérpretes começaram a ganhar mais espaço, passando a ser vistos de forma
diferente, surgindo, assim, novas oportunidades de trabalho aos profissionais
amparados por meio da vigência desta legislação. Entretanto, de forma
inesperada o reconhecimento da profissão do tradutor intérprete de Libras foi
tardio, tornou-se lei apenas no ano 2010.
Assim, pela Lei Nº 12.319 de 1 de setembro de 2010 – Figura 8 o
intérprete de Língua Brasileira de Sinais precisa possuir competência para
realizar a interpretação, levar em consideração as duas línguas envolvidas,
Português e Libras. “Art. 2º: O tradutor e intérprete terá competência para
realizar interpretação das 2 (duas) línguas de maneira simultânea ou consecutiva
e proficiência em tradução e interpretação da Libras e da Língua Portuguesa.”
(BRASIL, 2010).
O primeiro curso de ensino superior com intuito de formar profissionais
específicos à área surgiu no ano de 2008, oferecido pela Universidade Federal
de Santa Catarina – UFSC - na modalidade à distância. Este também foi um
marco histórico, pois a partir deste momento, os tradutores e intérpretes, que já
atuavam na área, tiveram a oportunidade de realizar debates e reflexões
relacionados à profissão e ao profissional em meio acadêmico. Uma
oportunidade de os profissionais realizarem uma relação entre prática e teoria.
Atualmente, temos várias faculdades e universidades que disponibilizam
a formação no ensino superior, um ganho para a profissão, pois de norte a sul
intérpretes estão tendo acesso e oportunidades de uma formação de qualidade.

62
Seja um pesquisador!

Vocês já leram a lei que regulamenta nossa profissão, na íntegra? Você, como
futuro tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais, precisa conhecê-la,
por isso leia e complemente seus estudos.

Figura 8 - Lei Nº 12.319 – Brasil, 2010.


Fonte: Site do Governo Federal.

Antes de termos o curso de Ensino Superior, por causa do


reconhecimento da língua houve a necessidade de reconhecer a atuação das
pessoas que trabalhavam com Libras e educação de surdos, para tal intuito
realizou-se um Exame Nacional de Proficiência em Tradução e Interpretação e
de Ensino, conhecido como PROLIBRAS. Este certificado possibilita a atuação
destes profissionais no mercado de trabalho e valida o conhecimento das
pessoas, que até o momento era realizado de maneira informal. Todavia, este

63
meio de validação durou pelo período de 10 anos, período que as instituições
teriam para organizar e oferecer um ensino superior específico à área.
As legislações vigentes e o crescimento pela busca de formação dos
profissionais contribuíram para que os surdos continuassem suas lutas em busca
de educação e profissionais de qualidade, bem como seu direito a acesso em
qualquer âmbito social. A lei não só regulamenta e estabelece normativas em
relação à profissão, mas também garante o direito linguístico ao surdo.
Oportunizando e criando acessibilidade em espaços que eles não possuíam
ainda, hoje, podemos perceber que a preocupação e os olhares referentes aos
surdos são diferentes, o direito ao acesso começa ser instituído e o surdo e o
intérprete começam a ter mais visibilidade na sociedade.

3 CONCEITOS E ASPECTOS DA TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO EM


LÍNGUA DE SINAIS

A partir de agora, estudaremos algumas técnicas/estratégias de


interpretação. Usaremos como base para esta discussão os pressupostos

64
defendidos por Barbosa (2004), que em seu livro Procedimentos Técnicos da
Tradução propõe uma recategorização dos procedimentos técnicos e contempla
em suas reflexões pontos linguísticos e extralinguísticos. A professora discorre
sobre as teorias nas perspectivas das línguas orais, porém alguns
pesquisadores da área da Língua Brasileira de Sinais já fizeram análises e
sistematizações dessas técnicas na perspectiva da língua de sinais, dentre eles,
escolhemos Santiago (2012).
Segundo Barbosa (2004, p. 63), o objetivo em pontuar essas teorias é o
de facilitar a compreensão do processo tradutório, “acredito que, assim, poderá
estar facilitada a tarefa do tradutor, que terá à sua disposição uma série de
procedimentos que efetivamente recobrem o que acontece no ato da tradução”.

Neste capítulo, apresento uma proposta de caracterização dos


procedimentos técnicos da tradução onde procuro combinar as
visões dos autores examinados, acrescentando procedimentos
aos listados por Vinay e Darbelnet (1977) e, ao mesmo tempo,
reagrupando e eliminando alguns dos procedimentos descritos
posteriormente, por considerar que estão, na realidade,
embutidos em outros. (BARBOSA, 2004, p. 63).

Barbosa (2004) pontua dezesseis procedimentos: tradução palavra por


palavra, tradução literal, transposição, modulação, omissão versus explicitação,
compensação, reconstrução de períodos, melhorias, transferência,
estrangeirismo, transliteração, aclimatação, transferência com explicação,
explicação, decalque, adaptação. Porém, nesta unidade, estudaremos alguns
deles. Para o conhecimento aprofundado desses procedimentos, sugerimos a
leitura do livro, que deixamos como indicação na unidade II: ‘Procedimentos
técnicos da tradução. Uma nova proposta’, da autora Heloísa Gonçalves
Barbosa.
A partir de agora estudaremos esses procedimentos da seguinte forma:
conceituação segundo Barbosa (2004) (línguas orais) e com base em Santiago
(2012) (línguas de sinais), os exemplos arrolados a este livro-texto podem ser
acompanhados pela leitura completa do artigo: Português e Libras em diálogo:
os procedimentos de tradução e o campo do sentido, da autora Vânia de Aquino
Albres Santiago (2012).
65
Seja um pesquisador!

Para que você consiga ter acesso a vários conteúdos relevantes da


Língua Brasileira de Sinais, bem como a complementação dos nossos estudos
sobre procedimentos técnicos, sugerimos a vocês que façam a leitura do artigo
completo da autora Vânia Santiago, que faz parte do livro, cuja capa está
disposta na Figura 9, disponível, também, na Internet. Fiquem à vontade para
buscar mais conhecimento em outras fontes de saberes.

Figura 9 - Livro: Libras em Estudo – Tradução/ Interpretação.


Fonte: Feneis – SP, 2012.

66
Dentre os procedimentos indicados por Barbosa (2004) daremos início a
nossas explanações a partir da tradução palavra por palavra, e, em seguida, a
todos os outros para facilitar seu entendimento.

Tradução palavra por palavra:

É muito comum ouvirmos as pessoas falarem deste procedimento de


tradução, muitas vezes (na maioria delas) essa escolha de estratégia se torna
inaceitável, pois prejudica o entendimento do discurso, isto porque é feito apenas
uma substituição de palavras da língua-fonte para língua-alvo, deixando de levar
em consideração a gramática da língua-alvo, vejamos o que Barbosa (2004) diz:

A tradução em que determinado segmento textual (palavra,


frase, oração) é expresso na LT mantendo-se as mesmas
categorias numa mesma ordem sintática, utilizando vocábulos
cujo semanticismo seja (aproximativamente) idêntico ao dos
vocábulos correspondentes no TLO (AUBERT 1987. p. 15 apud
BARBOSA, 2004, p. 65).

Em Libras, podemos fazer referência a esse tipo de procedimento –


palavra por palavra – ao “português sinalizado”. Segundo Santiago (2012), essa
estratégia de interpretação, muitas vezes se torna inadequada, pois o discurso
chega ao público-alvo de forma distorcida, causando complicações de
entendimento ao público surdo. Isto é, ao fazer essa escolha de tradução palavra
por palavra em Libras, a ação será: pegar o discurso em português e passá-lo
para Libras utilizando a estrutura linguística do português. Por exemplo, uma
frase em Língua Portuguesa, que está usando a palavra ‘anos’ no sentido de
idade, ao traduzi-la para Libras em vez de utilizar o sinal de ‘IDADE’ o sinalizante
utiliza o sinal de ‘ANOS’, teremos como resultado um sentido equivocado, isto
porque o sinalizante fez a escolha de tradução palavra por palavra.

Tradução literal:

Já a tradução literal muitas vezes é confundida com o procedimento


palavra por palavra, porém a literal se adéqua à gramática da língua-alvo, como

67
podemos observar: considera a tradução literal como “aquela em que se mantém
uma fidelidade semântica estrita, adequando, porém a morfossintaxe às normas
gramaticais da LT” (AUBERT 1987. p. 15 apud BARBOSA, 2004, p. 65).

Muitos autores, notadamente Vázquez-Ayora (1977), parecem


repudiar totalmente a tradução literal como a fonte de todos os
erros na tradução. No entanto, como apontam Aubert (1987) e
Newmark (1988), ela pode ser necessária, ou até obrigatória.
Pode ser necessária em um tipo de tradução que tem como
objetivo a comparação com o texto original, como em certas
edições bilíngues. Pode ser obrigatória na tradução de certos
documentos (BARBOSA, 2004, p. 66).

Segundo Santiago (2012), este tipo de procedimento pode ser usado em


diferentes contextos, como num discurso acadêmico e, em traduções mais
formais, nas quais seja necessária a aproximação entre as duas línguas
envolvidas.

Na tradução do português para a língua de sinais, essa pode ser


a escolha do intérprete, quando há a necessidade de o
interlocutor saber exatamente como a fala foi construída na
língua de origem, quando ele precisa elaborar uma resposta que
será também traduzida da Libras para o português. É importante
salientar que no procedimento de tradução literal, a sintaxe pode
ser alterada de acordo com as normas gramaticais da língua de
tradução (SANTIAGO, 2012, p. 41).

Por exemplo, em uma aula de português, na qual o professor está


ensinando os constituintes de uma oração, os termos essenciais: sujeito e
predicado. Ao traduzi-lo em Libras é necessário ser literal pelo fato de o surdo
ter a necessidade de conhecer os termos SUJEITO e PREDICADO.

Transposição:

“A transposição consiste na mudança de categoria gramatical de


elementos que constituem o segmento a traduzir” (BARBOSA, 2004, p. 66):

A ideia de transposição na interpretação do português para a


Libras ainda é algo a ser estudado profundamente. Uma palavra
no português observada em uma determinada sentença é

68
subjugada a uma única categoria gramatical, na Libras, por
conta das características da modalidade de língua gestual-
visual, um mesmo sinal pode simultaneamente indicar o sujeito
(oculto), o verbo e adjetivação da ação ou do sujeito.
(SANTIAGO, 2012, p. 42).

Santiago (2012) expõe que a utilização de classificadores, no momento


da interpretação, pode ser um exemplo de transposição. Precisamos nos
lembrar, caros alunos, de que os estudos relacionados à Língua Brasileira de
Sinais são recentes, muitas pesquisas estão caminhando para que seja possível
o entendimento de alguns conceitos relacionados à área, por isso insistimos que
vocês complementem seus conhecimentos, isto é, a pesquisa é de extrema
importância para o desenvolvimento de nossa formação.

Modulação:

Conforme estabelece, Barbosa (2004, p. 67), essa estratégia: “consiste


em reproduzir a mensagem da TLO (texto na língua original) no TLT (texto na
língua de tradução), mas sob um ponto de vista diverso, o que reflete uma
diferença no modo como as línguas interpretam a experiência do real (...)”. Para
tal, é preciso que o intérprete conheça o sentido de determinado discurso para
que respeite o conteúdo com base na língua-alvo. Sendo assim:

No procedimento de modulação é comum envolver expressões


idiomáticas ou metáforas das duas línguas, como a usada no
exemplo de modulação obrigatória, portanto um
tradutor/intérprete deve conhecê-las e estudar as possibilidades
de sentido que carregam. (SANTIAGO, 2012, p. 43).

Santiago (2012) acredita que esta técnica pode favorecer o trabalho do


intérprete no momento da interpretação de expressões idiomáticas ou de
metáforas, nestas, o intérprete deverá dar o sentido que se aplique e seja
compatível com a língua-fonte, no caso aqui, a Libras.

Equivalência:

69
Este procedimento pode ser confundido com o anterior, porém na
“Equivalência”, o intérprete opta pela interpretação não literal – substituindo os
signos linguísticos, mas respeitando a gramática da língua-alvo –, ou seja, dá
(oferece) uma equivalência de significados. Esta técnica também pode ser
utilizada em expressões idiomáticas, provérbios, ditos populares, entre outros.
Para Barbosa (2004, p. 67), “a equivalência consiste em substituir um segmento
de texto da LO (língua original) por outro segmento da LT (língua de tradução)
que não o traduz literalmente, mas que lhe é funcionalmente equivalente”.
Em Libras, isso ocorre da seguinte forma: o intérprete faz a interpretação
para a Língua de Brasileira de Sinais, dando um sentido equivalente ao da
língua-fonte, porém não aplica o sentido e o entendimento para a língua-alvo.
Santiago (2012) utiliza como exemplo: “ele ainda está no B-A-BA” e a
interpretação fica: “ELE – A- E- I- O- U”. Como vocês podem perceber, foi feita
uma interpretação equivalente à língua-fonte, porém o sentido não contemplou
o público-alvo, será que o surdo compreenderia o significado?

As expressões idiomáticas do português são de fácil pesquisa,


estando muitas delas dicionarizadas, já as expressões
idiomáticas da Libras também são muitas, mas ainda pouco
estudadas e utilizadas pelos intérpretes que optam por outros
procedimentos de tradução como a explicação” (SANTIAGO,
2012, p. 44).

Omissão vs explicitação:

“A omissão consiste em omitir elementos do TLO que, do ponto de vista


da LT, são desnecessários ou excessivamente repetitivos.” (BARBOSA, 2004,
p. 68). Já na língua de sinais este conceito está relacionado à omissão de alguns
termos do português, como:

No geral, a omissão de termos do português é recorrente na


tradução para a língua de sinais, como a omissão de verbos de
ligação ou pronomes relativos, pronomes oblíquos, alguns
pronomes de tratamento, locuções adverbiais e adjetivas, entre
outros termos que não se apresentam necessariamente na
língua de sinais. (SANTIAGO, 2012, p. 44).

70
Já a explicitação engloba a marcação do espaço pelo sinalizante, por
exemplo, quando a pessoa, que está discursando, cita uma conversa entre duas
pessoas, mas que no momento fica confuso ‘quem estava falando o que para
quem’, sendo assim o intérprete opta por marcar e retomar os referentes (os
envolvidos na conversa) durante a sinalização.

A explicitação é o processo inverso da omissão, ou seja, o que


na língua de origem é omitido na língua de tradução deve,
obrigatoriamente, ser explicitado. Uma forma de a explicitação
ocorrer na Libras é quando se faz uso do espaço mental token
(MOREIRA, 2007), ou seja, quando se define referentes locais
no espaço de sinalização e o tradutor sente a necessidade de
explicitar o referente, porque essa informação ficou obscura na
enunciação e precisa ser retomada. (SANTIAGO, 2012 p. 45).

Reconstrução de períodos:

Para Barbosa (2004, p. 70), “a reconstrução consiste em redividir ou


reagrupar os períodos e orações do original ao passá-los para a LT”. Na Libras
é muito comum utilizarmos esse tipo de procedimento, ele acontece quando de
uma frase afirmativa, na hora da sinalização utilizamos a pergunta retórica para
que fique mais clara o texto ao chegar a língua-alvo. Por exemplo, na frase:
- Beatriz reprovou de ano, pois deixou de fazer suas provas.
- BEATRIZ – REPROVOU – ANO – POR QUÊ? – PORQUE – PROVA – FAZER - NADA

Na interpretação com reconstrução de períodos, do português


para a Libras é comum identificar o uso o da pergunta retórica
conforme apresentada no exemplo acima. O uso desse
elemento linguístico é corriqueiro nas enunciações em Libras,
estilo esse facilmente incorporado pelos tradutores/intérpretes
de língua de sinais, e utilizado em quase todos os âmbitos de
tradução/interpretação. (SANTIAGO, 2012 p. 47).

Melhorias:

O procedimento “melhorias” ocorre quando o intérprete opta em: “não se


repetirem na tradução os erros de fato ou outros tipos de erro cometidos na TLO”
(BARBOSA, 2004, p. 70). Erros que podem ocorrer no momento da fala e que
71
causam distorções/falhas no momento da produção na língua-fonte, porém que
podem ser ‘arrumados’ ao passar à língua-alvo para que não ocorra equívocos
de entendimento.

Uma situação em que se pode usar o procedimento de melhoria


na tradução/interpretação do português para a Libras, acontece
mais frequentemente quando da interpretação do português
falado para a Libras, no momento do uso de listagem, erros que
não acontecem no português escrito na fala são frequentes.
(SANTIAGO, 2012 p. 46).

Por exemplo, podemos citar o uso da boia (ou listagem como diz a autora):
‘hoje fui ao mercado e comprei: macarrão, feijão, batata, arroz e carne’, no
momento da sinalização, para que fique claro o discurso, pontuamos cada item
comprado na mão de apoio, esta mão de apoio é a boia.

Transferência com Explicação:

“A condição necessária para o emprego da transferência na tradução é


que o leitor possa apreender seu significado através do contexto” (BARBOSA,
2004, p. 74). Segundo Santiago (2012) na transferência, o intérprete utiliza a
soletração manual de algum conceito técnico, junto dela utiliza a explicação, para
que assim seja possível o entendimento.

Na interpretação de português para Libras, conforme Santiago


(2011) a transferência (soletração manual da palavra) com
explicação é um procedimento muito usado tanto na
tradução/interpretação de português para a Libras educacional,
quanto na interpretação de conferências onde termos técnicos
do português precisam ser apresentados (soletrados
manualmente) no momento da interpretação, entretanto sua
apresentação não é suficiente para a construção do sentido por
parte do interlocutor, o que pede a complementação de uma
breve explicação (SANTIAGO, 2012 p. 49).

Por exemplo, retomando a aula de Língua Portuguesa, ao explicar o que


é um sujeito na oração, podemos utilizar este recurso de transferência com
explicação, pois será realizada a soletração manual – datilologia – do termo ‘S-
72
U-J-E-I-T-O’ com a explicação ‘PALAVRA PRINCIPAL ORAÇÃO COMBINAR
VERBO SEMPRE’. Em Língua portuguesa a explicação, de maneira
simplificada, seria assim: ‘O sujeito é o termo essencial da oração, o termo que
concorda com o verbo’.

Explicação:

A “Explicação” é um procedimento, que como o próprio nome aponta,


consiste em explicar alguns conceitos apresentados durante o discurso, nas
línguas orais podemos observar que esse recurso é bastante empregado quando
ocorre o uso de estrangeirismo na língua-fonte.

Havendo a necessidade de eliminar do TLT os estrangeirismos


para facilitar a compreensão, pode-se substituir o estrangeirismo
pela sua explicação. Isso pode acontecer em uma peça de
teatro, por exemplo, em que, por uma questão de ritmo cênico,
é preciso que o espectador tenha uma compreensão imediata
da situação (BARBOSA, 2004, p. 75).

Em Libras podemos observar esse fenômeno, em muitos momentos,


portanto se faz necessária a explicação do termo utilizado pelo orador, para que
seja possível a compreensão em Língua Brasileira de Sinais. Santiago (2012)
utiliza como exemplo os termos: bancário e banqueiro, que ao interpretar é feito
uma explicação para os mesmos como: ‘DONO – BANCO’ e ‘FUNCIONÁRIOS
– BANCO’.

No exemplo acima, podemos observar a explicação substituindo


os termos banqueiro e bancário sem nenhum prejuízo à
completude da mensagem, esse procedimento é recorrente na
interpretação do português para a Libras. Entretanto, há que se
fazer uma ressalva quanto ao momento adequado para se fazer
uso do procedimento de explicação sem fazer a transferência da
palavra do português. No caso de interpretação educacional,
onde os termos em questão são técnicos, somente a explicação
pode não configurar um procedimento adequado, quando da
necessidade de apresentar no português o termo técnico
específico de uma determinada área de estudo ao interlocutor.
(SANTIAGO, 2012, pp. 50-51).

73
Decalque:

“Decalque” é o nome dado à estratégia muito utilizada nas línguas orais


como “traduzir literalmente sintagmas ou tipos frasais da LO no TLT” (BARBOSA,
2004, p. 76). Já na língua de sinais é utilizado como recurso para nomes de
instituições que não existem sinais específicos, “na interpretação do português
para Libras, esse procedimento pode acontecer evidenciando-se a interpretação
literal de um segmento de texto ou pela soletração manual do nome de uma
instituição.” (SANTIAGO, 2012, p. 51).

Adaptação:

É muito comum utilizarmos esse procedimento na área da língua de


sinais, quando adaptamos o termo para a língua-alvo.

A adaptação é o limite extremo da tradução: aplica-se em casos


onde a situação toda a que se refere a TLO não existe na
realidade extralinguística dos falantes da LT. Esta situação pode
ser recriada por outra equivalente na realidade extralinguística
da LT (BARBOSA, 2004, p. 76).

Fazemos essas adaptações, quando sinalizamos ‘VER’ em vez de


‘OUVIR’, por exemplo. É comum em sala de aula o professor questionar aos
alunos se alguém ‘ouviu’ determinada notícia e o intérprete de forma muito
natural adapta esse ‘ouvir’ ao público-alvo, que no caso dos surdos utiliza-se o
‘ver’.

A adaptação do português para a Libras pode ser evidenciada


quando o conteúdo da mensagem envolve o uso dos sentidos
ou de formas de enunciação, ouvir/ver, falar/sinalizar, sendo, a
grosso modo, a principal diferença entre os interlocutores destas
duas línguas, que incorrem na produção de hábitos e costumes
também diferentes. (SANTIAGO, 2012, p. 52).

74
4 OS PROFISSIONAIS: TRADUTOR E INTÉRPRETE DE LIBRAS

Com o propósito de obter um bom desempenho e a realização de um


trabalho adequado, o intérprete de Libras deve seguir e estabelecer uma relação
ética com o contratante. Muitas vezes, nos questionamos e dizemos que a
temática é um assunto ‘batido’, que não há a necessidade de discorrer sobre
isso, porém, ao pensar assim, agimos de forma equivocada, pois, ao longo da
discussão a que nos propomos neste tópico, perceberemos o quão comum é
encontrarmos profissionais com posturas inapropriadas e incoerentes.

Seja um pesquisador!
Para complementar seus estudos, sugiro a leitura completa do código de
ética. Para tal ação, indico a leitura do livro “O tradutor e intérprete de Língua
Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa”, da autora Ronice Muller de Quadros,
organizado pelo MEC no ano de 2004. Este livro discute muitas questões

75
relacionadas à área da tradução e interpretação de Libras e pode ajudá-lo a
desbravar e conhecer mais sobre esse mundo.

Figura 10– O tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa.


Fonte: Ministério da Educação - MEC, 2004.

O primeiro ponto a discutirmos aqui está relacionado aos princípios éticos


fundamentais que o intérprete precisa ter ao exercer a profissão, Segundo
Quadros (2004):

O intérprete está para intermediar um processo interativo que


envolve determinadas intenções conversacionais e discursivas,
nestas interações, o intérprete tem a responsabilidade pela
veracidade e fidelidade das informações. Assim a ética deve
estar na essência desse profissional. (QUADROS, 2004, p. 28).

Portanto, o intérprete deve ter consciência e responsabilidade sobre os


trabalhos aceitos por ele, o profissional precisa respeitar seus limites, colocando
sempre na balança suas competências antes de aceitar algum trabalho. Outro
ponto é a questão das interferências que possam ocorrer no momento da
interpretação, seja em sala de aula ou em palestras, seminários e afins, o
intérprete precisa ter uma postura imparcial e não emitir sua opinião e nem
questionar o docente ou responsável pela fala.

76
Quando pensamos em um contexto de sala de aula inclusiva esse ponto
é muito delicado, isto é, o não interferir. Normalmente, o professor já tem
restrições em aceitar outro profissional em sala, pois se sente ameaçado ou por
outras questões que sempre ficam subentendidas no contexto, sendo assim, a
relação entre estes profissionais é muitas vezes instável. Na hipótese de o
intérprete interferir ou fazer qualquer tipo de questionamento durante uma aula,
a compatibilidade entre eles fica estremecida. E ao ocorrer isto, o único
prejudicado, neste processo, é o aluno surdo. Isto porque, a realização de um
trabalho em conjunto entre professor e intérprete pode não acontecer, por isso,
a postura do intérprete de Libras em sala de aula precisa ser totalmente ética e
responsável, para que o processo de ensino-aprendizagem do aluno surdo não
fique comprometido.
Em relação à atuação em sala de aula, e já fazendo referência à citação
apresentada adiante, propomos algumas reflexões: será que dentro de sala de
aula inclusiva, principalmente na educação infantil e séries iniciais, mesmo que
o aluno não possua ainda fluência em Libras, é ‘permitido’, ou melhor, coerente
que um “intérprete” sem fluência entre em sala para trabalhar com este aluno?
Será que um aluno que ainda não é fluente é passivo de um intérprete sem
fluência também? O que vocês pensam sobre isso? E o que isso implica no
ensino-aprendizagem do aluno?
Recordem que, nas unidades anteriores, discutimos que ser fluente não
implica somente em saber a língua, mas estar apto a todo o contexto de uso
desta língua, pois este contexto determina o uso da língua e as escolhas, por
exemplo, as escolhas de modalidade de interpretação – simultâneo, consecutivo
ou sussurrado – bem como as estratégias pertinentes para cada discurso. Logo,
fluência significa ter as três competências: linguística, referencial e
tradutória. Convido vocês, caros alunos, a refletirem mais uma vez, retomem os
apontamentos dados a pouco e analisem as questões realizadas até o momento
na disciplina.
Por isso, conforme estabelece o artigo 4º do código de ética, precisamos
ser coerentes ao assumir nossos trabalhos, tendo consciência das nossas

77
escolhas e assumir a responsabilidade de que se houver qualquer tipo de perda,
essa será por parte do aluno surdo.

2º. O intérprete deve manter uma atitude imparcial durante o


transcurso da interpretação, evitando interferências e opiniões
próprias, a menos que seja requerido pelo grupo a fazê-lo;
3º. O intérprete deve interpretar fielmente e com o melhor da sua
habilidade, sempre transmitindo o pensamento, a intenção e o
espírito do palestrante. Ele deve lembrar dos limites de sua
função e não ir além de a responsabilidade;
4°. O intérprete deve reconhecer seu próprio nível de
competência e ser prudente em aceitar tarefas, procurando
assistência de outros intérpretes e/ou profissionais, quando
necessário, especialmente em palestras técnicas;
5°. O intérprete deve adotar uma conduta adequada de se
vestir, sem adereços, mantendo a dignidade da profissão e não
chamando atenção indevida sobre si mesmo, durante o
exercício da função. (QUADROS, 2004, p. 29).

Reflita!
Conforme estudamos, anteriormente, a relação e o papel do intérprete de
Libras em sala de aula inclusiva, muitas vezes são de discussões em um grupo
de intérprete. Por isso, peço que façam a leitura do texto “Interpretar ensinando
e ensinar interpretando: posições assumidas no ato interpretativo em contexto
de inclusão para surdos”, da autora Audrei Gesser, publicado no livro Estudos
da Tradução e da Interpretação de Língua de Sinais no ano de 2015.
A partir da leitura, respondam: qual é o papel do intérprete de língua de
sinais no cenário educacional atual?
Acesso ao artigo:
Link: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/2175-
7968.2015v35nesp2p534

78
Figura 11 - Artigo: Interpretar ensinando e ensinar interpretando: posições assumidas no ato
interpretativo em contextos de inclusão para surdos – autora Audrei Gesser.
Fonte: Cadernos de Tradução – v. 35, n.2, 2015.

O capítulo 3º do código de ética aborda as responsabilidades do


profissional, sendo que o artigo 8º nos faz refletir sobre uma discussão relevante:
qual é a influência que o intérprete pode exercer frente ao surdo em busca de
benefício próprio? Infelizmente, é muito comum encontrarmos esse tipo de
postura, reflitam sobre isso, você já passou ou presenciou alguma situação
assim?

8°. O intérprete jamais deve encorajar pessoas surdas a


buscarem decisões legais ou outras em seu favor;
9º. O intérprete deve considerar os diversos níveis da Língua
Brasileira de Sinais bem como da Língua Portuguesa;
(QUADROS, 2004, p. 29).

79
O capítulo 4º do código de ética aborda uma temática que já discutimos
no capítulo anterior, que é a relação com os colegas de profissão:

13°. Reconhecendo a necessidade para o seu desenvolvimento


profissional, o intérprete deve agrupar-se com colegas
profissionais com o propósito de dividir novos conhecimentos de
vida e desenvolver suas capacidades expressivas e receptivas
em interpretação e tradução.
Parágrafo único. O intérprete deve esclarecer o público no que
diz respeito ao surdo sempre que possível, reconhecendo que
muitos equívocos (má informação) têm surgido devido à falta de
conhecimento do público sobre a área da surdez e a
comunicação com o surdo. (QUADROS, 2004, p. 30).

Assim como acontece nas línguas orais, nas línguas de sinais não ocorre
de forma diferente, é preciso que os tradutores e intérpretes possuam boas
relações entre seus pares. Atualmente, são muitos os campos de atuação e
precisamos levar em consideração a experiência que alguns intérpretes já
tiveram em determinadas áreas, considerar a troca de conhecimento, valorizar
as experiências profissionais, pois estas poderão ser de grande valia aos outros,
além de difundir cada vez mais a qualidade da profissão. E o tipo de
conhecimento que citamos não é apenas aquele relacionado às estratégias
utilizadas no processo de passagem de uma língua para outra, mas também
questões, envolvendo a forma de contratação e remuneração e aumento de
oportunidades no mercado de trabalho, que notadamente está crescendo.
Em relação à remuneração, precisamos considerar a tabela de honorários
pensada, discutida e organizada pela Federação Brasileira das Associações dos
Profissionais Tradutores e Intérpretes e Guia-Intérpretes de Língua Brasileira de
Sinais (FEBRAPILS). Nesta tabela, sempre que há uma defasagem de valores
e/ou novas áreas de atuação surgem, é realizada uma atualização, tornando-se
coerente àquela determinada época.
A tabela é dividida em contextos de atuação interpretação Libras/
Português-Português/ Libras, tradução e guia-interpretação Libras/Português-
Português/ Libras e/ou Interpretação Libras/outras línguas de sinais. Alguns dos
contextos contemplados nesta tabela são: contextos de conferência, sociais,

80
artísticos e culturais, jurídicos, clínicos, empresariais, sociais, político. Tradução
técnica, literária, transcrição, entre outros.
A esfera educacional também é contemplada nesta tabela e é dividida em
níveis educacionais de ensino para a atuação – básica e tecnológica; superior;
especialização, mestrado e doutorado – e como discutimos lá no nosso primeiro
tópico, há a luta sobre melhores condições de trabalho, por isso, é preciso
conhecer e seguir esta tabela, para que todos os intérpretes possuam igualdade
salarial em qualquer cidade, estado e região deste país.

Como vimos pela tabela da FEBRAPILS o intérprete de Libras pode atuar


em diversas áreas. Esta informação parece óbvia, pois o sujeito surdo tem direto
de participar de todos os contextos sociais, logo, ao ter a sua participação deve
ter, também, no mínimo a presença de um profissional intérprete. Como dito,
parace óbvio, mas ainda há a necessidade de luta pela conquista destes
81
espaços. Esta luta deve ser feita pelo intérprete, não apenas em defesa de
benefícios próprios ou da categoria, mas lutar pela acessibilidade do surdo. Além
disso, o surdo também deve lutar pelo seu espaço, lutar para ter seus direitos de
cidadão atendidos e respeitados.
A área tradicional de atuação é a educacional, contudo, é necessário ter
uma postura ética adequada a todos os contextos, por exemplo, na esfera
artística e cultural, ao aceitar a realização de um trabalho neste campo, o
profissional deve ter ciência de sua responsabilidade, avaliar suas
competências, com intuito de evitar prejuízos, isto é, o profissional não pode ter
prejuízos em sua reputação e muito menos o surdo pode ser prejudicado na sua
aprendizagem linguistica e temática, enfim na sua formação integral.
Atualmente a formação do bacharel em Letras/Libras contempla várias
áreas, logo não trabalha uma formação específica, neste sentido Rodrigues
(2010) levanta questionamentos sobre essa formação para trabalhar em
qualquer campo, no caso uma formação generalista.

[...] fazendo com que questionemos se tal profissional seria um


especialista (formando-se para atuar em um campo específico
da sociedade ou do conhecimento) ou um generalista
(formando-se para atuar em qualquer campo da sociedade ou
do conhecimento), visto que lidar com a diversidade do público
é um requisito que não há como alterar. É fato que os intérpretes
de conferência atuam em eventos diferentes com assuntos
distintos, sendo que alguns são especialistas, já que o
conhecimento específico da área que está sendo abordada
interfere na atuação. O mesmo acontece com os ILS, mas, por
atenderem a uma minoria linguística e cultural, acabam por atuar
em campos diversos e muito distintos em relação aos
conhecimentos, habilidades, estratégias e posturas que são
requeridas. (RODRIGUES, 2010, p. 2).

Vocês se lembram do vídeo que assistimos na segunda unidade, aquele


do profissional Ulisses Carvalho, no qual ele comentava a atuação em uma área
específica, de maior afinidade e conhecimento? Ele afirmava que apesar da
formação ser generalista, sem um foco e aprofundamento específico em um
contexto determinado, era possível ao profissional, através da prática,
reconhecer o campo de maior afinidade para atuar. Vem ao encontro desta

82
reflexão os postulados da pesquisadora Lacerda (2010, p. 137) que permite
entendermos melhor esta questão da formação,”o intérprete molda-se às
demandas da prática e vai constituindo-se como TILS nas e pelas experiências
que vai vivenciando”. Atuar em esferas diferenciadas proporciona aprendizado
amplo e profundo, pois há uma vivência da língua em diferentes contextos, o que
permite uma apropriação ainda melhor da língua e da cultura do surdo.

Seja um pesquisador!

Vamos pesquisar? Saiba mais sobre a atuação do Tradutor e Intérprete


Surdo! Acesse o link:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/2175-
7968.2014v1n33p143/27499>

O artigo: “Intérprete Surdo de Língua de Sinais Brasileira: o novo campo de


tradução/interpretação cultural e seu desafio”, Figura 12 esse artigo é o resultado
da pesquisa que trata da nova modalidade tradução/interpretação de línguas de
sinais dos intérpretes Surdos, observando a norma surda (STONE, 2009 apud
SOUZA, 2010). Recentemente surgiu esse novo campo de tradução no contexto
educacional do ensino a distância: o da tradução e interpretação do ator/tradutor
e finalmente o intérprete de uma língua de sinais para outra língua de sinais
(SEGALA, 2010; SOUZA, 2010). Estas atividades de tradução e interpretação
têm sido desempenhadas por Surdos bilíngues intermodais. Exatamente por
representar um novo campo de estudo, este artigo apresenta a sua constituição.
(CAMPELLO, 2014, p. 143).

83
Figura 12: Intérprete Surdo de Língua de Sinais Brasileira: o novo campo de
tradução/interpretação cultural e seu desafio – autora: Ana Regina Campello.
Fonte: Cadernos de Tradução, v.1, n33, 2014.

84
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Olá, estimados alunos, chegamos ao fim de nossa última unidade. Que


bom que tivemos a oportunidade de juntos estudarmos estas temáticas tão
relevantes para a nossa profissionalização. Buscar o conhecimento, nos permite
novas aprendizagens, não é fácil, por isso parabenizo a todos por chegarem até
aqui. Um longo caminho ainda precisa ser percorrido, por esse motivo, nunca
deixem de estudar, as teorias ganham novas perspectivas, a língua é viva e
contínua, portanto, em constante mudança.
Lembre-se sempre de lutar e refletir sobre sua profissão, sozinhos nada
conseguiremos, mas, se unirmos nossas forças, ganharemos e melhoraremos
muitas das questões, que ainda implicam em um trabalho de tradução e
interpretação, muitas vezes, precário. Por exemplo, a luta pela atuação em
dupla, que no âmbito da língua de sinais muitas vezes os contratantes
desmerecem esse ponto, por desacreditar e desvalorizar a profissão. Salários
dignos e qualidade no trabalho na esfera educacional também é um ponto a se
debater ainda, e muito! Por isso o ‘trabalho’ de vocês, estudantes e futuros
profissionais, não acaba por aqui, este é apenas o começo.
Nesta unidade, aprendemos sobre diferentes procedimentos de
interpretação, a partir de agora, no momento de sinalização de vocês, as
escolhas se tornarão conscientes, deste modo o processo de interpretação se
tornará mais fácil, mais significativo e mais prazeroso.

86
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VASCONCELLOS, Maria Lucia. JUNIOR, Lautenai Antonio Bartholamei.


Estudos da Tradução I. Material didático desenvolvido para o curso Letras
Libras na modalidade a distância. UFSC. 2009

WERNER, Heidermann. Estudos da Tradução III. Material didático


desenvolvido para o curso Letras Libras na modalidade à distância. UFSC.
2009.

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