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Cultura de Consumo e Relação de Gênero No Pagode Baiano
Cultura de Consumo e Relação de Gênero No Pagode Baiano
2010
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2
CDD: 781.638142
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
(Orientadora)
___________________________________________
____________________________________________
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Rocío Castro Kustner, minha paciente orientadora, que, com
tamanha dedicação me fez ampliar o olhar sobre gênero e cultura, sendo não só
uma colaboradora significativa, mas também fonte de inspiração a essa produção.
Aos meus queridos primos-irmãos Jackson, Jadson e Jailson Oliveira, por todos os
incentivos e pela preciosa e sincera amizade.
RESUMO
ABSTRACT
This thesis aims to analyze the influences of the pagoda Bahia consumer behavior
and reframing of gender identities in four neighborhoods of Salvador. We seek here
to understand the extent to which the lyrics and rhythm of the music and the lifestyle
of celebrities from the pagoda, recreated the sexist stereotypes about what it means
to be male or female, as well as observe how these stereotypes are embodied by the
public of the pagoda and, ultimately, examine the role of music in the pagoda
construction of meaning in everyday life. The research will be based in both the
semiotic analysis of gender representations and practices of consumption of the
lyrics, where semiotics serve to analyze the representations of gender and
consumerism in the lyrics of Bahia pagoda - both seek to follow the method outlined
by Peirce, described the extensive work of Santaella (2004, 2008) Nöth (2003) and
Santaella and Nöth (2003, 2004, 2009) - as the focus groups and semi-structured
interviews of emblematic figures of the pagoda and followers Bahia / as this species
Music. Participant observation was also useful to this study, therefore, places of
sociability of / the followers / of the pagoda were attended in order to realize, in the
ethnographic approach proposed by Geertz (2008), the webs of meaning produced
by these subjects social.
LISTA DE SIGLAS
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 2 – Nordeste de Amaralina (ao lado do litoral), vale das perinhas (região
intermediária) e Santa Cruz (parte inicial da foto);
Fotografia 4 – Visão geral dos quatro bairros e seus limites com os bairros do Horto
Florestal (área verde à esquerda) e Itaigara - incluindo o parque da cidade (área
verde à direita).
LISTA DE QUADROS
LISTA DE MAPAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................. 14
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................111
REFERÊNCIAS..............................................................................................116
14
INTRODUÇÃO
Como salienta Faour (2008), inicialmente essas bandas eram compostas por
cantores, músicos, dançarinos/as, que se popularizaram rapidamente, sempre se
caracterizando com sensualidade. Mini-short, minissaias e um vestuário com roupas
que quase sempre colavam no corpo, compunham a indumentária que impulsionava
as coreografias sensuais, ritmizadas por músicas como “Segure o tchan”, “Na
boquinha da garrafa”, “Agachadinho”, “Pirulito”, e tantas outras que movimentaram
os carnavais de Salvador e as festas em bairros diversos da cidade, como também
foram disseminadas para o interior do estado com fluidez. No decorrer do tempo, o
trabalho coreográfico foi assumido pelos próprios cantores, quando, Xandy, do grupo
“Harmonia do Samba”, interpretava e dançava sensualmente as letras. Atualmente,
percebemos que raras bandas convidam dançarinos para permanecer, quando
acontecem, essas contratações costumam são temporárias, apenas para
coreografar umas poucas canções, como, por exemplo, a banda “Black Style”, com a
“Mulher perereca” e “O Troco” com “A Professora”. É interessante notarmos que, a
15
que devem ser assistidos e, assim, amplia os potenciais das práticas de consumo.
Através destas práticas de consumo, o pagode baiano dissemina e “vende” os
estereótipos masculinos e femininos, bem como sua interferência nas identidades e
nas relações de gênero. Daí, formulamos a pergunta que sintetiza o problema da
nossa pesquisa: como o pagode baiano influencia comportamentos de consumo e
ressignifica as identidades de gênero reforçando a cultura patriarcal em Salvador?
Por isso, são importantes para esse estudo as letras das músicas e as
narrativas das figuras emblemáticas do pagode e dos seus seguidores que residem
nesses bairros. Os bairros escolhidos foram: Chapada do Rio Vermelho, Nordeste
de Amaralina, Santa Cruz e Vale das Pedrinhas. Esses bairros fazem limite
geográfico com outros considerados nobres da cidade, que são Amaralina, Rio
Vermelho, Pituba – sendo que esses três cortam parte da orla marítima -, Itaigara,
Horto Florestal e Cidade Jardim. Em meio à construção planejada e elitizada da
cidade, intercalada pela paisagem verde do Parque da Cidade estão os bairros
mencionados, conforme o mapa abaixo pode nos dar melhor visibilidade.
Horto Florestal
Cidade Jardim
Parque da Cidade
Itaigara
Pituba
Fonte:http://www.unime.com.br/2006/rau/2/arquivos/RAU_v2n1_janjul2004_04_Andr
ade__Do%20planejado%20ao%20vivido%20o%20caso%20da%20Pituba_arquivos/i
mage006.jpg > Acessado em 12 de outubro de 2008. 17:18:341
1
Adaptado por Anderson dos Anjos Pereira Pena
19
Fotografia 2 – Nordeste de Amaralina (ao lado do litoral), Vale das Perinhas (região
intermediária) e Santa Cruz (parte inicial da foto)
Fonte:http://www.corpocidade.dan.ufba.br/dobra/imagens/02/mini/12_nordeste-de-
amaralina--maiara-souza.jpg > Acessado em 12 de outubro de 2009. 10:11:01.
20
Fotografia 4 – Visão geral dos quatro bairros e seus limites com os bairros do Horto
Florestal (área verde à esquerda) e Itaigara - incluindo o parque da cidade (área
verde à direita).
Essa região foi escolhida devido à intimidade dos bairros com o pagode
baiano, tanto na aceitação quanto na produção dessa espécie do samba.
Assim, como objetivo geral, a presente pesquisa visa analisar como o pagode
baiano influencia comportamentos de consumo e ressignifica a identidade de
gênero. Os objetivos específicos são: analisar a origem do pagode na Bahia;
perceber o papel da cultura consumista na promoção do estilo musical; refletir, a
partir letras das músicas do pagode baiano, as representações sobre a identidade
de gênero; e sumariar, a partir da música do pagode, estereótipos construídos e/ou
aceitos pela população sobre as identidades de gênero.
Desse modo, a indústria cultural surge com a finalidade de dar aos produtos,
inicialmente elitizados, um novo formato para que possam ser consumidos pelas
25
Desse modo, temos hoje várias indústrias culturais, que são especializadas em
algum tipo de mercantilização da cultura. Essas indústrias podem estabelecer ou
não permutas entre si, mas cada uma delas tem suas características próprias.
Assim, o gosto pode ser entendido como algo socialmente produzido, e não
como uma propulsão inata. Para o autor, o habitus é responsável pelas
representações sobre o gosto, pois o cria, distingue dos demais e o impõe para ser
consumido pelos grupos sociais. De acordo com Safiotti (2004, p. 61) “o habitus,
como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital
de um agente em ação [...]”, podendo ser compreendido como dispostos que agem
sem exigência do raciocínio e nascem justamente da interação entre o processo de
socialização e o equipamento genético de que é portador o agente social. Safiotti
salienta que esse conceito tem utilidade, mas incomoda por sua quase absoluta
permanência, ou seja, quase impossibilidade de mudar. O habitus é assim uma
convenção social e cognitiva que governa as ações dos indivíduos como se fossem
naturais, é definidora do gosto e das distinções entre classes.
[...] basta lembrar o que ocorre até hoje nos seriados cômicos
americanos: a cada frase espirituosa de um personagem, segue-se a
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O kitsch é, com efeito, uma “arte facilitada” (ibidem, p. 169), ela interfere na
capacidade cognitiva do espectador, pensando, rindo, sofrendo, interpretando e
concluindo por ele. É considerada “arte facilitada” porque não solicita do espectador
esforço interpretativo de decodificação nem de compreensão. Ao espectador não
cabe inquirir a obra, nem sequer conviver com ela, apenas consumi-la, e desse
modo a o kitsch reforça a produção do habitus (BOURDIEU, 2008).
Mais do que debater a polarização dos bens simbólicos para uma classe
social, os diálogos em torno do kitsch nos direciona a perceber a cultura de massa
como existente em todas as classes, por meio da música, da poesia, do cinema, do
jornalismo e de outros meios de produção da cultura, buscando com que “tudo apele
para nossa concordância, e nada (ou quase nada) para nossa inteligência” (ibidem,
p. 173), fenômeno que propicia o terreno para a atuação eficiente do marketing
cultural para o consumo de massas.
Não importa que haja uma diferença de 1000% entre a renda per
capita americana e a brasileira: a loja de chocolates Godiva ou a Fendi
alcançam bom nível de vendas em São Paulo, Paria, Buenos Aires e
em Nova York. O que muda é o número de lojas e o volume de vendas
(SOUZA & NEMER, apud ORTIZ, 1999, p. 178)
nessa nova sociedade globalizada vira espetáculo onde a própria vida privada é
exibida. Bauman chama a sociedade exibicionista de “sociedade confessional”,
entendida por ele como
funk carioca, pois temos estilos musicais e danças diferentes, mas a sensualidade
atribuída às coreografias, especialmente focadas no corpo feminino, e o perfil do
público que consome as músicas une caracteristicamente os dois estilos musicais.
É interessante notar que as músicas que por muito tempo foram sinônimo de
vulgaridade e estigma pela sociedade colonial e, mais a frente, republicana racista,
ressurgiam, apropriadas pela mesma elite que anteriormente as criticava e
demonizava, como algo sofisticado e sublime. Dava-se apenas uma nova roupagem
nas músicas e danças, mas mantinha-se a consistência das origens.
O lundu não é samba, nem pagode, mas principia nas raízes dessas músicas
e práticas culturais da diáspora africana, que dá origem a músicas atuais como o
rap, soul, funk, reggae, samba e pagode. Inicialmente vulgarizado pela elite, o lundu
volta à cena brasileira apropriado pela própria elite no teatro ou então nas danças da
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antiga polca, agora transformada em maxixe – uma dança de salão -, que flui ao
som do ritmo do dançado e cantado lundu (TINHORÃO, 2008).
ocorriam no final do século XIX e início do século XX, sempre em casas, geralmente
de seis cômodos, cujas salas recepcionavam convidados para dançar as modinhas
e as polcas. Em uma segunda sala, as pessoas que tinham o “gingado” e “remelexo”
dançavam os primeiros ritmos de samba e no quintal, as batucadas religiosas em
louvor as divindades africanas. Assim, “o samba já não era, portanto, mera
expressão musical de um grupo social marginalizado, mas um instrumento efetivo de
luta para a afirmação da etnia negra no quadro da visa urbana brasileira” (SODRÉ,
2003, p. 16).
a submissão e manutenção dessa realidade aparecem como uma coisa natural, sem
preocupações com a cidadania ou com a emancipação das populações
marginalizadas. Yudice (2008) reafirma essa ideia de povo pobre, mas rico em
espírito. A partir de uma pesquisa com sambistas da atualidade, o referido autor
apresenta a concepção comodista ainda influenciada pela elite cultural, que tenta
institucionalizar os conceitos de identidade nacional e cultura popular. Ainda salienta
que essa concepção comodista, mencionada acima, sobre a importância do samba
pode causar problemas:
A crítica não se dirige ao gênero musical samba, mas aos usos do conceito
de cultura popular que tende a promover o efeito alienante. O samba em si não tem
como proposta atender as elites. Ele por si só não tem finalidades específicas, elas
são constituídas por aqueles que o fazem, que o consomem ou que o vendem,
mesmo sem plena consciência dessas finalidades por parte desses atores sociais.
Vimos, anteriormente, o papel aglutinador que o samba, mesmo em suas origens,
teve na projeção da cultura diaspórica que buscava afirmar-se e, de fato, conseguiu,
através das danças, letras e ritmos, interligados ao samba, como suporte diferencial
para tal afirmação identitária. Mas, neste momento histórico do projeto de nação que
visava a conceitualização de uma identidade nacional unificada, o que um dia foi
elemento de emancipação e afirmação – mais uma vez reiteramos a forma limitada
desse processo – agora pode ser utilizado para massificar, alienar e manter o status
quo.
Os tempos idos/
Nunca esquecidos/
Trazem saudades ao recordar/
É com tristeza que eu relembro/
Coisas remotas que não vêm mais/
Uma escola na Praça Onze/
Testemunha ocular/
E junto dela balança/
Onde os malandros iam sambar/
Depois, aos poucos, o nosso samba/
Sem sentirmos se aprimorou/
Pelos salões da sociedade/
Sem cerimônia ele entrou/
Já não pertence mais à Praça/
Já não é mais o samba de terreiro/
Vitorioso ele partiu para o estrangeiro/
E muito bem representado/
Por inspiração de geniais artistas/
O nosso samba de, humilde samba/
Foi de conquistas em conquistas/
Conseguiu penetrar o Municipal/
Depois de atravessar todo o universo/
Com a mesma roupagem que saiu daqui/
Exibiu-se para a duquesa de Kent no Itamaraty.
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Essa letra sintetiza um pouco da história do samba que até aqui retratamos e
direciona para as perspectivas da indústria cultural que abordaremos a seguir. A
partir dessa letra passamos ao novo momento histórico do samba, diferente dos
descritos inicialmente por Sódre (2003), Tinhorão (2008), onde percebemos que o
samba “Já não pertence mais à Praça / Já não é mais o samba de terreiro”. Agora
vamos entender como o samba entrou no circuito nacional e internacional. Esse
momento é crucial para a compreensão de como surge o pagode baiano e
congêneres do samba.
Lopes (1992) enfatiza que o samba que retrata a realidade dos morros
geralmente é incorporado pelos grupos de partido alto do samba - também
conhecidos como grupos de fundo de quintal - e tem desdobramentos até os dias
atuais. Esses grupos, que antes não tinham características e formatos para o
consumo de sua música, com a indústria cultural passaram a ter. Entre os grupos
destacam-se no Brasil “Revelação”, “Fundo de Quintal”, dentre outros. São
conhecidos também cantores de partido alto que fizeram carreira sólo, tais como
Jorge Aragão, Arlindo Cruz, e muitos outros.
O pagode é um produto histórico, transmutado por sons que vem da rua; uma
perspectiva das cidades que passaram por um processo de urbanização colonial e
imperial, pois, conforme explicita Tinhorão (2001, p. 27), “[...] existe uma relação
direta entre o processo de urbanização e o aparecimento dos artistas de rua,
personificados no romântico cantor de serenatas”.
O ponto de partida dessa discussão sobre o pagode, na perspectiva
propedêutica da história musical aqui apresentada, remonta ao ano de 1991,
quando, conforme descrito por Faour (2008, p. 330-334),
Segura o tchan!
Amarra o tchan!
Segura o tchan, tchan, tchan, tchan, tchan!
Cabe ressaltar que o pagode baiano atual tem íntimas ligações com a Axé
Music, que é, de acordo com Guerreiro (2000), um estilo carnavalesco,
especificamente nascido nos carnavais de Salvador. Mas esse pagode não nasceu
exclusivamente da Axé Music e, nem tampouco pôs fim a ele; é produto de uma
construção histórica e cultural que, em um processo inicial de intercomunicação com
a Axé Music, apareceu para a população carnavalesca e festeira da Bahia, e em
alguns casos, do Brasil.
A mistura do samba com novos ritmos dão sentido a novas espécies como o
do pagode que aqui abordamos. Temos que destacar a forte participação do samba
52
2
Ao mencionar as músicas, faremos referência ao International Standard Musical Work Code (Código Musical
Padrão Internacional da Obra) – ISWC -, fornecida pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD.
3
Composição de Alexsandro Barbosa Cerqueira. ISWC: T-039.162.228-8 .
4
Composição de Marivaldo Ferreira dos Santos. ISWC: T-039.388.168-9.
5
Ou “A mão naquilo”. Composição de Magno de Santana Carlos, Daniele Costa da Invenção Santos e Laurino
Alves dos Neto Santos. ISWC: T-039.399.395-7
53
Novas letras vão tomando conta do pagode, mantendo o duplo sentido sexual
ou transcendendo-o e demonstrando de fato as intenções de formulações sexuais
arquetípicas. Aparece com destaque especial a banda “Black style”, com músicas
como “Vaza canhão”, “Rala a Tcheca no Chão”, “Rala a xana no asfalto”,
“Piriguetona”, “Cachorra”, “Patinha”, Sabonete e outras7, em um repertório que
conceitualiza e estereotipa papeis sociais de gênero. As letras nos dizem muito, e
nos inquieta a percebermos como as pessoas incorporavam e incorporam os
princípios e condutas sexistas e machistas disseminadas através da linguagem, das
vestimentas, das relações amorosas e das relações sociais entre homens e
mulheres.
Em ações ainda mais recentes de venda de novas bandas e músicas,
programas de televisão voltados às camadas mais pobres da população têm
intensificado a divulgação do pagode, especificamente os de cunho sensual ao
extremo que simulam o ato sexual ou que estimulam as mulheres (dançarinas ou
seguidoras do pagode) a exibirem cada vez mais o seu corpo – como o caso de uma
professora da Educação Básica que, durante um show da banda “O Troco”, ao som
da música “Todo enfiado”, foi filmada por anônimos que divulgaram o vídeo sensual
em um famoso site de vídeos da Internet. A letra da música diz o seguinte: “Tem
mulher que usa “p” / Tem mulher que usa “m” / Tem mulher que usa “g” e a outra
“gg”/ E a pirigueti anda com o fio só / Todo enfiado / Todo enfiado...” Enquanto a
música toca, o cantor da banda puxa a calcinha da referida professora, que, semi-
nua, faz rebolados sensuais para o público, em cima do palco.
Ao adentrar na rede de computadores, o caso da professora teve repercussão
nacional, sendo notícia em jornais impressos e motivo de espetacularização em
6
Composição de Ueldon Nascimento Pereira e Djanilton Carvalho dos Santos. ISWC: T-039.137.701-7
7
Todas compostas por Robson Elias Adorno Costa, registrado no ECAD sob o IPN – Interested Parties Number
(Código internacional de registro de compositores, autores e editores): 00553543843
54
8
Composição de Ivan Luiz Santos da Anunciação, Edcarlos da Conceição Santos, Daniele Costa da Invenção
Franco, Adalício dos Anjos Maia, Laurindo Alves dos Santos. ISWC: T-039.309.988-1.
55
dançarinas e cantores necessitam renovar esses estilos, para poder manter sua
existência nesse mundo da música do pagode baiano.
Desde que lançado o pagode, suas figuras emblemáticas sempre venderam
suas tendências de estilo por meio de novos produtos comercializados no mundo na
moda, passando por roupas femininas, incluindo aqui o vestuário infantil,
brinquedos, peças masculinas, assessórios para carros, entre outros. Comentando
sobre carro, podemos mencionar letras de músicas, como a da banda “Black style”
que diz: “Eu torei meu carro no chão”9, fortalecendo a moda dos veículos rebaixados
como sinônimo de beleza e meio para atrair as “piriguetes”.
Após serem lançadas como emblemas, as “marcas visíveis” desses/as
pagodeiros/as emblemáticos/as passam a ser consumidas popularmente, seja por
pessoas de classes oprimidas, e até mesmo pela elite. Sobre a elite podemos
observar que consomem com facilidade as marcas modistas ditadas nesse meio
musical do pagode, sendo uma prova disso, os carros, geralmente rebaixados dos
“playboys”, com a mala aberta e o som bem alto, varando as madrugadas, em
postos de combustíveis, geralmente em frente a lojas de conveniência ou em bares
dos bairros de todas as áreas de Salvador, nobres, remediadas ou populares. Essas
festas improvisadas costumam acabar pela manhã e são geralmente permeadas
pelo forte consumo bebida. Mesmo aqueles que se dizem desinteressados pelo
pagode baiano afirmam que, após alguns goles de cerveja, “caem na festa”.
Uma observação sistemática inicial nos permite constatar as mudanças no
estilo do consumo e a constatação dos postulados baumaninos sobre a sociedade
de consumo pós-moderna. De fato, “a síndrome cultural consumista consiste, acima
de tudo, na negação enfática da virtude da procrastinação e da possível vantagem
de se retardar a satisfação – esses são os dois pilares axiológicos da sociedade de
produtores governada pela síndrome produtivista” (BAUMAN, 2002, p. 111). Tornar
uma letra de música, ou uma tendência de estilo, longa é uma impossibilidade para
essa espécie do samba. O pagode precisa apresentar tendências de estilo e letras
que deem muito prazer, mas num curto tempo, para possibilitar espaço para outras
tendências e letras.
Com uma nova letra e/ou um novo estilo apresentado aos consumidores,
todos os holofotes se voltam para esse momento, propagando-o, vendendo-o
9
Música Carro no Chão. Composição de Robson Elias Adorno Costa. ISWC: T-039.309.988-1.
57
10
Não há registro dessas músicas no banco de dados do ECAD. Sua letra está disponível em:
http://letras.terra.com.br/no-styllo/1415396/ > Acessado em 22 de agosto de 2009. 03:34:22.
11
Não há registro dessa música no banco de dados do ECAD. Sua letra está disponível em:
http://letras.terra.com.br/psirico/118758/ > Acessado em 24 de agosto de 2009. 05:02:29.
58
12
Composição de Gilvan Doria Sobrinho Rocha. ISWC: T-039.361.218-4
13
http://www.carnasite.com.br/v4/colunas/espacoaxe/?CodNot=8266 > Acessado em 18 de dezembro de 2008.
18:35:00
59
Para Perrot (2005) o feminismo traz uma nova ressignificação das identidades
de gênero, tendendo, segundo as diversas vertentes, tanto para a “virilização das
mulheres” através da adoção de traços masculinos pelas mulheres, quanto à
“extrema feminilidade”, acentuando a maternidade, o celibato e até mesmo a
virgindade e/ou o homossexualismo. Assim o feminismo engendra as novas formas
de construir identidade na “modernidade tardia”: conflituosa, antagônica,
complementar, descentrada, mas, sobretudo, anti-racionalista e não cartesiana
(HALL, 1999)
Safiotti (2004) explica que a categoria gênero também serve para elucidar,
além da relação homem-mulher, a relação mulher-mulher e homem-homem, sendo
uma categoria analítica e histórica capaz de fornecer informações imprescindíveis
sobre essas relações. Assim, a categoria gênero também não dá excessiva ênfase
ao estudo das mulheres, fugindo dessa forma, de críticas contra intelectuais
feministas que se ocuparam de estudar a história feminina.
mulheres e homens, como Scott mais uma vez pontua “[...] O termo “gênero”, além
de um substituto para o termo “mulheres”, é também utilizado para sugerir que
qualquer informação sobre as mulheres é necessariamente informação sobre os
homens, que um implica o estudo do outro” (SCOTT, 2004, p. 75).
desde os anos 1970 em galeras, quadrinhas ou gangues. Para essa autora, esse
ethos está sempre presente entre os seguidores do funk carioca, que, de acordo
com ela estão sem com
Zaluar (2004, p. 27) aponta ainda para a lei do silêncio como forma de
manutenção do “ethos do guerreiro”, para ela os traumas diante das violências são
evitados pelos moradores que apostavam no “esquecimento mais do que o
entendimento e superação das marcas profundas deixadas na história e no
psiquismo de jovens e crianças” e, além disso, as escolas e projetos sociais também
silenciam-se e não cuidam de desconstruir esse “ethos do guerreiro”.
Fonte: http://fotos.imagensporfavor.com/img/pics/glitters/b/brahma_-
_mulheres_do_tchan-184.jpg > Acessado em 1o de junho de 2010. 15:34:00
fantasiada, que estimule algo. Tais afirmações se justificam nas caixas de texto junto
às cabeças das mulheres, na forma como estão vestidas e carregando as cervejas,
na frase “um beijo com carinho” e na forma como estão olhando de forma sedutora
ao consumidor – essas são as características peculiares, intrínsecas, singulares.
Na terceridade tratamos das regras gerais dessa imagem. Ela tem a intenção
de vender a cerveja Brahma, para isso utiliza os corpos de duas mulheres que são
muito conhecidas em todo o Brasil, esses corpos são erotizados e postos como
símbolos sexuais na imagem. A sensação provocada no interpretante a quem o
comercial se dirige é de puro deleite e prazer. As mulheres, ao olhar, sugerem que
beber Brahma causará no consumidor o efeito similar ao de “saborear” seus corpos;
evidência disso podem ser as caixas de texto: em que duas mulheres seminuas,
com olhar sensual, carregando cervejas Brahma, poderiam estar pensando? É
perceptível também que essa propaganda de cerveja está voltada ao público
masculino. Em suma, ela simboliza: quem gosta de mulher – de preferência com
corpos esculturais – e bebe Brahma é verdadeiramente um Homem.
REFRÕES INTÉRPRETES
Soca, soca, ela gosta é de paçoca... Soca,
É Xeke
soca ela gosta é de paçoca
Relaxa na bica, relaxa na bica, relaxa na
Black Style
bica, relaxa na bica
Apertadinha, apertadinha, apertadinha...
O Báck
todo homem só gosta
Me dá me dá patinha, me dá sua
Black Style
cachorrinha
Tome todinha, tome todinha, tome todinha,
O Báck
tome ... se quiser vou te dar
Late, late, late, late que eu tô passando Black Style
Surubão surubão, vem fazer surubão O Bronka
A piriguete anda com o fio só todo enfiado,
O Troco
todo enfiado, todo enfiado, todo enfiado
Arreia a rachadinha, arreia a rachadinha,
O Báck
arreia a rachadinha, arreia a rachadinha..
Vou te comer, vou te comer, vou te comer,
O Báck
vou te comer
Esses são os principais sin-signos que podemos perceber nessa parte do fenômeno,
pois o pagode, analisado enquanto fenômeno tem outras dimensões.
Andava de busu/
Você nunca me olhou/
Eu louco por você/
Você me rejeitou/
Comprei o meu carrão/
Você abriu o sorrisão/
Agora pra você/
Eu canto essa canção/
Eu não te quero mais/
Sai daqui piriguetona.
Aqui, a compra do carro foi o suficiente para que o homem pudesse entender
que mulher gosta de “carrão”, além disso, é interessante notar a reação dele que
não quis mais se envolver com a mulher. Mas, essa letra deixa brecha para um
questionamento: será que, nesse caso enredado na composição, outras mulheres
podem vir a se interessar por ele sem levar em conta o “carrão”?
14
Composição de Robson Elias Adorno Costa. ISWC: T-039.278.040-3
80
15
Não há registro dessas músicas no banco de dados do ECAD. Sua letra está disponível em:
http://www.filestube.com/c811a01f6b07fc7903ea,g/Mel%C3%B4-da-Pop-100-%5BNova%5D-Bonde-dos-
Neur%C3%B3ticos-e-Robs%C3%A3o.html> Acessado em 02 de junho de 2010. 10:24:55.
81
mais, como uma modelo Tornado - se possuir um carro, ele sai vitorioso aos olhos
da mulher representada na letra. Segundo a letra o homem “vale o que tem”.
Essa música apresenta uma variação: além do dinheiro, carro e virilidade ela
gosta também de bebida alcoólica. Percebemos aqui outros detalhes nas imagens
mentais concebidas a partir da letra dessa música: o aparelho de DVD do carro,
banco de couro e teto solar podem facilitar o acesso às mulheres. Se compararmos
“Perfume de Gasolina” com “Fiel à Putaria”, perceberemos que na primeira a posse
de dinheiro e carrão faz com que “adultério role na parada”, enquanto na segunda o
“amigo” é incentivado a ser fiel à putaria em função da traição sofrida. Ou seja, trair
não é símbolo para as mulheres, ao contrário, é representante da masculinidade; em
contraposição, ela pode, de acordo com as letras analisadas, ser “piriguete” e se
envolver com vários homens que tenham carrão e dinheiro, sendo até suas
amantes.
16
Composição de Carlos Magno de Santana; Edmilson Nobre Lima Santos, Fagner Ferreira Santos; Laurino
Alves dos Santos Neto. ISWC: T-039.474.709-1
82
das afirmações de que as mulheres só se sentem atraídas por eles quando possuem
dinheiro, automóvel e virilidade, erotizando o seu corpo e concebendo o padrão
estético em que são persuadidas a cumprir, sob a pena da inadaptação.
Como enfatizamos, com o “carrão”, o homem pode quase tudo para com a
mulher. Ele está no comando, dá as ordens e caso elas não obedeçam correm o
risco de perder a proteção que o dinheiro deles lhe oferece. As primeiras ordens a
ser cumprida pelas mulheres, de acordo com as letras do pagode baiano, se voltam
para a exibição dos seus corpos, de forma erotizada, quase sempre sobre a
presença de um adjetivo. Vejamos o exemplo da música “Teto do meu carrão17”, da
banda “O Troco”:
17
Não há registro dessas músicas no banco de dados do ECAD. Sua letra está disponível em:
http://letras.terra.com.br/o-troco/1671203/> Acessado em 08 de junho de 2010. 22:39:25.
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provavelmente está ligado à sua genitalia. Esse índice, ainda que impreciso,
sustenta-se no termo “azaração” – afinal, se elas sobem com emoção no teto do
carro, em um cenário de paquera, e a música solicita que elas mostrem o “bichão” e
o “pacotão”, é muito difícil que um interpretante, mesmo o inicial, não enxergue a
mulher como objeto sexual.
Outras músicas fazem um apelo ainda mais sensual. A banda “Koisa Boa”,
um dos destaques de 2010, lançou neste mesmo ano a famosa canção “Rala o
badalo na tcheca18”
18
Composição de Reinaldo Júnio Bianchi. ISWC: T-039.326.777-0
84
19
Composição de Valdivan Bispo Bonfim; Osana Silva da Cunha e Márcio Vitor Brito Santos. ISWC: T-
039.327.422-0.
20
Composição de Umberto Souza Moreira. ISWC: T-039.034.353-9.
85
Pivetona é aqui apresentada como uma “retada” que “não deve nada” e
“parece que é homem”. Com essas representações legitima-se o signo de uma
mulher que, para se diferenciar da “piriguete”, precisa incorporar os legi-signos da
masculinidade, quer dizer, comportar-se como um homem. Essa inversão ainda se
encontra em fase de testagem nas letras, mas já ganha popularidade como uma das
principais excecuções nas rádios soteropolitanas.
22
Composição de Edcarlos da Conceição Santos e Ricardo Luiz Batista de Souza. ISWC: T-039.433.760-0.
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Tô de boa em casa/
Sem fazer nada/
Os parceiros chama/
Vamo pro posto/
Ver a mulherada/
Tomar gelada/
E largar meu som/
Vamo pro posto/
Olha tá bombando/
Não tem polícia para embaçar.
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Não há registro dessas músicas no banco de dados do ECAD. Sua letra está disponível em:
http://letras.terra.com.br/a-bronkka/1665563/> Acessado em 08 de junho de 2010. 23:29:25.
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seja apenas para os homens que não possuem dinheiro, bens e sejam pouco viris.
Ao contrário, as mulheres têm a sua disposição um amplo receituário de signos
estéticos, onde o desrespeito aos padrões, segundo as representações, resultará
em sua não aceitação pelos poderosos homens.
As representações masculinas apresentam mais um símbolo representativo
nas letras cujass imagens representadas apontam para relações entre homem-
mulher e homem-homem baseadas na insensibilidade e na violência. No último
capítulo se discutirá especificamente sobre esse ponto.
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mesmo nas ruas, ao estridente som dos carros. Aos finais de semana, os bares, de
acordo com uma das figuras emblemáticas do pagode, “se enchem de gente,
principalmente no início do mês quando a galera recebe os salários e todos curtem
muito ao som das nossas músicas. Sexta, sábado e domingo é só alegria pra
galera”. No primeiro grupo focal realizando com os homens, um deles, mordor do
bairro da Santa Cruz afirmou que “agente sofre tanto com patrão no pé do ouvido na
semana, mulher em casa enchendo o saco que tem que comprar isso e comprar
aquilo, que nada melhor que tomar uma e ouvir um pagode bem alto no final de
semana”.
Essa intimidade com o pagode é destacada no início dos diálogos de todos os
grupos focais: ao se apresentar todos eles e elas fizeram co-relação imediata entre o
pagode e suas histórias de vida. Uma das entrevistas, moradora do bairro do Vale
das Pedrinhas, participante do primeiro grupo composto por mulheres, afirmou que
“gostava de pagode desde que se entendia por gente”. Entre todos os
entrevistados/as apenas uma mulher do segundo grupo, moradora da Chapada do
Rio Vermelho, nunca foi membro de um grupo de pagode, mas ela mesma afirmou
que é como se tivesse feito “pois sou conhecida dos pagodeiros onde quer que for,
tem gente que toca e dança em banda famosa que não é conhecida igual a eu [...]
eu tô em todas velho”, enfatizou a moradora da Chapada do Rio Vermelho. Sete
entre os nove homens entrevistados nos dois grupos falaram da contribuição do
pagode para seus relacionamentos com suas atuais esposas, e quatro deles
disseram que os filhos desses relacionamentos são “fruto do pagode”.
Dos 9 participantes nos dois grupos focais de homens, 6 foram músicos em
bandas nos bairros e não puderam continuar devido à extinção dessas bandas. Os
três restantes continuam a tocar em bandas fora dos bairros que se apresentam
semanalmente em bares da orla marítima de Salvador. Para todos eles o sonho é
tocar numa banda famosa , sonho que virou mais popular que desejar ser jogador de
futebol. O grande empecílio para dar continuidade ao trabalho artístico nos bairros,
de acordo com eles, foi a violência, que dificultou a ocorrência de festas e
apresentações das bandas. Todos eles e elas narraram fatos mostrando a violência,
tanto simbólica, como a agressão corporal, como fator majoritário que concorreu
para a pulverização das bandas nos bairros.
Os bares, junto com os postos de combustíves destacam-se como os
principais espaços de sociabilidade dos seguidores do pagode baiano. Em segundo
91
lugar ficam as festas em largos e os shows em espaços fechados dos bairros, onde
só é permitida a entrada através da compra de ingressos. Porém esses dois últimos
points tem sido cada vez menos utilizados devido à violência que tem coibido as
apresentações das bandas. De acordo com uma das mulheres, integrante do
segundo grupo focal realizado, que foi dançarina entre os anos de 2003 a 2005,
moradora do bairro da Chapada do Rio Vermelho,
[...] as brigas entre as galaras rivais dos bairros e as briguinhas
mesmo nos regues, foi o que levou a não ter mais nada aqui na área,
agora a gente fica curtindo mesmo nos bares legais da área ou fora
numa casa de show famosa, tipo Madre ou Estação Ed10, no início
era tudo muito bom, mas agora ficou barril ir pra qualquer coisa por
aqui, o sistema tá bruto.
relação às formas de tratamento do cabelo por parte das mulheres. Durante o ano
de 2009, muitas delas alisavavam e escovavam seus cabelos com frequência, em
2010, o estilo Black Power se sobrepôs. Uma das participantes dos grupos focais,
residente no bairro do Vale das Pedrinhas afirmou que o seu cabelo “ficou desse
jeito porque o de Xênia, quem dança no ‘Parangolé’ chamou minha atenção, antes
eu dava escova, alisava e tudo mais, mas hoje eu prefiro assim, acho que combina
melhor com minha cor negra”. Porém, ela assegurou que o estilo do seu cabelo
nada tinha a ver com letra alguma, mas com o estilo propagado por uma dançarina.
As modas lançadas nas letras costumam ser bem aceitas pelos seguidores do
pagode. No decorrer da música “Patinha”, o intérprete da banda “Black Style”
ordena: “Nesse verão eu quero ver as meninas com a unha pintada de patinha”,
percebemos nos bares e postos muitas mulheres, no período de fevereiro a março
de 2010, com suas unhas tatuadas com patinhas. Outras músicas incentivam que os
carros fossem rebaixados, com “somzão”, “DVD” e teto solar, percebemos que os
veículos dos seguidores do pagode tem ao menos um desses itens ou acessórios.
Na vestimenta, algumas músicas incentivam o uso de grifes famosas, muitas delas
pertencentes a multinacionais que possuem preços altíssimos nos seus produtos.
A música “Passo do Jacaré” de “Black Style” pede que as meninas usem
“Dolce & Gabbana e os meninos de Lacoste”, logo aderem a moda e esses
seguidores do pagode, mais uma vez passam a usar ou comentam sobre a
necessidade de consumo desses produtos. Em homenagem e incentivo ao uso dos
postos de combustívies como espaço de sociabilidade entre os seguidores do
pagode, a banda “A Bronkka”, lançou em 2010 o “Hit do Posto”. Talvez por conta
disso, na última visita que fizemos aos dois postos entre os dias 02 e 06 de junho de
2010 o público era muito maior do que nas duas outras.
Uma outra forma percebida de influência das letras nos comportamentos dos
seguidores do pagode é a inserção de termos e gírias no léxico deles e delas. Os
homens em situações diversas utilizam esses termos contidos nas letras, por
exemplo, em algumas conversas, onde um homem expressa interesse em uma
mulher, o outro adverte: “amigo, não vá que é barril”, certamente fazendo alusão a
famosa música interpretada pela banda “Guig Gueto”. A forma de tratamento por
parte deles em relação a muitas mulheres é muito semelhante ao que é
representado na música; assim, as solteiras, tidas como “livres e desempedidas” são
tratadas por eles como “piriguetes” interesseiras, facilmente conquistadas com
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Outro depoimento em um grupo diferente dos homens fala que “Mulher gosta
de homem, mulher não vive sem um homem, mas ela quer um homem que dê
estabilidade a ela, um cara que tenha um carro [...] um cara que dê um conforto a
ela [...] ela busca isso num homem”.
95
consumo da bebida “Ice” e, do meio para o fim, algumas destacaram o “Wisque com
Red Bull”, muito consumido nas festas e encontros.
Essa apatia dos seguidores e figuras emblemáticas do pagode pode
influenciar cenários mais agravantes nas relações de gênero e consumo, tentando
sempre inferiorizar a mulher e torná-la objeto a ser consumido pelos homens. Não
perceber a influência das representações pode, além de tudo, ser um caminho para
a consolidação da violência patriarcal, presente na história da humanidade desde os
seus primórdios e hoje assume sua forma mais violenta, através do “ethos do
guerreiro”. Sobre essa violência falaremos no capítulo seguinte.
99
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Não há registro dessas músicas no banco de dados do ECAD. Sua letra está disponível em:
http://letras.terra.com.br/black-style/1575664/> Acessado em 10 de maio de 2010. 10:29:18.
100
Robysão já pegou/
o Ramom pegou também/
o Jean engravidou tá esperando seu neném/
Netinho pegou de quatro/
Vitinho fez frango assado/
Fabinho sem camisinha pegou uma coceirinha/
O nome dela é Marcela eu vou te dizer quem é ela/
Eu vou te dizer quem é ela/
Ela, ela ela é uma cadela/
Ela, ela, mas ela é prima de Isabela/
Me dá,me dá patinha (...)
Me dá sua cahorrinha
A letra trata de uma mulher que foi “consumida” pelos membros do grupo,
cada um deles “usando-a” em uma posição diferente no ato sexual e tendo até
mesmo frutos dessa relação, tal como um filho e uma doença sexualmente
transmissível – “coçeirinha”. A banalização neste caso foi tão ampla, que a mulher é
representada como um animal no cio: uma “cadela” ou “cachorrinha”. Essa é
estratégia de completa fragmentação do corpo feminino, para então desqualificá-lo e
justificar até mesmo a violência física - por isso, as representações não deixaram de
contemplar essa dimensão - como na música interpretada pela banda “Leva Nóis”:
“Pancadinha25”, que contém os seguintes versos:
De tanto bater, ele se cansou. O legi-signo aqui determina que ele gosta de
bater e ela de apanhar. A violência é então atributo dos homem que podem usá-la a
25
Composição de Ueldon Nascimento Pereira e Djanilton Carvalho dos Santos. ISWC: T-039.236.134-0.
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Não há registro dessas músicas no banco de dados do ECAD. Sua letra está disponível em:
http://www.filestube.com/95fcd22787e2659a03ea,g/Mc02-%C3%89-XeKe-Toma-Sua-Ladrona-mANoeL-dO-
cAVacO.html > Acessado em 20 de junho de 2010. 10:18:18.
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ouvimos nas conversas entre os amigos a seguinte afirmação: “se alguém mexer
com minha nêga, eu nem tiro pergunta, meto logo. Tirar pergunta é coisa de viado”.
Assim, no meio da multidão, homens desacompanhados que circulavam pela festa,
ao se encantar por uma mulher e cortejá-la, eram, sintomaticamente, agredidos
pelos companheiros delas. Na maioria dessas situações, os que tomavam a
iniciativa da paquera nem mesmo percebiam que as mulheres estavam
acompanhadas, sendo surpreendidos por socos ou agressões verbais. Geralmente
quem era vítima da violência estava acompanhado por um grupo de amigos e que a
perpetrava também, daí uma grande briga coletiva era gerada, com socos e
pontapés para todos os lados. Quando essas confusões não ocorriam dentro da
festa, devido a ação de seguranças ou policiais que as coibiam, ficam guardadas
para se completar do lado de fora ou quando a festa terminasse.
Os/as seguidores/as do pagode e as figuras emblemáticas também revelam
informações relevantes sobre a violência exercida pelos homens. Várias
demonstrações de violência foram destacadas pelos participantes dos grupos focais.
A iniciativa de falar sobre violência surgia sempre dos/as entrevistados/as,
basicamente nos primeiros dez minutos de entrevista e constantemente associada à
redução das festas e shows nos quatro bairros, em função desse grave problema.
As discussões sobre o tema se ampliavam a tal ponto de chegar a debates mais
intensos sobre violência contra a mulher; brigas entre homens; agressões, na forma
de disputa entre músicos de grandes bandas e até mesmo das bandas nos bairros.
Uma das integrantes do segundo grupo feminino, revelou que “inúmeras
vezes a galera tinha que sair correndo ou se jogar no chão para não levar tiro nos
regues pelo bairro, onde eu moro mesmo, lá na Santa Cruz, a gente vemos de tudo,
de porrada a facada”, revela ela. Todas as outras desse mesmo grupo fizeram
outras afirmações de violência nas festas. Uma delas, moradora do Vale das
Pedrinhas, revela que “as brigas, na grande maioria das vezes ocorre por causa de
cachaça, mulher ou droga, os cara, já de cara cheia ou muito louco de droga, ficam
se achando e por qualquer coisa querem bater, brigar ou matar os outros”. Já outra
participante, moradora do Chapada do Rio Vermelho, diz que, depois do aumento
das brigas, a polícia começou a ficar mais presente nas festas, mas de acordo com
ela nada foi modificado porque:
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[...] primeiro que eles não fica o tempo todo na festa, e na primeira
saída o tráfico começa a rolar ou os desordeiro começa a procurar
tumulto, segundo que às vezes eles são mais violentos que o
pessoal que tá a fim de briga batem no primeiro que eles querem,
uma vez eu tava com meu ex-namorado na festa lá na Chapada, ele
saiu pra pegar uma cerveja e eu tô vendo um tumulto, quando eu
olho a polícia batendo nele, na maior covardia [...] o cara não fez
nada, tanto que eles deixaram ele lá e foram embora e agente teve
que ir pra o hospital porque ele ficou com o rosto sangrando. Então a
gente tinha até medo da polícia nos pagode aqui da área.
Uma moradora da Santa Cruz, participante do primeiro grupo, conta que foi
por duas vezes vítima de agressões por parte dos homens no show, uma verbal e
outra física, ela afirma ainda que “partiu para a briga também”.Segundo ela na
maioria das vezes isso acontece pois os homens não se conformam em serem
rejeitados pelas mulheres, em suas palavras
[...] um cara mesmo veio num show cheio de conversa fiada pra meu
lado, me queixando, e eu me saindo, aí ele pegou uma latinha e veio
me dar, eu aceitei, daqui a pouco tá ele passando a mão em mim, eu
disse: rapaz não me pegue não, vamo curtir a festa de boa, ele olha
pra mim e diz: você é muito tirada, eu disse tirada não, só não tô a
fim de nada com você, ele pega e diz de novo: você fica aí tirando
ondinha e não tem dinheiro nem pra pagar uma latinha eu peguei
joguei a latinha nele e ele veio pra cima e a gente começou a brigar,
mas a galera logo separou”.
isso ficasse em casa, agora vamos embora que precisamos prender bandidos” e
realmente partiram.
As figuras emblemáticas do pagode não consideram que as letras das
músicas influenciam na violência machista. Eles pensam que ela é fruto “das
mundanças no mundo, no aumento do consumo da droga como o crack e a cocaína
e na desestruturação das famílias” expressou-se o músico de uma famosa banda,
entrevistado individualmente. Uma das mulheres do fã clube da banda de pagode
entrevistada coletivamente apresentou seu ponto de vista comentando que
A violência vai muito da televisão e não do pagode, na minha
infância, por exemplo, eu assistia a desenhos bem menos violentos e
hoje tem desenhos para crianças com lutas tão violentas que sai até
sangue, então o pagode pode até falar numa letra que é pra o cara
bater, mas isso tudo só acontece por causa da televisão.
essas brigas são facilmente apaziguadas e acabam naquele local mesmo, eles
dizem que “às vezes sim, às vezes não, mas sempre fica a rêxa. O cara acaba
ficando com aquilo na mente, aí ou ele fica inimigo mesmo do outro cara, ou eles
leva mais a sério e pode sair porrada ou até mesmo morte, como eu já vi.”, revela
um participante do primeiro grupo, morador do bairro da Chapada do Rio Vermelho.
Aindo outro, do segundo grupo, morador do Nordeste de Amaralina, intervém após
esse depoimento e diz que isso leva até mesmo à
[...] brigas com os camarados, parceiros do cara que tá com uma
mulher, e os amigos do outro cara, aqui rola muito disso, aí fica
rivalidade entre uma rua e outra, uma vez mesmo os caras da São
Lorenço (rua pertencente ao bairro da Santa Cruz), só me deixaram
passar porque um brother me conheceu e gritou, ‘esse menino é
gente nossa, deixa o cara em paz’, aí eu passei, mas tudo isso entre
duas galeras por casa de uma mulher.
Sobre esse assunto das brigas por mulheres, todos os homens dos dois
grupos falaram a vontade, sempre com muita riqueza de detalhes e vários
depoimentos evidenciando a violência. Interessante notar que um dos homens do
primeiro grupo focal comenta que uma música mais embalada em uma festa pode
até gerar empurrões que acabam em briga, mas, para ele “isso vai muito da pessoa,
se um cara vai para um regue com a cabeça com coisas ruins, ele vai brigar, se ele
tá a fim de curtir mesmo, vai ficar de boa”.
Em nenhum dos grupos houve comentários sobre briga entre mulheres por
causa de homens, quando perguntados, os/as entrevistados/as afirmaram
desconhecer.
Tratando da violência masculina contra a mulher, questionamos se as
músicas incentivam, de alguma maneira, essa violência, as figuras emblemáticas do
pagode afirmaram que
Jamais. As letras brincam e só falam de coisas simples, que ao me
ver não é violência, como na cama um homem dar umas
pancadinhas na mulher, isso a mulher sempre gostou, só não podia
revelar antes por que a sociedade é cheia de preconceitos, eu vejo
isso de forma positiva, por que a mulher agora pode dizer que gosta
de apanhar, mas só no sexo.
27
Composição de Ueldon Nascimento Pereira e Djanilton Carvalho dos Santos. ISWC: T-039.401.897-3.
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Ficou pequeno/
Ficou estreito/
Perdeu pai (...)
29
Composição de Miguel Cordeiro Orbe. ISWC: T-039.194.051-4.
30
Composição de Carlos Magno de Santa’anna e Fagner Ferreira dos Santos. ISWC: T-039.442.489-5.
109
Cara de santinho/
Dizia ser irmão/
Mas já diz o ditado/
Quem vê cara não vê coração/
Traíra, traíra você tá na mira (...)
Andava entre os leprosos/
Pregando a união/
Fui beijado no rosto/
Tremenda traição/
Traíra, traíra você tá na mira (...).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As letras das músicas também criam moda, a cada temporada uma banda
acaba interferindo nas perspectivas de consumo estimulando a compra de veículos
e influenciando o uso de acessórios tais como aparelhos de DVD, equipamento de
som potente no porta-malas, teto solar, estabelecendo até mesmo uma hierarquia do
consumo com direito a premiação: quem tiver mais leva como “brinde” uma
“piriguete”, figura feminina que, de acordo com os seguidores do pagode “está a
perigo”, arquétipo da mulher fácil, que se deixa seduzir pelos símbolos do consumo
que um homem demonstra ter.
Tanto nas letras, como nos estilos de vida das figuras emblemáticas e dos
seguidores do pagode, existe uma intercomunicação muito forte entre os
comportamentos de consumo e as relações de gênero.
comunidade entre eles. Estão sempre dispostos a matar e não possuem medo de
morrer, afinal nada têm a perder.
REFERÊNCIAS
BARBOUR, Rosaline. Grupos focais. Porto Alegre: Artmed, 2009. (Coleção Pesquisa
qualitativa).
VIANNA, Letícia. Bezerra da Silva: produto do morro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1999.
ZALUAR, Alba. Violência, cultura e poder. Em CECHETTO, Fátima Regina.
Violência e estilos de masculinidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.