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Sem acaso, ou coincidência

Rosângela Bittar

07/07/2010

O deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) encerrou, ontem, com a votação do Código


Florestal em Comissão Especial da Câmara, mais um ciclo dramático de tantos da sua
biografia parlamentar que tem sido de uma complexidade real. Mas não há, nesse
fato, nada de coincidência. No seu sexto mandato - um de vereador em São Paulo,
cinco de deputado federal (períodos em que atuou também como ministro do
governo Lula e presidente da Câmara) e partindo agora para mais uma campanha de
reeleição em busca do sétimo mandato, Rebelo encontra-se sob o bombardeio de
corporações que não vacilam em atacá-lo e a quem ele não vacila em desagradar.

É vítima de uma campanha de ambientalistas que tentam atingí-lo, pessoal e


eleitoralmente, numa tentativa de barrar sua reeleição. Concretamente, houve uma
campanha mais forte, pela Internet, agora suspensa, liderada pelo Greenpeace, a
Ong ambientalista internacional mais performática entre as que lutaram contra o
Código Florestal conforme concebido na Câmara. Os ataques surgiram de outros
lados também e, a integrantes da comissão, chegaram informes sobre atuação forte
dessas organizações, especialmente as grandes estrangeiras, contra o deputado
comunista.

Confrontado com a informação, Aldo Rebelo, com a voz pausada de sempre e


racionalidade em sintonia, mesmo na véspera de votação do Código, definiu seu
eleitorado: "Não sou candidato de corporação, nem de base eleitoral definida. Meu
eleitorado é um eleitorado que tem o voto de opinião. Opinião democrática,
socialista, nacionalista, um eleitorado interessado nos temas gerais, nacionais. Essa
campanha das Ongs não tem interferência importante".

O Greenpeace chegou a pedir para seu público escrever a Rebelo com avalanches de
apelos para não modificar o Código. Uma tortura.

O deputado reagiu, apontando a reduzida autoridade de uma Ong "que tem sede na
Holanda, se envolveu em vários problemas na Europa e nos Estados Unidos, é
suspeita de atividades irregulares e, portanto, não tem muita autoridade para se
meter em problemas do Brasil".

Nos últimos dias, antes mesmo da votação do relatório que negociou até o fim, ao
longo de um ano - de julho de 2009 a julho de 2010 - Aldo Rebelo ainda fez
concessões, modificou regras em busca de equilibrio entre as posições conflitantes
na questão, os ambientalistas, de um lado, e os agricultores, de outro. Finalizou a
missão enquanto dava curso aos preparativos para o périplo eleitoral que deve
começar agora. "Converso com as pessoas, frequento sindicatos, ambientes de classe
média, todos acham correto o que estou fazendo, a defesa do interesse do país, da
agricultura nacional, da economia nacional. Há uma noção muito clara do embate,
possivelmente comercial, entre o interesse do Brasil e da Europa e Estados Unidos".
Os argumentos do deputado vão sendo reforçados por fatos internacionais. Na
semana passada, por exemplo, a União Nacional dos Agricultores dos Estados Unidos
produziu o documento "Farms here, Forests there", que reforça a posição de Aldo:
"Foi uma desfaçatez".

"Meu eleitorado nunca foi de Ong, como também nunca foi o agronegócio. É um
eleitorado de opinião que está acostumado a esses embates, um eleitorado de
caráter democrático e nacionalista".

Não é uma coincidência nem a primeira vez que Aldo Rebelo se vê no olho desse tipo
de furacão. Seu eleitorado foi posto à prova quando fez o embate da Lei de
Patentes, defendendo abertamente que o Brasil não deveria assinar o acordo Trips
da Rodada Uruguai.

Em outro momento, abriu uma guerra em defesa da Língua Portuguesa e conseguiu


aprovar um projeto de valorização do idioma que obrigava a propaganda, de
visibilidade pública, fazer a tradução dos termos em inglês. Câmara e Senado a
aprovaram mas a proposta continua sem aplicação.

Liderou uma longa e densa batalha pelos transgênicos e, como relator do projeto do
governo, introduziu no texto a pesquisa de célula tronco.

Mais recentemente, participou da resistência à demarcação continuada da reserva


indígena Raposa Serra do Sol. Batalhas que guardam, entre si, muito coerência.
Diante do histórico, Aldo Rebelo aponta que essa é sua linha, a questão da soberania
é o tema de seu interesse direto.

"O difícil, o que me preocupa, não é errar nas alianças, é errar nos objetivos". Se os
objetivos estão claros, argumenta, as alianças se tornam previsíveis. Numa atitude
quase zen, sentencia, em voz pausada: "É como se você escrevesse mentalmente o
roteiro do que vai acontecer. As reações dos aliados e adversários passam a ser
previsíveis. É uma certa batalha mental, também".

Não se vê, porém como xenófobo. É membro da Comissão de Relações Exteriores e


Defesa Nacional e integra vários grupos parlamentares bilaterais: presidente do
Brasil-China e membro do Brasil-Cuba, Brasil-USA, Brasil-França, Brasil-Austrália. A
partir de agora, encerrada a votação do Código Florestal, sua próxima ação é a
apresentação de uma emenda constitucional ampliando os direitos dos brasileiros
naturalizados.

Finalmente, uma contradição? Não. "A emenda visa exatamente a valorização da


questão nacional, vou defender o direito de os naturalizados integrarem as forças
armadas e a carreira diplomática, porque acho que isso amplia a coesão nacional. E
o Brasil precisa de uma coesão interna em torno de alguns objetivos".

O parlamentar fez muitas concessões de conteúdo a ambientalistas e a ruralistas,


levando em conta , como integrante da bancada do governo, a maioria das
ponderações do Ministério do Meio Ambiente. Mas manteve suas convicções: "É
preciso haver a defesa do interesse nacional, sempre, e no caso da agricultura há um
interesse nacional evidente. Não se pode ser ingênuo com relação a isso, não se
pode, numa disputa comercial com a agricultura dos Estados Unidos, da Europa, ter
dúvidas sobre qual a posição que você defende". Um nacionalista como há tempos
não se via.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras


E-mail: rosangela.bittar@valor.com.br

Reforma do Código Florestal é aprovada

Mauro Zanatta | Valor


07/07/2010 07:43

BRASÍLIA - Em clima de enfrentamento, a comissão especial de reforma do Código Florestal aprovou


ontem, por 13 votos favoráveis e cinco contrários, o parecer do relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para
uma nova lei das matas brasileiras.

O controverso texto, que deve ser apreciado no plenário da Câmara depois das eleições de outubro,
abriu um profundo racha na bancada de PT e PSDB, que votaram divididos. Questões como anistia e
moratória de cinco anos a multas aplicadas até julho de 2008 acirraram os ânimos de parlamentares
ruralistas e ambientalistas.

Em reunião tensa, marcada por troca de insultos e ameaças de agressão física, houve disputa de
gritos de guerra entre sindicalistas, agricultores familiares e produtores rurais. Antes, um protesto
da ONG Greenpeace tumultuou a sessão e tentou paralisar a votação do relatório. Os exageros no
comportamento só foram serenados pela aprovação maciça na comissão. Às vésperas das eleições, os
deputados votaram para agradar seus eleitores e aliados políticos.

Com o pano de fundo eleitoral, o novo Código Florestal abre espaço para a regularização de áreas
em situação ilegal, prevê "desmatamento zero" por cinco anos, perdoa crimes ambientais e libera da
exigência de reserva legal áreas de até quatro módulos fiscais - de 20 a 400 hectares, segundo a
região. Também onera os cofres públicos com o pagamento de parte dos custos de recuperação das
florestas e a remuneração pela manutenção de áreas nativas, além de reduzir a área mínima de
preservação permanente (APPs) em beiras de rio (de 30 para 15 metros) e consolidar cultivos de
áreas em uso sem contrapartida de recomposição obrigatória. Quem desmatou terá até 20 anos para
recuperar. "Essa lei faz Justiça a 4 milhões de produtores e avança na questão ambiental", disse Luís
Carlos Heinze (PP-RS).

Nem mesmo algumas concessões de Rebelo foram suficientes para aplacar a fúria dos
ambientalistas, que patrocinaram uma guerrilha regimental para evitar a votação do parecer antes
das eleições. A manutenção dos termos de compromisso impostos pelo Ministério Público e a
obrigação de recompor áreas devastadas acima de quatro módulos fiscais não ajudaram muito. "Isso
aqui termina tão confuso quanto começou", disse o líder do PV, Edson Duarte (BA). "Este relatório
não soma nada. Apenas divide. Como fica quem respeitou a lei?", perguntou o líder do P-Sol, Ivan
Valente (SP), que quase brigou com Heinze após a aprovação do relatório.

Em defesa de seu texto, costurado a duras penas durante um ano de audiências da comissão
especial, Aldo Rebelo afirmou ter assegurado "margem de sobrevivência" aos produtores. "Retiramos
a autonomia dos Estados para evitar guerra fiscal, mesmo que eu refute esse argumento. Também
recuperamos as florestas como bens de interesse comum, além de proteger áreas sensíveis." E
deixou a porta aberta para novas alterações no texto, agora no plenário. "A proposta está aberta a
votos e destaques, mas tenho certeza que ajudei a proteger o ambiente, a agricultura e a sociedade
brasileiras."

Nos bastidores, os partidos aliados do governo costuraram um acordo para votar o texto de Aldo
Rebelo e evitar desgastes ao relator. Mas o acordo não impediu divergências internas na base aliada.
O PT apresentou um voto em separado, retirou o texto e o reapresentou em menos de 24 horas. O
deputado Anselmo de Jesus (PT-RO), eleito por agricultores familiares, rejeitou a reprovação do
texto, como queria a maioria do partido. No fim, mesmo com orientação contrária da liderança da
bancada, votou a favor do relatório. "Contemplou a maioria, que é bastante ampla aqui", disse
Anselmo. O PSDB também viveu um dilema. Para não desagradar eleitores rurais nem urbanos, o
líder João Almeida (BA) "liberou" a bancada. Assim, o ruralista Duarte Nogueira (SP) votou a favor e
o ambientalista Ricardo Tripoli (SP), contra.
Aos gritos de "vendidos", militantes da CUT e da Contag encheram dois plenários e corredores das
comissões. De outro lado, dirigentes e produtores rurais tomaram o plenário onde ocorriam as
discussões.

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