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VIJÑNA BHAIRAVA

TANTRA
A TEIA DA VIVÊNCIA DA
SABEDORIA DO TERRÍVEL

Tradução para o português por

Roberto de A. Martins

APRESENTAÇÃO
Flávia Bianchini

VERSÃO INTEGRAL

Serra da Mantiqueira, MG
www.shri-yoga-devi.org
info.shriyogadevi@gmail.com
Shri Yoga Devi

Autor: Roberto de A. Martins


Diagramação e trabalho editorial: Flávia Bianchini
Capa: Flávia Bianchini
Edição revisada 2019

Serra da Mantiqueira, MG
www.shri-yoga-devi.org
info.shriyogadevi@gmail.com

Direitos autorais: © 2019 Roberto de Andrade Martins. Todos os


direitos reservados e protegidos. Conforme a Lei 9.610/98, é proibida
a reprodução total e parcial do conteúdo deste trabalho e sua difusão,
sob qualquer forma ou meio, sem a autorização prévia e expressa do
autor (artigo 29).
APRESENTAÇÃO
Flávia Bianchini

O texto desta apresentação foi redigido enquanto estudava


algumas traduções do Vijñāna Bhairava; fiz anotações e
traduzi alguns trechos de comentários que considerei serem
importantes para meu entendimento, e que servirão para o seu
estudo. As obras consultadas foram as de Jayadeva Singh,
Bettina Baumer (discípula de Swami Lakshman Joo) e Swami
Satyasangananda Saraswati.
O Vijñāna Bhairava é um dos āgamas que contêm práticas
espirituais do Śaivismo não dualista da Caxemira. Ele é
apresentado como a essência do Rudrayāmala Tantra e
designado como Śivavijãnanopaniṣad, “os ensinamentos
secretos do conhecimento de Śiva” por Abhinavagupta.
Assim como a maioria dos śaivāgamas, este texto é um
diálogo entre Śiva e Śakti, ou Bhairava e Bhairavī.
Cada śaivāgama consiste, tradicionalmente, em quatro
partes (pāda), que tratam respectivamente sobre ritual (kriyā),
modo de vida (caryā), filosofia (vidyā) e práticas espirituais
(yoga). O Vijñāna Bhairava fala sobre as práticas espirituais e
pressupõe-se que os demais ensinamentos sejam conhecidos.
O Vijñāna Bhairava, é considerado “o (místico)
conhecimento sobre a Realidade Última (chamada de Bhairava
nesta tradição)”. A saber:
• Vijñāna, implica aqui em conhecimento
experimental, vivência, superior ao conhecimento
analítico, e se refere ao objetivo do texto, a saber,
levar a um contato com a consciência divina.
• Āgama, segundo Abhinavagupta, é “o discurso
interno do senhor cuja natureza é pura consciência,
que consiste na firme ação da reflexão, que é a

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própria vida de qualquer outro meio de
conhecimento como a percepção direta – uma fonte
de revelação e iluminação”.
• Bhairava, na tradição śaiva é o nome da Realidade
Absoluta, desvinculada de uma conotação mitológica
e popular.

Bhayā sarvaṃ ravayati sarvado-vyapako’ khile I


Iti bhairava-śabdasya santatoccāraṇacchivaḥ II 30
Bhairava é aquele que com medo (bhayā) faz tudo ressoar
(ravayati), e que permeia todo o universo. Aquele que
pronuncia essa palavra ‘bhairava’ incessantemente torna-se
Śiva.

A primeira sílaba, bhai, é explicada de duas diferentes


maneiras: significa medo (bhaya) ou luz refulgente (bhā).
Ambos significados se referem à natureza de Bhairava.
Aquilo que tudo permeia (vyapakatva) é uma característica
constante da realidade divina.
Bhairava tem a natureza da pura consciência do Eu (ahaṃ)
que, portanto, ressona em todo ser consciente. Ele permeia,
sustenta e absorve o universo. Ele libera os seres do medo
(bhaya) do saṃsāra e ilumina com sua luz (bhā). Ao se tornar
uno com a consciência do Eu não dual, a pessoa pode alcançar
a natureza divina de Bhairava (Tantraloka II.283). Essas
características lançam luz sobre as experiências místicas
descritas no Vijñāna Bhairava, e a meditação sobre a natureza
de Bhairava ou a repetição do seu nome conduz à união com
Śiva.
O Vijñāna Bhairava ensina 112 métodos de concentração
(dhāraṇā) ou união (samādhi) com o divino. No texto, essas
práticas são chamadas de dhāraṇās. Trata-se de práticas
avançadas de Yoga, embora a palavra “yoga” não apareça no
texto, apenas aparecem “yogin” e “yoginī”. O termo dhāraṇā

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foi utilizado aqui em um sentido diferente daquele que aparece
nos yogasūtras de Patañjali, onde significa apenas a prática de
concentração. No Vijñāna Bhairava, essas são instruções
espirituais que conduzem a mente para um estado sem
distrações, de yukti, que tem uma dupla implicação – do yoga
como método espiritual e como união com o divino.
Em sua maioria, os dhāraṇās são apresentados de uma
maneira elíptica, descrevendo primeiro a prática ou a
experiência que é o ponto de partida ou a causa da realização
da realidade divina e, no final do verso, às vezes em apenas
uma palavra, é indicado o resultado da prática ou a vivência.
Eis alguns exemplos desses efeitos: assim, uma pessoa se torna
una com Śiva; fundindo-se nele; um grande despertar; a
realização do mais elevado; estado transcendente; atingindo o
vazio absoluto; fusão em Brahman; tornando-se cheio de
suprema felicidade; revelação da realidade; manifestação de si
mesmo; apenas se fundindo a “isso”; alcançando um estado de
paz; visão da verdadeira realidade. Todas essas expressões
refletem a riqueza das vivências espirituais que são alcançadas
com as diversas técnicas.
Existem variações muito sutis entre algumas das práticas e
podemos agrupá-las em blocos temáticos, por assim dizer.
Algumas estão relacionadas com a respiração e o prāṇa, outras
com o espaço, a ascensão da kuṇḍalinī śakti, śūnya (vazio).
Muitas das práticas visam esvaziar a mente dos pensamentos
conceituais (vikalpa) tornando-a sem suporte (nirādhāra),
obtendo assim acesso a um estado de consciência pura.
Meditando sobre o conhecimento de duas coisas ou estados,
a pessoa deve se fixar no meio. Ao abandonar ambos
simultaneamente, a realidade brilha no centro. “Quando esse
centro for estabelecido, você deve descartar impressões de
ambos os objetos e se firmar no centro; então o centro
universal será revelado”.

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Existem várias outras maneiras de entrar no vazio,
relacionadas ao corpo, aos sentidos e ao universo. Mesmo
experiências comuns podem levar a um estado transcendental,
se acontecerem em um estado de consciência adequado. No
início e no final de espirros, em um estado de medo ou tristeza,
parado em cima de um abismo ou ao fugir de um campo de
batalha, no momento de intensa curiosidade, no início e no fim
da fome: tal estado se aproxima da experiência de Brahman.
Em experiências extremas tão comuns, a mente é
automaticamente esvaziada do seu conteúdo egocêntrico e se
encontra no vácuo. Há muitas outras formas de meditação
sobre o vazio (śunyabhāva), tais como:
“Perceba o vazio que brota de seu corpo em todas as
direções. Libertando-se da dualidade, você se tornará a
totalidade.” (43)
“Aquilo que não pode ser conhecido, aquilo que não pode
ser captado, o vazio e aquilo que nunca será atingido – imagine
tudo isso como Bhairava e, no final, a iluminação se
produzirá.” (127)
Da experiência diária mais comum até a mais sublime
contemplação, tudo pode ser usado para alcançar a consciência
suprema. Mesmo a prática de um único dos dhāraṇās pode
revelar as conexões ocultas e levar a uma perfeita harmonia
entre o interior e o exterior, o si mesmo e o outro, o corpo, o
universo e o divino.
Este texto está associado à escola Trikabheda (Trika), ou
escola triádica, que implica em três categorias principais Śiva
(senhor), Śakti (sua energia) e Nara (os seres criados, ou o
homem). Ele também se refere às três energias de Śiva: o
supremo (parā, transcendente), supremo-não-supremo ou
transcendente-imanente (parāparā) e o imanente ou não
supremo (aparā).
Śakti é a causa da multiplicidade do universo e as múltiplas
diferenciações do som e da linguagem, assim como é a causa

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do retorno à fonte, da unificação e união com Śiva. Uma das
frases mais citadas do Vijñāna Bhairava é a definição de Śakti
como “o rosto, (boca, porta, abertura) de Śiva”. É somente
entrando no estado de Śakti através de uma contemplação livre
de toda diferenciação que uma pessoa se torna um com Śiva
(20). Assim como a luz de uma lâmpada ou os raios do Sol
iluminam o espaço, da mesma forma Śiva é conhecido por
meio de Śakti (21). Todos os caminhos e meios (upāya) para
alcançar Śiva se dão através de Śakti.
Na escola Trika há uma classificação dos caminhos para se
alcançar Śiva: o meio individual ou inferior (āṇava,
correspondente a anu e aparā); os meios de energia
(śāmbhava, correspondente a Śakti e parāparā), e o caminho
divino (śāmbhava, correspondente a Śiva e parā). Essas
distinções podem ser aplicadas aos diferentes métodos
descritos no Vijñāna Bhairava.
Nesta obra, o processo de iluminação passa
indubitavelmente pelo reconhecimento da própria natureza, que
em última instância é o reconhecimento da inseparabilidade da
consciência suprema, que é Śiva.

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VIJÑNA BHAIRAVA TANTRA

A TEIA DA VIVÊNCIA DA SABEDORIA DO


TERRÍVEL

Roberto de Andrade Martins

A magnífica Deusa [R-DEV] disse:


śrī devyuvāca |

1. Escute, DEVA, tudo aquilo que se origina do


RUDRAYMALA me foi revelado. É a diferenciação tríplice
[TRIKABHEDA], obtida extraindo a quintessência da
quintessência.
śrutaṁ deva mayā sarvaṁ rudrayāmalasambhavam |
trikabhedamaśeṣeṇa sārātsāravibhāgaśaḥ || 1 ||

2. No entanto, ó Senhor supremo [PARAMEVARA], minha


dúvida ainda não foi dissipada. Ó DEVA, qual é a essência da
realidade que consiste no poder fragmentário do conjunto de
sons?
adyāpi na nivṛtto me saṁśayaḥ parameśvara |
kiṁ rūpaṁ tattvato deva śabdarāśikalāmayam || 2 ||

3. Ou ainda, como ele [o poder] pode residir no aspecto


diferenciado de uma nônupla, na forma de BHAIRAVA que se
encontra em BHAIRAVA? Ou ainda, como ele se diferencia
em três cabeças? Ou como pode consistir em uma energia
[AKTI] tríplice?
kiṁ vā navātmabhedena bhairave bhairavākṛtau |
triśirobhedabhinnaṁ vā kiṁ vā śaktitrayātmakam || 3 ||

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4. Como ele é feito de NDA-BINDU? O que são a meia-lua e
aquela que obstrui? Como ele é aquela consonante sem vogal
que reside na roda [CAKRA]? Como ela pode ter a essência do
próprio poder [AKTISVARPA]?
nādabindumayaṁ vāpi kiṁ candrārdhanirodhikāḥ |
cakrārūḍhamanackaṁ vā kiṁ vā śaktisvarūpakam || 4 ||

5. Ou ainda tudo aquilo que é composto se reduz ao


transcendente e imanente [PARA-APARA], ou ao imanente.
Como o transcendente seria incompatível com a sua
transcendência.
parāparāyāḥ sakalamaparāyāśca vā punaḥ |
parāyā yadi tadvatsyātparatvaṁ tadvirudhyate || 5 ||

6. Realmente, a transcendência não poderia se diferenciar em


fonemas [VARṆA] e em corpo [DEHA], pois sua natureza
indivisa [NIṢKALA] não pode se encontrar naquilo que é
composto.
na hi varṇavibhedena dehabhedena vā bhavet |
paratvaṁ niṣkalatvena sakalatve na tadbhavet || 6 ||

7. Ó Senhor [NĀTHA], conceda-me a graça e dissipe


completamente minha dúvida.
prasādaṁ kuru me nātha niḥśeṣaṁ chinddhi saṁśayam |

BHAIRAVA respondeu:
bhairava uvāca |

Muito bem! Muito bem! Ó amada! Sua pergunta forma a


quintessência dos TANTRA.
sādhu sādhu tvayā pṛṣṭaṁ tantrasāramidampriye || 7 ||

8
8. Esse assunto é extremamente secreto [GHA], ó Feliz
[BHADRA]. No entanto, eu o explicarei a você. Tudo o que se
diz ter uma forma composta [SKALA-RPA] de
BHAIRAVA ...
gūhanīyatamambhadre tathāpi kathayāmi te |
yatkiṁcitsakalaṁ rūpaṁ bhairavasya prakīrtitam || 8 ||

9. ... ó DEV, deve ser considerado como um fantasma, uma


mágica [MY], um sonho [SVAPNA], a miragem de uma
cidade de GANDHARVA, pois não possui substância.
tadasāratayā devi vijñeyaṁ śakrajālavat |
māyāsvapnopamaṁ caiva gandharvanagarabhramam || 9 ||

10. Sua descrição tem apenas a finalidade de estimular a


meditação nos homens cujo intelecto se deixa dominar e que,
presos ao tilintar das atividades, são presos pelo pensamento
dualista.
dhyānārthambhrāntabuddhīnāṁ kriyāḍambaravartinām |
kevalaṁ varṇitampuṁsāṁ vikalpanihatātmanām || 10 ||

11. Do ponto de vista da realidade [TATTVATO], esse


BHAIRAVA não é nem o nônuplo, nem o conjunto dos sons.
Ele não é também o DEVA de três cabeças. O poder triplo
[AKTI-TRAYA] não constitui sua essência [TM].
tattvato na navātmāsau śabdarāśirna bhairavaḥ |
na cāsau triśirā devo na ca śaktitrayātmakaḥ || 11 ||

12. Ele não consiste em NDABINDU, nem em


CANDRRDHA, nem em NIRODHIK e não se associa ao
movimento da roda cósmica [CAKRAKRAMA]. O poder
[AKTI] não é sua essência.
nādabindumayo vāpi na candrārdhanirodhikāḥ |
na cakrakramasambhinno na ca śaktisvarūpakaḥ || 12 ||

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13. Essas concepções não passam de enganos que atraem as
crianças e os homens cujo pensamento não despertou
[APRABUDDHAMATN]. Eles são como doces de uma mãe
[MT]. Sua descrição serve apenas para fazê-los progredir.
aprabuddhamatīnāṁ hi etā balavibhīṣikāḥ |
mātṛmodakavatsarvaṁ pravṛttyarthaṁ udāhṛtam || 13 ||

14. A felicidade mais profunda que é sentida está livre do


pensamento dualizante. Ela escapa dos conceitos de tempo, de
lugar, de espaço.
dikkālakalanonmuktā deśoddeśāviśeṣinī |
vyapadeṣṭumaśakyāsāvakathyā paramārthataḥ || 14 ||

15. Sua realidade não pode ser sugerida e só pode ser atingida
pela experiência. Essa é a expressão da plenitude, a
BHAIRAV da consciência do Eu [BHAIRAVTMAN].
antaḥsvānubhavānandā vikalponmuktagocarā |
yāvasthā bharitākārā bhairavī bhairavātmanaḥ || 15 ||

16. Na verdade deve-se perceber essa maravilha sem manchas


que preenche o universo. Estando além de tudo, quem deve ser
adorado e quem se alegra?
tadvapustattvato jñeyaṁ vimalaṁ viśvapūraṇam |
evaṁvidhe pare tattve kaḥ pūjyaḥ kaśca tṛpyati || 16 ||

17. Essa condição da consciência suprema [BHAIRAVASYA]


é certamente a suprema. É ela que, sob sua forma mais
longínqua [PAR-PARARPEA], é declarada como a DEV
suprema [PAR-DEV].
evaṁvidhā bhairavasya yāvasthā parigīyate |
sā parā pararūpeṇa parā devī prakīrtitā || 17 ||

18. Não pode haver nenhuma distinção entre o poder [AKTI]


e aquele que possui o poder [AKTIMAT], nem entre

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substância e atributo, assim o poder supremo [PARAKTI] é
o Eu supremo [PARTMAN].
śaktiśaktimatoryadvadabhedaḥ sarvadā sthitaḥ |
atastaddharmadharmitvātparā śaktiḥ parātmanaḥ || 18 ||

19. Não se concebe o poder de queimar separado do fogo. Toda


distinção é apenas um começo para o caminho do verdadeiro
conhecimento.
na vahnerdāhikā śaktirvyatiriktā vibhāvyate |
kevalaṁ jñānasattāyāmprārambho'yampraveśane || 19 ||

20. Se aquele que atinge a AKTI percebe que ele e ela não são
distintos, seu poder divinizado [AIV] assume a forma de
IVA e ela é então chamada de abertura.
śaktyavasthāpraviṣṭasya nirvibhāgena bhāvanā |
tadāsau śivarūpī syātśaivī mukhamihocyate || 20 ||

21. Assim como os vários lugares podem ser conhecidos graças


à luz de uma lamparina ou aos raios do Sol, da mesma forma, ó
Amada, é graças à AKTI que se pode conhecer IVA.
yathālokena dīpasya kiraṇairbhāskarasya ca |
jñāyate digvibhāgādi tadvacchaktyā śivaḥ priye || 21 ||

A DEV disse:
śrī devyuvāca |

22. Ó DEVA dos DEVAS, você que tem o tridente e que é


enfeitado com uma guirlanda de crânios, ...
devadeva triśūlāṅka kapālakṛtabhūṣaṇa |
digdeśakālaśūnyā ca vyapadeśavivarjitā || 22 ||

23. ... por que meios podemos perceber o estado que tem a
forma de plenitude própria de BHAIRAVA, que escapa ao
tempo e ao espaço e que escapa a toda descrição? Em que

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sentido se diz que a suprema DEV é a abertura para ele?
Instrua-me, ó BHAIRAVA, para que meu conhecimento se
torne perfeito.
yāvasthā bharitākārā bhairavasyopalabhyate |
kairupāyairmukhaṁ tasya parā devi kathambhavet |
yathā samyagahaṁ vedmi tathā me brūhi bhairava || 23 ||

BHAIRAVA disse:
bhairava uvāca |

24. A suprema AKTI se manifesta quando o PRA enviado


para cima e o enviado para baixo nascem e se apagam nos dois
pontos [VISARGA]. Atinge-se a plenitude retornando à
origem.
ūrdhve prāṇo hyadho jīvo visargātmā paroccaret |
utpattidvitayasthāne bharaṇādbharitā sthitiḥ || 24 ||

25. Pelo movimento e suspensão da respiração, exercitando-se


sobre os dois espaços vazios interno e externo, a forma
maravilhosa de BHAIRAV e de BHAIRAVA será revelada.
marutontarbahirvāpi viyadyugmānivartanāt |
bhairavyā bhairavasyetthambhairavi vyajyate vapuḥ || 25 ||

26. A AKTI sob forma de respiração não pode nem entrar


nem sair quando ela se espalha no centro e se dissolve o
pensamento da dualidade [VIKALPA]. Assim se atinge a
essência da consciência absoluta [BHAIRAVA-RPAT].
na vrajenna viśecchaktirmarudrūpā vikāsite |
nirvikalpatayā madhye tayā bhairavarūpatā || 26 ||

27. Na retenção que ocorre após a inspiração ou expiração


completas, nessa pausa que traz a paz, a AKTI se revela
apaziguada.
kumbhitā recitā vāpi pūritā vā yadā bhavet |

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tadante śāntanāmāsau śaktyā śāntaḥ prakāśate || 27 ||

28. Concentre-se sobre ela, brilhante com seus raios de luz,


cuja essência é a mais sutil entre os sutis, subindo da base até o
centro superior, despertando BHAIRAVA.
āmūlātkiraṇābhāsāṁ sūkṣmātsūkṣmatarātmikam |
cintayettāṁ dviṣaṭkānte śyāmyantīmbhairavodayaḥ || 28 ||

29. De centro [CAKRA] em centro, progressivamente, ela sobe


até o topo pelo nó triplo, até que por fim há o grande despertar.
udgacchantīṁ taḍitrūpāmpraticakraṁ kramātkramam |
ūrdhvaṁ muṣṭitrayaṁ yāvattāvadante mahodayaḥ || 29 ||

30. Os doze sucessivos correspondem aos doze fonemas.


Libertando-se gradualmente das condições materiais, atinge-se
o sutil e supremo e a identificação final com IVA.
kramadvādaśakaṁ samyagdvādaśākṣarabheditam |
sthūlasūkṣmaparasthityā muktvā muktvāntataḥ śivaḥ || 30 ||

31. Preenchendo o topo do crânio e projetando-o rapidamente


com uma contração das sobrancelhas, libertando-se do
pensamento dualista, será possível penetrar naquilo que está
além de todas as coisas.
tayāpūryāśu mūrdhāntaṁ bhaṅktvā bhrūkṣepasetunā |
nirvikalpaṁ manaḥ kṛtvā sarvordhve sarvagodgamaḥ || 31 ||

32. Medite sobre os cinco vazios [dos sentidos] como os


círculos [MAALA] das penas do pavão, e atinja o espaço
ilimitado dentro do coração.
śikhipakṣaiścitrarūpairmaṇḍalaiḥ śūnyapañcakam |
dhyāyatonuttare śūnye praveśo hṛdaye bhavet || 32 ||

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33. Vazio, parede, receptáculo supremo, qualquer que seja o
objeto sobre o qual você se concentre, a Benfeitora excelente
se esvaziará nela própria.
īdṛśena krameṇaiva yatra kutrāpi cintanā |
śūnye kuḍye pare pātre svayaṁ līnā varapradā || 33 ||

34. Feche os olhos, veja o espaço inteiro como se estivesse


dentro do seu crânio, e graças à estabilidade do pensamento
atingirá o vazio.
kapālāntarmano nyasya tiṣṭhanmīlitalocanaḥ |
krameṇa manaso dārḍhyātlakṣayetlaṣyamuttamam || 34 ||

35. Medite sobre a DEV no centro do canal central,


semelhante a um fio de lótus; percebendo que ela é idêntica ao
céu, dentro, obtém-se a revelação divina.
madhyanāḍī madhyasaṁsthā bisasūtrābharūpayā |
dhyātāntarvyomayā devyā tayā devaḥ prakāśate || 35 ||

36. Fechando-se as aberturas com a arma das mãos, mergulhe


no BINDU entre as sobrancelhas e atinja o espaço infinito.
kararuddhadṛgastreṇa bhrūbhedāddvārarodhanāt |
dṛṣṭe bindau kramāl līne tanmadhye paramā sthitiḥ || 36 ||

37. Meditando no coração, no topo da cabeça ou entre as


sobrancelhas, produzir-se-á uma marca vermelha que produz
uma efervescência; quando ela desaparecer, você atingirá a
dissolução.
dhāmāntaḥkṣobhasambhūtasūkṣmāgnitilakākṛtim |
binduṁ śikhānte hṛdaye layānte dhyāyato layaḥ || 37 ||

38. Atinge-se o BRAHMAN supremo mergulhando no som de


BRAHMAN [ABDA-BRAHMAN], o ANHATA, um som
contínuo como uma cachoeira, que se ouve tampando-se os
ouvidos.

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anāhate pātrakarṇebhagnaśabde sariddrute |
śabdabrahmaṇi niṣṇātaḥ parambrahmādhigacchati || 38 ||

39. Ó BHAIRAV, recitando-se o PRAAVA [sílaba OṀ] ou


qualquer outra, de forma alongada, concentrando-se no vazio
[NYA] final, atinge-se o vazio supremo através do poder
desse vazio.
praṇavādisamuccārātplutānte śūnyabhāvānāt |
śūnyayā parayā śaktyā śūnyatāmeti bhairavi || 39 ||

40. Concentre-se sobre o início ou sobre o fim de qualquer


fonema [VARA]. Pelo vazio ele se tornará vazio e atingirá o
vazio.
yasya kasyāpi varṇasya pūrvāntāvanubhāvayet |
śūnyayā śūnyabhūtosau śūnyākāraḥ pumānbhavet || 40 ||

41. Seguindo atentamente os sons [ABDA] prolongados dos


instrumentos musicais, sem se interessar por mais nada, quando
eles terminam, você atingirá o céu supremo.
tantryādivādyaśabdeṣu dīrgheṣu kramasaṁsthiteḥ |
ananyacetāḥ pratyante paravyomavapurbhavet || 41 ||

42. Com a ajuda da sucessão dos fonemas de um mantra


qualquer, progredindo em direção ao que é mais sutil, quando
isso se dissolve no vazio, você se tornará IVA.
pindamantrasya sarvasya sthūlavarṇakrameṇa tu |
ardhendubindunādāntaḥ śūnyoccārādbhavecchivaḥ || 42 ||

43. Perceba o vazio que brota de seu corpo em todas as


direções. Libertando-se da dualidade, você se tornará a
totalidade.
nijadehe sarvadikkaṁ yugapadbhāvayedviyat |
nirvikalpamanāstasya viyatsarvampravartate || 43 ||

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44. Deve-se evocar ao mesmo tempo o vazio no topo e o vazio
na base. Como o poder é independente do corpo, o pensamento
se tornará vazio.
pṛṣṭaśūnyaṁ mūlaśūnyaṁ yugapadbhāvayecca yaḥ |
śarīranirapekṣiṇyā śaktyā śūnyamanā bhavet || 44 ||

45. Evoque com firmeza e de modo simultâneo o vazio do


topo, o vazio da base e o vazio do coração. Graças à ausência
de todo pensamento dualista, ergue-se então a consciência sem
dualidades.
pṛṣṭaśūnyaṁ mūlaśūnyaṁ hṛcchūnyambhāvayetsthiram |
yugapannirvikalpatvānnirvikalpodayastataḥ || 45 ||

46. Evocando-se, mesmo se for apenas por um instante, a


ausência de dualidade em um ponto qualquer do corpo, surge o
próprio vazio. Liberto de todo pensamento dualista, atinge-se a
essência sem dualidades.
tanūdeśe śūnyataiva kṣaṇamātraṁ vibhāvayet |
nirvikalpaṁ nirvikalpo nirvikalpasvarūpabhāk|| 46 ||

47. Ó mulher com olhos de gazela, evocando-se intensamente


todo o corpo como penetrado pelo éter, você obterá uma
concepção permanente.
sarvaṁ dehagataṁ dravyaṁ viyadvyāptaṁ mṛgekṣaṇe |
vibhāvayettatastasya bhāvanā sā sthirā bhavet || 47 ||

48. Considere a pele como um muro que separa o espaço


interno vazio e você atingirá aquilo que não pode ser pensado.
dehāntare tvagvibhāgambhittibhūtaṁ vicintayet |
na kiṁcidantare tasya dhyāyannadhyeyabhāgbhavet || 48 ||

49. Ó Felizarda! Com os sentidos aniquilados no espaço do


coração, o espírito indiferente a tudo, aquele que atinge o meio
da taça bem perto do lótus atingirá a graça suprema.

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hṛdyākāśe nilīnākṣaḥ padmasampuṭamadhyagaḥ |
ananyacetāḥ subhage paraṁ saubhāgyamāpnuyāt || 49 ||

50. Pelo fato de que o pensamento é absorvido em


DVDANTA, naquele cujo intelecto é firme e cujo corpo
está penetrado por todas as partes, apresenta-se então a
característica bem firme da realidade.
sarvataḥ svaśarīrasya dvādaśānte manolayāt |
dṛḍhabuddherdṛḍhībhūtaṁ tattvalakṣyampravartate || 50 ||

51. Que se fixe o pensamento no centro superior,


DVDANTA, de todos os modos, e onde quer que se
esteja. Sendo a agitação abolida pouco a pouco, em poucos dias
se produzirá o indescritível.
yathā tathā yatra tatra dvādaśānte manaḥ kṣipet ||
pratikṣaṇaṁ kṣīṇavṛttervailakṣaṇyaṁ dinairbhavet || 51 ||

52. Deve-se concentrar intensamente sobre sua própria


fortaleza como se ela fosse consumida pelo fogo do tempo, que
surge do pé do tempo. Então, por fim, se manifesta a quietude.
kālāgninā kālapadādutthitena svakampuram |
pluṣṭamvicintayedante śāntābhāsastadā bhavet || 52 ||

53. Da mesma forma, depois de haver meditado imaginando o


mundo todo como sendo consumido [pelo fogo], aquele cujo
espírito é indiferente a tudo atingirá a mais alta condição
humana.
evameva jagatsarvaṁ dagdhaṁ dhyātvā vikalpataḥ |
ananyacetasaḥ puṁsaḥ pumbhāvaḥ paramo bhavet || 53 ||

54. Meditando-se sobre as categorias sutis assim como sobre as


categorias muito sutis em seu próprio corpo, ou sobre as do
universo como se elas retornassem umas para as outras, a
Suprema acabará por se revelar.

17
svadehe jagato vāpi sūkṣmasūkṣmatarāṇi ca |
tattvāni yāni nilayaṁ dhyātvānte vyajyate parā || 54 ||

55. Meditando-se sobre o poder [do alento] grosseiro e muito


fraco no domínio do DVDANTA penetra-se no próprio
coração; meditando assim se obterá o domínio dos sonhos.
pināṁ ca durbalāṁ śaktiṁ dhyātvā dvādaśagocare |
praviśya hṛdaye dhyāyanmuktaḥ svātantryamāpnuyāt || 55 ||

56. Deve-se concentrar gradualmente sobre o universo sob a


forma do mundo e pelos outros caminhos, considerando-o em
suas modalidades grosseira, sutil e suprema, até chegar
finalmente à absorção do pensamento.
bhuvanādhvādirūpeṇa cintayetkramaśokhilam |
sthūlasūkṣmaparasthityā yāvadante manolayaḥ || 56 ||

57. Depois de haver meditado sobre a realidade AIVA de


acordo com o método dos [seis] caminhos, de modo exaustivo,
incluindo o universo inteiro, produz-se o grande despertar.
asya sarvasya viśvasya paryanteṣu samantataḥ |
adhvaprakriyayā tattvaṁ śaivaṁ dhyatvā mahodayaḥ || 57 ||

58. Ó DEV poderosa! Deve-se concentrar intensamente sobre


todo esse universo como se ele fosse vazio, e aí mesmo o
pensamento se reabsorve. Então a pessoa se torna o recipiente
da absorção disso.
viśvametanmahādevi śūnyabhūtaṁ vicintayet |
tatraiva ca mano līnaṁ tatastallayabhājanam || 58 ||

59. Olhe para um recipiente ou um vaso sem ver suas paredes.


Dissolvendo-se nesse vazio, você se identificará a ele.
ghatādibhājane dṛṣṭimbhittistyaktvā vinikṣipet |
tallayaṁ tatkṣaṇādgatvā tallayāttanmayo bhavet || 59 ||

18
60. Fixe o olhar em uma região sem árvores, montanhas, muros
ou outros objetos. Quando a mente se dissolve nesse vazio,
ocorre a eliminação dos pensamentos.
nirvṛkṣagiribhittyādideśe dṛṣṭiṁ vinikṣipet |
vilīne mānase bhāve vṛttikṣiṇaḥ prajāyate || 60 ||

61. Percebendo duas coisas, tome consciência do espaço entre


elas e se instale aí firmemente. Eliminando ao mesmo tempo as
duas, atingirá o brilho da realidade.
ubhayorbhāvayorjñāne dhyātvā madhyaṁ samāśrayet |
yugapacca dvayaṁ tyaktvā madhye tattvamprakāśate || 61 ||

62. Quando está deixando um objeto e sente o impulso de ir


para outro, interrompa. Então, graças àquilo que está no meio,
a realização se espalhará com intensidade.
bhāve tyakte niruddhā cinnaiva bhāvāntaraṁ vrajet |
tadā tanmadhyabhāvena vikasatyati bhāvanā || 62 ||

63. Perceba ao mesmo tempo o universo e o corpo como feitos


de consciência. Então, sem o pensamento de dualidade, atingirá
o despertar supremo.
sarvaṁ dehaṁ cinmayaṁ hi jagadvā paribhāvayet |
yugapannirvikalpena manasā paramodayaḥ || 63 ||

64. Praticando a fricção dos dois PRAs, no exterior e no


interior, o YOGIN se tornará por fim o vaso, de onde surge o
conhecimento supremo da igualdade.
vāyudvayasya saṁghaṭṭādantarvā bahirantataḥ |
yogī samatvavijñānasamudgamanabhājanam || 64 ||

65. Que ele considere o universo todo ou seu próprio corpo,


simultaneamente, na sua totalidade, como preenchido pela sua
própria felicidade. Graças à sua imortalidade íntima, ele se
identificará à felicidade suprema.

19
sarvaṁ jagatsvadehaṁ vā svānandabharitaṁ smaret |
yugapatsvāmṛtenaiva parānandamayo bhavet || 65 ||

66. Por um processo de magia, ó Bela com olhos de gazela, a


grande felicidade se ergue subitamente. Graças a ela, a
realidade se manifesta.
kuhanena prayogeṇa sadya eva mṛgekṣaṇe |
samudeti mahānando yena tattvaṁ prakāśate || 66 ||

67. Quando se interrompe todo o fluxo por meio do poder do


alento ascendente, pouco a pouco, no momento em que se sente
um formigamento, a felicidade suprema se propaga.
sarvasrotonibandhena prāṇaśaktyordhvayā śanaiḥ |
pipīlasparśavelāyāmprathate paramaṁ sukham || 67 ||

68. Fixando-se no estado mental do prazer [SUKHAMAYA]


entre o fogo e o veneno, ele se isola, se enche de vento e se
integra à felicidade suprema [NANDA].
vahnerviṣasya madhye tu cittaṁ sukhamayaṁ kṣipet |
kevalaṁ vāyupūrṇaṁ vā smarānandena yujyate || 68 ||

69. Desfruta-se do prazer da realidade de BRAHMAN


[SUKHAM BRAHMA-TATTVASYA] pelo poder do fogo do
poder que se desprende na união com a AKTI, no prazer mais
interno.
śaktisaṁgamasaṁkṣubdhaśaktyāveśāvasānikam |
yatsukhambrahmatattvasya tatsukhaṁ svākyamucyate || 69 ||

70. Ó DEV, essa felicidade [NANDA] é produzida mesmo


sem a presença da AKTI, pela lembrança intensa do prazer
que foi produzido.
lehanāmanthanākoṭaiḥ strīsukhasya bharātsmṛteḥ |
śaktyabhāvepi deveśi bhavedānandasamplavaḥ || 70 ||

20
71. Ou então ao encontrar uma pessoa amada que não vê há
muito tempo, medite sobre essa felicidade que surge, e deixe-se
dissolver nela.
ānande mahati prāpte dṛṣṭe vā bāndhave cirāt |
ānandamudgataṁ dhyātvā tallayastanmanā bhavet || 71 ||

72. Pela euforia e felicidade causadas por alimentos e bebidas


agradáveis, identifique-se a esse prazer e, através dele, una-se à
grande felicidade [MAA-NANDA].
jagdhipānakṛtollāsarasānandavijṛmbhaṇāt |
bhāvayedbharitāvasthāṁ mahānandastato bhavet || 72 ||

73. Fundindo-se à felicidade incomparável dos cânticos e


outros prazeres dos sentidos, o YOGIN se torna apenas essa
felicidade e atinge o divino.
gitādiviṣayāsvādāsamasaukhyaikatātmanaḥ |
yoginastanmayatvena manorūḍhestadātmatā || 73 ||

74. Lá onde você encontra a satisfação, é nesse mesmo lugar


que você deve deter sua mente em concentração, e então sua
essência será a da felicidade suprema [PARA-NANDA-
SVRPA].
yatra yatra manastuṣṭirmanastatraiva dhārayet |
tatra tatra parānandasvārūpaṁ sampravartate || 74 ||

75. Quando o sono ainda não se instalou e quando o estado


desperto desapareceu, captando esse instante exato, a DEV
suprema [PAR-DEV] se revela.
anāgatāyāṁ nidrāyāmpraṇaṣṭe bāhyagocare |
sāvasthā manasā gamyā parā devī prakāśate || 75 ||

76. Com o olhar fixo em um lugar do espaço que aparece com


manchas brilhantes sob os raios do Sol, de uma lamparina, etc.,
aí mesmo resplandece a essência do seu próprio Eu.

21
tejasā sūryadīpāderākāśe śabalīkṛte |
dṛṣṭirniveśyā tatraiva svātmarūpamprakāśate || 76 ||

77. A fusão suprema nele se revela no momento da percepção


intuitiva devida ao repouso da morte, o furor, a fixação do
olhar, a sucção sem interrupção, e o movimento no espaço.
karaṅkiṇyā krodhanayā bhairavyā lelihānayā |
khecaryā dṛṣṭikāle ca parāvāptiḥ prakāśate || 77 ||

78. Assentado confortavelmente com os pés e mãoS pendendo


sem apoio, atinja o espaço da plenitude.
mṛdvāsane sphijaikena hastapādau nirāśrayam |
nidhāya tatprasaṅgena parā pūrṇā matirbhavet || 78 ||

79. Assentado confortavelmente sobre um assento, com os


braços cruzados, tendo fixado o pensamento no oco das axilas,
graças a essa absorção se obterá a quietude.
upaviśyāsane samyagbāhū kṛtvārdhakuñcitau |
kakṣavyomni manaḥ kurvanśamamāyāti tallayāt || 79 ||

80. Fixando o olhar sem piscar sobre um objeto com forma


grosseira, e tirando-se todo o suporte do pensamento, atingir-
se-á IVA sem demora.
sthūlarūpasya bhāvasya stabdhāṁ dṛṣṭiṁ nipātya ca |
acireṇa nirādhāraṁ manaḥ kṛtvā śivaṁ vrajet || 80 ||

81. Com a boca ligeiramente aberta, a língua no centro, quando


se fixa o pensamento sobre o centro, emitindo mentalmente
HA, ele mergulhará no abismo da paz.
madhyajihve sphāritāsye madhye nikṣipya cetanām |
hoccāraṁ manasā kurvaṁstataḥ śānte pralīyate || 81 ||

82. Mantendo-se assentado ou deitado, deve evocar


intensamente seu próprio corpo como desprovido de

22
sustentação; no pensamento que se desfaz, nesse mesmo
instante, os seus resíduos do passado se desfazem.
āsane śayane sthitvā nirādhāraṁ vibhāvayan|
svadehaṁ manasi kṣiṇe kṣaṇātkṣīṇāśayo bhavet || 82 ||

83. Movendo seu corpo muito lentamente, ou balançando em


um veículo, com a mente em um estado de paz, ó DEV, ele
atingirá o fluxo divino.
calāsane sthitasyātha śanairvā dehacālanāt |
praśānte mānase bhāve devi divyaughamāpnuyāt || 83 ||

84. Olhando para um céu completamente limpo, fixando aí o


olhar sem piscar, quando se atinge a imobilidade e a tensão
desaparece, atinge-se a estabilidade maravilhosa de
BHAIRAVA.
ākāśaṁ vimalampaśyankṛtvā dṛṣṭiṁ nirantarām |
stabdhātmā tatkṣaṇāddevi bhairavaṁ vapurāpnuyāt || 84 ||

85. Evoque todo o espaço vazio sob a forma da essência de


BHAIRAVA como dissolvido em sua própria cabeça. Então
tudo se absorverá na realidade do raio, que é a própria
expressão de BHAIRAVA.
līnaṁ mūrdhni viyatsarvambhairavatvena bhāvayet |
tatsarvambhairavākāratejastattvaṁ samāviśet || 85 ||

86. Quando se conhece plenamente a forma de BHAIRAVA no


estado desperto e nos outros, com o conhecimento limitado
produtor da dualidade, a visão projetada para o exterior e
também as trevas, então se atinge a plenitude do brilho infinito
da consciência.
kiñcijjñātaṁ dvaitadāyi bāhyālokastamaḥ punaḥ |
viśvādi bhairavaṁ rūpaṁ jñātvānantaprakāśabhṛt || 86 ||

23
87. Da mesma forma, durante uma noite negra, no início da
quinzena escura, tendo evocado continuamente a forma
tenebrosa, se atingirá a forma de BHAIRAVA.
evameva durniśāyāṁ kṛṣṇapakṣāgame ciram |
taimirambhāvayanrūpambhairavaṁ rūpameṣyati || 87 ||

88. Além disso, mantendo os olhos inicialmente bem fechados,


aparece uma cor escura. Se eles forem abertos em seguida
amplamente, evocando a forma de BHAIRAVA, ele se
identificará com essa forma.
evameva nimīlyādau netre kṛṣṇābhamagrataḥ |
prasārya bhairavaṁ rūpambhāvayaṁstanmayo bhavet || 88 ||

89. Quando surge um obstáculo de um órgão qualquer, ou


quando ele próprio produz uma obstrução, mergulhando-se no
vazio sem dualidade, ali mesmo o Eu brilhará.
yasya kasyendriyasyāpi vyāghātācca nirodhataḥ |
praviṣṭasyādvaye śūnye tatraivātmā prakāśate || 89 ||

90. Recitando-se o fonema A sem BINDU nem VISARGA, o


Senhor supremo, essa torrente poderosa de consciência, surgirá
por si mesmo, ó DEV.
abindumavisargaṁ ca akāraṁ japato mahān|
udeti devi sahasā jñānaughaḥ parameśvaraḥ || 90 ||

91. Fixe sua atenção no final do VISARGA de uma letra com


VISARGA, e pelo pensamento liberto de todo fundamento,
entrará em contato com o BRAHMAN eterno [SANTANA
BRAHMAN].
varṇasya savisargasya visargāntaṁ citiṁ kuru |
nirādhāreṇa cittena spṛśedbrahma sanātanam || 91 ||

92. Medite sobre o seu próprio Eu como o céu ilimitado em


todos os sentidos. Quando a consciência é privada de todo

24
suporte, então você contemplará a verdadeira essência da
AKTI.
vyomākāraṁ svamātmānaṁ dhyāyeddigbhiranāvṛtam |
nirāśrayā citiḥ śaktiḥ svarūpaṁ darśayettadā || 92 ||

93. Perfure uma parte de seu corpo com um objeto pontudo, e


mantendo-se fixo nesse ponto atinja o domínio luminoso de
BHAIRAVA.
kiṁcidaṅgaṁ vibhidyādau tīkṣṇasūcyādinā tataḥ |
tatraiva cetanāṁ yuktvā bhairave nirmalā gatiḥ || 93 ||

94. É preciso se convencer de que “o órgão interno, os


pensamentos etc. não existem em mim”. Graças à ausência do
pensamento dualista, transcende-se os VIKALPA.
cittādyantaḥkṛtirnāsti mamāntarbhāvayediti |
vikalpānāmabhāvena vikalpairujjhito bhavet || 94 ||

95. Considera-se que a ilusão é a perturbadora. A função do


tempo [KLA] consiste em fragmentar. E assim para os
outros. Considerando que não existem aí senão atributos de
categorias, que não haja mais a separação.
māyā vimohinī nāma kalāyāḥ kalanaṁ sthitam |
ityādidharmaṁ tattvānāṁ kalayanna pṛthagbhavet || 95 ||

96. Tendo observado um desejo que surge repentinamente,


deve-se pôr-lhe um fim. Qualquer que seja a fonte de onde ele
brotou, que ele se absorva lá mesmo.
jhagitīcchāṁ samutpannāmavalokya śamaṁ nayet |
yata eva samudbhūtā tatastatraiva līyate || 96 ||

97. Quando minha vontade ou meu conhecimento ainda não


surgiram, o que sou eu, realmente? Essa é a natureza do Eu, na
realidade. O pensamento se identifica a isso, depois se absorve
nisso.

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yadā mamecchā notpannā jñānaṁ vā kastadāsmi vai |
tattvato ahaṁ tathābhūtastallīnastanmanā bhavet || 97 ||

98. Mas uma vez que a vontade ou o conhecimento foram


produzidos, deve-se prender o pensamento por meio da
consciência do Eu. Quando o espírito se torna indiferente a
todo o resto, então ocorre a intuição do sentido da realidade.
icchāyāmathavā jñāne jāte cittaṁ niveśayet |
ātmabuddhyānanyacetāstatastattvārthadarśanam || 98 ||

99. Todo conhecimento é sem causa, sem suporte e enganador


por natureza. No domínio da realidade absoluta, ele não
pertence a ninguém. Quem se convence totalmente disso, ó
Bem-Amada, torna-se IVA.
nirnimittambhavejjñānaṁ nirādhārambhramātmakam |
tattvataḥ kasyacinnaitadevambhāvī śivaḥ priye || 99 ||

100. Aquele que tem a propriedade da consciência reside em


todos os corpos. Não existe diferença em nenhum lugar. Tendo
percebido então que tudo é feito disso, ele se torna aquele que
conquistou o tempo.
ciddharmā sarvadeheṣu viśeṣo nāsti kutracit |
ataśca tanmayaṁ sarvambhāvayanbhavajijjanaḥ || 100 ||

101. Imobilizando-se a BUDDHI quando está sob o domínio


do desejo, da cólera, da cobiça, do espanto, do orgulho ou da
inveja, você penetra na realidade desses estados.
kāmakrodhalobhamohamadamātsaryagocare |
buddhiṁ nistimitāṁ kṛtvā tattattvamavaśiṣyate || 101 ||

102. Meditando-se sobre todo o universo como um fantasma ou


uma pintura, quando se consegue perceber tudo assim, surgirá
a felicidade.
indrajālamayaṁ viśvaṁ vyastaṁ vā citrakarmavat |

26
bhramadvā dhyāyataḥ sarvampaśyataśca sukhodgamaḥ || 102 ||

103. Não se deve fixar o pensamento na dor nem na felicidade,


ó BHAIRAV. Tente conhecê-la no meio. Então, subsiste
apenas a realidade.
na cittaṁ nikṣipedduḥkhe na sukhe vā parikṣipet |
bhairavi jñāyatāṁ madhye kiṁ tattvamavaśiṣyate || 103 ||

104. Depois de haver rejeitado o apego ao seu próprio corpo


percebendo que você está em todos os lugares, com um
pensamento firme e com uma visão que não permite nenhuma
outra coisa, atinge-se a felicidade.
vihāya nijadehasthaṁ sarvatrāsmīti bhāvayan |
dṛḍhena manasā dṛṣṭyā nānyekṣiṇyā sukhī bhavet || 104 ||

105. A discriminação ou o desejo não aparecem apenas em


mim, mas aparecem também em todos os lugares, nos potes e
em outros objetos. Percebendo isso, ele se torna capaz de
penetrar em tudo.
ghaṭādau yacca vijñānamicchādyaṁ vā mamāntare |
naiva sarvagataṁ jātambhāvayaniti sarvagaḥ || 105 ||

106. A percepção do sujeito e do objeto é a mesma em todos os


seres que possuem um corpo. Mas o que caracteriza o YOGIN
é sua atenção ininterrupta à sua união.
grāhyagrāhakasaṁvittiḥ sāmānyā sarvadehinām |
yogināṁ tu viśeṣo asti sambandhe sāvadhānatā || 106 ||

107. Capte a consciência no corpo de um outro como no seu


próprio. Desinteressando-se de tudo o que se refere ao seu
corpo, em poucos dias ele se torna capaz de penetrar em tudo.
svavadanyaśarīre 9pi saṁvittimanubhāvayet |
apekṣāṁ svaśarīrasya tyaktvā vyāpī dinairbhavet || 107 ||

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108. Tendo libertado o espírito de todo suporte, deve-se parar
de pensar de acordo com um pensamento dualista. Então, ó
mulher de olhos de gazela, o estado de BHAIRAVA surgirá
porque o eu se torna o Eu absoluto.
nirādhāraṁ manaḥ kṛtvā vikalpānna vikalpayet |
tadātmaparamātmatve bhairavo mṛgalocane || 108 ||

109. Quando se adquire estabilidade nisso: “Eu possuo os


atributos de IVA, eu sei tudo, eu tenho todos os poderes e
estou em todos os lugares, eu sou o próprio Mestre supremo, e
nenhum outro”, ele se torna IVA.
sarvajñaḥ sarvakartā ca vyāpakaḥ parameśvaraḥ |
sa evāhaṁ śaivadharmā iti dārḍhyācchivo bhavet || 109 ||

110. Assim como as ondas surgem da água, as chamas do fogo,


os raios do Sol, da mesma forma essas ondas do universo se
diferenciaram a partir de mim, o BHAIRAVA.
jalasyevormayo vahnerjvālābhaṅgyaḥ prabhā raveḥ |
mamaiva bhairavasyaitā viśvabhaṅgyo vibheditāḥ || 110 ||

111. Mova-se ao acaso ou dance espontaneamente, até se


esgotar e cair ao chão. Com a interrupção da efervescência de
AKTI, surge a essência suprema.
bhrāntvā bhrāntvā śarīreṇa tvaritambhuvi pātanāt |
kṣobhaśaktivirāmeṇa parā saṁjāyate daśā || 111 ||

112. Abandone o conhecimento e o poder e, nesse instante,


quando termina a efervescência produzida pelo
desaparecimento de AKTI, se revelará a forma maravilhosa
de BHAIRAVA.
ādhāreṣvathavāśaktyājñānāccittalayena vā |
jātaśaktisamāveśakṣobhānte bhairavaṁ vapuḥ || 112 ||

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113. Ó DEV, escute esse ensinamento secreto que vou lhe
contar. Basta que os olhos se fixem sem piscar para que se
produza a libertação [KAIVALYA].
sampradāyamimamdevi śṛṇu samyagvadāmyaham |
kaivalyaṁ jāyate sadyo netrayoḥ stabdhamātrayoḥ || 113 ||

114. Fechando os ouvidos e também o ânus, medite sobre o


som sem consoante nem vogal, e penetre no BRAHMAN
eterno.
saṁkocaṁ karṇayoḥ kṛtvā hyadhodvāre tathaiva ca |
anackamahalaṁ dhyāyanviśedbrahma sanātanam || 114 ||

115. Colocando-se na borda de um poço muito profundo, com


os olhos fixos, quando a mente se mantém sem conceitos, o
pensamento se dissolverá.
kūpādike mahāgarte sthitvopari nirīkṣaṇāt |
avikalpamateḥ samyaksadyascittalayaḥ sphuṭam || 115 ||

116. Seja para onde seu pensamento vá, para dentro ou para
fora, ó Amada, lá se encontra o estado de IVA. Como ele é
onipresente, como seria possível escapar dele?
yatra yatra mano yāti bāhye vābhyantarepi vā |
tatra tatra śivāvāsthā vyāpakatvātkva yāsyati || 116 ||

117. Cada vez que a consciência daquilo que está presente em


tudo se revela por meio dos órgãos dos sentidos, como ela tem
por natureza fundamental a de não ser senão aquilo, graças à
absorção na consciência absoluta chega-se à essência da
plenitude.
yatra yatrākṣamārgeṇa caitanyaṁ vyajyate vibhoḥ |
tasya tanmātradharmitvāccillayādbharitātmatā || 117 ||

118. No início ou no fim de um espirro, no terror ou na


ansiedade, ou na borda de um precipício, quando foge de um

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combate, ao sentir fome ou terror, no início ou no fim se revela
a forma da essência de BRAHMAN.
kṣutādyante bhaye śoke gahvare vā raṇāddrute |
kutūhalekṣudhādyante brahmasattāmayī daśā || 118 ||

119. Olhando-se para um certo lugar, deve-se deixar o


pensamento ir para os objetos de que ele se lembra. Quando
seu corpo é privado de todo suporte, o Soberano onipresente se
apresentará.
vastuṣu smaryamāṇeṣu dṛṣṭe deśe manastyajet |
svaśarīraṁ nirādhāraṁ kṛtvā prasarati prabhuḥ || 119 ||

120. Depois de ter colocado seu olhar sobre um objeto


qualquer, retire-o muito lentamente. Então o conhecimento
dele só é acompanhado pelo pensamento, ó DEV, e a pessoa
se torna o receptáculo do vazio.
kvacidvastuni vinyasya śanairdṛṣṭiṁ nivartayet |
tajjñānaṁ cittasahitaṁ devi śūnyālāyo bhavet ||120 ||

121. O tipo de visão direta que, graças à intensidade da


adoração, nasce naquele que atingiu a indiferença perfeita, é a
própria força da Benfeitora. Evoque-a constantemente, e você
se identificará a IVA.
bhaktyudrekādviraktasya yādṛśī jāyate matiḥ |
sā śaktiḥ śāṅkarī nityambhavayettāṁ tataḥ śivaḥ || 121 ||

122. Quando se percebe um objeto determinado, o vazio se


estabelece pouco a pouco com relação aos outros objetos.
Tendo meditado sobre isso, embora o objeto continue sendo
conhecido, a pessoa atinge a paz.
vastvantare vedyamāne sarvavastuṣu śūnyatā |
tāmeva manasā dhyātvā viditopi praśāmyati || 122 ||

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123. A pureza ensinada pelos que sabem pouco é uma
impureza para os que têm o conhecimento de AMBHU.
Liberte-se do pensamento discriminante e não reconheça nada
como puro ou impuro, e atingirá a felicidade.
kiṁcijjñairyā smṛtā śuddhiḥ sā śuddhiḥ śambhudarśane |
na śucirhyaśucistasmānnirvikalpaḥ sukhī bhavet || 123 ||

124. A realidade de BHAIRAVA está em tudo, mesmo nas


pessoas comuns. Tendo consciência de que nada existe que seja
diferente dele, atinge-se o estado sem dualidades.
sarvatra bhairavo bhāvaḥ sāmānyeṣvapi gocaraḥ |
na ca tadvyatirekteṇa parostītyadvayā gatiḥ || 124 ||

125. Mantendo-se o mesmo em relação a amigos e inimigos,


igual na honra e na desonra, graças à plenitude perfeita do
BRAHMAN, tendo compreendido isso, atinge-se a felicidade.
samaḥ śatrau ca mitre ca samo mānāvamānayoḥ ||
brahmaṇaḥ paripūrṇatvātiti jñātvā sukhī bhavet || 125 ||

126. Não se deve nutrir ódio com relação a ninguém. Não se


deve também nutrir nenhum apego. O BRAHMAN desliza no
meio, que é a liberação do apego e do ódio.
na dveṣambhāvayetkvāpi na rāgambhāvayetkvacit |
rāgadveṣavinirmuktau madhye brahma prasarpati || 126 ||

127. Aquilo que não pode ser conhecido, aquilo que não pode
ser captado, o vazio e aquilo que nunca será atingido – imagine
tudo isso como BHAIRAVA e, no final, a iluminação se
produzirá.
yadavedyaṁ yadagrāhyaṁ yacchūnyaṁ yadabhāvagam |
tatsarvambhairavambhāvyaṁ tadante bodhasambhavaḥ || 127 ||

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128. Tendo fixado o pensamento sobre o espaço externo que é
eterno, sem suporte, vazio, que penetra tudo e que é desprovido
de atividade, que ele se funda então no não-espaço.
nitye nirāśraye śūnye vyāpake kalanojjhite |
bāhyākāśe manaḥ kṛtvā nirākāśaṁ samāviśet || 128 ||

129. Seja qual for o objeto para o qual o pensamento se dirija,


deve-se nesse exato momento e com a ajuda dele abandonar
completamente o objeto sem deixar outro se instalar. Então se
ficará livre de flutuações.
yatra yatra mano yāti tattattenaiva tatkṣaṇam |
parityajyānavasthityā nistaraṅgastato bhavet || 129 ||

130. Com BH, a luz consciente, tudo ressoa [RAVA]. Ele se


torna tudo [SARVADA], ele penetra em tudo
[VYKPAKA].
bhayā sarvaṁ ravayati sarvado vyāpakokhile |
iti bhairavaśabdasya santatoccāraṇācchivaḥ || 130 ||

131. No momento de afirmações como “eu sou, isso é meu”, o


pensamento atinge aquilo que não tem fundamento. Sob o
aguilhão de uma meditação como essa, atinge-se a paz.
ahaṁ mamedamityādi pratipattiprasaṅgataḥ |
nirādhāre mano yāti taddhyānapreraṇācchamī || 131 ||

132. Eterno, onipresente, sem suporte, penetrando tudo,


soberano de tudo o que existe. Meditando em cada instante
sobre essas palavras, atinge-se o significado adequado do
objeto assinalado.
nityo vibhurnirādhāro vyāpakaścākhilādhipaḥ |
śabdānpratikṣaṇaṁ dhyāyankṛtārthorthānurūpataḥ || 132 ||

32
133. Todo esse universo está privado de realidade, como um
espetáculo mágico. Qual é a realidade de um espetáculo como
esse? Ficando-se firmemente convencido, atinge-se a paz.
atattvamindrajālābhamidaṁ sarvamavasthitam |
kiṁ tattvamindrajālasya iti dārḍhyācchamaṁ vrajet || 133 ||

134. Como haveria conhecimento ou atividade para um Eu


liberto de todas as modalidades? Os objetos externos dependem
da consciência e, portanto, esse mundo é vazio.
ātmano nirvikārasya kva jñānaṁ kva ca vā kriyā |
jñānāyattā bahirbhāvā ataḥ śūnyamidaṁ jagat || 134 ||

135. Para mim não existem mais amarras, para mim não existe
mais libertação. Eles são apenas espantalhos utilizados por uma
pessoa aterrorizada. Isso aparece como um reflexo no intelecto,
como a imagem do Sol nas águas.
na me bandho na mokṣo me bhītasyaitā vibhīṣikāḥ |
pratibimbamidambuddherjaleṣviva vivasvataḥ || 135 ||

136. Todas as coisas como o prazer, a dor, etc., vêm por meio
dos órgãos sensoriais. Desligando-se desses órgãos, toma-se
assento em si mesmo, permanecendo no seu próprio Eu.
indriyadvārakaṁ sarvaṁ sukhaduḥkhādisaṁgamam |
itīndriyāṇi saṁtyajya svasthaḥ svātmani vartate || 136 ||

137. Todas as coisas se manifestam pelo conhecimento e o Eu


se manifesta por todas as coisas. Por causa de sua essência
única, o conhecimento e o conhecido se revelam como
formando apenas um.
jñānaprakāśakaṁ sarvaṁ sarveṇātmā prakāśakaḥ |
ekamekasvabhāvatvātjñānaṁ jñeyaṁ vibhāvyate || 137 ||

138. Faculdade mental, consciência interior, poder e também o


eu; quando esses quatro desapareceram completamente, ó

33
Bem-Amada, então fica a forma maravilhosa desse
BHAIRAVA.
mānasaṁ cetanā śaktirātmā ceti catuṣṭayam |
yadā priye parikṣīṇaṁ tadā tadbhairavaṁ vapuḥ || 138 ||

139. Ó DEV, assim eu lhe expus brevemente essas 112


práticas. Aquele que os conhece ultrapassa a dualidade e atinge
o conhecimento dos conhecimentos.
nistaraṅgopadeśānāṁ śatamuktaṁ samāsataḥ |
dvādaśābhyadhikaṁ devi yajjñātvā jñānavijjanaḥ || 139 ||

140. Aquele que se dedica a uma única dessas práticas aqui


descritas torna-se o próprio BHAIRAVA. Suas palavras se
realizam e ele transmite bendições e maldições.
atra caikatame yukto jāyate bhairavaḥ svayam |
vācā karoti karmāṇi śāpānugrahakārakaḥ || 140 ||

141. Ó DEV, ele não envelhece mais, ele não morre. Ele
adquire os poderes como o de adquirir um tamanho pequeno.
Cercado pelas YOGIN, ele preside todas as reuniões.
ajarāmaratāmeti soṇimādiguṇānvitaḥ |
yoginīnāmpriyo devi sarvamelāpakādhipaḥ || 141 ||

142. Ele está liberto nesta vida, embora realize atividades


comuns.
jīvannapi vimuktosau kurvannapi na lipyate |

A DEV disse:
śrī devī uvāca |

Ó Senhor todo poderoso, se essa é a forma maravilhosa da


Suprema e se ela for tomada como fundamento, ...
idaṁ yadi vapurdeva parāyāśca maheśvara || 142 ||

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143. ... ó DEVA, quem recita e qual é a recitação? Quem
medita, ó grande mestre? Quem adora e quem se satisfaz?
evamuktavyavasthāyāṁ japyate ko japaśca kaḥ |
dhyāyate ko mahānātha pūjyate kaśca tṛpyati || 143 ||

144. Quem faz a oferenda [no ritual] e a quem ele oferece? E


ainda, qual é a oferenda e qual é o sacrifício? Feito por quem,
como?
hūyate kasya vā homo yāgaḥ kasya ca kiṁ katham |

BHAIRAVA respondeu:
śrī bhairava uvāca |

Ó mulher dos olhos de gazela! Essa prática mencionada é


exterior e apenas revela as modalidades grosseiras.
eṣātra prakriyā bāhyā sthūleṣveva mṛgekṣaṇe || 144 ||

145. Na verdade, essa realização que se vivencia repetidamente


no interior da realidade suprema é a verdadeira recitação. Da
mesma forma, aquilo que é recitado como uma ressonância
espontânea e que corresponde a um mantra.
bhūyo bhūyaḥ pare bhāve bhāvanā bhāvyate hi yā |
japaḥ sotra svayaṁ nādo mantrātmā japya īdṛśaḥ || 145 ||

146. Um intelecto imperturbável, sem aspectos nem


fundamento, eis na verdade a meditação. Mas a representação
por meio de imagens com corpo, órgãos, rosto, mãos, não
oferece nada que corresponda à verdadeira meditação.
dhyānaṁ hi niścalā buddhirnirākārā nirāśrayā |
na tu dhyānaṁ śarīrākṣimukhahastādikalpanā || 146 ||

147. A verdadeira adoração não consiste em oferendas de


flores e outros dons, mas em uma compreensão direta bem
estabelecida no firmamento supremo, isenta do pensamento

35
dualista. Na verdade, essa adoração é a absorção, proveniente
do ardor místico [TAPAS].
pūjā nāma na puṣpādyairyā matiḥ kriyate dṛḍhā |
nirvikalpe mahāvyomni sā pūjā hyādarāl layaḥ || 147 ||

148. Dedicando-se firmemente a apenas um dos que foram aqui


descritos, será atingida a vivência da modalidade de
abundância suprema, dia a dia. A plenitude que excede todos
os limites, essa é a satisfação.
atraikatamayuktisthe yotpadyeta dināddinam |
bharitākāratā sātra tṛptiratyantapūrṇatā || 148 ||

149. A verdadeira oferenda é lançar no fogo do sacrifício, o


receptáculo do grande vazio, os elementos, os órgãos, os
objetos, incluindo o pensamento, utilizando a consciência
como a colher do ritual.
mahāśūnyālaye vahnau bhūtākṣaviṣayādikam |
hūyate manasā sārdhaṁ sa homaścetanāsrucā || 149 ||

150. Ó Mestra suprema! A satisfação que tem por característica


a felicidade, eis aí o sacrifício. Pela destruição [KAPANA] de
todas as imperfeições e pela proteção [TRA] de todos os
seres, obtém-se o campo [KETRA].
yāgotra parameśāni tuṣṭirānandalakṣaṇā |
kṣapaṇātsarvapāpānāṁ trāṇātsarvasya pārvati || 150 ||

151. Esse é o santuário real, ó PRVAT, a interpenetração de


RUDRA e AKTI, a mais alta realização. Como poderia ser
diferente a adoração dessa realidade e que outro poderia se
satisfazer com ela?
rudraśaktisamāveśastatkṣetrambhāvanā parā |
anyathā tasya tattvasya kā pūjā kāśca tṛpyati || 151 ||

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152. Na verdade, no âmago do Eu estão a vontade livre, a
felicidade e a consciência. Mergulhando integralmente o seu
próprio eu nessa essência, faz-se aquilo que se chama de banho
ritual.
svatantrānandacinmātrasāraḥ svātmā hi sarvataḥ |
āveśanaṁ tatsvarūpe svātmanaḥ snānamīritam || 152 ||

153. O transcendente e o imanente que são honrados


exatamente com essas oferendas, e que se satisfazem com elas,
e também aquele que as oferece, formam apenas Um. Onde
estaria a adoração?
yaireva pūjyate dravyaistarpyate vā parāparaḥ |
yaścaiva pūjakaḥ sarvaḥ sa evaikaḥ kva pūjanam || 153 ||

154. Deixe que a expiração saia e que a inspiração entre, por si


próprias. Aquele cujo aspecto é sinuoso se endireita. É a grande
DEV imanente e transcendente, o supremo santuário.
vrajetprāṇo viśejjīva icchayā kuṭilākṛtiḥ |
dīrghātmā sā mahādevī parakṣetramparāparā || 154 ||

155. Quando uma pessoa se assenta firmemente no rito da


grande felicidade e quando segue atentamente a subida dela,
graças a essa DEV, estando bem absorto nela, atinge-se o
supremo BHAIRAVA.
asyāmanucarantiṣṭhanmahānandamayedhvare |
tayā devyā samāviṣṭaḥ parambhairavamāpnuyāt || 155 ||

156. Emitindo-se o fonema SA, ele sai; emitindo HAM, ele


entra novamente. É assim que a pessoa repete incessantemente
esse mantra HAMSA, HAMSA. Vinte e uma mil vezes, dia e
noite, essa recitação é prescrita como a da suprema DEV.
Muito fácil de realizar, ela só parece difícil para os ignorantes.
ṣaṭśatāni divā rātrau sahasrāṇyekaviṁśatiḥ |
japo devyāḥ samuddiṣṭaḥ sulabho durlabho jaḍaiḥ || 156 ||

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157. Ó DEV, eu acabo de lhe expor essa doutrina suprema da
imortalidade, mas que não deve ser revelada a quem seja
discípulo de outros, que seja malvado, ...
ityetatkathitaṁ devi paramāmṛtamuttamam |
etacca naiva kasyāpi prakāśyaṁ tu kadācana || 157 ||

158. ... cruel, ou não tenha devoção para com seu mestre. Pode
ser transmitida às inteligências intuitivas libertas da dúvida, aos
heróis, aos grandiosos, ...
paraśiṣye khale krūre abhakte gurupādayoḥ |
nirvikalpamatīnāṁ tu vīrāṇāmunnatātmanām || 158 ||

159. ... a todos os que veneram a linhagem dos mestres


[GURU]. A todos estes, deve ser transmitida sem dúvida.
bhaktānāṁ guruvargasya dātavyaṁ nirviśaṅkayā |
grāmo rājyampuraṁ deśaḥ putradārakuṭumbakam || 159 ||

160. Ó Bela, com olhos de gazela, é preciso abandonar


totalmente tudo aquilo que se possua, cidade, reino, país, filho,
mulher, parentes. Para quê servem essas coisas passageiras, ó
DEV? Apenas o tesouro supremo é permanente. Deve-se
renunciar à própria vida, mas não à suprema imortalidade.
sarvametatparityajya grāhyametanmṛgekṣaṇe |
kimebhirasthirairdevi sthiramparamidaṁ dhanam |
prāṇā api pradātavyā na deyaṁ paramāmṛtam || 160 ||

A DEV disse:
śrī devī uvāca |

161. Ó DEVA dos DEVAS, grande DEVA [DEVADEVA


MAHDEVA], estou completamente satisfeita. Agora
reconheço certamente a quintessência do TANTRA de
RUDRAYĀMALA

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devadeva māhadeva paritṛptāsmi śaṅkara |
rudrayāmalatantrasya sāramadyāvadhāritam || 161 ||

162. Eu percebo todas as AKTI que existem no coração.


Assim como se reconhece o espaço pelos raios que o iluminam,
da mesma forma se reconhece IVA pela energia de AKTI
que é a sua essência.
sarvaśaktiprabhedānāṁ hṛdayaṁ jñātamadya ca |

Assim tendo falado, a DEV, cheia de felicidade [NANDA],


abraçou IVA.
ityuktvānanditā devi kanthe lagnā śivasya tu || 162 ||

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BIBLIOGRAFIA
A presente versão, feita por Roberto de A. Martins, utilizou
principalmente a tradução francesa de Lilian Silburn:

• SILBURN, Lilian. Le Vijñanabhairava Tantra. Pp. 506-


569, in: ESNOUL, Anne Marie (ed.). L’Hindouisme. Paris:
Fayard / Denoël, 1972.

A tradução de Lilian Silburn foi conferida com a tradução de


Daniel Odier:

• ODIER, Daniel. Tantra Yoga, le Vijñänabhaïrava tantra.


Paris: Albin Michel, 1998.

A tradução de Odier pode ser encontrada (no original francês, e


também traduzida para o inglês por Jeanric Meller) na Internet:
http://www.danielodier.com/default_e.htm

Existe também uma versão em espanhol da tradução de Daniel


Odier, no seguinte endereço da Internet:
http://www.terra.es/personal/javierou/kyvb.htm

Foi também empregado o texto em sânscrito, transliterado por


Marino Faliero, disponível na Internet:
http://w3.uniroma1.it/studiorientali/indologia/gandharvanagara
m/00skr08.htm

Há uma versão em inglês do Vijñanabhairava Tantra no “site”


de Lorin Roche, com uma interpretação completamente
diferente da aqui apresentada, que pode ser conferida pelos
interessados:
http://lorinroche.com/

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Há um resumo desse TANTRA, em inglês, no “site” de Mike
Magee, que pode ser consultado nestes dois endereços da
Internet:

http://www.shivashakti.com/tantric
http://www.clas.ufl.edu/users/gthursby/tantra

Direitos autorais: © 2019 Roberto de Andrade Martins. Todos os direitos


reservados e protegidos. Conforme a Lei 9.610/98, é proibida a
reprodução total e parcial do conteúdo deste trabalho e sua difusão, sob
qualquer forma ou meio, sem a autorização prévia e expressa do autor
(artigo 29).

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