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O Pensamento Zoroastriano

Texto fornecido por: Onaldo Alves Pereira


Pesquisa Ir.: Jaime Balbino de Oliveira

Conta a lenda que Zoroastro ao nascer ao invés de chorar sorriu. Essa história traduz muito
bem a visão positiva e alegre que ele tem do mundo e de seu destino.

O antigo sistema de pensamento de Zoroastro, com todos os seus desdobramentos


filosóficos, políticos e religiosos, continua atual em seus desafios e surpreendente abertura
para a renovação.

A busca de Zoroastro começou como a de muitos dos profetas de então e de agora.


Chocado com as contradições da sociedade de sua época e decepcionado com as
respostas dadas pelo meio pensantes ele decide fazer a sua própria descoberta. Difere,
contudo das dos outros, a sua busca, por não ter como desencadeante o problema da
morte. Mas o do estado de convivência social injusto de seu tempo e contexto. É
interessante notar, desde logo, que ele começou fazendo perguntas e terminou descobrindo
algo que lhe ajudou a fazer mais perguntas ainda, sem necessariamente acompanha-las
com respostas.

Zoroastro descobriu o que queria, não como uma revelação e nem como coisa privativa sua.
Ele encontra o óbvio, o que está escrito nas páginas da vida e pode ser lido por qualquer
um. Ele é uma pessoa comum que no esforço de seu intelecto e na sensibilidade de seu
espírito consegue ver que este é um mundo bom, criado por um Deus bom e destinado a
alegria radiante. Constatando isso, ele desenvolve uma resposta que tem tanto uma
elaboração filosófica como conseqüências práticas para a vida.

A grande questão, colocada para ser resolvida por todos os sistemas filosóficos e religiosos,
o bem e o mal, para Zoroastro se resolve dentro da mente humana. O bom pensamento ou
boa mente cria e organiza o mundo e a sociedade, o meu pensamento ou má mente faz o
contrário. Cabe ao ser humano fazer uma escolha e ele tem o poder e a capacidade de fazê-
la. O Cosmo inteiro está a seu favor quando escolhe a boa mente enquanto que a má mente
isola e portanto, angústia aquele que por ela opta. Essa escolha é feita no dia-a-dia da
pessoa, em cada ação. Ninguém pode fazer uma opção definitiva, essa é um mecanismo
dinâmico e progressivo.

Essa escolha não desencadeia a salvação ou perdição de alguém, ela é parte de um


processo de aprendizagem contínuo, aberto e reformável de acordo com o contexto. Com o
progresso de cada indivíduo progride o mundo, é acelerada a criação do universo. O quadro
só será completado quando todos tiverem chegado lá. É como numa orquestra, o concerto
só é possível após cada instrumento estar afinado. Aliás, essa é a organização interna de
todas as coisas em suas especificidades. A condição da parte garante o funcionamento do
todo.

Essa descoberta de Zoroastro levou a conclusões inusitadas e revolucionárias. Acenou com


uma nova organização social e uma nova religião.

A religião baseada no medo do mistério e no apaziguamento de suas forças através da


magia e da expiação não fazia mais sentido. Ele descobrira uma religião da alegria
participativa. Admirada diante do fato de ser feita parceira de Deus em seu projeto de
mundo, através de um processo de livre escolha e colaboração, a pessoa responde com o
cultivo de Boa Mente, de Boas Palavras e de Boas Ações. Essa é a ética da
responsabilidade.
Esse esforço, que inicialmente é individual e continuará a sê-lo, recebe, contudo o poder
transformador de Asha.

Asha é o princípio organizador de Deus o qual traz em si todas as qualidades, justiça,


retidão, cooperação, verdade, bondade etc. Asha age no mundo, em todos os setores e
especialmente, nas pessoas que lhe abrem a mente. Ela estimula, provoca, incentiva e
capacita à escolha e prática do bem. Asha poderia ser comparada à tomada que nos
conecta à energia vital e criativa de Deus.

As pessoas que vão descobrindo a capacidade que têm de fazer essa opção vão se unindo
na descoberta natural de que são parte de um todo magnífico, que se forma em parceira
com Deus.

Nesse sistema não tem lugar de destaque a fé ou a crença. Não é necessário crer, é preciso
saber e agir de acordo com o que se sabe. Temos aqui então uma religião do conhecimento.

A visão de mundo de Zoroastro não coloca o ser humano como o centro, o motivo de ser do
planeta. Antes, uma das tarefas dadas pelo pensamento de Zoroastro é que o ser humano
ache o seu lugar no mundo de forma harmoniosa, de modo a não desequilibrar o meio.
Reverenciar e proteger a terra, a água, o ar e o fogo além dos outros seres viventes, é uma
preocupação constante que aparece no pensamento gático.

Não há diferença de raças ou de gênero em Zoroastro. O Deus descoberto por Zoroastro


não é tribal e não tem um povo escolhido dentre os outros povos. Tanto o homem como a
mulher pode tomar a liderança, mesmo nos ritos religiosos.

Talvez o que haja de melhor em Zoroastro seja a abertura, quase desafio para se seguir
adiante perguntando, descobrindo, mudando e tudo isso, num movimento dinâmico de
progresso. Nada está fechado numa ortodoxia oficial. Em seus cânticos ele faz 93 perguntas
sem respostas. Está ausente ali a arrogância de dono de uma verdade estática e acabada.

A doutrina de Zoroastro ensina a emancipação e a autonomia do indivíduo. Só a partir disso


se torna possível a descoberta do outro como pessoa e conseqüentemente a criação de
comunidade. Não há lugar nessa visão para qualquer anulação do ego. Antes, o ego é
reafirmado e colocado como base do encontro com o outro. Se sadio e bem amado o ego
forte é poderoso na capacidade de doação e desprendimento.

A sociedade é para ser organizada dentro desses princípios de livre escolha, boa mente e
busca do bem de todos os seres.

Os líderes têm que ser escolhidos por serem justos e equilibrados.

Zoroastro, apesar das dificuldades que enfrenta em seu tempo e que, também
desencadeiam sua busca, não vê o mundo como arruinado, do qual urge fugir e se possível
salvar alguns. Antes, o mundo é uma obra em fase de acabamento ao qual somos
convidados a unir criativamente nas nossas vidas. Essa visão de mundo provoca uma ética
diferente da que dominou o mundo ocidental, que recorre à punição/recompensa como
veículo principal de estímulo ou contenção. A prática profunda desse pensamento na
sociedade não teria criado um sistema judiciário com prisões.

O ser humano não está contaminado pelo pecado, antes, pelo contrário, capacitado à
escolher a boa mente e a construir um mundo diferente. Uma leitura de Zoroastro com essa
abundância de negações não lhe faz justiça. O contexto judaico cristão onde estamos
inseridos, porém nos obriga a usar esses termos, pelo menos num primeiro momento.

Resgatado e atualizado esse velho pensamento pode fornecer material para a ética que
precisamos nesse nosso tempo. Ele é aberto, estimula o conhecimento e a pesquisa, é
ecológico, inclusivo e pode ser também fonte de uma profunda e rica espiritualidade.

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