Você está na página 1de 21

REGIONALISMO NA EFETIVAÇÃO DO

DIREITO AO DESENVOLVIMENTO DOS

artigo de revisão
PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS SOB O
ENFOQUE DA TEORIA DA DEPENDÊNCIA
Valter Witalo Nelo Lima*
Arleciane Emilia de Azevêdo Borges**
Otto Rodrigo Melo Cruz***
Waleska Bezerra de Carvalho Vasconcelos****

RESUMO
Propõe-se a análise da cooperação mundial a partir de
institutos legais que positivam o direito ao
desenvolvimento e ao subdesenvolvimento, em que
alguns teóricos relacionam este último como resultado
da relação de dependência estabelecida entre algumas
regiões do mundo e os países capitalistas centrais no
processo de formação e expansão do modo de
produção capitalista em escala global, criando um
movimento de formação de blocos econômicos
regionais com o objetivo de fortalecimento da região
para sua inserção no mercado global. O estudo está
corroborado por uma abordagem qualitativa e
explicativa mediante documentação indireta e
bibliográfica. A política externa brasileira demonstra
informações que indicam o retorno da tradição global-
multilateral no século XXI e o regionalismo, contraposto
à globalização. Averiguou-se o porquê da preferência
pela integração regional como forma prioritária do
governo brasileiro de interagir internacionalmente. Tem-
*Bacharel em Direito pelo Centro
se, portanto, o regionalismo como um instrumento Universitário de João Pessoa
eficaz de promoção do direito ao desenvolvimento dos (UNIPÊ), João Pessoa, Paraíba,
países, que sozinhos não conseguiriam alcançá-lo, haja Brasil. Email: valterlima.adv@live.
com.
vista tratar-se de direito garantido a todos, mas de difícil ** Bacharela em Direito pelo Centro
execução de forma isolada pelos Estados. Neste Universitário de João Pessoa
(UNIPÊ), João Pessoa, Paraíba,
sentido, os países tidos por subdesenvolvidos, Brasil. Email: arleciane.emilia@
inseridos como tal muitas vezes por históricos de hotmail. com.
exploração econômica e comercial, devem ter ajuda *** Doutorando em Direito
Internacional Privado pela
significativa dos países em estágio mais avançado de Universidade de Salamanca (USAL),
desenvolvimento para a redução das desigualdades Salamanca, Espanha. Email:
entre os Estados, surgindo à inserção regional como otto_rodrigo@hotmail. com.
**** Mestre em Ciências Jurídicas
forma de fortalecimento local e de defesa na economia. pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), João Pessoa,
Palavras-chave: Desenvolvimento. Cooperação Internacional. Paraíba, Brasil. Email:
waleskavasconcelos@yahoo.com.br.
Regionalismo.

48 InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015


Valter W. N. Lima, Arleciane E. A. Borges, Otto R. M. Cruz, Waleska B. C. Vasconcelos

1 INTRODUÇÃO particular, as décadas consistentemente


sublinharam a necessidade de progressos
Os esforços de desenvolvimento em todos os aspectos do desenvolvimento
das Nações Unidas têm influenciado econômico e social (ONU, 2014).
profundamente a vida e o bem-estar de Na Cúpula do Milênio, em
milhões de pessoas em todo o mundo. setembro de 2000, os dirigentes mundiais
Orientando estes esforços está a aprovaram um conjunto de Objetivos de
convicção de que a paz internacional e a Desenvolvimento do Milênio (ODM), que
segurança duradouras só são possíveis visam erradicar a pobreza extrema e a
se o desenvolvimento econômico e o fome, alcançar a educação primária
bem-estar social das pessoas em todos universal, promover a igualdade de
os lugares forem garantidos. Muitas das gênero e a autonomia das mulheres,
transformações econômicas e sociais que reduzir a mortalidade infantil, melhorar a
têm ocorrido no mundo desde 1945 têm saúde materna, combater o HIV/AIDS, a
sido significativamente influenciadas pelo malária e outras doenças e garantir a
trabalho das Nações Unidas. Como centro sustentabilidade ambiental – através de
global para construção de consensos, a um conjunto de metas mensuráveis a
ONU definiu prioridades e metas para a serem alcançadas até o ano de 2015
cooperação internacional na ajuda aos (ONU, 2013c).
esforços de desenvolvimento e na A ONU é a única instituição global
promoção de uma economia global mais comprometida com o desenvolvimento.
justa (ONU, 2014). Quase todas as organizações da família
As Nações Unidas têm das Nações Unidas têm algum aspecto de
desempenhado um papel essencial na assistência ao desenvolvimento e
construção de consensos internacionais cooperação como foco, direta ou
para ações de desenvolvimento. A partir indiretamente. O Grupo de
de 1960, a Assembleia Geral ajudou a Desenvolvimento das Nações Unidas
estabelecer prioridades e metas através reúne os 33 fundos, programas, agências,
de uma série de Estratégias departamentos e escritórios da ONU que
Internacionais de Desenvolvimento com desempenham papel fundamental nos
duração de dez anos cada. Embora esforços de desenvolvimento. Assumindo
voltadas para questões de interesse a liderança nesse esforço está o

InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015 49


Regionalismo na efetivação do direito ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos sob o enfoque da teoria
da dependência

Programa das Nações Unidas para o qualitativa, visto que se estuda a


Desenvolvimento (PNUD), presente em preocupação socioeconômica a partir da
166 países. O Relatório de integração mundial dos países. Relativo
Desenvolvimento Humano anual ao objetivo geral, trata-se de uma
encomendado pelo PNUD centra-se no pesquisa explicativa em razão da análise
debate global sobre questões-chave do da historicidade do direito ao
desenvolvimento, proporcionando novas desenvolvimento, visto que a
formas de avaliação, análise e propostas interpretação sociológica constituirá
de políticas inovadoras (ONU, 2014). parâmetros da realidade para o alcance
Diante do exposto, esse artigo das metas dos países atingirem o
analisa a cooperação mundial a partir de desenvolvimento. No tocante à técnica de
institutos legais que positivam o direito ao pesquisa, o estudo consiste em
desenvolvimento e ao subdesenvolvimen- documentação indireta mediante o
to, em que alguns teóricos relacionam levantamento de informações doutrinárias,
este último como resultado da relação de como também levantamento de toda
dependência estabelecida entre algumas bibliografia já publicada e que tenha
regiões do mundo e os países capitalistas relação com o tema a ser estudado (obras
centrais no processo de formação e literárias em geral e imprensa escrita).
expansão do modo de produção
capitalista em escala global, criando um 2 DIREITO DOS PAÍSES AO DESEN-
VOLVIMENTO: processo democrático
movimento de formação de blocos
econômicos regionais com o objetivo de
É patente que nos últimos anos
fortalecimento da região para sua
tem se visto um crescimento intenso das
inserção no mercado global.
desigualdades entre os povos do mundo,
O estudo está corroborado por uma
bem como uma evolução sem
abordagem qualitativa e explicativa
precedentes da distância entre os
mediante documentação indireta e
chamados países desenvolvidos e os
bibliográfica, evidenciando-se conforme
países em desenvolvimento (os
os estudos de Marconi e Lakatos (2002),
subdesenvolvidos). Um bom exemplo e a
Oliveira (2003, 2002). Referente à
constatação de que 20% dos países mais
natureza da vertente metodológica, este
ricos se apropriam de 80% do produto
trabalho é permeado por uma abordagem

50 InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015


Valter W. N. Lima, Arleciane E. A. Borges, Otto R. M. Cruz, Waleska B. C. Vasconcelos

interno bruto mundial, enquanto que os Levando em consideração a


20% mais pobres não detêm mais que 1% importância do direito ao
desse de produto interno bruto. É um mal desenvolvimento, a Assembleia Geral
que assola grande parte da população decidiu, também em 1986, introduzir como
mundial, e há muito tempo é preocupação um dos objetivos da Conferência Mundial
entre as nações (DINH, DAIILLIER, de Direitos Humanos uma análise da
PELLET, 2003). relação entre o desenvolvimento e o
Após inúmeros debates levados usufruto dos direitos econômicos, sociais
por anos, os governos do mundo e culturais, bem como dos direitos civis e
proclamaram pela primeira vez, perante políticos (BETHONICO, 2014).
as Nações Unidas, que o direito ao O direito ao desenvolvimento
desenvolvimento era um direito humano passou a ser um direito do homem como
inalienável. A Declaração sobre o Direito qualquer outro mediante a
ao Desenvolvimento, aprovada pela responsabilidade dos Estados de
Assembleia Geral das Nações Unidas em promovê-lo e efetivá-lo. É difícil pensar
1986, é o símbolo de uma nova maneira que o desenvolvimento possa realmente
de versar sobre a concretização dos ser visto independentemente de seus
ideais das Nações Unidas, pois proclama componentes econômicos, sociais,
que a pessoa humana é o sujeito central políticos ou jurídicos. A sociedade tem
do desenvolvimento e deve ser o que ser atuante para que haja o
participante ativo e o beneficiário do desenvolvimento (SEN, 2005).
direito ao desenvolvimento (DHNET,
2014). 2.1 Positivação na Carta das Nações
Unidas (1945)
Portanto, o direito ao
desenvolvimento é reconhecido pela
A presença do direito ao
Organização das Nações Unidas (ONU)
desenvolvimento nos textos internacionais
como um direito humano fundamental e
pode ser verificada na Carta das Nações
indisponível, assim como os demais, e
Unidas de 1945, que cria a Organização
reconhece-o como um direito a igualdade
das Nações Unidas (ONU) após o fim da
de oportunidades para as pessoas e as
Segunda Guerra Mundial e, em seu
nações (FERREIRA, CASTRO, 2014).
capítulo IX, assim dispõe:

InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015 51


Regionalismo na efetivação do direito ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos sob o enfoque da teoria
da dependência

COOPERAÇÃO INTERNACIONAL metas a serem estabelecidas pela ONU


ECONÔMICA E SOCIAL
Artigo 55: Com o fim de criar para a promoção do desenvolvimento,
condições de estabilidade e bem-
estar, necessárias às relações como acerta a UNICRIO:
pacíficas e amistosas entre as
nações, baseadas no respeito ao
princípio da igualdade de direitos e Ao longo da história, a ONU
da autodeterminação dos povos, desempenhou um papel
as Nações Unidas favorecerão: a. fundamental para se alcançar um
níveis mais altos de vida, trabalho consenso internacional sobre
efetivo e condições de progresso e ações para o desenvolvimento. A
desenvolvimento econômico e partir de 1960, a Assembleia Geral
social (ONU, 2013ª, grifo nosso). definiu prioridades e metas através
de uma série de Estratégias
Internacionais para o
Este postulado inclui o Desenvolvimento, com um prazo
de dez anos para que cada uma
desenvolvimento, na agenda de trabalho fosse implementada. Enquanto se
da ONU, pois já havia nesta época o focavam em assuntos particulares,
essas estratégias destacavam a
anseio para a promoção deste, uma vez necessidade de se alcançar
progresso em todos os aspectos
que sua implementação seria o caminho do desenvolvimento econômico e
social. Áreas fundamentais como o
para proporcionar mudanças essenciais desenvolvimento sustentável, os
direitos das mulheres, os direitos
em determinadas estruturas e indicadores humanos, a proteção do meio
ligados ao bem-estar das pessoas em ambiente e a saúde tiveram
continuamente objetivos definidos,
todos os lugares, constituindo-se meio acompanhando programas para
torná-los realidade (UNICRIO,
para a construção da paz e da segurança 2013, grifo nosso).

internacional duradoura, que se destacam


Estes compromissos objetivam não
como objetivo primeiro desta organização.
somente a melhoria do bem-estar das
Constata-se que as Nações Unidas
pessoas, como também a continuidade do
ocupam papel de grande importância no
crescimento econômico dos países,
cenário internacional para a formação de
adentrando ao conceito de
consensos, haja vista sua grande
desenvolvimento anteriormente exposto e
influência nos setores políticos,
buscando a plena realização dos homens
econômicos e comerciais dos países, não
em todos os campos.
representando quaisquer interesses
particulares e dando voz a todos na
tomada das principais decisões.
A criação da Declaração do Milênio
e seus objetivos não foram as primeiras

52 InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015


Valter W. N. Lima, Arleciane E. A. Borges, Otto R. M. Cruz, Waleska B. C. Vasconcelos

2.2 Positivação na Declaração do seu artigo segundo e, neste sentido, com


Direito ao Desenvolvimento (1986)
o que afirma Kinoshita e Fernandes:

A declaração sobre direito ao


O desenvolvimento deve ser um
desenvolvimento, em seu artigo primeiro, processo global cujo sujeito
principal é a pessoa humana e
consagra o desenvolvimento como um cuja finalidade é a plena
realização desta em todos seus
direito humano inalienável, definido por aspectos dentro das comunidades
locais, nacionais e internacional.
muitos como direito de terceira geração
Tal processo requer uma
ou de solidariedades/fraternidade, de participação ativa e consciente dos
indivíduos e da coletividade na
titularidade coletiva, uma vez que formulação, adoção e
implementação de políticas em
conforme Bonavides (2002) “são vistos todas suas etapas, como um fator
importante de efetivação e a plena
em uma perspectiva também de realização de todos os direitos
humanos em todos os níveis
globalidade, enquanto chave de libertação
(KINOSHITA, FERNANDES, 2013,
material do homem”, destinando-se a p. 1).

proteção dos grupos humanos. Este


Os termos finais da declaração
marco rompe com a visão de que o
incumbem aos Estados assegurar o pleno
desenvolvimento se restringe apenas aos
exercício e o fortalecimento do direito ao
aspectos econômicos, passando a partir
desenvolvimento no sentido de formular,
daí a abranger todas as dimensões.
adotar e implementar políticas, medidas
Este instrumento legal coloca a
legislativas, tanto em nível nacional como
pessoa humana como sujeito central do
em nível internacional. No Brasil, a priori,
desenvolvimento, de forma que ela deve
conforme indicado anteriormente, foi
participar e ser beneficiária direta deste
introduzido na Lei Maior de 1988 o
fenômeno, em virtude do qual toda
desenvolvimento como objetivo da
pessoa e todos os povos estão habilitados
República Federativa do Brasil, figurando
a participar do desenvolvimento
no ordenamento como norma
econômico, social, cultural e político, para
programática a ser cumprida nas políticas
ele contribuir e dele desfrutar, no qual
internas e no relacionamento com outros
todos os direitos humanos e liberdades
Estados.
fundamentais possam ser plenamente
Em 1993, sob a égide da II
realizados, conforme se depreende do
Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos, produziu-se um documento

InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015 53


Regionalismo na efetivação do direito ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos sob o enfoque da teoria
da dependência

intitulado Declaração e Programa de Ação desenvolvimento exige políticas


eficazes de desenvolvimento em
de Viena, que logrou universalizar os nível nacional, bem como relações
econômicas equitativas e um
Direitos Humanos, conquista primordial ambiente econômico favorável em
nível internacional.
para que se concretizasse o direito ao 11. O direito ao desenvolvimento
desenvolvimento, que fora conquistado e deve ser realizado de modo a
satisfazer equitativamente as
reconhecido (GUIMARÃES, NUNES, necessidades ambientais e de
desenvolvimento de gerações
CARNEIRO, PRADO, 2013). presentes e futuras [...]
(TRATADO INTERNACIONAL,
Esta declaração, ou como alguns 2013, grifo nosso).
denominam Programa de Ação de Viena,
reafirma o direito ao desenvolvimento, Destaca-se que com este

definido e positivado na Declaração sobre documento o direito ao desenvolvimento

o Direito ao Desenvolvimento de 1986, foi consagrado de forma definitiva como

conforme se expõe abaixo: direito humano fundamental inquestioná-


vel. Neste aspecto, trata-se de uma
10. A Conferência Mundial sobre interdisciplinaridade, pois ambos os
Direitos Humanos reafirma o
direito ao desenvolvimento, conceitos são muito amplos, havendo um
previsto na Declaração sobre
Direito ao Desenvolvimento, como entrelaçamento entre eles em muitos
um direito universal e inalienável e
aspectos, notadamente direitos que
parte integral dos direitos
humanos fundamentais. envolvem vários outros.
Como afirma a Declaração sobre o
Direito ao Desenvolvimento, a É importante apontar que, quando
pessoa humana é o sujeito
central do desenvolvimento. do cumprimento de algum destes direitos,
Embora o desenvolvimento facilite
a realização de todos os direitos o outro, por via de consequência, estará
humanos, a falta de
sendo automaticamente assegurado e
desenvolvimento não poderá ser
invocada como justificativa para se protegido, dada a amplitude dos conceitos
limitar os direitos humanos
internacionalmente reconhecidos. e sua íntima ligação com os direitos
Os Estados devem cooperar uns
com os outros para garantir o humanos, podendo-se falar em um direito
desenvolvimento e eliminar
obstáculos ao mesmo. A humano ao desenvolvimento.
comunidade internacional deve
Perfazendo uma passagem dos
promover uma cooperação
internacional eficaz visando à direitos humanos de natureza
realização do direito ao
desenvolvimento e à eliminação individualista, essencialista, estatista e
de obstáculos ao
desenvolvimento. formalista para uma redefinição, com o
O progresso duradouro necessário
à realização do direito ao intuito de entendê-los como processos

54 InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015


Valter W. N. Lima, Arleciane E. A. Borges, Otto R. M. Cruz, Waleska B. C. Vasconcelos

sociais, econômicos, políticos e culturais, promulgação desta constituição, como


relevou, pois, a importância do direito ao valor supremo de uma sociedade fraterna
desenvolvimento na compreensão dos e pluralista, comprometida na ordem
direitos econômicos, sociais e culturais, o interna e internacional. Tal preâmbulo
que caracteriza uma interdisciplinaridade apresenta-se sem valor normativo,
e, mais que tudo, uma interdependência conforme entendimento da doutrina
entre todos os direitos humanos. Essa majoritária, apesar de todos os seus
teoria observa o direito ao princípios estarem estampados no texto
desenvolvimento como uma síntese de constitucional, este sim com caráter
todos os direitos humanos existentes, imperativo.
tanto coletivos quanto individuais, Em um segundo momento,
propondo uma nova mentalidade acerca identifica-se o desenvolvimento no artigo
dos direitos humanos, na exata medida 3º da CF/88, sendo qualificado como um
em que aglutina a possibilidade do ser dos objetivos fundamentais da República
humano realizar integralmente as suas Federativa do Brasil, considerado
potencialidades em todas as áreas do princípio fundamental, uma vez que é
conhecimento (OLIVEIRA, 2008). sabido que o artigo 5º não é taxativo com
relação aos direitos e às garantias
2.3 Direito ao Desenvolvimento na fundamentais, pois estes não excluem
Constituição da República Federativa
outros decorrentes do regime e dos
do Brasil de 1988
princípios adotados pela CF/88, bem
Depois de muito debatido no como por tratar-se de um direito humano
âmbito internacional e consolidado no que é incorporado ao ordenamento em
Direito Internacional Público (DIP), o caráter de emenda constitucional por
desenvolvimento, com sua grande carga disposição expressa do parágrafo terceiro
principiológica, adentra ao ordenamento deste dispositivo.
jurídico interno dos países, sendo Por ser um objetivo da República
constitucionalizado no direito brasileiro. Federativa do Brasil e um princípio, o
A Constituição da República desenvolvimento tem relevante papel no
Federativa do Brasil de 1988 dispõe no ordenamento jurídico por ser critério de
seu preâmbulo que o desenvolvimento é interpretação da lei e também como
um fim a ser assegurado com a critério orientador das políticas públicas,

InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015 55


Regionalismo na efetivação do direito ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos sob o enfoque da teoria
da dependência

vinculando os gestores ao obedecimento Apesar da ONU ser uma


desta norma. organização criada a princípio para a
Apesar dos esforços para se manutenção da paz, no período pós-
alcançar o desenvolvimento no âmbito Segunda Guerra Mundial, constatou-se
interno dos países, este não poderá se que a falta de uma justiça social (a
concretizar sem que ocorra de forma promoção do bem-estar de todas as
conjunta e paralela entre eles, já que pessoas em todos os lugares) dificultaria
diante da globalização e da a manutenção daquela, de forma que no
interdependência vivenciadas um país texto da carta de sua fundação já é
não vive isoladamente dos outros, positivada a cooperação como um meio
necessitando estabelecer relações para reduzir essas dificuldades dos
variadas para atendimento das suas países, nos seguintes termos:
necessidades, termos em que a falta ou o
Artigo 1 - Os propósitos das
atraso no desenvolvimento de um poderá
Nações unidas são:
ser empecilho no desenvolvimento dos
[...]
demais. 3. Conseguir uma cooperação
internacional para resolver os
problemas internacionais de
caráter econômico, social, cultural
3 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL ou humanitário, e para promover e
PARA O DESENVOLVIMENTO RECÍ- estimular o respeito aos direitos
PROCO: fundamentos legais para a humanos e às liberdades
cooperação internacional para o fundamentais para todos, sem
distinção de raça, sexo, língua ou
desenvolvimento
religião (ONU, 2013b, grifo nosso).

A partir dos textos das declarações Observa-se que tal dispositivo


analisadas, percebe-se que a cooperação propõe esta relação internacional para a
internacional foi erigida a condição de resolução dos problemas citados ao
instrumento promotor do desenvolvimento visualizar o mundo como um todo,
dos países, sendo na maioria das vezes entendimento este ratificado na
iniciada não com este objetivo, mas com Declaração dos Princípios da Cooperação
outros interesses, a dizer, políticos, Cultural Internacional (1996) que conduz
comerciais, científicos, segurança as nações a esforçar-se para atingir o
nacional, dentre outros, que de modo desenvolvimento paralelo, a fim de
reflexo ocasionam o desenvolvimento. estabelecer um equilíbrio harmonioso

56 InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015


Valter W. N. Lima, Arleciane E. A. Borges, Otto R. M. Cruz, Waleska B. C. Vasconcelos

entre o progresso técnico e a elevação todas as espécies com os países, haja


intelectual e moral da humanidade. Tais vista a impossibilidade da realização de
positivações geram um dever de um desenvolvimento pleno de forma
cooperação para o desenvolvimento. isolada.
Outro documento de relevante Nas palavras de Gómez-Galan e
importância é a Declaração e Programa Sanahuja (2002), a cooperação
de Ação de Viena (1993), que reafirma internacional para o desenvolvimento
todos os postulados da Carta das Nações pode ser definida como um conjunto de
Unidas, bem como da Declaração de ações projetadas e executadas por atores
Direito ao Desenvolvimento e no que se públicos e privados de distintos países,
refere à cooperação internacional dispõe que buscam promover um progresso mais
que: justo e equilibrado no mundo com o
objetivo de construir um planeta mais
Os Estados devem cooperar entre
seguro e pacífico.
si para assegurar o
desenvolvimento e eliminar os
obstáculos que lhe sejam
colocados. A comunidade 4 SUBDESENVOLVIMENTO E DEPEN-
internacional deve promover uma DÊNCIA NA PERSPECTIVA DO REGIO-
cooperação internacional efetiva
NALISMO
com vista à realização do direito
ao desenvolvimento e à
eliminação de obstáculos ao
A teoria da dependência surge nos
desenvolvimento. O progresso
duradouro no sentido da anos 60, a partir das investigações de
realização do direito ao
desenvolvimento exige a adoção diversos pesquisadores, em sua maioria
de políticas de desenvolvimento
eficazes a nível nacional, bem latino-americanos, sobre as causas do
como o estabelecimento de
relações econômicas equitativas e subdesenvolvimento dos países do
a existência de um panorama
chamado Terceiro Mundo. Apesar da forte
econômico favorável a nível
internacional (TRATADO influência marxista, a teoria da
INTERNACIONAL, 2013).
dependência destacou-se do marxismo
Deste fragmento, nota-se que o por sua análise original sobre o
desenvolvimento deve começar dentro de desenvolvimento e o subdesenvolvimento.
cada país por meio de políticas eficazes, Vale destacar que os “dependentistas”
não podendo esquecer que o estado de não formam um corpo único, subdividindo-
globalização vivenciado impõe a se em reformistas, não marxistas,
necessidade de estabelecer relações de marxistas e neo-marxistas. Porém, eles

InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015 57


Regionalismo na efetivação do direito ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos sob o enfoque da teoria
da dependência

têm em comum a ideia do porém, colocavam esta visão do


subdesenvolvimento como resultado da subdesenvolvimento em xeque. Por um
relação de dependência estabelecida lado, a industrialização e a consequente
entre algumas regiões do mundo e os consolidação das formas de produção
países capitalistas centrais no processo capitalistas em alguns países
de formação e expansão do modo de subdesenvolvidos, apesar de promover o
produção capitalista em escala global. crescimento econômico, não os retirava
As teorias do desenvolvimento, até da condição de subdesenvolvimento. Seu
os anos 60, apresentavam o crescimento econômico parecia destinado
subdesenvolvimento como resultado de a acumular miséria, analfabetismo e uma
um estágio civilizatório inferior, definido distribuição de renda desastrosa
como pré-capitalista. As regiões (SANTOS, 2000). Por outro lado, a
subdesenvolvidas, por esta visão, não formação de sistemas socialistas em
haviam superado os obstáculos que as países subdesenvolvidos, como China e
impediam de chegar ao estágio superior Cuba, contrastava com a ideia de que
no qual se encontravam os países associava o subdesenvolvimento com
capitalistas centrais da Europa Ocidental formações pré-capitalistas. Assim, uma
e da América do Norte. Arraigadas por um nova teoria era necessária.
eurocentrismo, ao apresentar estes A teoria da dependência rompe
países como modelos de com a visão do subdesenvolvimento como
desenvolvimento, tais teorias levavam à resultado do atraso civilizatório. Para os
conclusão de que os países “dependentistas”, as regiões
subdesenvolvidos deveriam trilhar o subdesenvolvidas estão inseridas no
mesmo caminho percorrido por aqueles. capitalismo global desde a formação
Mesmo o marxismo tradicional, que deste sistema.
contestava o capitalismo como modelo de As colônias da América, da África e
desenvolvimento mais avançado, associa- da Ásia, e mesmo as regiões não
va o subdesenvolvimento à ausência do colonizadas periféricas, as quais
capitalismo naquelas regiões e, portanto, formavam o mundo subdesenvolvido no
propugnava a necessidade do desen- século XX, tiveram um papel fundamental
volvimento capitalista como etapa anterior na formação e na consolidação do
ao socialismo. Dois fatores históricos, sistema capitalista. Serviram, e ainda

58 InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015


Valter W. N. Lima, Arleciane E. A. Borges, Otto R. M. Cruz, Waleska B. C. Vasconcelos

servem, como fornecedoras de matérias- perspectivas dos modelos locais e


primas e consumidoras dos produtos nacionais de desenvolvimento. É
industrializados, estabelecendo um fluxo aconselhável também que se abandonem
comercial que foi fundamental para a de uma vez por todas as tentativas de
industrialização e consolidação do importar modelos econômicos, sociais,
capitalismo sob hegemonia inglesa e, políticos e culturais dos centros
posteriormente, norte-americana. E é esta dominantes da economia mundial. A
relação dos países periféricos com os realidade desses países se explica em
países capitalistas centrais, a qual até parte pela realidade dos países
hoje se encontra marcada pela subdesenvolvidos, configurando-se a
transferência do excedente econômico expansão internacional. Logo, não é
dos primeiros para estes últimos, devido repetir seus padrões de
realizada principalmente por trocas desenvolvimento. Por outro lado, a
comerciais desiguais, que explica o expansão desses países para o exterior
subdesenvolvimento. explica uma parte fundamental das
É o próprio processo de formação e condições estruturais do desenvolvimento,
expansão do capitalismo em escala global caracterizado por um tipo de capitalismo
e a forma como algumas regiões nele se dependente, concentrador, marginalizador
inseriram que elucida o e excludente.
subdesenvolvimento. Não é, portanto, o Esta relação de dependência
isolamento de algumas regiões do estrutural dos países subdesenvolvidos
processo de consolidação do capitalismo com os centros do capitalismo foi
o responsável pelo subdesenvolvimento. agravada com o processo de globalização
Pelo contrário, o subdesenvolvimento é recente, embalado pelas ideias
resultado da expansão do capitalismo. neoliberais de integração que reforçavam
Neste sentido, Santos (1993) o que a teoria da dependência chama de
afirma que é necessário situar a evolução Divisão Internacional do Trabalho (DIT). A
econômica no contexto da economia DIT, também fruto da expansão do
mundial, analisando as modalidades de capitalismo por todo o planeta e da
inserção das economias nacionais no seu inserção das regiões neste processo,
movimento global, cujas direções se têm caracteriza-se pela concentração das
que descobrir para entender as atividades econômicas mais lucrativas e

InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015 59


Regionalismo na efetivação do direito ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos sob o enfoque da teoria
da dependência

mais estratégicas, baseadas em alta A globalização, enquanto processo


tecnologia, nos países centrais do de integração da produção e dos
capitalismo, enquanto que os países mercados em escala mundial, não é um
periféricos especializam-se em atividades fenômeno novo. O próprio
menos lucrativas, geralmente agrícolas ou desenvolvimento e a expansão do
de baixa tecnologia. O processo de capitalismo nos séculos XIX e XX devem
integração proposto pela globalização muito a este processo. As novidades da
neoliberal, ao basear-se no livre mercado, globalização das últimas três décadas são
representa uma submissão dos países a o retorno do liberalismo como ideologia
esta DIT. dominante do processo de integração
A teoria da dependência, surgida (agora enfraquecido pela crise econômica
como uma teoria terceiro-mundista ao de 2008) e a aceleração do processo em
eleger o subdesenvolvimento como virtude da revolução técnico-científica.
principal objeto de análise, teve A competição intercapitalista e
repercussão internacional, inclusive nos interestatal intensificada por este
países centrais do capitalismo. Integrou- processo de globalização criou um
se muito bem com uma corrente crítica ao movimento de formação de blocos
eurocentrismo que estuda o surgimento e econômicos regionais com o objetivo de
o desenvolvimento do capitalismo a nível fortalecimento da região para sua
mundial a partir do conceito de sistema- inserção no mercado global. Santos
mundo. Esta corrente, que utiliza a ideia enuncia este processo da seguinte forma:
de centro e periferia e das relações entre
A atual conjuntura indica, pois,
estes dois lados na análise do
dois movimentos aparentemente
desenvolvimento econômico global, tem opostos, mas interdependentes. O
processo de globalização da
em Immanuel Wallerstein seu principal economia mundial que une todas
as nações e as regiões dentro de
expoente. um movimento único que integra o
conjunto da humanidade em uma
Isto posto, resta-nos apenas civilização planetária, na qual as
necessidades do planeta se
discutir sobre o processo de globalização
sobrepõem às lógicas particulares.
e regionalismo para que se possa Mas, ao mesmo tempo, para
situar-se neste mundo global, as
adentrar na defesa do segundo, sob a nações, assim como as regiões e
os diferentes agentes sociais
ótica da teoria da dependência. veem-se obrigados a fortalecerem-
se localmente para competir nessa

60 InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015


Valter W. N. Lima, Arleciane E. A. Borges, Otto R. M. Cruz, Waleska B. C. Vasconcelos

economia mundial (SANTOS, Depois de todas estas


1993, p. 95).
considerações, torna-se propício fazer a
Nas palavras de Hurrell, o análise do regionalismo a partir da teoria
regionalismo é definido como: dependentista.
Em presença das dimensões
Um conjunto de políticas de um ou territorial, demográfica e econômica
mais Estados, destinadas a
promover a emergência de uma alcançadas pelo Brasil é absolutamente
sólida unidade regional, a qual
desempenha um papel definidor natural que o país aspire, no cenário
nas relações entre os Estados
dessa região e o resto do mundo, internacional, um papel mais marcante do
bem como constitui a base
que aquele que lhe tem cabido até o
organizativa para políticas no
interior da região, em uma ampla momento; principalmente, na América do
gama de temas (HURRELL, 1993,
p. 100). Sul, onde, diante das limitações dos
países que dela fazem parte, é ainda mais
Serbin (2014) distingue dois tipos
perceptível sua grandeza. Mas como agir
de regionalismo na América Latina nas
na ordem internacional para alcançar essa
duas últimas décadas. Nos anos 90,
pretensão? Diante de uma política
predominou o regionalismo aberto,
regionalista que tem se mostrado cada
caracterizado pela busca de acordos de
vez mais compensadora, não só na
livre comércio entre os países da região,
América do Sul, como em várias partes do
influenciado pelo auge do neoliberalismo.
mundo a globalização tenta restaurar seu
Já na última década e atualmente
valor que, se até o momento não foi
prevalece o regionalismo pós-liberal,
esquecido, já não é mais tão empolgante,
baseado em projetos de cooperação para
ao menos em curto prazo, para os países
o desenvolvimento da região. Santos,
subdesenvolvidos.
bem antes, também já menciona duas
Como visto, a teoria da
faces do regionalismo:
dependência apresenta o
Este processo de regionalização
tem de início dois lados subdesenvolvimento não como um
complementares e contraditórios.
Uma de suas faces é o liberalismo, atestado de atraso civilizatório de uma
a livre mobilidade dos fatores
dentro da região em processo de região que não conseguiu modernizar-se
integração. Outra de suas faces é
a proteção das empresas e da
por deficiências próprias, mas sim como
produção desta região contra a resultado de uma participação no
competição externa (SANTOS,
1993, p. 90). processo de acumulação primitiva

InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015 61


Regionalismo na efetivação do direito ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos sob o enfoque da teoria
da dependência

capitalista em uma posição subordinada fator fundamental é a crise de hegemonia


aos interesses do grande capital dos Estados Unidos.
internacional (SANTOS, 2013). Logo, a Santos (1993), nessa perspectiva,
superação do subdesenvolvimento passa relata que a evolução da economia
por um rompimento com esta relação de mundial se dá no sentido de limitar a
subordinação e dependência com o sobrevivência de um imperialismo
centro capitalista e a implementação de econômico fundado em um poder central
um projeto de desenvolvimento voltado e hegemônico incontestável. A crise de
para dentro, com fortalecimento do hegemonia no mundo contemporâneo
mercado interno através da redistribuição favorece a ação negociadora das partes
de renda, com vistas à superação da subjugadas e dependentes. A América
dependência das exportações de Latina tem, assim, uma oportunidade
produtos primários. Esta proposta, trazida única para afirmar a sua unidade sem
à realidade da América Latina, conduz chocar-se abertamente com a hegemonia
inevitavelmente à conclusão da norte-americana. Este país poderá por fim
integração regional latino-americana como reconhecer sua necessidade de negociar
melhor opção de inserção internacional com uma América Latina forte e integrada.
para o Brasil. Esta proposta torna-se Já em 1993, portanto, os
óbvia para a teoria da dependência diante “dependentistas” defendiam esta
da realidade de um subcontinente inteiro integração latino-americana baseada nos
subdesenvolvido. interesses comuns dos países e não na
Os autores desta escola teórica dominação política e na exploração das
atribuem a dificuldade de integração da riquezas, características da relação
região historicamente à influência dos histórica da região com os países
interesses das potências hegemônicas do capitalistas centrais.
capitalismo mundial. Porém, o processo Santos (1994) declara também que
de globalização das últimas décadas abre esta proposta de integração regional não
oportunidade a esta integração na medida é contraditória com uma inserção da
em que obriga as regiões a se integrarem região na economia global. Muitos autores
para se defenderem na economia global, veem uma oposição entre o nacionalismo
como se percebe ao analisar o processo econômico do Terceiro Mundo e a sua
de globalização e regionalização. E um integração na economia mundial. Nada

62 InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015


Valter W. N. Lima, Arleciane E. A. Borges, Otto R. M. Cruz, Waleska B. C. Vasconcelos

mais equivocado. Somente a realização econômico da região. A lógica da


dos ideais nacionalistas de integração das integração deixa de ser apenas o livre
economias nacionais e o aumento de seu comércio e elege o desenvolvimento
potencial produtivo voltado para o seu como principal objetivo, tendo a
mercado interno daria a essas nações o cooperação e o investimento integrado
poder de realmente se incorporarem ao como instrumentos. Outro organismo que
mercado mundial como vendedoras e retrata esta nova fase do regionalismo
compradoras. Os teóricos do latino-americano é a CELAC
nacionalismo econômico terceiro- (Comunidade dos Estados Latino-
mundista sempre se apoiaram em autores Americanos e Caribenhos), que envolve
como List, na experiência do todos os países do continente com
protecionismo norte-americano que exceção dos Estados Unidos e Canadá.
triunfou com a guerra de secessão e no O Brasil tem assumido nos últimos
protecionismo quase espontâneo do anos um papel fundamental nesta nova
Japão, para justificar suas próprias visões fase da integração latino-americana. Sua
de construir uma nação integrada e postura de incentivo ao desenvolvimento
poderosa para poder competir no da região, demonstrada em atitudes como
mercado internacional. Nenhuma dessas a revisão do Tratado de Itaipu, a questão
experiências levou ao fechamento dessas do gás boliviano, a negociação de
nações para a economia mundial. compensações para os desequilíbrios dos
Este processo de integração pós- fluxos comerciais com a Argentina e
liberal vem avançando a passos largos na demais países do MERCOSUL, entre
América Latina na última década, outras, aumenta a confiança dos países
resultado da eleição de diversos governos da região, fator importante para o
da esquerda política na região. As processo de integração. Esta política
evidências deste processo podem ser externa está de acordo com as ideias da
observadas na formação de organismos teoria da dependência. Santos, assim,
como a UNASUL (União de Nações Sul- explica sua ideia sobre a atual política
Americanas). Esta organização tem hoje externa:
como principal pauta uma grande lista de A crescente incorporação do Brasil
nesta frente latino-americana, tão
projetos de infraestrutura considerados desprezada historicamente pela
nossa oligarquia, é um fator
fundamentais para o desenvolvimento

InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015 63


Regionalismo na efetivação do direito ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos sob o enfoque da teoria
da dependência

decisivo para viabilizar este projeto Cardoso e um superávit de + 103,0 no


histórico. Toda a região espera do
Brasil que ele assuma uma governo sucessório.
liderança histórica a favor da
integração regional. Uma parte Outro dado positivo do Governo
significativa da população
brasileira já aderiu a esta ideia e o Lula e, consequentemente, desfavorável
Governo Lula conseguiu ao de Fernando Henrique Cardoso diz
substanciar esta meta histórica ao
criar a UNASUL, ao apoiar o respeito à dívida externa; durante o
Banco do Sul e ao tomar posições
políticas sempre favoráveis aos Governo Lula caiu de 210 para 165
interesses regionais. O Governo
Dilma deve dar continuidade a (bilhões de US$). Há ainda que se fazer
estas mudanças buscando dar-lhe
maior eficiência e eficácia
menção ao recorde atingido pela
(SANTOS, 2012, p. 13). BOVESPA PTS no governo petista

Relevante é agora para dar chegando a atingir 35.223 pontos à época

embasamento aos estudos de Santos e (janeiro de 2006). Por fim, porém não

de igual forma a posição do presente menos importante na análise dos

estudo diante do regionalismo, incluem-se governos são as quedas dos juros e da

os seguintes dados. inflação; 7,00% e 6,80%,

De acordo com o Relatório do respectivamente.

Fundo Monetário Internacional, pode-se Finaliza-se, portanto, sob as

fazer um comparativo entre o Governo premissas de Maior (2003) para quem fica

Lula e o Governo Federal anterior (REDE evidente que a formação de um bloco

JUVENTUDE CIDADÃ, 2014). econômico sólido, de modo a firmar a

A maior disparidade está nas liderança brasileira na América do Sul,

médias da balança e do superávit facilitaria o exercício de sua política de

comerciais. Referente à balança potência emergente.

comercial, o Governo Fernando Henrique A política externa brasileira

Cardoso marcou - 2,442 bilhões de US$. demonstra informações que indicam o

Enquanto que no Governo Lula, positivou- retorno da tradição global-multilateral no

se, atingindo os + 34,420 bilhões de US$. século XXI e o regionalismo, contraposto

Já o superávit comercial apresentou um à globalização. Explicados o regionalismo

déficit, também em bilhões de dólares de - e a globalização – o primeiro de maneira

8,7 no Governo Fernando Henrique mais minuciosa diante da sua maior


relevância ao presente estudo – analisou-
se o porquê da preferência pela

64 InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015


Valter W. N. Lima, Arleciane E. A. Borges, Otto R. M. Cruz, Waleska B. C. Vasconcelos

integração regional como forma prioritária alguma forma impeçam o desenvolvi-


do governo brasileiro de interagir mento dos países, principalmente dos
internacionalmente. De maneira a tornar o subdesenvolvidos, devendo proporcionar
trabalho mais completo e embasado, a equiparação entre eles, um desenvolvi-
foram utilizados também dados mento mundial equilibrado, tendo atenção
comparativos entre uma corrente e outra às interferências negativas que o atraso
que comprovam maior potencial benéfico neste processo pode trazer aos Estados
do regionalismo para o Brasil. que estão em níveis avançados.
Tem-se, portanto, o regionalismo
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS como um instrumento eficaz de promoção
do direito ao desenvolvimento dos países,
Tendo em vista a globalização e a que sozinhos não conseguiriam alcançá-
influência capitalista que provocam a in- lo, haja vista tratar-se de direito garantido
terdependência entre os países, uma vez a todos, mas de difícil execução de forma
que sozinhos não conseguem satisfazer isolada pelos Estados.
as suas necessidades internas, faz surgir Neste sentido, os países tidos por
a necessidade da realização da coopera- subdesenvolvidos, inseridos como tal
ção internacional como instrumento de muitas vezes por históricos de exploração
promoção do desenvolvimento, figurando econômica e comercial, devem ter ajuda
a ONU em papel central no fomento a co- significativa dos países em estágio mais
operação, por se tratar de organismo in- avançado de desenvolvimento para a re-
ternacional com influência política e eco- dução das desigualdades entre os Esta-
nômica sobre os países, podendo-se falar dos, surgindo à inserção regional como
até em uma forma de manutenção da paz forma de fortalecimento local e de defesa
mundial. na economia.
Esta cooperação deve se proceder
no sentido de eliminar as barreiras que de

REGIONAL EFFECTIVE IN THE RIGHT TO DEVELOPMENT OF COUNTRIES UNDER


UNDERDEVELOPED FOCUS THEORY OF DEPENDENCY

ABSTRACT
It is proposed to analysis of global cooperation from legal institutes that
turn positive the right to development and underdevelopment, in which

InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015 65


Regionalismo na efetivação do direito ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos sob o enfoque da teoria
da dependência

some theorists relate the latter as a result of dependency relationship


between some regions of the world and the core capitalist countries in the
process formation and expansion of the capitalist mode of production on a
global scale, creating a movement of formation of regional economic blocs
aimed at strengthening the region for its insertion in the global market. The
study is supported by a qualitative and explanatory approach with indirect
and bibliographical information. Brazilian foreign policy demonstrates
information that indicates the return of global-multilateral tradition in the
twenty-first century and regionalism, opposed to globalization. We
ascertained why the preference for regional integration as a priority so the
Brazilian government to interact internationally. Therefore has regionalism
as an effective instrument for promoting the right to development of the
countries, which alone would be unable to reach it, given that it was
guaranteed to all right, but difficult to implement in isolation by states. In
this sense, taken by developing countries, often inserted as such by
historic economic and commercial exploitation, should be of significant
help in countries more advanced stage of development to reduce
inequalities among states, the emerging regional integration as a means of
Local defense and strengthening the economy.

Keywords: Development. International Cooperation. Regionalism.

Recebido em: 15/04/2015 Aceito em: 24/05/2015

REFERÊNCIAS

BETHONICO, C. C. O. Direito ao Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,


desenvolvimento: um direito humano. In: 2003.
Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. XI, n. 57,
set., 2008. Disponível em: <http://www. FERREIRA, F. P.; CASTRO, L. P. G. O
ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_lin direito ao desenvolvimento como
k=revista_artigos_leitura&artigo_id=5165>. direito de igualdade de oportunidades
Acesso em: 16 set. 2014. entre as nações. [S.l.: s.n., 200?].
Disponível em: <http://www.unigoias.com.
BONAVIDES, P. Curso de direito br/publicacoes/revista_Anhanguera/2004/
constitucional positivo. 12. ed. São Cap_02.pdf>. Acesso em: 16 set. 2014.
Paulo: Malheiros, 2002.
GOMÉZ-GALAN, M.; SANAHUJA, J. A. El
DHNET. Declaração sobre o Direito ao sistema internacional de cooperaciónal
Desenvolvimento de 1986. Disponível desarrollo. Una aproximación a susactores
em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/ e instrumentos. In: SÁNCHEZ, E.
onu/spovos/lex170a.htm>. Acesso em: 16 R. Cooperación y desarrollo: nueve
set. 2014. preguntas sobre el tema. Madrid: CIDEAL,
2002.
DINH, N. Q.; DAIILLIER, P.; PELLET, A.
Direito internacional público. 2. ed. GUIMARÃES, C. et al. Conferência de
Viena de 1993. [S.l.: s.n., 200?].

66 InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015


Valter W. N. Lima, Arleciane E. A. Borges, Otto R. M. Cruz, Waleska B. C. Vasconcelos

Disponível em: <http://academico.direitorio soInternet.pdf>. Acesso em: 14 out.


.fgv.br/wiki/Confer%C3%AAncia_de_Viena 2013a.
_de_ 1993>. Acesso em: 11 out. 2013.
______. Declaração e Programa de Ação
HURRELL, A. Os blocos regionais nas de Viena: conferência mundial sobre
Américas. Revista Brasileira de Ciências direitos humanos. [S.l.: s.n., 200?].
Sociais, São Paulo, a. 8, n. 22, p. 98-118, Disponível em: <http://www.oas.org/dil/
1993. port/1993%20eclara%C3%A7%C3%A3o%
20e%20Programa%20de%20Ac%C3%A7
KINOSHITA, F.; FERNANDES, J. A. O %C3%A3o%20adoptado%20pela%20Conf
direito ao desenvolvimento como um er%C3%AAncia%20Mundial%20de%20Vi
direito humano e prerrogativa dos Estados ena%20sobre%20Direitos%20Humanos%
nas relações internacionais do século XXI. 20em%20junho%20de%201993.pdf>.
Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. XI, n. 50, Acesso em: 15 out. 2013b.
fev., 2008. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_l ______. Declaração do Milênio das
ink=revista_artigos_leitura&artigo_id=5912 Nações Unidas. [S.l.: s.n., 200?].
>. Acesso em: 11 out. 2013. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br
/bvs/publicacoes/declaracao_milenio_naco
MAIOR, L. A. P. S. Desafios de uma es_unidas.pdf>. Acesso em: 28 out.
política externa assertiva. Revista 2013c.
Brasileira de Política Internacional,
Brasília, v. 46, n. 1, p. 12-34, jan./jun., ______. A ONU e o desenvolvimento.
2003. [S.l.: s.n., 200?]. Disponível em:
<http://www. onu.org.br/a-onu-em-acao/a-
MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. onu-em-acao/a-onu-e-odesenvolvimen
Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas, to/>. Acesso em: 16 set. 2014.
2002.
REDE JUVENTUDE CIDADÃ. Relatório
OLIVEIRA, S. L. Tratado de metodologia do Fundo Monetário Internacional. [S.l.:
científica. São Paulo: Pioneira, 2002. s.n., 200?]. Disponível em:
<http://www.juventude.org.br/conteudo/fiqu
OLIVEIRA, O. M. B. A. Monografia e_sperto/not_ 02.asp>. Acesso em: 16 set.
jurídica. 3. ed. Porto Alegre: Síntese, 2014.
2003.
SANTOS, T. Globalização e
OLIVEIRA, D. P. O direito ao regionalização na economia mundial.
desenvolvimento como direito humano e Revista Análise Conjuntural, Paraná, v.
sua proteção jurídica constitucional e 1, n. 1, p. 78-96, jan./mar., 1993.
internacional. Revista da Escola da
Magistratura do RN, Rio Grande do ______. Economia mundial, integração
Norte, v. 7, n. 1, p. 165-177, 2008. regional e desenvolvimento
sustentável. Rio de Janeiro: Vozes, 1994.
ONU. Carta das Nações Unidas e
Estatuto da Corte Internacional de ______. A teoria da dependência:
Justiça. [S.l.: s.n., 200?]. Disponível em: balanços e perspectivas. Rio de Janeiro:
<http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_Ver Civilização brasileira, 2000.
InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015 67
Regionalismo na efetivação do direito ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos sob o enfoque da teoria
da dependência

______. Integración: fenómeno de larga SERBIN, A. Atuando sozinho?


duración. Revista América Latina en Governos, sociedade civil e regionalismo
Movimiento: integración suramericana na América do Sul. [S.l.: s.n., 200?].
temas estratégicos, Quito, n. 480 e 481, p. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
12-15, nov./dez., 2012. ln/n90/a11n90.pdf>. Acesso em: 16 set.
2014.
______. Integração da América do Sul:
antecedentes e perspectivas. [S.l.: s.n., 200?]. TRATADO INTERNACIONAL. Declaração
Disponível em: <http://www.cartamaior. e Programa de Ação de Viena de 1993.
com.br/?/Editoria/Internacional/Integracao- [S.l.: s.n., 200?]. Disponível em:
da-America-do-Sul--antecedentes-e- <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudo
perspectivas/6/16221>. Acesso em: 16 s/bibliotecavirtual/instrumentos/viena.htm>
out. 2013. . Acesso em: 11 out. 2013.

SEN, A. Prefácio. In: BARRAL, W. (Org.). UNICRIO. A ONU e o desenvolvimento.


Direito e desenvolvimento: análise da [S.l.: s.n., 200?]. Disponível em:
ordem jurídica brasileira sob a ótica do <http://www.unicrio.org.br/a-onu-em-
desenvolvimento. São Paulo: Editora acao/a-onu-e-o-desenvolvimento/>.
Singular, 2005. Acesso em: 10 out. 2013.

68 InterScientia, João Pessoa, v.3, n.1, p.48-68, jan./jun. 2015

Você também pode gostar