Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
BBC News - Cracolândia
BBC News - Cracolândia
CRÉDITO: REUTERS
'Guerra às drogas e desumanização das pessoas que vivem ali criou uma
carta branca para operações (policiais). Mas essas ações ocorreram
diversas vezes e não resolveram o problema', diz pesquisador e urbanista
Article information
• Author,Felipe Souza
• Role,Da BBC News Brasil em São Paulo
• Twitter,@felipe_dess
• 18 agosto 2023
Glória, uma moradora local que pediu para não ter seu nome verdadeiro
revelado, diz ter comprado um apartamento na região por conta da
quantidade de serviços que havia no abastado bairro de Campos Elíseos
na década de 1980.
Os pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil contam que o local foi
escolhido pela burguesia para erguer seus casarões porque era
privilegiado em diversos aspectos, principalmente pela proximidade com
a estação da Luz, que levava ao interior e à então capital do país, o Rio
de Janeiro.
“No final dos anos 1800, as estações ferroviárias da região eram usadas
pela elite como meio de transporte. Mas isso mudou com a instalação da
rodoviária, que trouxe um movimento de ônibus e migrantes recém-
chegados, além da instalação de pensões de curta duração. Isso foi
tensionando com o uso dos palacetes, que foram deixando de ser
habitados”, conta.
Em 1961, o bairro inaugurou a rodoviária da Luz, a primeira da cidade. O
local se tornou instantaneamente o principal ponto de chegada à
metrópole, e isso foi um divisor de águas para a região.
Rolnik lembra que o Shopping Fashion Center Luz foi inaugurado no lugar
da rodoviária, mas a Prefeitura o desocupou para construir um teatro de
ópera e dança em uma tentativa de atrair a classe média de volta para
o bairro.
CRÉDITO: REUTERS
Fechamento da rodoviária da Luz causou efeito dominó de abandono
no bairro de Campos Elíseos, antes ocupado pelos barões paulistas do
café
Ela ainda cita que outros equipamentos culturais, como a Sala São Paulo,
a Pinacoteca e o Museu da Língua Portuguesa foram inaugurados na
região ainda nessa tentativa de atrair a classe média. Mas essa estratégia
também fracassou.
A cola e o crack
"O crack foi o acesso à cocaína para as pessoas que não tinham
dinheiro."
Trinta anos depois de se mudar para a região, ela evita sair de casa por
medo de ser roubada. E conta que o glamour de décadas atrás deu
lugar ao desespero.
Edivaldo Godoy, de 65 anos, conta que foi um deles. Na época, diz ele à
BBC News Brasil, era morador de rua e foi um dos primeiros a experimentar
o crack e viver nas ruas da Cracolândia, no início da década de 1990.
“Ali sempre foi uma boca de fumo. Tinha muita cola, maconha e
cocaína. Eu costumava cheirar cola, mas, quando o crack chegou, a
estrutura para o tráfico já estava pronta”, afirma.
Ele conta que a droga tem um efeito "devastador" por conta de seu
potencial de dependência e que logo se popularizou na região.
Ele conta que, assim que o crack chegou a São Paulo, algumas pessoas
do crime discordavam de que a droga deveria ser vendida por conta de
sua potência. Todos os que discordavam foram mortos, diz Edivaldo.
“O cara que fuma maconha ou usa cocaína vai até a biqueira, compra
e volta para casa. Já quem usa crack precisa daquilo toda hora. Acaba
uma pedra e o cara quer outra. Então, ele não se distancia da boca, fica
sempre ali por perto sempre juntando dinheiro para comprar mais", conta
ele.
Edivaldo diz que foi preso diversas vezes. Ele conta que chegou a ficar
preso no Carandiru e foi um dos sobreviventes do massacre que deixou
111 mortos em outubro de 1992.
Ele diz que só saiu com vida porque se fingiu de morto em meio a corpos
ensanguentados.
Desocupa, derruba e espalha
"A guerra às drogas e a desumanização das pessoas que vivem ali criou
uma carta branca para as operações. Mas essas ações ocorreram
diversas vezes e não resolveram o problema.”
"As construtoras querem derrubar tudo e erguer de novo, mas ali é uma
região em que há muitos processos de herança mal concluídos, muitas
dívidas em imóveis e patrimônio histórico. Tudo ali é tombado, e isso é
uma pedra no sapato do mercado imobiliário. Dificulta muito o lado
deles.”
Para Marino, o governo deveria testar novas estratégias para tentar
desocupar a Cracolândia.
Ele foi golpeado por uma "arma branca cortante" usada por um homem
que tentou roubar a mochila dele.
João chegou a ser levado ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos.
Na mesma noite, as polícias civil e militar fizeram uma ação em conjunta
com a Guarda Municipal na Cracolândia. O resultado foram três pessoas
detidas por tráfico de drogas e a prisão de uma mulher procurada pela
Justiça.
A pasta disse ainda que "essa queda nas estatísticas criminais reflete a
atuação da polícia tanto na área central como nos arredores da região
frequentada pelos usuários de drogas. Ainda, neste ano foram
apreendidos 512,78% entorpecentes a mais do que no ano passado.
Adicionalmente, o policiamento ostensivo foi intensificado com um
acréscimo de 120 policiais nas ruas diariamente".
Já a Prefeitura de São Paulo disse à BBC News Brasil que vem ampliando
e melhorando a oferta de serviços de tratamento e assistência à
população em situação de rua que faz uso de álcool e outras drogas.
"Hoje, já são mais de 450 beneficiários que deixaram a Cracolândia e
foram inseridos no mercado de trabalho. O monitoramento e
aprimoramento desta política é constante", disse a Prefeitura em nota.