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A Carta de Caminha, de Pero Vaz de Caminha

A carta que o escrivão Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei d. Manuel é considerada o primeiro documento da
nossa história, e também como o primeiro texto literário do Brasil e é o mais minucioso e importante documento relacionado à
viagem da esquadra de Cabral ao Brasil e foi publicada pela primeira vez apenas em 1817, mais de trezentos anos após haver
sido redigida, como parte do livro Corografia Brasílica..., de autoria de Manuel Aires do Casal. Isto significa que, até essa
época, a história contada sobre a viagem de 1500 foi substancialmente diferente da narrada depois.
O texto de Pero Vaz de Caminha tem a preocupação básica de informar, procurando transmitir o  máximo possível de
dados a respeito do que ocorria e do que o escrivão via, ouvia e sentia.  O fato de ser um texto informativo alia-se a outras
importantes dimensões do documento, pois insere-se no esforço conjunto dos europeus, concretizado nos textos de viagem da
época (especialmente nos escritos por integrantes das expedições), no sentido de construir alteridades, à medida mesmo que
os navegantes entravam em contato com diversas terras e povos — alguns, como os índios e o futuro Brasil, totalmente
desconhecidos deles —, com os quais seria preciso conviver dali em diante e, para conseguir dominar, sobretudo conhecer. 
O escrivão português foi minucioso na elaboração do seu inventário de diferenças, incluindo não somente pessoas,
mas animais, plantas, relevo, vegetação, clima, solo, produtos da terra, etc. 
O texto do escrivão foi além. Reunindo o que viu às categorias que construiu, Caminha completou o ciclo: propôs ao
rei, no final de seu texto, caminhos concretos para o aproveitamento do território e de seus habitantes, a saber: o
desenvolvimento da agricultura e a cristianização dos índios. O escrivão viu o diferente, apreendeu-o segundo a sua própria
mentalidade e, porque fez isso, foi capaz de dar o terceiro passo: sugerir ao monarca os caminhos do futuro, que eram os
caminhos da desigualdade entre visitantes e habitantes, os caminhos da dominação portuguesa. Os acontecimentos descritos
na carta — o tempo presente da chegada à terra — podiam incluir — como efetivamente incluíram — congraçamentos e
danças coletivas entre navegadores portugueses e índios, além de atitudes legítimas de curiosidade, espanto e tolerância,
profundamente humanas, por parte do escrivão ou de outros tripulantes, frente à terra bela e à sua gente agreste.
"De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito fremosa. (...) Nela até agora não pudemos saber que haja ouro
nem prata... porém a terra em si é de muitos bons ares assim frios e temperados como os de Entre-Doiro-e-Minho. Águas são
muitas e infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar~ dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem,
porém o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente e esta deve ser a principal semente que
vossa alteza em ela deve lançar"
Assim o escrivão da Armada de Cabral conclui sua carta-relatório ao Rei D. Manuel, informando sobre o
descobrimento do Brasil. Observe a convivência, no mesmo parágrafo, do propósito mercantilista da viagem (a preocupação
com o ouro e a prata) com o espírito missionário (a salvação do índio), que oferecia uma justificativa para a exploração
econômica. A Carta de Pero Vaz de Caminha marca, também, o início de uma longa tradição, o ufanismo ou nativismo, que
consiste na exaltação (geralmente exagerada) das virtudes da terra e da gente, e que se irá desdobrar em todos os períodos
subseqüentes.
Com relação ao índio, a atitude de Caminha foi de certa simpatia: "Andam nus sem nenhuma cobertura, nem estimam
nenhuma cousa de cobrir nem mostrar suas vergonhas e estão acerca disso com tanta inocência como têm de mostrar no
rosto. (...)Eles porém contudo andam muito bem curados e muito limpos e naquilo me parece ainda mais que são como as
aves ou alimárias monteses que lhes faz o ar melhor pena e melhor cabelo que as mansas, porque os corpos seus são tão
limpos e tão gordos e tão fremosos que não pode mais ser."
Alude também, maliciosamente, à nudez das índias:"(...) Ali andavam entre eles três ou quatro moças bem novinhas e
gentis, com cabelo mui pretos e compridos pelas costas e suas vergonhas tão altas e tão saradinhas e tão limpas das
cabeleiras que de as nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha." A Carta de Caminha  é o relato mais rico e
confiável da primeira semana após o Descobrimento. É um diário atípico, ou uma crônica de viagem, revestida das
características estilísticas da literatura de viagem do Quinhentismo: a linguagem clássica, simplificada pela necessidade de
tratamento objetivo da matéria; clareza; simplicidade; realismo nas observações; crítica equilibrada e, dentro do espírito
humanista, uma constante curiosidade e uma persistente capacidade de maravilhar-se. Como documento é muito mais
revelador e muito mais bem escrito do que a carta de Américo Vespúcio, que logrou o tamanho sucesso na Europa
renascentista, a ponto de fazer do nome de seu autor o nome do novo continente.

Antologia, de Gregório de Matos


As obras de Gregório de Matos Guerra permanecem como uma das mais malditas e rebeldes da história da literatura
brasileira. É o que comprova esta obra, Antologia, cuidadosamente organizada e anotada por Higino Barros. Sua obra poética
reflete influências clássicas e sobretudo influências dos poetas espanhóis Gôngora e Quevedo. No entanto, é uma das obras
poéticas mais originais da língua portuguesa no séc. XVII. Caracteriza-se por possuir aspectos tipicamente barrocos. Assim,
ela se compõe de elementos opostos como é próprio do barroco. De um lado, há os poemas líricos, de fundo religioso, moral e
amoroso. De outro lado, há os poemas satíricos, sendo alguns eróticos e outros até mesmo pornográficos. Por esse lado
satírico, Gregório de Matos Guerra era chamado de "Boca do Inferno". Em suas sátiras ridicularizou e atacou violentamente o
clero e toda a sociedade baiana da época, os dirigentes do reino, ricos e pobres, nobres e comerciantes, pretos, mulatos e
brancos. Nesses poemas encontra-se uma verdadeira crônica da vida colonial brasileira no séc. XVII.
Dos poemas atribuídos a Gregório de Matos Guerra, até hoje não se sabe com exatidão quais os verdadeiros e quais os
falsos, nem sua cronologia. Foram preservados através de vários códices copiados por outros autores. Esses códices se
encontram guardados em bibliotecas portuguesas e brasileiras, como a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.
Seu espírito profundamente barroco pode ser percebido na contraditória diversidade dos temas que desenvolveu em sua obra:
a. poesia sacra (temática religiosa) 
b. lírica amorosa 
c. poesia satírica
d. poesia burlesca  - poesia filosófica
I. Poesia sacra 
Como autor barroco, não poderia faltar a poesia, religiosa em sua obra. Essa temática abrange um amplo conjunto, desde os
poemas circunstanciais em comemoração a festas de santos até os poemas de contrição e de reflexão moral:
II- Lírica amorosa 
A lírica amorosa na obra de Gregório de Matos abrange um amplo leque temático. Às vezes é a mais pura idealização do
amor: 
III- Poesia satírica 
O "Boca do Inferno" não perdoava ninguém: ricos e pobres, negros, brancos e mulatos, padres, freiras, autoridades civis e
religiosas, amigos e inimigos, todos, enfim, eram objeto de sua "lira maldizente".
O governador Câmara Coutinho, por exemplo, foi assim retratado:
Contudo, o melhor de sua sátira não é esse tipo de zombaria, engraçada e maldosa, mas a crítica de cunho geral aos vícios da
sociedade. Sua vasta galeria de tipos humanos contribui para construir sua maior e principal personagem - a cidade da Bahia:

Poesia burlesca 
É a poesia mais circunstancial de Gregório de Matos. De modo sempre galhofeiro, o poeta registra em versos sempre
pequenos acontecimentos da vida cotidiana da cidade e dos engenhos. Segundo James Amado, a poesia burlesca é a crônica
do viver baiano seiscentista. A maior parte foi escrita na última fase da vida do poeta, período de decadência pessoal e
profissional. O doutor deixara de advogar e perambulava pelos engenhos do Recôncavo, levando sua viola de cabaça,
freqüentando festas de amigos e namorando as mulatas, muitas delas prostitutas, com tom brincalhão podem freqüentemente
tornar-se obscenos. Daí, o ‘populismo’ chulo que irrompe às vezes e, longe de significar uma atitude aristocrática, nada mais é
que válvula de escape para velhas obsessões sexuais ou arma para ferir os poderosos invejados.

Soneto bem conhecido

A cada canto um grande conselheiro  Muitos mulatos desavergonhados, 


Que nos quer governar cabana e vinha,  Trazidos pelos pés os homens nobres, 
Não sabem governar sua cozinha,  Posta nas palmas toda a picardia. 
E podem governar o mundo inteiro.  Estupendas usuras nos mercados, 
Em cada porta um freqüentado olheiro,  Todos, os que não furtam, muito pobres, 
Que a vida do vizinho, e da vizinha,  e eis aqui a cidade da Bahia 
Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha 
Para a levar à Praça, e ao Terreiro. 

Apesar de ter feito linda poesia sacra e lírica, foi como poeta satírico que o "Boca do Inferno" se destacou. Em seus sonetos (2
quartetos e 2 tercetos), oitavas (estrofes de 8 versos), décimas (estrofes de 10 versos) e poemas de diversas formas, Gregório
de Matos não perdoa ninguém, rico ou pobre, homem ou mulher, inimigo ou não. Assim, o poeta "abrasileirou" a linguagem
inserindo em suas poesias palavras nativas e palavrões chulos, usando sempre o estilo barroco de mostrar uma visão de
mundo conflituosa com antíteses, hipérboles, paradoxos, metáforas e simbolismo.

Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da CostaToda a sua criação literária de Cláudio Manuel da Costa está em Obras Poéticas,
obra que reúne a produção lírica do poeta, sonetos, éclogas, cantatas e outras modalidades, e que dá início ao Arcadismo
Brasileiro. Essa publicação marcou a fundação da Arcádia Ultramarina, uma instituição cultural onde os poetas se reuniam
para escrever e declamar seus poemas. O poeta admite a contradição que existe entre o ideal poético e a realidade de sua
obra. Com efeito, se os poemas estão cheios de pastores - comprovando o projeto de literatura árcade - o seu gosto pela
antítese e a preferência pelo soneto indicam a herança de uma tradição que remonta ao Camões lírico e à poesia portuguesa
do século XVII. A todo instante, o autor de Obras Poéticas vale-se de antíteses - típico procedimento barroco - para registrar os
seus conflitos pessoais. No soneto LXXXIV, temos um belo exemplo de contraste entre a dureza da pedra e a ternura do
coração:

Destes penhascos fez a natureza


O berço em que nasci! Oh, quem cuidara
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!

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