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TORR R RMR RPE RRR RRR RRR aly Ro Si © (escatoLocia) © ESCOLA "MATER ECCLESIAE" CURSOS POR CORRESPONDENCIA Pe. Estévao Tavares Bettencourt O. S. B. 09000000000000800 | 0@08000080808980080308000000808689 | 4 7 ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO POR CORRESPONDENCIA: OS NOVISSIMOS (ESCATOLOGIA) Rua Benjamin Constant, 23 - 3° andar - 20.241-150 RIO (Ru) Caixa Postal 1362 - 20001-970 RIO (RJ) Fone: (021) 242-4552 Caro(a) Cursista, Vocé recebe hoje um Curso de Escatologia. Eschaton em grego quer dizer: ultimo; dai ser Escatologia 0 discurso (l6gos) sobre os ultimos acontecimentos. Em linguagem latina, dir-se-ia: Curso de Novissimos; novissima, em latim, sao “as coisas mais novas” ou “as Ultimas”. Dai a dupla maneira de designar 0 nosso Curso: é de Escatologia ou de Novissimos. Na verdade, este nao é um entre os varios tratados da doutrina da fé. Mas é aquele que perpassa toda a mensagem crista porque indica o termo final da historia da salvagao, termo final que nao pode deixar de projetar sua luz sobre cada uma das etapas anteriores. Ja os antigos romanos diziam: In omnibus respice finem — em tudo que fagas, considera o fim, pois 6 o fim que dita o itinerario a percorrer. Que haja outra vida apds a peregrinagao terrestre, é certo, pois a existéncia neste mundo, tao marcada por invers6es e desordens, pede o restabelecimento da ordem e a restauragao da escala de valores. Visto que é tao esponténeo admitir uma vida péstuma, a fantasia dos homens tem-se precipitado para imagina-la e “descrevé-la”; nos ultimos tempos isto tem sido especialmente freqiiente, dada a incleméncia da historia contem- poranea. Por isto 0 cidadao de nossos dias é interpelado por varias teorias e hipdteses sobre o além, algumas mirabolantes, outras talvez sedutoras, mas quase todas destituidas de sdlido fundamento filosdfico ou experimen- tal. Disto origina-se grande confusao e até angustia na mente de muitas pessoas. — Ora, ao se tratar do além, uma das normas a observar ha de ser o respeito a sobriedade; para o cristéo, os dados da fé sao os referenciais necessarios; embora nao sejam muitos, bastam para permitir uma caminhada segura pelas estradas deste mundo e fundamentar a certeza de que nao luta em vao aquele que quer ser fiel 4 Palavra do Senhor. *% S&o precisamente os grandes pontos cardeais da fé, balizas de itinerdrio para o Infinito, que estes Médulos tencionam apresentar ao leitor. Atenciosamente Pe. Estévao Bettencourt 0.S.B. 7 OS NOVISSIMOS (ESCATOLOGIA) MODULO 1: MODULO 2: MODULO 3: MODULO 4: MODULO 5: MODULO 6: MODULO 7: MODULO 8: MODULO 9: MODULO 10: MODULO 11: MODULO 12: MODULO 13: MODULO 14: MODULO 15: MODULO 16: MODULO 17: MODULO 18: MODULO 19: MODULO 20: MODULO 21: MODULO 22: MODULO 23: MODULO 24: MODULO 25: MODULO 26: MODULO 27: MODULO 28: MODULO 29: MODULO 30: MODULO 31: MODULO 32: MODULO 33: MODULO 34: MODULO 35: MODULO 36: MODULO 37: MODULO 38: MODULO 39: ANTROPOLOGIA E GENERALIDADES AMORTE (I) —A FILOSOFIA AMORTE (II) — CONCEITO CRISTAO AMORTE (III) — QUESTOES COMPLEMENTARES AMORTE (IV) — QUESTOES COMPLEMENTARES .... AMORTE (V) — GREGOS, JUDEUS E CRISTAOS AREENCARNAGAO .... © JUIZO PARTICULAR A.BEM-AVENTURANGA CELESTE (I) — NOGAO .... ABEM-AVENTURANCA CELESTE (Il) — QUESTOES COMPLEMENTARES O PURGATORIO (1) — BIBLIA E TRADIGAO ., © PURGATORIO (II) — MAGISTERIO E TEOLOGIA SUFRAGIOS PELOS DEFUNTOS AS INDULGENCIAS .. © INFERNO (I) — ESCRITURA E TRADIGAO .. O INFERNO (II) — REFLEXAO TEOLOGICA . O INFERNO (Ill) — QUESTOES COMPLEMENTARES © LIMBO DAS CRIANGAS (!) — NO¢AO O LIMBO DAS CRIANGAS (II) — DISCUSSAO . ASALVAGAO FORA DA IGREJA VISIVEL (I) — HISTORICO ASALVAGAO FORA DA IGREVA VISIVEL (1!) — DOCUMENTOS ATUAIS .... O NUMERO DOS QUE SE SALVAN . A SEGUNDA VINDA DE CRISTO (PARUSIA) (I) — ESCRITURA E TRADIGAO SEGUNDA VINDA DE CRISTO (PARUSIA) (II) — REFLEXAO TEOLOGICA .. A SEGUNDA VINDA DE CRISTO (PARUSIA) (It!) — SINAIS PRECURSORES .... A SEGUNDA VINDA DE CRISTO (PARUSIA) (IV) — “PROFECIAS ‘A SEGUNDA VINDA DE CRISTO (PARUSIA) (V) — INCERTEZA DA DATA ... REINO DE DEUS E PROGRESSO HUMANO OANTICRISTO.. © OBSTACULO DO MISTERIO DA INIQUIDADE . ARESSURREICAO DA CARNE (I) — ESCRITURA .. ARESSURREICAO DA CARNE (I!) — TRADIGAO E MAGISTERIO. ARESSURREICAO DA CARNE (III) — SIGNIFICADO A RESSURREIGAO DA CARNE (IV) — COMO? 0 JUIZO UNIVERSAL (I) — FUNDAMENTAGAO BIBLICA .. O JUIZO UNIVERSAL (II) — COMPLEMENTOS O MILENARISMO CEU NOVO E TERRA NOVA. HABITANTES EM OUTROS PLANETAS? 13888 GCOCOOOHOOOHOOHOSHOSHOOHOSSESOOSHOHSOHSOOSEOOHOLEEESE 2 90S O0S OOOOH HHHHHHHSHO8EHH8H888HHHO8HO8EES ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO POR CORRESPONDENCIA: OS NOVISSIMOS (ESCATOLOGIA) MODULO 1: ANTROPOLOGIA E GENERALIDADES O estudo dos tltimos acontecimentos que afetarao 0 individuo e o género humano, deve comegar por uma apresentacao do que 6 o homem, sujeito de tais acontecimentos. Lig&o 1: Que é o homem? 1, O ser humano 6 composto de corpo material e alma espiritual Ha quem pergunte: qual a diferenca entre alma e espirito? Responderemos que o espirito é um ser dotado de inteligéncia e vontade, mas sem corpo, sem dimensdes materiais, sem forma, sem tamanho. Ha tras tipos de espirito, como se pode ver abaixo: nao criado: Deus Espirito para existir sem corpo: 0 anjo (bom ou mal) criado para se aperteicoar no corpo: alma humana ‘Sao Paulo, em 1Ts 5,23, parece distinguir trés componentes (espirito, alma e corpo) no ser humano. — Na verdade, porém, o Apéstolo nao intencionou ensinar antropologia, mas aludiu ao ser humano, usando uma das maneiras de falar da sua época. De resto, a palavra “espirito” (pneuma) nos escritos paulinos tem mais de um sentido, podendo designar o Espirito Santo (cf. Rm 5,5) como também a vida da graga no cristdo (cf. 1Cor 2,148). © corpo 6 mortal, pois consta de elementos materiais, que, com 0 tempo, se vao desgastando. Aalma humana, sendo espiritual, 6 imortal por si mesma; sendo simples, ela nao se decompée. Pode, sem duvida, ser aniquilada por Deus, que a criou a partir do nada. Sabe-se, porém, que Deus nao destréi as criaturas que Ele fez com muito amor. Em cada ser humano ha uma sé alma (espiritual), que é responsavel por todas as fungdes — vegetativas, sensitivas e intelectivas — dessa pessoa. Nao ha duas ou trés almas no mesmo individuo. Corpo e alma, embora sejam distintos um do outro, sao complementares entre si; formam um s6 todo psicossomatico, Nenhuma atividade do homem é meramente psiquica ‘ou meramente somatica, Embora a alma seja espiritual e imortal por si mesma, ela precisa do corpo para desenvolver suas potencialidades. Uma vez separada do corpo apés a morte, ela usufruir dos valores adquiridos enquanto unida ao corpo. 2. A doutrina assim apresentada nada tem que ver com dualismo. Este implica antagonismo entre partes opostas. Ocorre nas teorias maniquéia, érfica, pitagérica e no hinduismo, que tam a matéria como algo de intrinsecamente mau e 0 espirito como algo de bom por sua natureza mesma. A doutrina crista rejeita o dualismo, pois afirma que a matéria 6, como 0 espirito, criatura de Deus e, por conseguinte, ontologicamente boa. Mas nem por isso a doutrina crista cai no monismo, que identifica entre si matéria e espirito. — Entre dualismo e monismo situa-se a dualidade; esta protessa a distingéo de espirito e matéria, mas nao os julga antitéticos entre si, e, sim, complementares. Analo- gamente homem e mulher sao criaturas distintas uma da outra, mas ndo antagénicas, e, sim, feitas para se complementar mutuamente. 3 OS NOVISSIMOS (ESCATOLOGIA) Recapitulando esquematicamente: Dualismo: dois principios opostes entre si por sua prépria natureza ou no plano ontolégico; Dualidade: dois principios distintos, mas nao opostos entre si, e, sim, complemen- tares; Monismo: uma s6 realidade com facetas diversas. Ora corpo e alma formam uma dualidade, e nao dualismo nem monismo. Adualidade de corpo e alma é afirmada em Mt 10,28: “Nao temais os que matam © corpo, mas nao podem matar a alma. Temei, antes, aquele que pode destruir a alma e 0 corpo na geena’. Frente a recentes concepgdes monistas, a Igreja se pronunciou. Ligdo 2: A palavra oficial da Igreja Aos 17/05/1979 foi promulgada uma Declaragao da Congregacao para a Doutrina da Fé, que incute a distingao entre corpo e alma. Eis as suas afirmagées principais: “Esta Sagrada Congregacéo, que tem a responsabilidade de promover e defender a doutrina da f6, propée-se hoje recordar aquilo que a Igreja ensina, em nome de Cristo, especialmente quanto ao que sobrevém entre a morte do cristéo @ a ressurreigéo universal: 1) A Igreja cré 6 numa ressurreig&o dos mortos (cf. Simbolo dos Apéstolos). 2) A lgreja entende esta ressurreigao referida ao homem todo; esta, para os eleitos, nao 6 outra coisa se no a extensdo, aos homens, da prdpria ressurreigao de Cristo. 3) A lgreja afirma a sobrevivéncia e a subsisténcia, depois da morte, de um elemento espiritual, dotado de consciéncia e de vontade, de tal modo que 0 eu humano subsista, ainda que sem corpo. Para designar esse elemento, a Igreja emprega a palavra alma, consagrada pelo uso que dela fazem a S. Escritura @ a Tradigao. Sem ignorar que este termo 6 tomado na Biblia em diversos sentidos, Ela julga, nao obstante, que ndo existe qualquer razéo séria para o rejeitar e considera mesmo ser absolutamente indispensavel um instrumento verbal para sustentar a fé dos cristaos. 4) A lgreja exclui todas as formas de pensamento e de expressao que, se adotadas, tornariam absurdas ou ininteligiveis a sua ora¢éo, os seus ritos tinebres eo seu culto dos mortos, realidades que, na sua substancia, constituem lugares teoldgicos, 5) A Igreja, em conformidade com a Sagrada Escritura, espera a gloriosa manifes- tagéo de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Constituigéo Dei Verbum 14), que Ela considera como distinta e diferida em relagéo aquela condigao prépria do homem imediatamente apés a morte, 6) A Igreja, a0 expor a sua doutrina sobre a sorte do homem apés a morte, exclui qualquer explicago que tire 0 sentido 4 Assungao de Nossa Senhora naquilo que ela tem de Unico, ou seja, 0 fato de ser a glorificagéo corporal da Virgem Santissima uma antecipagao da glorificagao que estd destinada a todos os outros eleitos. 7) A Igreja, em adesao fiel ao Novo Testamento e a Tradigao, acredita na felicidade dos justos que estardo um dia com Cristo. Ao mesmo tempo Ela cré numa pena que ha de castigar para sempre 0 pecador que for privado da visdo de Deus, @ ainda na repercussao dessa pena em todo 0 ser do mesmo pecador. E, por tim, Ela cré existir para os eleitos uma eventual puriticagao prévia 4 vis4o de Deus, a qual no entanto é absolu- tamente diversa da pena dos condenados. E isto que a Igreja entende quando Ela fala de interno e de purgatério”. Nesta Declaragdo chamam-nos a atengao especialmente 4 A uv v uw w vw uv ~ w vu v0 v vu vw wu vu Sd vu uv uv uv v wo Vv vu uv vu ” uv wo v v u “ vu uv vu vu wv J w e DIDDIDIDIFAIIDIATDAIAIDTDIIDIDDDIDFIDDIDIIDDI9IDI|IIIAIWIIWI 1: ANTROPOLOGIA E GENERALIDADES —o item 3: afirma a separacdo de corpo @ alma na morte @ a subsisténcia, sem corpo, da alma humana, elemento espiritual, dotado de inteligancia e vontade (nucleo da personalidade); — 08 itens 5 e 6: ensinam que n&o coincidem entre si a hora da morte de cada individuo @ a parusia ou manifestagao final de Jesus Cristo, Se alguém morrer em 1993, no creia que assistira imediatamente ao fim do mundo, alegando que, apés a morte nao ha futuro nem passado. A auséncia de futuro e passado ou o regime da eternidade é de Deus sé. A criatura que deixa este mundo, emancipa-se do tempo, mas nao passa a viver © regime da eternidade; a sua duracdo sera medida pelo EVO ou por uma sucassao de atos psicolégicos, como se dird no Médulo 32 deste Curso (onde se encontra, de novo, transcrito 0 texto da Congregacao para a Doutrina da Fé). Ligdo 3: Observagées de ordem geral Antes de entrarmos nas diversas unidades do tratado dos Novissimos, importa-nos tecer algumas consideragdes de ordem geral: 3.1. A énfase modifica-se Nota-se que os antigos cristéos voltavam sua atengdo especialmente para a consumacao do universo ou o fim do mundo. Esperavam para breve a segunda vinda de Cristo @ 0 juizo final. E 0 que se depreende das epistolas de Sao Paulo, onde se Ié: “Quando 0 Senhor, ao sinal dado, & voz do arcanjo e ao som da trombeta divina, descer do céu, entéo os mortos em Cristo ressuscitarao primeiro; em seguida, nés, os vivos, que estivermos Id, seremos arrebatados com eles nas nuvens para o encontro com 0 Senhor nos ares’ (1s 4,16s). Este texto, com suas imagens, exprime a esperanga que S. Paulo alimentava, de ainda estar vivo quando Cristo voltasse no fim dos tempos. Os antigos cristdos ansiavam por esse evento final, rezando: “Marana thal Senhor, vem!” (cf. 1Cor 16,22; Ap 22,20). Vejam-se ainda os seguintes textos: “O fim de todas as coisas esta proximo. Levai, pois, uma vida de autodominio e de sobriedade, dedicada & oragao” (1Pd 4,7). “Esperai com paciéncia e fortalecei o vosso coragéo, porque a vinda do Senhor esté proxima’ (Tg 5,8). Todavia, j4 que os decénios se passavam e o fim da histéria ndo ocorria, foi-se deslocando a atengao da consumagao do mundo para a consumagao de cada individuo. Com outras palavras: foi prevalecendo o interesse pela morte pessoal como encontro com © Senhor. Mais @ mais foi-se empalidecendo a expectativa da préxima vinda de Cristo como Juiz Universal. A piedade medieval deixou-nos varios escritos sobre a morte © os acontecimentos finais concernentes ao ser humano individual; a meditagdo sobre os mesmos incitava os fiéis a uma vida santa e fervorosa. No século XX, porém, nem a consumagao do universo nem a do individuo merecem a atengdo da sociedade em geral. Instaurou-se a aversdo generalizada a tematica da morte e de seus concomitantes; registra-se a tendéncia a afastar qualquer sinal de tais realidades, como se diré mais explicitamente no Médulo 2 deste Curso. Tal tendéncia, porém, representa uma fuga ilusdria. “A morte 6 a Unica certeza que ‘© ser humano possa ter desde que nasce”, diz-se comumente. Dai a importancia de nos dedicarmos a tal tema nos Médulos deste Curso. Os NovissiMos (ESCATOLOGIA) 3.2. Sobriedade nas afirmagées A morte e a vida péstuma suscitam facilmente a imaginag&o de cristéos e nado cristéos. Muitas estorias 6 lendas populares se propagam em torno do assunto: os mortos voltam, enviam mensagens, assustam os vivos. como narram muitos escritores e mestres. Essas estérias que geralmente tém seu fundamento na fantasia dos vivos ou, no raro, em fendmenos parapsicoldgicos, consolam ou apavoram. Correspondem, de certo modo, a uma necessidade do ser humano, que quer continuar em contato com os seus semelhantes falecidos. A Igreja, consciente de que a imaginagao pode tornar infantis ou ridiculas as verdades da f6, pede aos pregadores que se mantenham sdbrios e discretos ao descrever 0 além. Digam 0 que & certo, enfatizando-o bem; proponham o hipotético como hipotético @ abstenham-se de ir além de tais limites, criando concepgdes ou imagens da prépria fantasia. Eis palavras do Concilio de Trento datadas de 1563: “O Sacrossanto Sinodo prescreve aos Bispos vigiem para que a auténtica doutrina do purgatorio, recebida dos Santos Padres e dos Santos Concilios, seja pelos cristéos aceita na {é, sustentada, ensinada e apregoada com diligéncia. Junto 4 gente simples, porém, as pregagdes populares devem ser isentas das questées dificeis @ sutis, que ndo sdo de utilidade para edificar, e das quais no se retira proveito para a piedade. Nao permitam os Bispos que se divulguem e se discutam pontos incertos ou aparentemente falsos. Proibam como escandalosos e ofensivos aos fiéis os temas que derivam de mera curiosidade, ou nutrem supersticées ou se inspiram de lucro vergonhoso” (Denzinger- Schénmetzer’, Enchiridion Symbolorum...n® 1820 [983]). 3.3. Topografia do Além A mentalidade judaica antiga, associada ao sistema geocéntrico, criou certa topo- grafia do Além; imaginou o céu “ld em cima” e o inferno “la em baixo" (inferno vem de infra, em baixo). E esponténeo ao ser humano conceber o Além como uma edigao melhorada e@ ampliada do aquém: teria seus jardins, suas luzes, flores, instalagoes materiais... E preciso que 0 fiel catdlico se dé conta de que tais imagens sao meras projegées subjetivas, destituidas de fundamento objetivo. © Apdstolo Sao Paulo observa “O que os olhos nao viram, os ouvidos ndo ouviram e 0 coragao do homem jamais concebeu, eis o que Deus preparou para aqueles que o amam” (Cor 2,9). A necessidade de sobriedade do discurso escatolégico tornar-se-A sempre mais clara & medida que prosseguirem os estudos deste Curso. Ligao 4: Plano do Curso O tratado dos Novissimos divide-se em duas partes com suas sub-partes, como se segue: fate Julzo particular i céu individual < purgatério inferno limbo das criangas Escatologia segunda vinda de Cristo (parusia) : ressurreigdo da carne coletiva *) juizo universal céU novo e terra nova 1- Doravante citado com 0.8, ECCCCCECCCECECCCCECCCCCECECCCCCECCCCCECCcCecceccccecccce DIDFIDDIDDIDIDIDIDFIDIDISIDIDDFDFIIDFDIDIDIDDHIFD9IIIIII 1: ANTROPOLOGIA E GENERALIDADES A Escatologia individual diz respeito aos acontecimentos que afetarao cada indivi- duo no fim da sua jornada terrestre. A Escatologia coletiva compreende a consumagao da histéria e do universo ou os acontecimentos relacionados com 0 fim dos tempos. Os Médulos deste Curso desenvolverdo cada uma das unidades do tratado, seguin- do a ordem atras proposta. PERGUNTAS 1) Pode-se dizer que o ser humano consta de corpo, alma e espirito? 2) Corpo e alma se distinguem entre si? 3) Qual a diferenca entre dualismo, dualidade e monismo? 4) Podemos localizar 0 céu e o inferno? 5) Ha vantagens em pensar nos acontecimentos finais? Escreva suas respostas em folhas 4 parte @ mande-as, com o nome e 0 enderego do cursista, para; CURSOS POR CORRESPONDENCIA, Caixa Postal 1362, 2001-970 RIO (Au). O TEMPO Sao palavras de Séneca (+ 65 d.C.), filésofo estdico, preceptor do Imperador Nero: “Meu caro Lucilio, reivindica a posse de ti mesmo. Teu tempo até agora te era tomado, roubado; ele te escapava. Recupera-o @ cuida dele. A verdade, ei-la: nosso tempo, arrancam-nos uma parte dele, desviam outra parte @ o resto nos escorre entre os dedos. Todavia 6 mais digno de censura perdé-lo por negligéncia. E, para quem considera bem, uma boa parte da vida decorre em feitos desajeitados; outra parte decorre na vadiagem; a vida inteira passa enquanto fazemos coisas diferentes daquelas que deve- riamos fazer. Poderias citar-me um homem que dé valor 20 tempo, que reconhega o valor de um dia, que compreenda que ele morre diariamente? Nosso erro esta em julgar que a morte esté diante de nds. No que se refere ao essencial, ela jd passou. Uma parte da nossa vida esta atrds de nds @ pertence a morte. Por conseguinte, caro Lucilio, faze 0 que dizes: segura cada hora. Serds assim menos dependente do aman, pois tu te terds apoderado do dia presente. Os homens adiam a vida para mais tarde. Enquanto 0 fazem, a vida se escoa. Lucilio, tudo 6 acha fora do nosso alcance. Somente o tempo nos pertence. Este bem fugidio, escorregadio, 6 a Unica coisa de que a natureza nos fez proprietarios. E 0 primeiro que sobrevem, no-lo arrebatal As pessoas sao loucas: diante do minimo presen- te, de quase nenhum valor, cada qual se sente obrigado a retribui-lo, ao passo que ninguém se julga obrigado em virtude do tempo que Ihe é concedido, tempo que 6 a Unica coisa que homem algum pode retribuir, seja ele o mais grato dos homens” (Séneca, Carta a Lucilio | § 2). OS NoviSSIMOS (ESCATOLOGIA) AMORTE QUE NAO E MORTE “Nao devemos chorar a morte dos entes queridos. Nao é certo lamentar-se como particular desgraga 0 que se sabe atingir a todos. Seria desejar subtrair-se ao destino geral, no aceitar a lei comum, nao reconhecer a igualdade de natureza, seguir os sentimentos carnais @ ignorar a finalidade do corpo. Haverd algo mais tolo do que desconhecer o que se 6, querer parecer 0 que nao se 67... algo de menos inteligente do que, sabendo 0 que dave acontecer, nao lograr suporté-lo quando acontece? A prépria natureza nos interpela @ nos retira da dor com um modo de consolar que Ihe é todo proprio. De fato, nao ha sofrimento tdo profundo, tormento téo acerbo que nao ache algum lenitivo; @ 6 a natureza que oferece aos homens, precisamente porque sao homens, desligando seu espirito da dor, mesmo nas situagdes mais tristes e lutuosas. Houve povos, dizem, que se afligiam com o nascimento de um homem, ao passo que celebravam festivamente sua partida. Isto nao 6 totalmente destituido de significado, pois acreditariam dever lamentar 0s que se pdem ao leme do barco em mar tempestuoso, como 6 a vida; pensariam, ao contrario, ndo ser errado alegrar-se com os que escapavam as borrascas da vida. Mesmo nés, cristdos, esquecemos 0 dia do nascimento de nossos santos’ e festejamos o de seu retorno a patria. De acordo com a ordem natural, portanto, ndo é justo dar excessivo lugar ao pesar, se nao se deseja reclamar uma especial excecao ao curso da natureza, recusando-se a sorte comum. A morte, com efeito, é comum a todos, sem distingao de pobres e ricos. E, embora tenha vindo ao mundo por culpa de um sé homem, passou a todos, a ponto de devermos considerar autor da morte o que foi principio do género humano. Mas igualmen- te por obra de um sé veio para nés a ressurreicdo! Nao haveria entdo que desejar subtrair-nos ao flagelo trazido pelo primeiro, para que assim possamos obter a graca do segundo. Cristo, diz a Escritura, veio para recuperar 0 que estava perdido, a fim de reinar deste modo nao s6 sobre os vivos, mas também sobre os mortos. Em Addo nés caimos, fomos expulsos do paraiso e morremos: como poderd o Senhor reconduzir-nos a si, se no nos encontra em Ad&o? Neste decaimos sob o poder do pecado e da morte, em Cristo nos tornamos justificados. A morte 6 um débito comum; todos devemos suportar-lhe a paga... Considero um ultraje que se faz & piedosa meméria dos defuntos 0 considera-los perdidos @ o preferir esquecé-los antes que conforta-los com nossos sufragios; o pensar neles com temor @ néo com amor e benevoléncia; o temer recorda-los, ao invés de procurar-Ihes a paz; 0 nutrir enfim mais receio do que esperanca, quando se pensa em seus méritos, como se Ihes competisse mais o castigo de que a imortalidade. Vem contudo a objecao: ‘Mas perdemos os nossos caros!’ Sim, porém nao é esta a sorte que comungamos com a terra e com os elementos: a de nao reter para sempre o que nos foi emprestado por algum tempo? A terra geme sob o arado, é frustrada pela chuva, batida pela tempestade, ressecada pela geada, queimada pelo som; tudo isto, para que frutifique e dé a colheita de cada ano. Apenas se reveste de miltiplos encantos e logo deles vem desfeita. De quanta coisa se vé privada! Mas nao ir lamentar a perda de seus frutos, pois os produziu para perdé-los. Nem se recusa a produzir outros no futuro, embora Ihes vao ser de novo tirados. O céu também, ele ndo esta sempre fulgurando com a grinalda das estrelas, nem a aurora sempre o ilumina ou o douram os raios de sol, mas bem regularmente se torna velado pela fria neblina da noite. Que ha de mais grandioso que a luz, de mais esplendoroso que o sol? Pois ambos desaparecem cada dia e nés suportamos isto sem reclamar, pois sabemos que voltarao. Aqui se mostra a paciéncia que deves ter quando também se vao os que te sao caros. Nao te entristeces quando os. astros desaparecem. Por que ha de afligir-te a morte do homem?” (S. Ambrésio, Sobre a Morte de seu irmao Satiro). 8 CCCCCCECCECECCECECCECCCCECCEECCCCCECCECCCCECCCECCECCE DDDFDIDIDFIDDDIIDDDDFDFDFDFDFDIDIIDFHDFDFD}FFDDHDFIFDIIIDBIID ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO POR CORRESPONDENCIA: OS NOVISSIMOS (ESCATOLOGIA) MODULO 2: A MORTE (I) — A FILOSOFIA Entramos agora na primeira unidade da Escatologia individual: a morte. Amorte 6, sem divida, um dos fenémenos que mais falam ao homem. O seu carater inexoravel e os mistérios que a cercam, sempre atrairam os pensadores. Bem se entende isto: uma das necessidades mais imperiosas que o homem ressente, 6 a de explicar a sua presenga neste mundo; para tanto, é preciso perscrutar 0 significado da etapa final, que é a morte; é preciso responder 4 questao: “Para onde vamos?” Amorte 6 mesmo alguma coisa que perpassa toda a vida do homem na terra, como jA 0 verificava 0 filésofo Séneca (t 65 d.C. aproximadamente): “Que individuo me poderds apontar... consciente de que todos os dias vai morren- do? Com efeite, nés nos enganamos precisamente por considerar a morte como algo de futuro; uma grande parte dela jd se passou. Todos os anos ja vividos estéo em poder da morte” (epistola 1,2). Por isto, desde a antigiidade se dizia que a Filosofia tende primeiramente a ensinar o homem a morrer; é 0 que afirma Plato, 0 fildsofo grego (430-348 a.C.): “Aqueles que, no sentido preciso do termo, se aplicam a filosofar, exercitam-se a morrer, @ a idéia de estar um dia morto &, para eles, menos que para os outros, motivo de temor” (Phaidon 675). Muito variadas no decorrer dos séculos foram as tentativas de explicar o sentido da morte, fora do Cristianismo. Examinaremos as principais, para melhor perceber o signifi- cado da mensagem que a Revelacao crista trouxe sobre o assunto. Ligdo 1: Pessimismo perante a morte A morte apareceu aos homens, desde a antigiidade, como um mal. Eis algumas modalidades desse pessimismo: 1.1, Na literatura grega pré-crista Alguns pensadores gregos deploravam a morte como algo que projeta sua sombra sobre toda a vida do homem, e dela faz uma ilusdo ou um sonho, uma comédia ou uma tragédia. A prova de que a morte é um mal, é que ela ndo afeta os deuses; de fato, a mitologia atribuia aos deuses (Jupiter, Mercurio, Marte, Vénus...) orgias, bacanais, guer- ras..., N30, porém, a morte; os homens fazem as mesmas coisas e morrem, de modo que a diferenga entre os deuses e os homens estaria na athanasia, imortalidade, que privile: os deuses. A morte coloca 0 homem numa regiio de sombras @ incertezas chamada Hades. Ver ainda a propésito o Médulo 6 deste Curso. Nao faltava quem procurasse temperar estas impressées com um precario consolo: a vida mesma, diziam alguns gregos, é um bem duvidoso, cheio de fadigas e pentirias, de modo que, por vezes, melhor seria ao homem nao ter nascido ou ter morrido imedia- tamente apés 0 parto; repetiam o axioma: “Aquele que os deuses amam, morre jovem” Conseqientemente, 0 suicidio podia ser tolerado como libertago do sofrimento. Nao obstante, confessavam, quando se aproxima a morte, nao ha quem queira morrer! OS NOVISSIMOS (ESCATOLOGIA) 1.2. No estoicismo greco-romano © pessimismo tomou forma mais atraente na escola estéica. Esta ensinava que a morte 6 algo de indiferente, pois sé ha um bem (a virtude) e um mal (0 vicio). Por conseguinte, o estéico devia convencer-se de que morrer 6 um acontecimento natural, que nao amedronta; o suicidio, desde que “razoavelmente justiticado”, seria plenamente licito. Pregando a apatia (apatheia), o estéico se tornava estranho nao s6 & morte, mas & propria vida; ndo era um entusiasta nem um amigo do viver. Por isto, certa vez, 0 fundador do Estoicismo — Zendo de Citio (t 262 a.C,) — tendo levado um tombo que Ihe parecia fatal, considerou-se feliz por terminar a sua vida e atirou-se nos bracos da morte exclamando: “JA vou ter contigo; por que me chamas?” Um tal desprezo da morte, como se esta nao contrariasse os intimos anseios do homem, era artificial e violento. © Estoicismo, querendo negar o carater sinistro do fenémeno, vem a ser a expressdo de um desespero agudo. 1.3. Entre povos primitivos ‘Varios povos primitivos da Africa, da Asia e da Oceania conceberam a morte como conseqiiéncia da violagdo da ordem de coisas originaria; os primeiros homens teréo desobedecido a Divindade, acarretando a catdstrofe da morte. E o que se depreende de certas lendas, que, através da sua roupagem mitoldgica, transmitem tal concep¢ao. Eis cinco dessas narrativas: Varias tribos de New South Wales (Africa) contam que os homens foram originaria- mente destinados a nao morrer, Todavia foi-Ihes proibido aproximar-se de determinada Arvore oca, Ora abelhas selvagens fizeram sua colméia nessa arvore, e as mulheres se propuseram tirar 0 respectivo mel. Apesar das admoestagdes dos homens, uma mulher atacou a arvore com o seu machado; entao saiu da arvore nao 0 mel desejado, mas uma enorme coruja... Era a morte, que dai por diante esta livre para percorrer 0 mundo e reivindicar para si tudo o que ela possa tocar com as asas. Os Bagandas da Africa Central narram que Kintu, 0 primeiro homem, depois de ter superado varios testes, obteve a licenga de se casar com Nambi, uma das filhas de Mugulo (0 Céu ou 0 Alto). O pai da jovem deixou que ela viesse com seu consorte para a terra, trazendo ricos presentes, entre os quais uma galinha, Ao despedir-se do casal, mandou que se apressassem por sair, aproveitando 0 fato de que o irmao de Nambi, chamado Warumbe (a Morte), estava fora de casa; recomendou-Ihes também que nao voltassem para apanhar 0 que quer que tivessem esquecido. Durante a caminhada, porém, Nambi verificou que chegara a hora de dar de comer a galinha; j4 que esquecera o milho, consentiu em que Kintu voltasse casa para busca-lo. Mugulo, o pai, ao rever o genro, irritou-se pela desobediéncia; Warumbe, a Morte, estando de novo em casa, fez questao de acompanhar Kintu; toda a resisténcia foi inutil; a Morte desceu com o casal para a terra, onde até hoje habita com os homens. Os pigmeus contam com a Divindade (Mugasa) a principio criou dois rapazes e uma moga, com os quais vivia em amizade na floresta, como um pai com seus filhos, num lugar de toda bonanga: nada faltava aos homens, nem tinham que recear alguma perspectiva de morte. Mugasa apenas Ihes proibira que procurassem ver a sua face. Habitava uma tenda, diante da qual diariamente a jovem tinha que depositar lenha para o fogo e um jarro ddgua. Um dia, porém, a moga, vencida pela curiosidade, escondeu-se atras de uma 4rvore, ficando a espreita do “Pai”, que havia de aparecer. De fato, ela o péde ver, quando estendia o brago reluzente de ornamentos a fim de apanhar o jarro. Amenina alegrou-se entio profundamente e guardou o segredo do ocorrido. Mugasa, porém, percebera a desobediéncia. Chamou os trés irmaos a sua presenga ¢ Ihes censurou a falta, predizen- do-Ihes que havia de os deixar; para o futuro, a indigéncia e a morte pesariam sobre eles. Os prantos das trés criaturas nao conseguiram deter a sentenga; certa noite, Mugasa 10 CCCECECCCCECCCCCECCCECCCCCececCcccecceccecccecccccecce DBFDDFDDDDDFIDDFDFIDDFDFDFHFFDDFDDFDIFDFDFVDDDDDH9DFDFIIIIIGD 2: AMORTE (I) - AFILOSOFIA partiu rio acima, e ndo foi mais visto. Quanto ao primeiro filho que nasceu a mulher, morreu apés trés dias de existéncia... Graciosa 6 a historia que narram os japoneses: o principe Ninighi se enamorou pela princesa “Florescente como as Flores’. O pai da jovem, que era o Deus da Grande Montanha, consentiu em seu casamento, e deixou-a partir com sua irma mais velha “Alta como as Rochas". Esta porém, era tremendamente feia, de sorte que o noivo a mandou voltar para casa. Em conseqiiéncia, o velho deus amaldioou 0 genro, e deciarou que sua posteridade seria fragil e delicada como as flores! Os Bataks de Palawan (Filipinas) contam que 0 seu deus costumava ressuscitar 0s mortos, Todavia certa vez os homens o quiseram enganar, apresentando-Ihe um tubarao enfaixado como um cadaver. Quando a Divindade descobriu a asticia, amaldi- goou os homens, condenando-os a ficar sujeitos ao sofrimento e & morte. Tais londas podem ser tidas como expressées paralelas ao relato do pecado original apresentado no livro do Génesis ¢.3. 1.4. No Existencialismo Moderno Os pensadores existencialistas dos séculos XIX/XX deram ao pessimismo a sua forma mais veemente. Para eles, a angustia é nota dominante da vida humana. “O arrepio da angUstia corre incessantemente através do ser humano” (Martin Heidegger, 1976). O homem passa do nada para o nada, e a vida presente nao tem sentido. Disto se origina, no baixo Existencialismo, a tendéncia a gozar desentreadamente dos bens deste mundo. De modo especial, interessa o pensamento de Karl Jaspers (t 1969), que, sem abandonar o pessimismo, quis valorizar a morte humana nos seguintes termos: ‘A morte, penetrando antecipadamente todas as agdes do homem, impde a este o dever de viver a cada momento de modo a poder enfrenta-la com seguranga. O individuo 6 assim convidado a mobilizar, em cada um dos seus atos, todas as suas energias; a morte leva a plenitude este profundo esforgo; consuma o préprio homem e a sua vida. A morte, porém, 6 0 ponto final posto & existéncia; de modo nenhum 6 passagem para uma vida melhor. Jaspers julga que, se a existéncia se prolongasse depois da morte, o sentido @ a seriedade da morte seriam rebaixados. Reconhegamos, porém, que 6 precaria a consumagao que se possa dar a vida na terra mediante 0 “estimulo” da morte, termo negative apenas. Somente Deus @ a vida eterna podem oferecer ao homem a sua auténtica consumacao. 1.5. Na sociedade contemporanea ‘Até 0 comego do século XX a morte era algo que a familia do moribundo acompa- nhava, geralmente em sua residéncia: depois de ter posto em ordem seus interesses terrenos, o paciente se deitava para morrer, e recebia 0 reconforto da sua fé religiosa, cercado de amigos, familiares e empregados da casa. O falecimento era ato publico, que os sobreviventes acompanhavam com seriedade e certa solenidade. Nos ultimos decénios, porém, o concsito 6 a realidade da morte vém sendo mais e mais evitados. A palavra “morte” tornou-se uma palavra-tabu banida. Os cemitérios, que antigamente costumavam ficar contiguos & igreja paroquial, em lugar central da cidade, passaram para a periferia das cidades; tomam o aspecto de jardins ou de torres cilindricas, que dissimulam a realidade da morte. As pessoas morrem freqiientemente em hospitais, @ nao em casa de familia, em parte por causa do progresso da assisténcia médico-hos- pitalar, em parte também por causa das condigées habitacionais das grandes cidades, ‘onde predomina o regime de apartamentos. Isto faz que o paciente morra, nao raro, sem © conforto da presenga de seus familiares, em ambiente estranho ¢ frio. W OS NovissIMOs (ESCATOLOGIA) Examinemos agora a corrente — muito menos densa — de pensadores nao cristéos que procuravam ver na morte algo de positivo. Ligdo 2: Otimismo frente a morte 2.1. Entre os gregos pré-cristaos Encontra-se entre os gregos 0 ideal do herdi. E aquele que morre com dignidade por uma causa nobre, especialmente pela patria (pélis) ou pelos amigos. A sua morte era tida como vitoria gloriosa, que 0 herdi associava ao seu nome. Em conseqiiéncia, merecia 0 louvor dos pésteros, junto dos quais a sua meméria permanecia imortalizada; julgava-se que os defuntos podiam ouvir algo desse louvor prolongado na terra. Assim “morrer belamente" era o ideal do heréi grego. Havia também na cultura helenista correntes dualistas, que consideravam o corpo carcere ou sepulcro. Conseqiientemente, tinham da morte um conceito alvissareiro, pois ela seria a libertacao da alma prisioneira da matéria, e possibilitaria ao individuo expandir plenamente a sua vitalidade. Assim pensavam os érficos, os pitagéricos, Platéo (em algumas de suas obras) e, no inicio da era cristd, os neoplaténicos e os gnésticos. Para estes Ultimos, a existéncia no corpo era simplesmente morte, e a deposigdo do corpo era inicio da verdadeira vida. Muito significativa é a seguinte Ppassagem do Corpo Hermético, escrito gnéstico’ do século Ill d.C.: “Em primeiro lugar, é preciso rasgares a tunica que trazes..., a morte viva, o defunto sensitivo, 0 sepulero portatil” (7,2). 2.2. Na Filosofia moderna Alguns autores esperam, apés a morte, nova vida semelhante a presente. Sao os reencarnacionistas, que julgam que, através de sucessivas encarnagdes e desencarna- g6es, a alma humana se vai purificando e aperfeigoando. Ver Modulo 7 deste Curso. Friederich Nietzsche (t 1900), sem professar o espiritismo, apregoa um “eterno retorno” ou interminavel renascer do ser humano; queria, com isto, dissipar o terror que as idéias de Morte e Juizo Supremo Ihe suscitavam. O eterno retorno possibilitaria a formagao do “Super-Homem”, ou seja, do homem dotado de poder sobrenatural, que dita as normas ao universo inteiro, 4 Verdade e a Moralidade, a Natureza e a Histéria. O problema que fildsofos pagaos e autores nao cristaos tanto discutiam sem chegar a explicagao satisfatoria, é iluminado pela Revelagao crista, que propde sobre o assunto uma visdo muito tranqiiila, digna realmente de um Deus Sabio e Bom, como se vera no Médulo seguinte. PERGUNTAS 1) Escolha uma das concepgées relativas & morte apresentadas neste Médulo. E faga-the os ‘comentarios que Ihe ocorrerem. Procure avaliar a diferenca que possa haver entre tal modo de ver a morte © as suas aspiracdes pessoais, 2) Vocé se identificaria com algumas das sentencas pessimistas ou otimistas? 3) Que faltava ao homem antigo para entender a morte? Escreva suas respostas em follyas a parte, e mande-as, com o nome € 0 endereco do(a) cursista, para: CURSOS POR CORRESPONDENCIA, Caixa Postal 1362, 20001-970 RIO (Ru). 1. A Gnose dos trés primsiros séculos da era crista era um conjunto de escolas ecléticas, em que se fundiam elementos da cultura helenista, da mistica oriental e do judaismo. Caracterizavam-se todas pelo dualismo ‘0u pelo repdio & matéria @ a exaltagao do espirito 12 SPOOHOOHOHOSOHSHOHSOSSOSCSHOCOHSSCOSCOSCSOCOCCCOSCECCEECECCS 99OSOOOHOH OHSS SHS H8O8HOSHHSO8HS8H8HSE8888888 ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO POR CORRESPONDENCIA: OS NOVISSIMOS (ESCATOLOGIA) MODULO 3: A MORTE (Il) — CONCEITO CRISTAO Ligdo 1: O conceito cristao da morte 1. Para o cristao, a morte nao deixa de ser um fenémeno natural. Compreende-se que se dé a separagao de corpo e alma, visto que os érgaos corpéreos (coragao, pulmdes, figado...) se vao desgastando, a tal ponto que, cedo ou tarde, 0 organismo j4 nao pode preencher as fungées da vida; por isto a alma — principio vital (espiritual e imortal) — se separa do corpo. Todavia a morte brutal e dolorosa, como ela é atualmente, decorre do pecado dos primeiros pais. AS, Escritura ensina-o enfaticamente: “Deus nao fez a morte nem experimenta alegria quando perecem os vivos. Criou todas as coisas para que tenham existéncia” (Sb 1, 13s) “Deus criou o homem para a imortalidade, e o fez imagem de sua propria natureza. Foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo” (Sb 2,23s). “Por meio de um sé homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte; e assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5,12). 2. Eis porém que o Deus de bondade, que criou o homem, nao o abandonou a sua triste sorte. Em tempo oportuno, o préprio Deus assumiu a carne humana; tomou sobre sia morte com todas as angistias precursoras e ressuscitou; assim Jesus Cristo venceu a morte e dela nos libertou © Senhor obteve 0 triunfo sobre a morte em favor do género humano, a fim de que cada individuo saiba que, embora deva morrer dolorosamente em conseqiiéncia da culpa original, a morte no é para ele mera sangao, mas é a passagem para a vida definitiva. Diz 0 Apéstolo: “Pois que seus filhos participam da carne e do sangue, também Ele quis ter parte na carne e no sangue, a fim de, por sua morte, reduzir a impoténcia aquele que tinha 0 império da morte, isto é, 0 deménio, e libertar os que, por temor da morte, estavam sujeitos @ escravidao durante toda a vida" (Hb 2,14; cf. 2Tm 1, 10). Jesus assim se apresenta como 0 segundo Addo, que nos comunica a vida, e vida sem fim, em oposigao ao primeiro Adao, que nos transmitiu a morte. Cf. Rm 5,12-17. 3, Jesus nos comunica a sua vida mediante o Batismo; este nos incorpora a Cristo Cabega (cf. 1Cor 12,12) ou nos enxerta na verdadeira Videira (cf. Jo 15,1-5). Isto quer dizer que a vida de Jesus se prolonga no cristdo; é-nos dada sob a forma de um gérmen, que tende a expandir-se cada vez mais através das nossas atividades e transfigurar 0 corpo no dia em que este ressuscitar. 4. Esta situagao leva o cristao a fazer uma revisao dos valores do mundo presente. Nao ha propriamente morte para o cristae. Ele sofre, sim, as misérias da carne como os demais homens; mas as suas mazelas sao as de um membro de Cristo; o que quer dizer que elas, fazendo sofrer, levam a verdadeira vida e a gloria definitiva. “O corpo do tegenerado torna-se a carne do Crucificado”, diz S. Leao Magno (+ 461). Quanto mais esse corpo se configura ao de Jesus pelo padecimento, tanto mais também se lhe assemelhara na gléria futura; todo sofrimento, portanto, vem a ser um rejuvenescimento ou uma antecipada participagao da gléria de Cristo, como diz S40 Paulo: “Trazemos incessantemente em nosso corpo a morte de Jesus, a fim de que a vida de Jesus se manifeste, também ela, em nosso corpo” (2Cor 4,10). Sofrer e morrer significam, para o cristao, estender a sua carne os sofrimentos e a morte de Cristo vitorioso; por isto 0 mesmo Apéstolo pode afirmar: 13 OS NOVISSIMOS EM ESCATOLOGIA “Enquanto 0 nosso homem exterior vai definhando, 0 nosso homem interior se vai renovando de dia a dia” (2Cor 4,16). O cristao pode muito bem dizer: assim como, para quem nao tem fé,a vida presente 6 toda dominada pela tremenda perspectiva da morte, que Ihe vai absorvendo as energias, assim, para o cristao, a morte presente é toda iluminada pela perspectiva da vida que nao 6 meramente futura, mas que ele j4 possui em gérmen e que nele vai desabrochando progressivamente até a ressurrei¢ao gloriosa. E 0 que o grafico abaixo significa: >= Velho homem <= Novo homem O Angulo que se fecha, representa a vida corpérea, biolégica, sujeita ao definhar e & morte, ao passo que 0 Angulo que se abre designa nossa vida espiritual, elevada & filiagao divina pelo Batismo e os demais sacramentos. E em consideracao desta que o Senhor Jesus pode dizer: “Quem comer do pao que desce do céu, néo morrera” (Jo 6,50). “Quem cré em mim, mesmo que estivesse morto, hd de reviver, @ todo aquele que vive e cré em mim, jamais morrera” (Jo 11,255). “Em verdade, em verdade eu vos digo: quem ouve a minha palavra e cré naquele que me enviou, possui a vida eterna..., passou da morte para a vida" (Jo 5,24). Vejamos agora Ligdo 2: As conseqiiéncias do conceito cristao 1. Um fato que exprime tipicamente a mudanga da escala de valores decorrente do conceito cristo de morte é o seguinte: Em sua Retérica (II, 12s), 0 filésofo grego Aristételes (384-322 a.C.) procura caracterizar a juventude e a velhice da vida humana. Afirma entao que os jovens vivem para os valores morais e artisticos; concebem um ideal de virtude e de heroismo, cuja beleza os atrai e ao qual se entregam sem medir forcas e bens materiais. Numa palavra: vivem para 0 belo (pros td kalén), ndo para o util ou o interesse pessoal (td symphéron). A razao disto 6 que sentem em si uma vitalidade ardorosa, ainda n4o contraditada por Teveses. 14 CECCECCCEECCECECCCECCECCECCECCECCCCECCECCECECCCECCCECECCCE PEER EERPEREREEERESRERERERSRERERSEEERERESEREREERES) A MORTE (Il) - CONCEITO CRISTAO Conseqiientementem, para Aristételes, 0s anciaos, experimentando em si o defi- nhar lento das forgas fisicas, vivem nao mais para um ideal de beleza e bravura, mas para © interesse particular; vivem para aquilo que Ihes possa trazer proveito fisico e conservar a existéncia. Numa palavra: vivem nao mais para o belo, mas para o util ou o interesse pessoal (prés té symphéron). Esta caracterizagao do ancido nao deixa de impressionar, 6 uma desdita as aspiragées mais esponténeas e nobres da natureza humana, E ldgica, porém, aos olhos da razao natural: a vida 6 o fundamento de qualquer ideal que o homem possa conceber. Ora Aristételes © seus contemporaneos s6 conheciam a vida neste corpo; por isto julgavam que as aspiragées variam de acordo com o grau de vitalidade que o homem experimenta nas sucessivas fases da sua existéncia terrestre. © quadro 6 triste, Pergunta-se, porém: sera que o homem esta necessariamente fadado a renegar seus ideais mais nobres? Aesta pergunta responderemos apontando 0 caso de outro pensador — o Apéstolo $40 Paulo — que viveu trés séculos apés Aristételes e tomou.conhecimento damensagem crista. Esta the inspirou um modo de ver bem diferente das concepgées do filésofo grego. Com efeito; basta notar que o Apéstolo escreveu treze cartas, sendo as trés ultimas (as Pastorais: 1/2 Tm e Tt) datadas dos anos de Paulo sexagenério, encarcerado em Roma e consciente de que estava prestes a ser condenado a morte. Pois bem; ao passo que nas dez epistolas anteriores 0 Apéstolo empregara vinte vezes 0 adjetivo kalén (belo e bem moral), nas trés pastorais ele o usou vinte e quatro vezes, e geralmente como aposto aos diversos substantivos com que descrevia a vida crista’. A mente de S. Paulo aparece assim impregnada pelo ideal da beleza e pelas aspiragées supremas na idade decrépita, muito mais ainda do que no vigor dos anos. O Apéstolo assim punha em xeque as previsées do fildsofo grego. — E qual a razdo deste contraste? — E que justamente o Apéstolo percebia o sentido que a morte tomou apés Cristo, sentido que o homem antes de Cristo ndo podia perceber: Paulo j4 nao considerava a morte como fim da existéncia humana, mas como passagem para outra vida, muito mais rica e fecunda do que a terrestre; por isto também, quanto mais proximo se achava da morte, tanto mais afirmava os valores nobres, pois sabia que o seu definhar na vida terrestre era, na realidade, um rejuvenescimento para a vida definitiva. Eis como a morte, para o cristao, importa um auténtico desabrochar, em vez de extingdo da personalidade. Ela pode e deve ser dita “transfiguragao" do discipulo de Cristo. 2. Conscientes deste valor da morte, os antigos cristaos chamavam-na 0 seu natalicio propriamente dito, Bem se entende isto, pois a morte é a consumagéo do Batismo ou da regeneragao sacramental iniciada na pia batismal e desdobrada lentamen- te nesta existéncia terrestre. E por isto que S. Inacio de Antioquia (t 110 aproximada- mente), condenado a ser langado as feras no Coliseu de Roma, escrevia aos fiéis amigos que tencionavam interceder junto as autoridades romanas para Ihe evitar o martirio: “E bom para mim morrer a fim de me unir ao Cristo Jesus... Aproxima-se 0 momento em que serei dado 4 luz... Nao ponhais empecilho a que eu viva, néo queirais que eu morra” (Aos Romanos 6, 1s). O cristao, sim, s6 é homem perfeito na medida em que é filho do dia, da luz, da vida definitiva. E desta que ele vive, trazendo-a arraigada em seu intimo. Em consequéncia, a morte pode tornar-se meta ardentemente desejada, como revela o mesmo S. Inacio: “Escrevo a vés, possuido do amor da morte...; ha, em mim, uma agua viva que fala e dentro de mim diz: 'Vem para o Pai’” (Aos Romanos 7,2)" 1. Assim bela luta (27m 4,7); bela miticia (17m 1,18; 2 Tm 3,3); bela doutrina (1Tm 4,6); belo testemunho (17m 3,7); bela lei (11m 1,8); belo fundamento (1Tm 6,19); belo ministro (de Cristo) (17m 4,6)... 2, A dgua viva de que fala Inacio, 6 simbolo do Espirito Santo, contorme Jo 7,37-38. 15 OS NOVISSIMOS (ESCATOLOGIA) 3, Estas verdades podem ser expressas ainda do seguinte modo: o cristo nasce em duas etapas. A primeira ocorre apés nove meses de gestagao no seio materno; o bebé que entao vem a luz, chora, porque perde o aconchego e a protegao de que destrutava no seio materno. Aos poucos, porém, vai-se adaptando ao novo ambiente, adquire sua autonomia e encontra seu lugar ao sol; ai prepara novo tipo de aconchego, ao qual espontaneamente se apega e do qual nao quer ser desinstalado; vive entéo uma nova fase de sua gestacao, ja nao aos cuidados de sua mae, mas sob os seus préprios cuidados; sim, 0 que nasceu do seio materno, foi um ser ainda embrionario, cheio de potencialidades nao desabrochadas; estas sao desdobradas e atualizadas pelo individuo no decorrer desta vida terrestre; é ele quem vai definir sua estatura fisica e espiritual ou sua configuragao definitiva. Quando o Pai o julga oportuno, chama-o para a mansao definitiva num momento dito “morte”, que na verdade é a segunda etapa do nascimento dessa pessoa; é entao que acaba de nascer, pois se acha com a sua personalidade acabada. Desta maneira vé-se mais uma vez que a morte, para o cristao, nao é propria- mente morte, mas passagem para a plenitude da vida. 4. Deve-se mesmo dizer que, em seu sentido mais profundo, a morte, abragada em uniao com a de Cristo, é a resposta positiva e generosa que 0 cristéo da ao convite do Pai, em oposicao a recusa que o primeiro homem deu ao mesmo convite (incorrendo por isto na condenagao a morte). Sereno, pois, e alegre caminha o cristao na terra de encontro ao seu nascimento para a vida eterna. Na realidade, sé ha um tipo de angustia que o afeta: 0 pecado, pois este significa justamente separa¢ao de Deus ou da verdadeira vida. Diante do pecado, sim, o cristao ressente todo o horror que a perspectiva da morte fisica suscita no nao cristéo. Caso, porém, esteja isento de pecado, o discipulo de Cristo nao se deixa abalar pelas vicissitudes desta peregrinagao nem pela prépria morte; sabe que nada disto Ihe pode tirar verdadeiro tesouro que ele traz em seu intimo, vida que Deus Ihe deu e que s6 Deus, ou a sua infidelidade voluntaria, podem extinguir. A convicgao desta verdade levava 0 Apéstolo a dizer: “Quem nos separaré do amor de Cristo? A tribulagéo, a angtistia, a perseguigao, a fome, a nudez, o perigo, a espada?... Em todas estas coisas somos mais do que vencedores, gragas aquele que nos amou. Pois estou convencido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem as coisas presentes nem as futuras, nem as potestades, nem a altura nem a profundidade nem qualquer outra criatura nos poderé separar do amor que Deus tem para conosco em Cristo Jesus nosso Senhor” (Rm 8,35.37-39). Ou ainda: “Tudo é vosso... tanto 0 mundo como a vida e a morte, o presente e o futuro. Tudo é vosso; vés, porém, sois de Cristo, e Cristo é de Deus (Pai)” (1Cor 3,21-23). S. Agostinho, de resto, faz notar muito bem que, se nao fosse a precedente sorte de Cristo, 0 cristao de modo nenhum ousaria tomar tal atitude diante da morte: “O calice do sofrimento é amargo e salutar; se o médico nao o tivesse bebido primeiramente, o doente recearia toca-lo” (Sermao 329,2). PERGUNTAS 1) Qual a relacdo entre morte e pecado, segundo a S. Escritura? 2) Que fez Deus para tirar o homem da condenacao & morte definiva? 3) Como o cristéo que vive o seu Batismo, encara os valores desta vida e a prépria morte? 4) Como se pode dizer que a morte é o natalicio do cristao? 5) Qual 6 a desgraca de que o cristéo deve realmente ter horror? Escreva suas respostas em folhas a parte, e mande-as, com o nome e 0 enderego do(a) cursista, para: CURSOS POR CORRESPONDENCIA, Caixa Postal 1362, 20001-970 RIO (Ry). 16 SPOCOHOOHSHOHOHOHOSHOHOSHOOHOHOCHOHSOCSHOHSOHCOHOSCOCOCOSSOCECECE 090000 O8OSO8OS OHHH O8HHHOHHHHHH8HHHHH88888O8 ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO POR CORRESPONDENCIA: OS NOVISSIMOS (ESCATOLOGIA) MODULO 4: A MORTE (Ill) — QUESTOES COMPLEMENTARES Impée-se agora o estudo de algumas nogées complementares relativas & morte no sentido cristao. Ligdo 1: Morte-termo final 4. Amorte coloca o homem num estado definitivo e imutavel. O homem fica sendo para sempre amigo ou inimigo de Deus, conforme as disposigdes que tenha ao deixar este mundo; somente enquanto peregrina na terra, pode merecer ou desmerecer o Sumo Bem. Esta verdade se encontra no Evangelho: Jesus admoesta os discipulos a que vigiem, pois a atitude que tiverem assumido nesta vida em relacdo a Deus, definira a sua sorte definitiva. E 0 que incutem as parabolas das dez virgens (Mt 25,1-13), dos dez talentos (Mt 25,14-30), do ricago e de Lazaro (Le 16,18-31), 0 quadro do juizo final em Mt 2531-46... A mesma idéia ressoa na pregagao dos Apéstolos; ver GI 6,10; 1Cor 15,24; 2Cor 5,10; 6,2; Hb 3,13. A tradigdo crista a repetiu sempre, e 0 Concilio do Vaticano | (1870), suspenso antes de concluido, estava para promulga-la em suas definicdes teolégicas, nos seguintes termos: “Depois da morte, que 6 o remate da nossa caminhada, todos teremos logo de nos apresentar perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada qual receba a retribuigao do que tiver feito de bem ou de mal quando estava no corpo (2Cor 5,10); depois desta vida mortal, nao hd mais possibilidade de peniténcia e justificagao” (Mansi-Petit, Cone. t. Lill, 175). 2. Levanta-se agora a pergunta: ndo se poderia imaginar que, apés a morte, a alma humana continue a merecer e desmerecer, sujeita a mutabilidade que caracteriza a vida na terra? — A rigor, respondemos que sim. A Palavra de Deus, porém, nos ensina que a morte é a entrada numa situagdo definitiva. S. Tomas de Aquino procura ilustrar tal proposigo do seguinte modo: Até a morte, mas somente até a morte, a natureza humana se acha completa (alma e corpo) e dotada das faculdades que concorrem para a sua evolugao (sentidos, inteli- géncia e vontade). Ora é légico que a decisao do homem relativa ao fim supremo seja tomada pelo homem em sua natureza completa. O homem néo é espirito s6, mas espirito destinado a vivificar um corpo e desenvolver-se mediante 0 corpo. Verdade 6 que, depois da ressurreigao, 0 corpo estara de novo unido a alma. Por que entao nao podera haver mudanca de opgées apés a ressurrei¢ao? — Respondemos dizendo que a re-unido de corpo e alma apés a morte 6 algo a que a natureza humana nao tem, por si mesma, direito; 6 dom gratuito de Deus. O corpo entdo nao servira de instrumento mediante 0 qual a alma mude as suas inclinagdes; ao contrario, as condigdes do corpo se adaptardo as disposigdes, boas ou mas, da alma, em vez de as influenciar; os justos teréo um corpo glorioso, ao passo que os réprobos teréo um corpo dito “tenebroso”. 3. Airrevogabilidade de um destino é algo que nés, peregrinos na terra, dificilmente concebemos; tudo o que conhecemos neste mundo, se nos apresenta como transitério; ndo temos a experiéncia do definitive ou da morte. Por isto é que, fora das Escrituras Sagradas, nunca, nas crengas religiosas da humanidade, se encontra a nogdo de sorte péstuma irrevogavel ou definitiva. 17 OS NOVISSIMOS (ESCATOLOGIA) Entregues ao préprio raciocinio, o pagao e 0 filésofo foram, muitas vezes, levados a imaginar a vida humana a semelhanga do ritmo da natureza. Nesta a morte ndo parece ser definitiva, mas sempre seguida de nova vida; ao inverno sucede regularmente novo nascimento da vegetagao na primavera; ao ocaso coditiano do sol segue-se sempre nova aurora. Em conseqiiéncia, o homem, considerando-se como parcela da natureza, julgou ‘sua vida sujeita ao ritmo do renascimento na carne mortal, destinada a recomegar sua peregrinacao na terra. A teoria da metempsicose ou das reencarnagées sucessivas, dai resultante, tomou mais de uma forma através da histéria. Seu bergo 6 a Asia. Os hindus a professavam na religiéo dos Vedas; desta, a doutrina passou par o budismo. Do Oriente, a metempsicose entrou no sistema de varios filésofos gregos: Pitagoras, Empédocles, Platao, os neoplaténicos... Ainda hoje esta muito em voga na Teosofia, no Esoterismo, no Espiritismo... O assunto sera explicitamente abordado no Médulo 7 deste curso. Ligdo 2: A universalidade da morte e excegées Nao ha diivida de que, segundo a S. Escritura, todos os homens esto sujeitos ao império da morte. Ver Hb 9,27: “Foi estabelecido, para os homens, morrer uma sé vez; apés 0 qué, vem 0 juizo”. 1Cor 15,22: “Assim como todos morrem em Addo, todos recuperaréo vida em Cristo”. Cf. Am 5,12. Todavia o Apéstolo Sao Paulo afirma que serao dispensados da morte aqueles que estiverem vivos por ocasiao da segunda vinda de Cristo. Haverd, pois, excegdo em favor deles. E 0 que se Ié em: 1Cor 15,518: “Eis que vos digo um mistério. Nem todos morreremos, mas todos seremos transformados, num instante, num abrir e fechar de olhos, a0 som da trombeta final”. Vé-se que 0 Apéstolo, referindo-se ao ultimo dia, distinguia duas categorias de cristaos: os que ja tiverem morrido, e os que ainda estiverem vivos; aqueles ressuscitarao, ao passo que estes terdo seus corpos transfigurados, sem passar pela morte: “nem todos morreremos, mas todos seremos transformados".' 1Ts 4,18-17: “Dizemo-vos segundo a palavra do Senhor: nés, que vivemos, que somos deixados até a volta do Senhor, nao teremos primazia sobre aqueles que estiverem mortos. O Senhor mesmo descerd do céu, quando for dado um sinal, 0 grito do Arcanjo, © toque da trombeta divina, e os mortos ressuscitardo primeiro, pelo poder de Cristo; a seguir, nds, os vivos, os sobreviventes, seremos arrebatados com eles nas nuvens, de encontro ao Senhor nos ares. E assim estaremos sempre com 0 Senhor’. De novo o Apéstolo distingue os mortos e os sobreviventes por ocasiao da volta de Cristo: aqueles ressuscitarao e estes, sem provar a morte, iréo com os ressuscitados ao encontro de Cristo. 2Cor 5,1-3: “Sabemos que, se a nossa morada terrestre, esta tenda, for destruida, teremos no céu um edificio, obra de Deus, morada eterna, nao feita por maos humanas. Tanto assim que gememos pelo ardente desejo de revestir por cima da nossa morada terrestre a nossa habitagao celeste — o que serd possivel, se formos encontrados vestidos, e nao nus”. 18 SOCOHNOHSHSSHOHOSHSHHSOHSSOHOHSOSOSSSCOHOOCHOOSSOSOSCOCCOC CEE 0998008 OOSSOOOH OHHH 8HHHHEHHHHHOHH8HHHHO888O 4: AMORTE (III) - QUESTOES COMPLEMENTARES Mais uma vez refere-se 0 Apéstolo & segunda vinda de Cristo. E diz que os figis poderdo encontrar-se ento em duas condigées: ou despidos (isto 6, almas sem corpo, o que sera 0 caso dos ja falecidos) ou vestidos (isto é, almas unidas aos respectivos corpos, © que sera 0 caso dos sobreviventes). Aexcegao, assim claramente admitida pelo Apéstolo, tinha certo significado outrora, quando se esperava para breve a segunda vinda de Cristo. Em nossos dias, porém, ja impressiona menos, visto que a ansiosa expectativa se dissipou. Muito mais énfase atualmente se deve atribuir ao encontro com Cristo no final da peregrinagao terrestre de cada individuo. Ligdo 3: Conseqiiéncias pr: 3.1. As misérias desta vida fato de que a morte e seus precursores (doengas, misérias desta vida) se tornaram, depois de Cristo, instrumento de Redengao e gloria, inculca aos cristdos o valor nao somente da morte, mas também dos sofrimentos. Aceite, pois, 0 cristéo as misérias cotidianas (doengas, cansago, peniria...) em uniao consciente com Cristo; e tais misérias se Ihe tornarao via para maior intimidade com Deus. Nenhuma é meramente casual. Elas podem ser suportadas com tibieza e pouco mérito, mas também podem ser precioso elemento de santificagéo para quem as abrace com generosidade e amor. 3.2. Assisténcia aos gravemente enfermos E de enorme importancia assistir a uma pessoa gravemente enferma enquanto ainda esta lucida; trata-se de proporcionar-Ihe os subsidios necessarios para que morra no amor a Deus; 0 ultimo ato consciente e livre, anterior & morte, decide de todo o futuro péstumo desse individuo. Sem duvida, 0 Senhor ndo falta ao moribundo com auxilios especiais, a fim de que atravesse com as devidas disposigées tao importante etapa. Registram-se casos de converses maravilhosas no momento final desta peregrinagao; a misericérida de Deus, derramando-se pacientemente sobre o pecador, move por fim moribundos empedernidos." 3.3. Morte correlativa ao tipo de vida Muito temerdrio seria fazer da misericérdia divina um pretexto, mais ou menos consciente, para negligéncia e tibieza na vida espiritual. E sabio crer que cada um morre como viveu. Quase cada ato do homem, no decorrer desta vida, deixa uma marca ou um vestigio em sua personalidade; e a morte nao faz sendo manifestar definitivamente esse tipo de personalidade do individuo. Por conseguinte, os ultimos instantes nao sao algo de essencialmente novo na vida do homem; mas, preparados pelas fases anteriores desta peregrinacdo, vém a ser o seu desabrochamento normal e a sua Ultima expressdo. Na morte a pessoa recapitula toda a sua vida e a entrega ao Pai Celeste; ora, a menos de uma intervengao extraordinaria de Deus, nao pode recolher senao o que tenha semeado dia-a-dia na terra. Os atos cotidianos, aparentemente transitérios, pela morte se tornam impereciveis, depondo para sempre em abono ou desabono do seu autor. Surge entao a pergunta: 3.4. Como nos preparamos para a morte? Respondemos que a melhor preparagao para a morte 6 a vida de cada dia, vivida 1. Sao Paulo, ao falar dos acontecimentos finais, costuma reterir-se apenas a sorte dos justos, 19 Os NOVissIMOS (ESCATOLOGIA) quando estamos Iuicidos ou precisamente quando a morte ainda parece distante. E nos dias bons que nos preparamos para os dias finais @ para a morte, e ndo apenas quando as facuidades mentais e fisicas comegam a desfalecer (pois entao é mais dificil pensar, ler, orar...). A ago de sedatives e analgésicos dificulta o raciocinio e obnubila a mente. Atendéncia a afastar 0 pensamento da morte é paradoxal, pois na verdade “a morte 6 a Unica certeza que temos desde a infancia’. Cada qual viva como desejaria morrer, prestando atengdo as coisas que realmente tero algum valor naquele momento e distinguindo-as bem de bagatelas e ninharias, que nada significaraéo no momento final, mas que muito empolgam e apaixonam no decorrer desta caminhada. Procure o cristdo julgar tudo como Deus julga, ou seja, a partir da eternidade; coloque-se assim na rota e na luz do definitivo, e a morte ndo sera um susto nem uma desinstalagdo. Assuma o cristao as provacdes desta vida como aprendizado para o instante terminal. Trabalhe por deixar este mundo um pouco melhor do que o encontrou, pois este aspecto entraré na prestagao de contas que cada qual fara a Deus. Ame os irmaos com sinceridae e benevoléncia. E principalmente ore, pois o contato com Deus cultivado na oragao 6 a mais viva antecipacao do grande encontro final. E tradicional pedir a Deus que nos preserve da morte subitanea e imprevista. E para desejar que estejamos to maduros na fé que vamos conscientemente ao encontro da morte. A nossa vida de cada dia é como um livro, do qual escrevemos diariamente uma pagina; no fim da redagao, 6 oportuno que tenhamos um espago de tempo e lucidez de espirito para rever esse livro, corrigir 0 que nele esteja errado ou inadequado, e ainda melhorar 0 que precise de ser melhorado; assim o cristéo podera entregar aos pésteros olivro de sua vida emendado @ rematado — 0 que serd, sem duvida, um grande presente. Possa ainda cada qual morrer reconfortado pelos ultimos sacramentos, exclamando as palavras finais da Escritura Sagrada: “Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20). A boa morte é fruto de graca especial ou do dom da perseveranga final. Nao é algo que se possa merecer, mas algo que o Senhor concede, atendendo as orages dos seus fidis- Merecer 0 dom da perseveranga final seria o mesmo que meracer a graga — o que 6 contraditério (a graga 6 sempre gratuita). A oragao, porém, humilde e confiante obtém © grande dom; por isto, pedir a graga de uma boa morte é coisa freqiientemente recomendada pelos Santos e tedlogos. Alias, ao invocarmos diariamente a Virgem Santissima na “Ave Maria”, pedimos-lhe que rogue por nés “agora e na hora da nossa morte”. PERGUNTAS 1) Apés a morte, seré possivel mudar de op¢ao ou converter-se para Deus? Explique bem. 2) Todos hao de morrer, sem excegao? 3) Que podemos fazer, no plano espiritual, em prol dos gravemente enfermos? 4) E recomendavel afastar da mente o “pensar na morte"? 5) Como 0 cristo se pode preparar para a morte? Escreva suas respostas em folhas a parte e mande-as, com o nome e 0 enderego do(a) cursista, para: CURSOS POR CORRESPONDENCIA, Caixa Postal 1362, 2001-970 RIO (FW). 1. Ha quem juigue que, antes de morrer, Deus propde aos pecadores uma visdo alobai de toda a sua vida passada, visdo na qual percebem o vazio das obras mds. Tal sentenca é um tanto arbitraria, pois néo hd fevelagao alguma a respeito. 20 CCCCCCCCCCCCCECCECECCCCCECCCECCCECCCECCECCCCCECCCE PEER EE REF EEEEEERREFEREREXEPEREEEREREFEREEKEERERSE? ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO POR CORRESPONDENCIA: OS NOVISSIMOS (ESCATOLOGIA) MODULO 5: A MORTE (IV) — QUESTOES COMPLEMENTARES Abordaremos neste Médulo mais algumas questées complementares relativas A morte: 1) iluminago da mente na hora da morte? 2) angustias anteriores & morte; 3) a nephesh do Antigo Testamento e as Testemunhas de Jeova. Ligdo 1: lluminagéo da Mente? Alguns teélogos julgam que, no momento decisive em que o ser humano deixa este mundo, a sua mente é iluminada com claridade que nunca teve até entao; essa iluminagao singular Ihe permite fazer uma opgao final, consciente e radical como nunca, por Deus ou contra Deus e sua santa Lei. 1. Tal hipétese nao se pode basear nem na S. Escritura nem na Tradigao crista. Ela se apéia, antes, em motives de conveniéncia ditados pela fé @ pela razdo. Tais razées vem a ser: a) O momento exato da morte, sendo de importancia decisiva para todo o futuro do individuo, deve ser especialmente lcido, de modo que a pessoa possa fazer uma escolha tao convicta e voluntaria como nunca. Os autores lembram os casos freqilentes de morte repentina, morte que colhe a pessoa talvez num estado de mas disposigées éticas; por que nao admitir que a Providéncia Divina conceda a esses individuos (¢ por que nado a todos?) a ocasido de repensar suas disposigées pecaminosas e, eventualmente, retrata- las? b) Tal iluminagdo da mente faria da morte do individuo uma auténtica consumagao da sua existéncia anterior, No decorrer da vida terrestra, nossas opgdes sAo imperfeitas e mutaveis; na hora da morte elas seriam plenamente confirmadas ou radicalmente contraditadas pela personalidade do moribundo. O pecado ou o amor anteriores recebe- riam solene chancela ou profunda desdita. c) Existe uma desproporgdo entre os atos limitados e condicionados da nossa vontade nesta vida © as conseqi/éncias vultosas e definitivas de tais atos no além. Tal desproporgao seria superada, se, no fim da nossa existéncia terrestre, nos fosse dada a oportunidade de fazer uma escolha plenamente lucida e responsavel. Em ultima instancia, vé-se que os trés argumentos dizem a mesma coisa: durante esta vida, ndo temos as condigées ideais para fazer uma escolha que tenha repercussées para todo o sempre. 2. Ora tal afirmagao pode ser impugnada por exagerar a inépcia ou incapacidade do homem peregrino na terra. Com efeito; contra a teoria da iluminagéo da mente do moribundo apresentam-se as seguintes ponderagées: a) Nao se pode negar que j4 durante a vida presente o ser humano possui a liberdade suficiente para cometer um pecado mortal; vejam-se, por exemplo, os catélogos de pecados que, segundo Sao Paulo, excluem do Reino de Deus 0 pecador: 1Cor 6,9-11; 15,50; GI 5,19-21; Ef 5,5. Supondo a responsabilidade do cristdo, Jesus Cristo instituiu 0 sacramento da Peniténcia, que 6 obrigatério nos casos de pecado mortal. O Direito Canénico, por sua vez, prescreve sangdes contra os individuos que cometam culpas graves. Além do mais, observemos: se a primeira escolha ainda ¢ titubeante ou superficial e imperfeita, a repeti¢ao dos mesmos atos vai tornando tal escolha sempre mais intensa @ consciente (admitem-se raras excegées). ai OS NovissiMos (ESCATOLOGIA) b) Pode acontecer que, na hora da morte, o ser humano tome uma dacisdo contrastante com as decisées anteriores de sua vida, seja para melhor (em virtude do brilho da graga), seja para pior (ninguém esta certo da sua perseveranga final). Mas tal op¢do contrastante © brusca parece constituir uma excegao; a natureza humana é lenta @ progride paulatinamente em suas resoluges; a experiéncia ensina quanto custa praticar pequenas rentincias ou mudar os habitos rotineiros, mesmo quando a pessoa percebe a grande necessidade de o fazer. E normal, pois, que na hora da morte a suprema decisdo seja consentanea com as decisdes que marcaram o roteiro de vida do individuo. Somente por intervengdo extraordinaria de Deus alguém pode “dar uma guinada de 180” precisa- mente na hora da morte, Ora nao se deve postular 0 extraordinario como se fosse algo de ordinario. Em vista disto, a hipstese da iluminagao na hora da morte perde muito do seu poder atraente. Seja ou nao uma realidade, ela nao dispensa o cristao de afirmar que todo o decorrer da sua vida terrestre tem a indole de um julgamento... @ julgamento de conse- qliéncias definitivas. Diz-se sabiamente que cada um morre como viveu. E preciso que o homem se converta para Deus diariamente, e de maneira sempre mais coerente, a fim de que tenha condigées naturais para dizer um Sim convicto e resoluto ao Pai na hora da morte. E mister que cada qual se prepare, mediante as muitas e pequenas decisées particulares, para a grande e Ultima decisao da morte. Quem quer morrer santamente, viva de tal modo, @ ndo se refugie na esperanca de um dom extraordinario de Deus na hora da morte, pois isto seria tentar a Deus. 3. Em conclusao, pode-se dizer: a hipétese de especial iluminagao na hora da morte pode ser aceita; serd de consolo para quem receie pela sorte das pessoas desaparecidas tragicamente; servira também de apoio Aqueles que, embora procurem viver corretamen- te, tam medo de ser colhidos pela morte num momento de fraqueza; enfim, ajudard todos a conceber grande confianca em Deus (que 6 sempre mais misericordioso do que nés ousamos imaginar). Todavia a hipétese da iluminacao nao pode servir de amparo a indoléncia; no plano da salvagao, qualquer oportunidade pode ser a Ultima e decisiva; nao ha de ser desper- digada sob o pretexto de que outra chance ocorrera ainda mais fecunda, posteriormente. Todo e qualquer apelo da graca ha de ser considerado como o tiltimo que Deus nos dirige. Estas observagdes péem em plena luz a enorme seriedade da vida presente: “Nesta se decide de modo irremediavel um destino eterno, Cada dia, cada hora, cada minuto se inscreve indelevelmente na eternidade. Cada a¢ao, cada palavra, cada pensamento — em suma, qualquer ato nosso, exterior ou interior, que parece esvair sem deixar vestigio, no decurso de poucos instantes — modela algum trago da nossa perso- nalidade definitiva” (G. Biffi, Val di la, p. 103). Lig&o 2: As angustias anteriores a morte No Médulo 3, ao propor o coneeito cristéo de morte, diziamos que a morte violenta e dolorosa, como atuaimente ocorre, é conseqliéncia do pecado dos primeiros pais. Isto implica que as doengas e os sofrimentos ligados @ morte sejam derivados do pecado original. A propésito convém observar: 1) Nao se julgue que toda doenga seja castigo de pecados pessoais do individuo enfermo; recair-se-ia na posigao dos amigos de J6, que, ao vé-lo prostrado, o intimavam @ acusar seus pecados; tal posicdo, alids, ainda era a dos Apéstolos, que, ao verem um cego de nascenga, perguntaram a Jesus quem havia pecado: ou ele ou os pais dele? Cf. Jo 9,1-3, — Na verdade, o sofrimento pode ser provocado por outras criaturas (assim as guerras, as injustigas sociais...); pode ser devido também a calamidades naturais incon- 22 CCCCCECCCCCCCCCCCECCCCCECCCCECECCECCECC CCC CECE CCE BIFDFDDDDDDFDFHFDH}DFD}FDDFHFDFH}DHFAHD}FDD}HFDHIIFVIFDI393I3 AMORTE (IV) - QUESTOES COMPLEMENTARES trolaveis (enchentes, secas, incéndios...); pode ter causa ainda na fragilidade fisica do ser humano, que se cansa, contrai moléstias, etc. 2) O cristo sofre & semelhanga do nao cristao. Pode ser que a perspectiva da morte © angustie; angustiou o proprio Cristo como homem (cf. Mt 26,37s; Jo 12,27; 13,21; Mc 14,38; Hb 5,7). Procure, porém, superar a dor mediante uma visdo de fé; todo sofrimento humano ja foi assumido @ resgatado por Cristo; tem valor salvitico e santificante para quem 0 suporta, @ fungao co-redentora em prol dos irmaos; sofrendo com Cristo, 0 cristao “completa em sua carne o que falta & Paixdo de Cristo em favor do seu Corpo que 6 a Igreja” (Cl 1,24); isto 6, da novo suporte @ novo contexto a Paixo de Cristo, estendendo-a até 0s dias atuais, a fim de beneficiar os pecadores @ carentes. Consciente do rico sentido que o sofrimento © a morte podem assumir, 0 cristéo diré com Sao Paulo: “Para mim, um lucro... Desejo partir para estar com Cristo" (Fi 1,21.23). Lig&o 3: “Nephesh” e Testemunhas 1. As Testemunhas de Jeova afirmam que a morte pe 0 termo final a existéncia do homem. Deus pode criar de novo a este (desde que seja Testemunha de Jeova). O fundamento desta tese 6 pretensamente a propria S. Escritura: no Antigo Testamento a palavra nephesh ocorre 750 vezes e tem, segundo as Testemunhas, o sentido de alma; ora como anephesh morre, conforme textos do Antigo Testamento, a alma humana morr Esta doutrina 6 capital para as Testemunhas; entre outros exemplos, citam Ez 18,4: “Eis que todas as almas a mim pertencem. Como a alma do pai, assim também a alma do filho a mim pertence. A alma que pecar, essa morrera”. Ora a palavra nephesh tem varios significados em hebraico: pode ser traduzida por hélito, garganta, alma, ser vivo, cadaver... Em conseqiiéncia, é falso ensinar que a alma morre, com base na interpretagéo das Testemunhas. Tanto o Antigo como 0 Novo Testamento professam sobejamente a sobrevivéncia de um nuicleo da personalidade apés a morte; esta sobravivéncia é adormecida e inconsciente nos livros biblicos mais antigos, tornando-se lucida nos escritos mais recentes. Basta citar alguns poucos textos: Gn 15,15: Deus promete a Abrado que, apés a morte, o Patriarca se reunird aos sous pais. Gn 28,5s: Abrado morreu e foi reunido a sua parentela. Gn 35,29: Isaque morreu e reuniu-se a sua parentela. Gn 49,33; Jaco expirou e foi reunido aos seus. SI 73,23s: “Estou sempre contigo... Tu me conduzes com teu conselho e com tua gléria me atrairds". SI 16,8: “Minha carne repousa em seguranga, pois nfo abandonards minha nep- hesh (alma) no cheol, nem deixards que teu fiel veja a corrupgao do sepulcro”. Mt 6,19s: “Nao acumuleis tesouros sobre a terra... onde os ladrées arrombam @ roubam, mas ajuntai para vés tesouros nos céus... onde os ladrdes nao arrombam nem roubam". Le 23,43: “Jesus respondeu (ao ladréo arrependido): 'Em verdade te dig estaras comigo no paraiso’ : hoje Da parte das Testemunhas e de outros crentes, cita-se ainda 0 texto de Ecl 9,5s: 23 Os Novissimos (ESCATOLOGIA) “Os vivos sabem ao menos que morrerao; os mortos, porém, ndo saber, nem terao recompensa, porque sua meméria cairé no esquecimento... Eles nunca mais participarao de tudo 0 que se faz debaixo do sol”, Estes dizeres datam do século IV a.C. (muito provavelmente), época em que a revelagao da sorte péstuma ainda era muito palida. Ela se efetuou lentamente entre os judeus por causa do perigo de culto aos mortos, que era usual entre os pagaos vizinhos de Israel. © autor do Eclesiastes compartithava a crenga no cheol, lugar subterréneo no qual os mortos estariam sempre adormecidos e inconscientes. Dai as afirmacdes de Ecl 9,58. Tal fase da histéria cedeu a plena revelagao da sorte péstuma, Assim, por exemplo, no Antigo Testamento mesmo o livro da Sabedoria professa consciéncia ltcida naqueles que passaram para o além: “Os justos vivem para sempre. Recebem do Senhor sua recompensa; cuida deles 0 Altissimo. Receberdo a magnifica coroa real, e, das mos do Senhor, o diadema de beleza” (Sb 5,155). Além disto, tornou-se clara a idéia de ressurrei¢do dos mortos nos ultimos livros do Antigo Testamento, Ver Dn 12,2s: “Muitos dos que dormem no solo poeirento acordarao, uns para a vida eterna @ outros para o oprébrio, para o horror eterno. Os que sao esclarecidos resplandecerao como o resplendor do firmamento; @ os que ensinam a muitos a justiga, hao de ser como as estrelas por toda a eternidade”. Ver também 2Mc 7,9,11.14.36. © Novo Testamento 6 muito explicito ao prometer a visdo de Deus face. recompensa dos justos. Ver 1 Jo 3,2: jace como. “Carissimos, desde ja somos filhos de Deus, mas o que nds seremos ainda ndo se. manifestou. Sabemos que, por ocasido desta manifestagao, seremos semeihantes a Ele, porque O veremos tal como Ele 6”. Ver também 1Cor 13,12; Mt 5,8. Estes dados evidenciam bem que nao se deve isolar um texto biblico do seu contexto, nao levando em conta os antecedentes e paralelos que contribuem para elucidar © sentido de tal passagem. A alma humana, sendo espiritual, 6, por sua natureza mesma, imortal, independente da sua conduta santa ou pecadora. PERGUNTAS 1) Que vem a ser a “opgio final” no contexto deste Médulo? 2) Quais as razées que apolam a hipstese da op¢ao final? 3) Que se pode apresentar, como argumentos, em contrario dessa hipétese? 4) Como o cristdo encara os sofrimentos que precedem a morte? 5) O Antigo Testamento professa a destruigdo do ser humano pela morte? 6) A Biblia professa a inconsciéncia das pessoas apés a morte? Escreva suas respostas em folhas & parte, e mande-as, com o nome e endereco do(a) cursista, para: CURSOS POR CORRESPONDENCIA, Caixa Postal 1362, 20001- 970 RIO (Ru). 24 CEOCCCCCECECCCCEECCECCECCCCECCCCCCCECCCCECCCCCECCCE DIDIDTF IOSD IDDIODIDDIDTDIDSIDIDIDIIDIIIIIFIIIIDIIII ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO POR CORRESPONDENCIA: OS NOVISSIMOS (ESCATOLOGIA) MODULO 6: A MORTE (V) — GREGOS, JUDEUS E CRISTAOS Para melhor compreender 0 que ha de belo @ inédito na mensagem do Evangelho, importa ao cristéo coloca-la sobre o seu pano de fundo, ou seja, sobre os antecedentes do Cristianismo. Desta maneira salta mais os olhos o que ha de novo, e também o que ha de perene, na Boa-Nova de Jesus Cristo. E 0 que faremos neste Médulo, comparando entre si o pensamento grego pré-cris- to, 0 pensamento hebraico @ o pensamento cristéo no tocante a morte. Ligdo 1: 0 Pensamento Grego © século V antes de Cristo foi em Atenas (Grécia) 0 século de Péricles (495-429 a.C.), o maior estadista ateniense, que favoreceu enormemente a cultura e a democracia Sob 0 seu governo, em 441 a.C., 0 taatrélogo grego Sétocles escreveu o drama Antigona, representado pela primeira vez no teatro de Dionisio, ao pé da Acrépole de Atenas; 0 cenério natural dessa pega era estupendo, pois compreendia o mar com suas baias, suas, ilhas, © as montanhas do Pireu no fundo. Nessa representagao teatral, Sdfocles quis cantar 0 hino do homem-rei-das-criaturas-visiveis. Tal texto é otimista ao descrever profusamente a atividade do homem na terra e no mar, mas esbarra, no final, com a perspectiva da morte inexordvel, diante da qual o homem tem de capitular. Eis o hino de Sétocles: “O CORO — Numerosas sao as maravilhas da natureza, mas de todas a maior maravilha 6 0 homem. Através do mar que comega a clarear, impelido pelo vento do sul, ele (0 homem) avanga e passa sob as vagas volumosas que rugem em torno dele, A divindade superior a todas as outras, a Gué mortal’, inesgotdvel, ele consegue cansa-la com seus arados que, ano apés ano, vao e voltam por cima dela, revolvendo-a com animais de raga equina. E a tribo dos passaros ligeiros, ele a apreende e captura; as hordas de animais selvagens @ os seres marinhos do oceano, 0 homem inventive apanha-os nas dobras das redes tecidas. Ele domina também, por meio de armadilhas, o animal agreste, montanhés; e, ocavalo de pescogo felpudo, o homem hd de conduzi-lo sob 0 jugo que o mantém preso dos dois lados, fazendo 0 mesmo com o incansdvel touro das montanhas. E a lingua, @ o pensamento alado e os costumes controlados, ele os aprendeu da mesma forma como soube fugir das investidas, em pleno ar, das penosas geadas e das chuvas importunas, pois que ele 6 fecundo em recursos; nada ihe falta absolutarjente para qualquer instante do futuro que dele se aproxima; somente diante de Hades“ ndo encontrara ele meios de fugir; mas, apesar disto, ele imaginou um modo de curar as doengas contra as quais nada podia fazer para defender-se delas. Dotado, em sua habilidade, de uma engenhosidade inesperada, ele pende ora para © mal, ora para 0 bem, confundindo as leis da terra @ o direito que jurou pelos deuses observar, quando se acha a frente de uma cidade; ele se torna indigno de tal cargo quando pratica o mal em sua audacia. Nao se assente em meu lar, nao terha nenhum pensamento comum comigo, aquele que age dessa maneira” (Antigona, | w. 333-375). Em sintese, o canto quer dizer que muita coisa grande @ bela existe, mas nada é maior do que o homem. Se ha muita coisa misteriosa @ surpreendente no mundo, nada é mais surpreendente e misterioso do que o homem, merecedor de toda reveréncia, Ele rasga a Terra (Gué) com arados e cavalos... a Terra, que é a maior das deusas, sempre fecunda... Também passaros, feras, peixes Ihe estéo submissos... S6 no Ihe toca uma habilidade: a de escapar do Hades ou da Morte. Amorte era, sim, para os gregos, o diferencial entre os deuses @ os homens, pois a mitologia atribuia aos deuses orgias, bacanais, guerras e crimes, mas isentava-os da morte, conferindo-Ihes a athanasia (imortalidade); os homens tinham também suas orgias. 17° Gé (qué), em grego, é a terra, lida com deusa-mae sempre tecunda, pois todos os anos ela da seus trutos. 2. Hades, em grego, era a regido subterranea dos mortos ou a prépria Morte, 25

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