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GOSS OOHHHHSEHSEHHHHHHHHHHHHHSHHHH8H8ESOCD | ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSOS POR CORRESPONDENCIA Pe. Estévao Tavares Bettencourt O. S. B. SFPD DDDDDIIDPDDIDI}FDDIFDDIFIIDIFDIIAIFIIIIIII}IIdISD ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO SOBRE DEUS UNO E TRINO POR CORRESPONDENCIA Rua Benjamin Constant, 23- 3° andar 20241-150 - Rio de Janeiro (Ru) Caixa Postal 1362 - 20001-970 - Rio (Ru) Tel/Fax: (021) 242-4552 Prezado(a) Cursista, Voc recebe hoje em maos um Curso sobre Deus Uno e Trino. Estes Médulos sao uma tentativa de resposta a pergunta que aflora ao coragao de todo homem: “Afinal, quem é Deus?”. — A primeira elucidacao diria: “Ele é a simula de todas as perfeicdes, Ele 6 o Ser Perfeito, por isto também o Indizivel”... Nao, po- rém, totalmente indizivel; Ele mesmo quis revelar-se; por isto a razao humana pode discernir algumas de suas perfeigées ao contemplar o conceito mesmo de Deus; elao faz na Teologia Natural. A fim de oferecer ao homem um conhecimento mais profundo de sua grandeza, Deus quis falar explicitamente do seu mistério e do seu plano de salvagao por meio dos Profetas e da Palavra feita carne em Jesus Cristo; Ele nos diz que tem vida tao rica que ela se afirma trés vezes, ou seja, como Pai, Filho e Espirito Santo; Ele é Uno em trés Pessoas. © tratado da SSma. Trindade, que explana este mistério, tem aspectos especulativos, que nossos Médulos apresentam sem receio de ir ao Amago tanto quanto possivel. Mas tem também aspectos muito vivenciais, pois a alma do justo é templo da Ssma. Trindade: “Se alguém me ama,...meu Pai o amard, e a ele viremos, e nele estabeleceremos morada” (Jo 14,23)... Como afirmava sabiamente S, Agosti- nho, “Deus é mais elevado do que aquilo que eu tenho de mais elevado, e mais intimo. 0 estudo do mistério de Deus ¢ altamente proveitoso, pois propicia o antegozo da vida definitiva: “Esta é a vida eterna: que eles conhegam a Ti, 0 unico Deus verda- deiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17, 3). Sao palavras que o Missal Romano parafraseia nos seguintes termos: "Deus, a quem conhecer viver, e a quem servir é reinar...". Trata-se de um estudo que comeca e continua nesta vida, mas s6 se consuma na visdo face-a-face da Beleza Infinita ou na bem-aventuranga final, Cons- cientes disto, rezamos com S. Agostinho: “Senhor meu Deus, Unica esperanga minha, ouvi-me, para que, fatigado, nao desista de vos procurar, mas procure sempre, ardentemente, a vossa face. Dai-me forgas para vos buscar, vés que a vosso encontro me levastes, e me destes ainda a esperanca de sempre mais vos encontrar”. Pe. Estévao Tavares Bettencourt 0.S.B. ANSELMO DE CANTUARIA, SANTO, ARIAS REYERO, M., BARRE, H., BOUYER, L., CANTALAMESSA, R., e GAETA, BIBLIOGRAFIA Monologion. El Dios de nuestra Fé. “Trinité que j'adore”. Le Pére Invisible 0 Canto do Espirito. O Sopro do Espirito. COMISSAO HISTORICO - TEOLOGICA DO GRANDE JUBILEU DO ANO 2000, DE MARGERIE, B., DE REGNON, TH., FEINER, J. e LOHRER, M., GENUYT, FM., GOMES. C.F, GRINGS, D., MARITAIN, J.. MIRANDA, M. de Fr., NICOLAS, J. H., PATFOORT, A., PRESTIGE, G., SCHMAUS, M., VERGES, J., € DALMAU J.M., Senhor, a Terta esté repleta do teu Espirito (2° edigao). Les Perfections du Dieu de Jésus-Christ. La Sainte Trinité. Mysterium Satutis I /1. Le Mystére de Dieu. A Doutrina da Trindade Eterna, Riquezas da Mensagem Crista. Nosso Deus Pai, Filho e Espirito Santo. Les Degrés du Savoir. 0 Mistério de Deus em nossa Vida. Dieu connu comme inconnu. 0 Mistério do Deus vivo. Dio nel Pensiero dei Padri. AFé da Igreja, vol. 2. Dios Revelado por Cristo, BAC 292. Bogotd 1991 Paris 1985. Paris 1976. Petropolis 1998. S40 Paulo 1998. Sao Paulo 1998 Paris 1981. Paris 1898. Petrépolis 1972. Tournai 1963. Rio de Janeiro 1979. Rio de Janeiro 1989, Porto Alegre 1974, Paris 1932, So Paulo. Paris 1966. Rio de Janeiro 1983. Bologna 1936. Petrépolis 1976. Madrid 1969, CCCCCECCCCCCECCCCCCCCCCCCCCCECECCCECCECCECCCCECE DIDIFIDDIDIDIDIFDIDIIDDIIDIITDDIFD}IFID}9I3I339333 SUMARIO APRESENTACAO.. BIBLIOGRAFIA 1. DEUS EM SUA UNIDADE A. FUNDAMENTACAO BiBLICA MODULO 1: CONHECER A DEUS. MODULO 2: OS NOMES DE DEUS MODULO 3: 0 DEUS DA ALIANGA MODULO 4: BONDADE E MISERICORDIA MODULO 5: A VERDADE-FIDELIDADE DE DEUS MODULO 6: 0 DEUS SANTO wo. MODULO 7: 0 DEUS JUSTO... sess MODULO 8: ETERNIDADE E IMUTABILIDADE MODULO 9: ONIPOTENCIA, ONIPRESENGA E ONICIENCIA B. APROFUNDAMENTO TEOLOGICO MODULO 10: COMO CONHECEMOS A DEUS? MODULO 11: A ESSENCIA DE DEUS...... MODULO 12: O CONHECIMENTO QUE DEUS TEM MODULO 13: A PROVIDENCIA DIVINA MODULO 14: A PACIENCIA DE DEUS MODULO 15: PREDESTINAGAO... MODULO 16: A BELEZA DE DEUS MODULO 17: ALEGRIA E TRISTEZA EM DEUS....... ll, DEUS EM SUA TRINDADE A. FUNDAMENTACAO BIBLICA MODULO 18: ATRINDADE EM SEUS PRENUNCIOS. VETERO-TESTAMENTARIOS 0. MODULO 19; A TRINDADE NO NOVO TESTAMENTO BB B. HISTORIA DO DOGMA MODULO 20: OS SECULOS II / IL... MODULO 21; 0 MONARQUIANISMO ......... MODULO 22: 0 ARIANISMO E O MACEDONIANISMO MODULO 23: A CONTROVERSIA DO FILIOQUE.. MODULO 24: MODULO 28: MODULO 26: MODULO 27: MODULO 28: MODULO 29: MODULO 30: MODULO 31: MODULO 32: CURSO SOBRE DEUS UNO E TRINO C. APROFUNDAMENTO TEOLOGICO AS PROCESSOES DIVINAS .. AS RELAGOES SUBSISTENTES ... PERICORESE ..... AS PESSOAS - O PAL. AS PESSOAS - 0 FILHO... AS PESSOAS - O ESPIRITO SANTO AS MISSOES DIVINAS...... COMO APRESENTAR A TRINDADE A TRINDADE NUM ENFOQUE MODERNO 129 133 139 145 151 157 165 171 173 LCCCCCCCCCCCECCCCCCCCEECCCCECECECCCCECCCCCCCECE |. DEUS EM SUA UNIDADE A. FUNDAMENTAGAO BIBLICA CCCCKCCECKCEKCCEC KCC ECCEKCECKCCEEKECCKEECKCECECCECEECEECECECEES STFDDDSFIDFPI DIDI DIDIDDIDA TDD DID SI SOI DIAIDIDIIPDIIDIIIIID ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO SOBRE DEUS UNO E TRINO POR CORRESPONDENCIA I. DEUS EM SUA UNIDADE A. FUNDAMENTACAO BIBLICA MODULO 1: CONHECER A DEUS O nosso estudo sobre Deus comega com uma questo preliminar: podemos conhecer a Deus, 0 Inefavel? Da resposta a esta pergunta depende a viabilidade de um aprofundamento teolégico. - O presente Médulo considerara o teor da Biblia, ao passo que o Médulo 10 inves- tigaré os ditames da raz iluminada pela fé. AS. Escritura nao se detém em provar a existéncia de Deus, pois esta parece dbvia aos autores sagrados, ja que Deus se torna quase evidente pelo testemunho da natureza que Ele criou. Lamentam, sim, que os pagéos nao O reconhegam pelo espelho das criaturas. Examinemos, pois, os textos biblicos atinentes ao assunto. Ligdo 1: © Antigo Testamento Olivro da Sabedoria, escrito no séc. | a.C. no Egito, apresenta bela passagem sobre o reconhecer a Deus por meio de suas obras: “Sim, naturalmente vaos foram todos os homens que ignoraram a Deus e que, partindo dos bens visiveis, néo foram capazes de conhecer Aquele que é, nem, considerando as obras, reconhecer 0 Artifice. Mas foi o fogo, o vento, o ar sutil, a abébada estrelada, a Agua impetuosa, os luzeiros do céu, que eles consideraram como deuses, regentes do mundo! Se, fascinados por sua beleza, os tomaram por deuses, aprendam quanto ihes é supe- rior 0 Senhor dessas coisas, pois foi a propria fonte da beleza que as criou. E, se os assombrou sua forga e atividade, calculem quanto mais poderoso é Aquele que as fez, pois a grandeza e a beleza das criaturas fazem, por analogia, contemplar seu Autor. Estes, contudo, néo merecem senao breve repreensédo, pois talvez se extraviem bus- cando a Deus e querendo encontré-lo. Vivendo no meio de suas obras, exploram-nas, mas sua aparéncia os subjuga, tanto é belo 0 que véem! Entretanto, nem estes sequer sdo perdodveis; pois, se foram capazes de conhecer tanto, a ponto de perscrutar 0 mundo, como nao descobriram antes o seu Senhor? (Sb 13,1- 9). Como se vé, 0 autor sagrado afirma a capacidade, da razao humana, de apreender a Deus mediante a consideracao da beleza do universo; a raz4o, por analogia (13,5), pode chegar & contemplagao do Criador. O vocabulo analogia é grego (lingua original de Sb); 1 CURSO SOBRE DEUS UNO E TRINO significa ascens&o ou subida dos efeitos para a Causa Suprema ou do visivel ao Invisivel (ana = de baixo para cima). Passemos ao Novo Testamento. Ligao 2: O Novo Testamento E principalmente Sao Paulo quem aborda o tema, fazendo eco a tradigao judaica. Em Rim 1, 18-23 ha nitida ressonancia de Sb 13, 1-9: "Manifesta-se, com efeito, a ira de Deus, do alto do céu, contra toda impiedade e injustica dos homens que mantém a verda- de prisioneira da injustiga. Porque o que se pode conhecer de Deus é manifesto entre eles, pois Deus tho revelou. Sua realidade invisivel - seu eterno poder e sua divindade - tornou-se inteligivel, desde a criacao do mundo, através das criaturas, de sorte que néo tém desculpa. Pois, tendo conhecido a Deus, ndo 0 honraram como Deus nem Ihe renderam gragas; pelo contrario, eles se perderam em vaos arrazoados, e seu coragao insensato ficou nas trevas. Jactando-se de possuir a sabedoria, tornaram-se tolos e trocaram a gloria de Deus incorruptivel por imagens do homem corruptivel, de aves, quadripedes e répteis", Ao ler Sb e Rm, pode-se concluir que todo homem traz em si o anseio de Deus, pois todos tém a aspiragao inata a vida, a felicidade, ao amor, ao bem..., que, em Ultima andlise, se encontram plenamente em Deus. Todavia nem todos sabem identificar a Fonte e 0 Doador de tais valores, de modo que confeccionam para si falsos deuses. No Areépago de Atenas, o Apéstolo assim se pronunciou: “Deus fez o mundo e tudo o que nele existe... De um sé ele fez toda a raga humana para habitar sobre toda a face da terra, fixando os tempos anteriormente determinados 6 os limites do seu habitat. Tudo isto para que procurassem a divindade e, mesmo se as apalpa- delas, se esforgassem por encontré-la, embora ndo esteja longe de cada um de nds. Pois nele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dos vossos, alids, jé disseram: ‘Por- que somos também de sua raga" (At 17,24.26-28). Embora sejam iddlatras, Séo Paulo reconhece que os pagaos podem chegar a Deus, pois Ele se Ihes manifesta pela boa ordem do mundo. O Apéstolo chega a reconhecer que muitos pagaos disseram algo de verdadeiro a respeito de Deus, pois até o pocta Arato, da Cilicia (séc. III a.C.), como também o estdico Cleanto, que se exprimiu quase nos mesmos termos. Esta ultima afirmacdo é corroborada pelo texto de Rm 2, 14s, em que o Apéstolo afirma que os gentios ouver em seu intimo a voz de Deus Legislador: “Quando os gentios, nao tendo lei, fazem naturalmente o que é prescrito pela Lei, eles, néo tendo lei, para si mesmos so lei; eles mostram a obra da Lei gravada em seus cora- ¢6es, dando disto testemunho a sua consciéncia e seus pensamentos, que alternadamente se acusam e defendem”. ; a sua consciéncia hes dé testemunho do bem e do mal - 0 que equivale a voz de Deus; Ele criou o homem e the incutiu 2 Os pagaos tém a lei natural inscrita em seus coragées; CCCOCCCCCCCEECCECCECECCECCCCCECCCCCECCECCECCCECCECCE PDDDDDDIFFDFDFDFFDHFDFDFIFIFD}FAFA}ID}FHA}D}HFA}DFFAAF}DFI}}}}IIIID 1: CONHECER A DEUS allei natural, que aos judeus fala também através da lei de Moisés. Essa lei natural 8 a voz de Deus, que chama a criatura para voltar ao seu principio ou ao seu Alfa e Omega. Em sintese: a S. Escritura afirma que o homem pode reconhecer a Deus por meio do testemunho do mundo visivel como também pela voz da consciéncia. Este conhecimento permite encontrar Deus como a Fonte dos valores disseminados em torno do homem e no homem. A Revelagdo feita ao povo de Deus leva adiante esse principio de teologia natural. Ligdo 3: Tradigao e Magistério 3.1. Os Padres da Igreja Os Padres da Igreja nao fizeram senao reafirmar e aprofundar a doutrina biblica. Tenham-se em vista as palavras de S. Basilio Magno (t 379): “O poder da divindade é tal que nao pode estar inteiramente oculto a alguma criatura racional. Pois, excegao feita de pequeno némero de homens cuja natureza foi depravada, 0 género humano todo reconhece Deus como autor deste mundo" (homilia 1,6). Para S. Basilio, o nao reconhecimento de Deus decorre de uma depravagdo. © mesmo seria dito por S. Agostinho: “Insania ista paucorum est (esta loucura 6 de poucos)" (sermao 70). Ver outro texto de S. Agostinho no Médulo 10 deste Curso (p. 49) ‘S. Joao Damasceno (t 749) afirma: “A criagdo, a conservacao e 0 governo do mundo apregoam a majestade da natureza divina’ (A Fé Ortodoxa | 1). 3.2. O Magistério da Igreja Importa citar 0 Concilio do Vaticano | (1870), realizado numa época em que a Filosofia criticava duramente 0 acume da razéo humana. De um lado, Kant (t 1804) e os positivistas propugnavam a incapacidade, da raz4o, de atingir Deus. De outro lado, os tradicionalistas julgavam que a razéo s6 reconheceria Deus mediante uma revelagao (tradicao) divina. O Con- cilio quis rejeitar estas duas posicdes afirmando: “A Santa Igreja professa e ensina que Deus, Principio e Fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razo a partir das coisas criadas: ‘Desde a criagdo do mundo, as suas perfeigées invisiveis se tornam manifestas 4 inteligéncia median- te as suas obras'(Rm 1, 20)" (DS 3004). Donde se deduz que a razao humana, contemplando 0 mundo visivel, depreende a existéncia e algo das perfeigdes do Criador. O texto foi retomado pelo Concilio do Vaticano Il (Dei Verbum 6); ver Médulo 10 deste Curso (p. 53). Frente ao modernismo, o Papa Pio X renovou a declaracao do Concilio: “Deus pode ser conhecido com certeza e, por isto, também demonstrado sob a luz natural da razao a partir do que foi criado (Rm 1,20), isto 6, a partir das obras visiveis da criagdo como a causa 6 conhecida a partir dos seus efeitos” (Juramento antimodernista). 3 CURSO SOBRE DEUS UNO E TRINO O Concilio do Vaticano Il em 1965 voltou a afirmar a existéncia da presenga de Deus a todo homem seja por meio das criaturas visiveis, seja pela voz da consciéncia, Eis o que diz a Declaragdo Dignitatis Humanae (Sobre a Liberdade Religiosa): “Deus tora o homem participante desta Sua lei, de forma que o homem, por suave disposigao da Providéncia Divina, possa alcangar mais e mais a verdade imutavel. Por isso, cada qual tem o dever, @ por conseguinte 0 direito, de procurar a verdade em matéria religio- a, a fim de chegar por meios adequados a formar prudentemente juizos retos e verdadeiros de consciéncia. A verdade, porém, deve ser buscada de um modo consentaneo a dignidade da pessoa humana e a sua natureza social, a saber, mediante livre pesquisa, servindo-se do magistério e da educagao, da comunicagao e do didlogo. Por esses meios, uns expdem aos outros a verdade que encontraram ou pensam ter encontrado, para se auxiliarem mutuamente na in- vestigacao da verdade, Uma vez descoberta a verdade, deve-se aderir a ela com firmeza @ consentimento pessoal. Os ditames da lei divina, 0 homem por sua vez os percebe e conhece mediante a propria consciéncia” (n° 3). Este texto quer dizer que Deus manifesta a todo homem, pela voz da consciéncia, 0 dever de O procurar; Deus nao se furta a quem sinceramente Lhe vai em demanda. Todavia 0 ser humano pode sufocar a voz de Deus e fechar-se a descoberta do caminho da Vida. Mais recentemente ainda, a enciclica Fé e Razao, do Papa Joao Paulo II, datada de 14/09/98, reafirma a capacidade, da razao humana, de conhecer a Deus ¢ aprofundar as verdades da Oateismo ou a negagao de Deus nao raro degenera em idolatria, pois a sede de Abso- luto e Infinito é incoercivel no coragao do homem, de modo que este pode chegar a transferir do verdadeiro Deus para falsos deuses a sua homenagem e o seu servigo; claro espécimen disto é a idolatria do homem pelo homem: *O homem é, para o homem, o ser supremo” (Karl Marx). eee PERGUNTAS 1) Que diz o Antigo Testamento a respeito do conhecimento de Deus? 2) Como Sao Paulo se situa diante da idolatria? 3) Como Sao Paulo entende os ditames da consciéncia bem formada? 4) Que é que 0 Concilio do Vaticano | declarou sobre o conhecimento de Deus? Por que 0 declarou? 5) Como 6 que o atelsmo pode vir a ser idolatria? Escreva suas respostas em folhas a parte, e mande-as, com 0 nome e o endere¢o do(a) Cursista, para: CURSOS POR CORRESPONDENCIA, Caixa Postal 1362, 20001-970 Rio de Janeiro (Ru). CCCCCECECECCCCECCCCCECCCCCCCCCECCCECCCCCECCECCCCCCE DPPODDDI DD DODD IIIDIDIFDI}DID}IAFI}IFDIF}}IFF}IFFHI}II7AI}IIAID ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO SOBRE DEUS UNO E TRINO POR CORRESPONDENCIA |. DEUS EM SUA UNIDADE A. FUNDAMENTACAO BIBLICA Deus em sua unidade é-nos revelado tanto pela razo natural como pelas paginas do Antigo Testamento. O nosso Curso de Filosofia desenvolve o raciocinio a respeito de Deus na Teologia Natural. Cabe-nos aqui considerar a face do Deus Uno que se manifesta no Antigo Testamento. MODULO 2: OS NOMES DE DEUS No Antigo Testamento Deus se revela através de palavras e fatos: as palavras anunciam @ interpretam os fatos; os fatos ilustram e confirmam as palavras. Sendo assim, toda a historia do povo de Israel é uma revelacao de Deus. E preciso saber ler a histdria e nela descobrir Deus presente e atuante. E 0 que incute 0 Concilio do Vaticano II: “Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se a simesmo... Este plano de revelagao se concretiza através de acontecimentos e palavras intimamente conexos entre si, de modo que as obras realizadas por Deus na histéria da salvagao manifestam e corroboram os ensinamentos e as realidades significadas pelas palavras. Estas, por sua vez, procia- mam as obras @ elucidam 0 mistério nelas contido” (Constituigéo Dei Verbum n° 2). Dito isto, notemos que Deus se revela no Antigo Testamento também por nomes que refletem atributos ou fungdes de Deus, sendo alguns desses nomes encontrados na literatura extra-biblica. O nome proprio do Deus de Israel é Javé (Yahweh). Ligdo 1: © Nome mais antigo El designa, de modo geral, a divindade entre os povos semitas, com excegao dos etiopes; em arabe tal nome toma a forma de il ou ilah (donde Allah). ‘A.etimologia de tal vocabulo é incerta. Trés sao as principais sentencas a propésito: el = ser forte, vigoroso; - el = estar a frente, ter a primazia; - el = em diregdo de... Deus seria a resposta aos anseios da humanidade. El aparece nos nomes teoforicos: Ismael (que Deus ouca); Yizre-el (que Deus semeie); Eli-ab (meu Deus é Pai); Eli-sua (Eliseu, meu Deus me ajudou); Eliemeleque (meu Deus é Rei)... O nome é freqiientemente acompanhado de um aposto: El-olam (Gn 21,33) 6 0 Deus antigo ou eterno; El-roi é 0 Deus que me vé (Gn 16, 13); El-Bethel é 0 Deus que se manifes- tou em Bethel (= casa de Deus); of. Gn 28, 12; 31, 13... As vezes a palavraEl tem a forga de um adjetivo, que evoca grandeza, pujanca: montanha de Et (SI 36,7), cedros de El (SI 80, 11), exército de Elohim (1Cr 12,23). CURSO SOBRE DEUS UNO E TRINO El-Elyon 6 0 Deus Altissimo; cf. Gn 14, 18-20; SI 78,35; Si 57,3... Eloah ¢ forma derivada de El; ocorre 57 vezes no Antigo Testament, sendo 41 no livro de J6. E sinénimo de EL. Elohim é a forma mais freqiente no Antigo Testamento, onde aparece cerca de 2000 vezes. E um plural, que pode significar: - uma pluralidade de deuses; cf. Ex 12,12; 18,11; 34,15...; - um Deus singular dos pagdos: Camés (Jz 11,24), Istar (1Rs 11,5), Baal Zebul (2Rs 1.2); - 0 Deus Unico, revelado a Israel: cf. Gn 5, 22; 6,9.11;9,27... Elohim é geralmente acompanhado de verbo no singular (SI 7,10; 2 Rs 19,4; Gn 1,1s...), raramente no plural (Gn 20, 13; 31,53;35,7...) © Antigo Testamento emprega Elohim para designar o Deus nico, como ocorre em Dt 4, 35; “Javé é o Deus (ha elohim, com artigo) e nao ha outro senao Ele”; cf. Is 46,9. Em alguns casos, Elohim é aplicado a criaturas: ~ aos anjos: J6 1,6; 2,1; - aos mortos: cf. 1Sm 28,13, -a grandes homens: Moisés (Ex 4, 16; 7,1), Ligéo 2; Yahweh (Javé) Yahweh 6 o nome préprio do Deus de Israel. Encontra-se sob a forma Yhw (yahu) no final de nomes teoféricos, como Yesa~Yahu (\saias), Uzzi-Yahu (Osias). Ver também Halletu-Yah (louvai Yah; S| 104,35; 106,1) O significado de tal nome é discutido, Eis 0 texto em questo: Ex 3, 148: “Disse Deus a Moisés: ‘Eu sou aquele que é’. Disse mais: ‘Assim diras aos filhos de Israel: ‘Eu sou (ehyeh) me enviou até vés’. Disse Deus ainda a Moisés: ‘Assim diras aos filhos de Israel: Yahweh, o Deus de vossos pais, 0 Deus de Abrado, o Deus de Isaque e 0 Deus de Jacé me enviou até vés. Este é 0 meu nome para sempre, e esta sera a minha lembranga de geragao em geragao". Tais so as principais interpretagées: a) Deus ter-se-d recusado a revelar o seu nome numa resposta evasiva. Isto, porque, segundo os antigos, quem conhecia o nome tinha poderes sobre o portador do nome; dai guardar-se em segredo 0 nome dos deuses. - Ora tal interpretacao é descabida, pois Deus queria reconfortar Moisés, temeroso de assumir 0 encargo que o Senhor the confiava frente ao Faraé. Além do mais, quando ha recusa de revelar o nome na Biblia, a recusa é explicita; cf Gn 32,30; Jz 13,175. b) Hé quem julgue que o verbo hyh tem sentido causal, de modo que traduzem: “Eu farei existir aquilo que eu farei existir’. Concluem que Deus se apresentou como 0 Criador. Isto 6 pouco provavel; o verbo hyh nunca é empregado no hiphil ou no modo causal. 6 CCCECCECCCCCCCECCCCCCECCCCCCCCECCCCECCECCCCCCCCCCEE EEEEERESEESREEERESREESERERREEREREEERESEEREREFRS) 2: OS NOMES DE DEUS ©) A tradugéo, segundo outros, seria: “Eu serei o que eu era’, 0 que da a Yahweh o sentido de eternidade. - Também esta interpretagao é falha, porque muda o tempo do verbo, que em hebraico é sempre o imperfeito ehyeh. d) A tradugdo dos LXX verteu Yahweh por ho on, indicando assim que Deus é o Ser Absoluto ou o Ser por exceléncia. Esta afirmagao ¢ veridica: Deus é por si mesmo, & diferenga das criaturas, que nao existem por si mesmas, ou em oposigao aos deuses pa- g40s, que nada sao. - Todavia este modo de conhecer a Deus era estranho aos antigos israelitas, pouco dados ao pensamento abstrato ou metafisico. e) Em conseqiéncia, a interpretagao mais correta do nome revelado 6 a que leva em conta o seu carater dindmico e concreto. Deus quer revelar-se como Aquele que esté com Seu povo e o acompanha na saida do Egito, assegurando éxito a tarefa de Moisés, Donde a tradugao: “Eu sou aquele que é contigo”. O proprio Senhor disse a Moisés: “Eu estarei contigo" (Ex 3,12). E de notar que, apés 0 exilio na Babilénia (587 - 538 a.C.), se tornou proibido aos judeus proferir o nome Yahweh; tal era “o nome que se escreve, mas nao se |é” (Flavio José). Segundo 0 Talmud, o nome santo sé era proterido pelo Sumo Sacerdote quando entrava no Santo dos Santos no dia da Expiacdo anual, ou pelos demais sacerdotes que abengoassem © povo segundo Nm 6, 23-27; mesmo nestes casos o nome sagrado era pronunciado em voz muito baixa. Em conseqiéncia, desde o século IV a.C. 0 tetragrama yhwh era lido como Adonay (= meu Senhor). No século VI d.C. a escola massorética intercalou as vogais entre as consoantes hebraicas, fundindo entao entre si as consoantes YHWY com as vogais AdOnAy; donde resultou YHW H > verowan ou JEOVA Ad O nAy? Pela primeira vez, a pronuncia Jeova é atestada em 1270 por Raimundo Martini na obra Puglo Fidel. Os protestantes no séc. XVI adotaram a proniincia “Jeova’. Aexpressao Yahweh Seba’oth é freqiiente na Biblia, especialmente na literatura pro- fética. Signitfica “o Senhor dos exércitos’. A palavra seba’oth compreende todos os seres que no céu e na terra estdo a servico de Javé; em consequéncia a expressao 6 traduzida na versao dos LXX por Pantokrator, Todo-Poderoso; ver Jz 5,20; SI! 18,8-16; Js 10,10-15; J6 38,7. A expresso tomou significado polémico; designava o dominio do Senhor sobre todos 08 elementos deste mundo, inclusive os astros, que os pagaos adoravam como deuses; cf. Is 40,26; 45,12. Ligdo 3: “Eu sou Aquele que ama” Um exame aprotundado do nome revelado a Moisés evidencia ainda outro significado de tal nome. Com efeito, certa vez no deserto Moisés pediu ao Senhor que o acompanhasse na ardua travessia e Ihe mostrasse a sua gloria. Ao que o Senhor respondeu: 1 O primeiro a é mudo, correspondendo ao e de Portugal. O y néo é vogal, mas semiconsoante, podendo ser transliterado por J. CURSO SOBRE DEUS UNO E TRINO “Farei passar diante de ti toda a minha bondade e pronunciarei diante de tio nome de Jahweh” (Ex 33,19). Este texto associa entre si a revelagdo do nome santo e a da bondade de Deus Quando 0 Senhor cumpriu o que prometera, exciamou Moisés: “lahweh, laweh, Deus de compaixao e de piedade, lento para a colera e cheio de amor e fidelidade, que guarda seu amor a milhares..."(Ex 34,6). Segundo bons exegetas, estes textos, em seu estilo semita, significam que Deus & amor. O actimulo de sinénimos tem o valor de superlativo e sugere uma bondade sem igual, que ultrapassa toda formulagao comum. Assim o nome de lahweh assume um segundo signi- ficado: no somente Ele é 0 Absoluto, que acompanha seu povo, mas também é Amor. Aque- Je que é, também 6 Aquele que ama. E de notar, alias, que o substantivo hebraico tub, ocorrente em Ex 33, 19 (‘Farei passar diante de tio meu tub...”), pode ser traduzido nao sé por bondade, mas também por bele- za.., beleza da bondade e do amor de Deus. © Antigo Testamento compara 0 amor de Deus por seu povo ao de um pai por seu filho (Dt8,5; $1 103,13) como também ao da mae por sua crianga (Is 49, 15). Alids, tal amor nao se limita a Israel; tem carter universal, pois abrange todos os homens: “Sim, amas tudo 0 que criaste, ndo aborreces nada do que fizeste. Se alguma coisa tivesses odiado, ndo a terias feito... A todos perdoas, porque sao teus, Senhor, amigo da vida! Todos levam teu sopro imperecivel. Por isto pouco a pouco corriges os que caem; Tu os admoestas, lembrando-Ihes as suas faltas, para que se afastem do mal e creiam em Ti, Senhor” (Sb 11,24-26; 12,2). O amor de Deus nao consiste apenas em dar pao e roupa (Dt 10,18), mas considera também os valores espirituais, procurando desviar do malas criaturas E sobre este pano de fundo que se situa 0 ponto alto da revelagao do Novo Testamento: Deus no apenas manifesta seu amor para com o homem pecador, ateu (cf. Ef 2,12), masé amorcf. 1Jo 4,8.16. De resto, nessa sua primeira epistola Sao Jodo afirma que Deus é luz (1Jo 1,5) e Deus é amor (1Jo 4, 8.16) - 0 que equivale a dizer que Deus 6 Verdade (apreendida por nossa fé) e Amor (de que participamos por nossa caridade) “O amor é de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Aquele que nao ama, néo conhece a Deus, porque Deus 6 amor" (1Jo 4,7-8). O amor de Deus difere do amor das criaturas, pois Deus ama o homem nao porque o homem seja bom (como acontece entre nds), mas, ao contrario, o homem é bom porque Deus 0 ama..., e ama gratuitamente. Nossa vontade nao é causa da bondade das criaturas, mas 6 movida por ela, ao invés do que se da em Deus, que ama primeiro, gratuitamente, e causa a bondade do ser amado. O amor de Deus se fez carne e quis pulsar num coragao humano. O coragao de Cristo “resume e poe sob os nossos olhos todo 0 amor de que fomos e ainda hoje somos 0 objeto” (Pio XII, enciclica Haurietis aquas IV, 1956) CCCCCECCCCCCEECCCCECCECCCCECECCECCCECCCCECCECCECCCCE DPIDDFDTDIDID DD SDS DD DDO DO DDD SD DIDIDDDDIDIFIFFDIDIFIIIAIWd 2: OS NOMES DE DEUS Ligao 4: Os Antropomorfismos Frequentemente o Antigo Testamento apresenta Deus como um homem: atribui-Ihe olhos (Am 9,4), maos (Am 9,20), dedos (Dt 9,10), bragos (Jr 27,5), pés (Na 1,3), face e dorso (Ex 33, 23), boca (Jr 9,11), narinas (SI 18,16), labios e lingua (Is 30, 27). Deus grita (Lv 1,1), ruge (Am 1,2), ri (SI 2,4), assovia (Is 7,18), dorme (SI 44,24), des- perta como um embriagado que sai do sono (SI 78,65), passeia no jardim do Eden (Gn 3,8), 6 oleiro (Gn 2,7), desce para ver a torre de Babel (Gn 11,5); 6 guerreiro valente (Ex 15,3; SI 24,8); devora como um leo (Os 5, 14); vinga-se (Is 1,24), arrepende-se (Gn 6,6), concebe célera (28m 24,1). Principalmente nos textos antigos ocorrem os antropomorfismos. Com o tempo, os escritores de Israel os foram evitando; assim 0 chamado “Cédigo E” (século VIII a. C)jeo Sacerdotal (séc. VI/V a.C.). A tradugao dos LXX e as aramaicas os eliminaram quase por completo. Certos livros tardios da Biblia protestavam contra eles: J6 10,4: “Deus nao tem olhos, como os homens” Os 11,9: "Deus 6 Deus e nao homem" 18m 15,29; Nm 23,19: Deus nao se arrepende como os homens ‘$1 121,4: “Deus ndo cochila nem dorme” Is 40,28: “Deus nao se cansa”. O recurso a antropomorfismos nas Escrituras Sagradas explica-se por trés motivos; 1) O espirito humano é incapaz de conceber Deus tal como Ele é, de modo que a linguagem humana é naturalmente propensa a utilizar expressdes antropomérticas. 2) O Deus do Antigo Testamento se torna muito concreto para Israel. E conhecido nao tanto mediante reflexéo filoséfica, mas pelas suas manifestagées na historia; as paginas biblicas apresentam o Deus vivo, atuante, acessivel ao homem, o que leva naturalmente a concebé-lo como um Homem Grande, Poderoso, Dialogante. Com outras palavras: no Antigo Testamento Deus é um Deus pessoal, que escolhe e ama seu povo; Ele o tira da servidao do Egito para estabelecé-lo em Canaa (Ex 15, 13;Dt 26,7. 10); conclui alianga com 0 povo libertado, tudo por livre iniciativa e gratuita benevoléncia. Eo. Deus vivo, bem diferente da personificagao das forgas da natureza e dos “deuses mortos” (Br 6,26.70) ou “deuses impotentes’ (Is 44,18;SI 135,15-17) do paganismo. Sao esses predicados de Deus que fazem que 0 salmista deseje gozar da presenca de Deus em seu templo (SI 42 243; S184,122...). 3) O génio hebraico, como dito, nao era especulativo, mas muito dado ao concreto imaginario. Mesmo ao falar do homem, os israelitas diziam “brago, mao” para significar poder; falavam do sopro das narinas para designar impaciéncia ou célera; falavam do rosto que se vira ou se volta para significar aversdo ou benevoléncia. Em conseqdéncia, entende-se que tenham falado de Deus em linguagem semelhante. 9

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