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Rae eee eee eee ee ee ee ee Oe Rei ezalO ky oS Se) C en) Cs 4p oy 9 @ Cow) ESCOLA "MATER ECCLESIAE" CURSOS POR CORRESPONDENCIA Pe. Estévdo Tavares Bettencourt O. S. B. a a a a e a a a a a a i) a e a a a ea a a a e a a e ) ea ea e a ea ) e e@ e@ e a e a a a « a ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO DE INICIAGAO TEOLOGICA POR CORRESPONDENCIA Rua Benjamin Constant, 23 - 3° andar 20241-150 - Rio de Janeiro (RJ) Caixa Postal 1362 - 20001-970 Rio (RJ) Fone: (021) 242-4552 Prezado(a) cursista, Vocé tem agora a oportunidade de fazer um curso de Iniciagao Teoldgica... Iniciagéo que, embora nao exaustiva, Ihe dara uma visao completa e assaz profunda das verdades da fé. E por que este curso? Porque, se 6 verdade que ninguém ama o que nao conhece, também deve ser verdade que alguém tanto mais amara a Deus quanto mais O conhecer. Ora “conhecer a Deus é viver, e servir a Deus é reinar” (Missal Romano). Todo cristao deve ter interesse em aprofundar aquilo que professa, principalmente em nossos dias, quando tantas propostas religiosas 0 interpelam. Sao Pedro nos diz que “devemos estar sempre prontos a dar razao da nossa esperanga a todo aquele que no-la pega” (1Pd 3,15). Isto $6 sera possivel mediante uma aplicagao zelosa ao estudo da Ciéncia Sagrada. Ademais o aprofundamento teolégico redunda naturalmente em estimulo e alimento da vida de oragdo; quem descobre mais lucidamente o plano de Deus, mais se sente impelido a experimentar a presenga daquele que se nos revelou. O perigo que ameaga o(a) cursista, é o de nao perseverar... por este ou aquele motivo. Sendo assim, convidamos vocé a nao se deixar impres- sionar por possiveis obstaculos. Se encontrar dificuldades na assimulagao da matéria, escreva-nos, e estaremos a sua disposigao para ajuda-lo(a). Nosso intuito é servir a cada um(a) como for necessario, para que todos possam ter uma fé mais viva e ardente. Uma breve observagao: a sigla DS, nas ligées do Curso, significa “Denzinger-Schdnmetzer”, autores de um Manual de Simbolos e Defini- goes; nessa obra encontram-se todas as Declaragées da Igreja em matéria de {é e de Moral. Infelizmente ainda nao existe em portugués, mas, sim, em espanhol, além do original latino e grego. A 2* edigdo deste nosso Curso, que agora apresentamos, passou por meticulosa revisdo e conta com o acréscimo dos Modulos 24 e 27. Atenciosamente Pe. Estévao Tavares Bettencourt 0.S.B. 1 DIDIDDIDDDIDDIFDDDDDF}IDIDDD9DIDFD}}D}D}}9}}9}F3IDID CURSO DE INICIAGAO TEOLOGICA POR CORRESPONDENCIA Médulo Médulo Médulo Médulo Médulo Médulo: Médulo 8: Médulo 9: Médulo 10: Médulo 11: Médulo 12: Médulo 13: Médulo 14: Médulo 15: Médulo 16: Médulo 17: Médulo 18: Médulo 19: Médulo 20; Médulo 21: Médulo 22: Médulo 23: Médulo 24: Médulo 25: Médulo 26; Médulo 27: Médulo 28: Médulo 29: Médulo 30:, Médulo 31: Médulo 32: Médulo 33: Médulo 34: Médulo 35: Médulo 36: Médulo 37: 1 2: 3: Médulo 4: 5: 6 7 : REVELAGAO, FEETEOLOGIA------- 2-2. eee eee 3 : TEOLOGIA FUNDAMENTAL (I)-“Creio em Deus”... - 7 : TEOLOGIA FUNDAMENTAL (II)-“Creio em Jesus Cristo" . 11 TEOLOGIA FUNDAMENTAL (III) “Creio nalgreja” -.. . - 15 DEUS EM SUA UNIDADE (mensagem biblica) 19 DEUS EM SUA TRINDADE (1) 23 DEUS EM SUA TRINDADE (II) 27 ACRIAGAO (I) 31 ACRIAGAO (II) 35 OS ANJOS 7 ee 39 ANTROPOLOGIA TEOLOGICA (I) “a3 ANTROPOLOGIA TEOLOGICA (Il) 47 A QUEDA ORIGINAL 51 JESUS CRISTO (I) 55 JESUS CRISTO (Il) 59 JESUS CRISTO (Ill) 63 JESUS CRISTO (IV) . . 67 JESUS CRISTO (V) ” JESUS CRISTO E AIGREJA . 75 AIGREJA (I) 79 AIGREJA (|) 83 AIGREVA (Itt) : ere 2 AIGREJA (IV) 91 AIGREJA (V) 95 MARIOLOGIA (1) . 99 MARIOLOGIA (II) 103 MARIOLOGIA (II!) 107 AGRAGA (!) 1m AGRAGA(II) 6. ee 115 OS SACRAMENTOS (I) - lee OS SACRAMENTOS (Il) .. + - - OS SACRAMENTOS (Ill). 5 6 +s OS SACRAMENTOS (IV) OS NOVISSIMOS (I) OS NOViSSIMOS (II) OS NOVISSIMOS (Il) - - eae OS NOVISSIMOS (IV) --- 6 ee 9dRFFFTHHHF}FHFDFHFDFDHFDHF}DHH}IFD}HD9}}}DFD}DDTDIIDIIID ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO DE INICIAGAO TEOLOGICA POR CORRESPONDENCIA INTRODUGAO MODULO 1: REVELAGAO, FE E TEOLOGIA Ligdo 1; Revelagao: que é? Quem considera a histéria da humanidade, verifica que o homem 6 essencialmente religioso; todo homem reconhece espontaneamente a soberania do Ser Supremo. Distinguimos dois tipos de religido: 1) @ Religiéo Natural. Dirige-se a Deus reconhacido mediante a revelagao natural. Com efeito; Deus dé-se a conhecer a todo homem (cristo ou nao cristao) através de dois canais: a) 0 mundo com sua ordem e harmonia. Diz a sabedoria popular: todo relégio supde um relojoeiro, Assim 0 mundo, com a multidéo de elementos que o compéem, leva-nos a admitir uma Inteligancia Suprema que concebeu, criou e conserva todos esses elementos na sua interdependéncia natural. JA Sao Paulo observa isto, retomando a afirmagao de um esctitor do Antigo Testamento: “O que se pode conhecer de Deus, é manifesto entre eles (pagaos), pois Deus 0 revelou a eles. Sua realidade invisivel — seu eterno poder e sua divindade — tornou-se inteligivel, desde a criagéo do mundo, através das criaturas, de sorte que nao tém desculpas” (Fim 1,198; Sb 13,1-9; ct. Sb 14, 15-17.22-29). Vemos, pois, que a existéncia de Deus, Criador de todas as coisas e Fonte de todas. as perfeigdes, est ao alcance da razdo humana, a ponto de ser professada pela propria filosofia; b) @ consciéncia moral existente em todo homem. Na verdade, todos sentem dentro de si uma voz que incita: “Pratica o bem, evita o mal’. Essa voz nao é a projecao dos nossos sentimentos, pois muitas vezes ela fala a revelia nossa, "remordendo-nos” e incomodando-nos interiormente; 6 a voz de Deus ou a marca do Criador, que nos fez para Sie que, desta maneira, nos chama constantemente a voltarmos para Ele, Acontece que, s vezes, a consciéncia 6 mal formada ou violentada. Em tais casos, como se compreen- de, j4 nao 6 a voz de Deus. Ver Curso de Teologia Moral por Correspondéncia, Médulos 708. Pois bem, Na base da revelagao natural de Deus (através do mundo e da voz da consciéncia) constitui-se a religido natural Revelada, baseada sobre especial revelacdo de Deus, que convida os homens a filiagdo divina e & ordem sobrenatural, Com efeito; Deus se manifestou a Abrado (século XIX a.C.) e a seus descendentes até Jesus Cristo, dando-Ihes a conhecer © seu plano de salvagao. Este consiste em levar os homens a visdo de Deus face-a-face; visto que tal dignidade ultrapassa as exigéncias da natureza humana, é chamada ordem sobrenatural. Notemos que a ordem sobrenatural nada tem que ver com milagres e portentos; implica um dom de Deus invisivel (graga santificante), que pée o cristao em intima comunhao com o préprio Deus. © Concilio do Vaticano Il refere-se a essa revelagao especial de Deus, que ocorreu mediante palavras efeitos na histéria do Antigo Testamento e atinge sua plenitude em Jesus Cristo: “Aprouve a Deus, em sua bondade @ sabedoria, revelar-Se a Si mesmo e tornar conhecido 0 mistério de Sua vontade (cf. Ef 1,9), pelo qual os homens, por intermédio do Cristo, Verbo feito carne, @ no Espirito Santo, tém acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina (ct. Et 2, 18; 2Pd 1,4). Mediante esta revelagao, portant, 0 Deus invisivel (cf. Cl 1,15; 1Tm 1,17), levado por Seu grande amor, fala aos homens como a 3 TO CURSO DE INICIAGAO TEOLOGICA amigos (cf. Ex 33,11; Jo 15, 14-16), @ com eles se entretém (cf. Br 3,38) para os convidar 4 comunhdo consigo e nela os receber. Este plano de revelagao se concretiza através de acontecimentos e palavras intimamente conexos entre si, de forma que as obras relizadas por Deus na Histéria da Salvagéo manifestam @ corroboram os ensinamentos @ as realidades significadas pelas palavras. Estas, por sua vez, proclamam as obras @ eluci- dam o mistério nelas contido’(Const. Dei Verbum n? 2). € Areligido judaica apresenta-se assim como 0 preambulo do Cristianismo; este, por sua vez, no 6 simplesmente uma entre as varias religides sobre a terra, mas 6 a mensagem especial de Deus, a qual os homens procuram responder mediante a profissao de 16, a celebragao do culto sagrado e a vivancia adequada. Com outras palavras: 0 Cristianismo nao 6 simplesmente o movimento do homem que, por seus préprios méritos, se quer elevar a Deus, mas é a iniclativa de Deus, que se digna de amar o homem, revelar-lhe o mistério de sua vida (SS. Trindade) @ convida-lo para participar do consércio da mesma. Tal iniciativa 6 absolutamente livre @ gratuita da parte de Deus. Consciente disto, dizia So Paulo: “O Espirito dé testemunho de que somos filhos de Deus e, se filhos, também herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo” (Rm 8, 16s). E Sao Joao: “Considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos chamados filhos de Deus, e de fato 0 somos" (1Jo 3,1). Apés Jesus Cristo 0 a geragao dos Apéstolos, esta encerrada a Revelagao divina piiblica e oficial: pode haver revelacées particulares, como as de Paray-Le-Monial, Lourdes, Fatima..., que no se impdem a crenga dos fiéis (embora tenham credenciais muito validas); de resto, nada acrescentam de novo aos artigos do Credo, mas geralmente propdem exortages & oragao e A penitncia em desagravo dos pecados. A Igreja é cautelosa diante da noticia de alguma revelagao particular, pois pode haver ilusao da parte dos “mensageiros” a tal propésito. © que ocorre na Igreja, 6 0 desdobramento das verdades reveladas, o qual se faz sob a aco do Espirito Santo. Este foi enviado por Jesus a Igreja para “Ihe recordar o que © Senhor disse e leva-lo a plenitude de sentido” (cf. Jo 14,26). Assim, com 0 tampo, os cristéos compreenderam mais e mais 0 significado da Virgem Maria na obra da salvagao, a questao do niimero dos que se salvam, a do batismo de desejo, etc. Ver neste Curso os Médulos 24, 25 @ 26 @, no Curso de Novissimos, os Médulos 20, 21 @ 22. Ligdo 2: Critérios de Revelagao Para que os homens possam aceitar a Revelagéo divina, esta deve ser assinalada por critérios de autenticidade ou por motivos de credibilidade, nao devo crer em qualquer a fé tem o direito de pedir credenciais para dizer 0 seu Sim. Os critérios de idade podem ser: 1) subjetivos: paz profunda e felicidade experimentadas pelos fiéis, resposta as aspiragées profundas do sujeito, santidade dos arautos; 2) objetivos: o milagre e a protecia; cf. Jo 5,36; 10,37; 14,11; 15,24. Estes critérios s&o mais persuasivos do que os subjetivos. Examinemo-los de mais perto. a) O milagre ndo 6 simplesmente um fato maravilhoso ou uma demonstragao da Onipoténcia Divina. Antes, deve ser: —um fato histérico, realmente ocorrido (ha muitas estérias maravilhosas, as quais nenhum acontecimento historico corresponde); — ... no momento em que ocorre, totalmente inexplicavel pela ciéncia. Por isto, desde que haja alguma perspectiva remota de explicacao cientifica, 0 fato portentoso ja nao 6 considerado um possivel milagre; COOCCEOOCEOCEOCEECECCECECO CCE CCECEECEECCEOECECEEEE CE DFdFDDHDDFDIFFF}DDFIH}}}H}}I}}D99}}}DF}399D9393DId9 1. REVELACAO, FE E TEOLOGIA —... produzido dentro de contexto de oragdo humilde e confiante, como resposta de Deus a uma pessoa devota. Em contexto de imoralidade, charlatanismo, cobiga financeira, irreveréncia religiosa... Deus ndo costuma falar. Assim todo milagre auténtico 6 um discurso de Deus que visa a corroborar a fé dos, homens, dissipar-Ihes dividas ou testemunhar a santidade de um mensageiro divino. O milagre 86 tem sentido como sinal (semeion) de Deus aos homens. Por isto deve ser: a’) publico, sujeito a ser comprovado por todos os homens; b’ ) instantaneo (a natureza, a longo prazo, também realiza maravilhas), @ c’) completo ou cabal. A existéncia de determinado milagre nao pode ser presumida; ha de ser testada e comprovada, as vezes com 0 auxilio de um "advogado do diabo", que procura demonstrar a inexist&ncia do milagre. Hoje em dia o gosto febril do maravilhoso pode ser indicio de {6 débil ou mal orientada; todo milagre verdadeiro é excegdo realizada por Deus para fortalecer a fé dos homens. b) A profecia, em Teologia, 6 a predi¢éo de um acontecimento futuro, impossivel de ser conhecido naturalmente pelo profeta no momento em que faz a predigao. A’ parapsicologia hoje explica como fenémenos de pré-cogni¢ao natural certas manifesta- g6es que outrora eram tidas como profecias. Apesar destes progressos da ciéncia, a auténtica profecia fica sendo possivel. Ligdo 3: Fé e Teologia 1. Afé 6 a resposta do homem a Revelagdo Divina. Com outras palavras: é a adesdo do homem a Deus que ihe fala. Essa atitude nao é um sentimento de confianga apenas, nem é um posicionamenio cego (hd quem diga: “basta crer em alguma coisa, sem que o objeto da crenga tenha importancia’), Mas 6 um ato da inteligéncia humana, que foi feita para a verdade e que em Deus encontra a Verdade Suprema. Por conseguinte, existem, em matéria de fé, verdade e erro; nao é indiferente 0 Credo ao qual o homem da sua adesao. As verdades da fé sero sempre transcendentais ou claro-escuras para a razéo humana. Por isto ninguém 6 obrigado a crer porque tenha a evidéncia racional de que Deus 6 uno e trino, de que Jesus 6 Deus © homem, de que Cristo est presente na Eucaristia... Para crer, a vontade tem que mover a inteligéncia a dizer SIM; a fé 6 um ato da inteligéncia movida pela vontade ("eu quero crer’). Ora a vontade s6 podera mover a inteligéncia ao ato de fé se estiver livre de paixées ou afetos desregrados. Com efeito; aceitar Deus significa converter-se ou mudar de vida; mas ninguém ha de querer mudar de vida se esta subjugado por tendéncias desordenadas. Vé-se, pois, que a fé esta em intima relagéo com o teor de vida que o homem leva; quem se entrega a uma vida desregrada, dificilmente pode chegar fé (antes, pode rapidamente perder a fé); ao contrario, quem se esforca por ser honesto e fiel em tudo, pde-se a caminho dafé, se nao atem. Por conseguinte, é este 0 itinerdrio de uma proposigao de fé: Afetos < Vontade << Intelecto + Artigos de Fé ou Paixdes (Jesus é Deus e Homem) 4 3 2 1 O artigo de é interpela a inteligéncia. Esta ndo o tem por evidente, mas também nao o julga absurdo. Por isto entrega a decisao a vontade. Esta dira SIM ou NAO de acordo com 0s seus afetos; a quem esta apegado ao pecado, é mais conveniente dizer NAO as verdades da fé. CURSO DE INICIAGAO TEOLOGICA Em Ultima instancia, a fé 6 um dom de Deus, dom que o Senhor a ninguém recusa; ef. 1Tm 2,38: “Deus quer que todos os homens sejam salvos @ cheguem ao conhecimento da verdade”. Diz o Senhor no Evangelho: “Ninguém pode vir a Mim, se 0 Pai que me enviou, ndo o atrair” (Jo 6,44). Por isto todo homem fiel ha de reconhecer, com Sao Paulo, que “foi apreendido pelo Cristo Jesus” (F13, 12) © que na verdade “ele no procuraria o Senhor se ja nao O tivesse encontrado* (Blaise Pascal). Embora a fé seja um salto lento para dentro do Infinite de Deus, nao 6 algo de irracional, como ja frisamos. E, antes, uma homenagem racional da criatura ao Criador (cf. Rim 12,1). E licito — @ até muito racomendavel — ao cristdo procurar aprofundar as riquezas da mensagem crista. Escreve Séo Paulo: “Deus ilumine os olhos dos vossos coragées para saberdes qual é a esperanga que © seu chamado encerra, qual 6 a riqueza da gldria da sua heranga entre os santos” (Ef 1,18). So Pedro exortava os cristéos a que estivessem sempre prontos a dar as razées da sua esperanga a todo homem que as pedisse (cf. 1Pd 3,15). Toda a tradicao crista proclamou a possibilidade de se ilustrarem as verdades da fé mediante o estudo ou 0 instrumental da inteligéncia humana, Foi desta convicgao que se originou a Teologia. 2, Teologia quer dizer “discurso sobre Deus” (Théos = Deus; Légos = palavra). E a procura légica e sistemdtica de certo entendimento das verdades da fé. Classicamente 6 definida como “a fé que procura compreender’ (fides quaerens intellectum); isto quer dizer que a Teologia supée a fé ou parte da 18, a diferenga da filosofia, que é ciéncia meramente racional. O tedlogo 6, antes do mais, um homem de fé, que procura soletrar as verdades da 6. Ora, a fé ndo é transmitida ao cristo por vias subjetivas ou particula- Tes, mas pela Igreja, & qual Jesus confiou o encargo de anunciar a Boa Nova sob o cajado ‘ln Apéstolo Pedro (ct. Mt 28, 18-20; Le 22,318; Jo 21, 15-17). Disto se segue que a auténtica teologia é cultivada em consonéncia com a voz da Igreja, que ressoa através do seu magistério (magistério ao qual Cristo quis prometer sua assisténcia infalivel e a presenga do Espirito Santo; cf. Mt, 28,20; Jo 14, 15-17; 16,7.13-15). O estudo da Teologia comeca por tomar consciéncia das razées de crer ("por que ereio em Deus, em Cristo na Igreja"); 6 0 que se chama “Teologia Fundamental”. A seguir, percorre os diversos artigos do Credo (Teologia Sistematica ou Dogmatica). E o que faremos neste Curso por Correspondéncia. A guisa de bibliografia: CECHINATO L., A quem iremos, Senhor? Ed, Vozes, 1980, FEINER-LOEHRER, Mysterium Salutia, vol./1. Ed. Vozes. GOMES, CIRILO FOLCH, Riquezas da Mensagem Crista. Ed. Lumen Christi, Calxa postal 2.666, 2001-970, Rio (Fi), D'ELBOUX, LUIZ G. DA SILVEIRA, Doutrina Catéllea Compendiada hoje para Adultos, Ed, Loyola, 1983. 'SCHMAUS, M., A Fé da Igreja, vol. 1. Ed. Vozes. TRESE, LEO J., A 16 explicada. Ed. Quadrante. Rua Iperoig 604, 05016-000, Séo Paulo (SP). PERGUNTAS: 1) Que 6 ordem sobrenatural? Que é 0 Cristianismo? 2) Que é Revelacéo? 3) Que 6 milagre? 4) Que 6 a 16? Pode haver erro e verdade em matéria de 16? 5) Que 6 Teologia? Escreva suas respostas em folha(s) & parte, e mande-as, com o nome 6 o enderego do cursista, para CURSO DE INICIAGAO TEOLOGICA POR CORRESPONDENCIA, Caixa Postal 1.362, 20001-970, Rilo de Janeiro - Ru. 6 CCOCCCECCCCCECCCCCCECCCECCCCECECECEECCECCECECECE CEE ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO DE INICIAGAO TEOLOGICA POR CORRESPONDENCIA MODULO 2: TEOLOGIA FUNDAMENTAL (|) - “CREIO EM DEUS” A Teologia Fundamental estuda os fundamentos da crenga em Deus, em Jesus Cristo e na Igreja. Ligio 1: Por creio em Deus? : A existéncia de Deus nao constitui apenas uma verdade de fé. E também a conclusao de um raciocinio filoséfico, que os gregos Platdo (t 347 a.C.) @ Aristoteles (+ @ 322 a.C,) cultivaram. © raciocinio parte do principio de causalidade, cujo enunciado é 0 seguinte: “Todo @ ser contingente tem uma causa”. — Vejamos 0 que isto significa. 33333333393 e O ser contingente 6 0 que existe, mas poderia nao existir. E o que nao existe @ 12°288arlamente ou por si mesmo, mas tem fora de si a razdo suficiente da sua existancia Com outras palavras: todo ser deve ter sua razdo de ser ou a explicagdo suficiente, adequada, cabal da sua existéncia. Se o ser tem sua razao suficiente em si mesmo, ele nao depende de outrem; é absoluto, Se o ser ndo tem em si mesmo a sua razao de existir (@ este 6 0 caso de todos nés, que somos, mas ndo éramos; viemos a ser, e podemos perder a existéncia terrestre), tal ser tem fora de si a sua razdo suficiente e explicativ. @ 6 um ser dependente de outrem ou relative a outrem. Na base deste principio, enunciam-se cinco vias que levam a concluir a existéncia de Deus. 4.1. Primeira via Partimos do fato de que no mundo existem multiplos movimentos e mudangas Ora toda mudanga 6 um vir-a-ser ou um tornar-se; 6 a aquisigdo de uma realidade ou determinagao que o ser nao tinha antes, mas podia ter. 333303 Por conseguinte, para que alguma coisa se mova ou mude, deve receber algo que @ ela nao tem. E deve recebé-lo de outro ser (que chamamos “movente"), porque ninguém @ 248i mesmo o que ele nao possui. Para receber, é preciso nao ter; para dar, é necessario ter. Na série de seres movidos-moventes, é impossivel proceder ao infinito, Portanto @ deve haver um primeiro movente que no seja movido por outrem, mas que tenha em si @ mesmoa raz4o de ser do seu movimento; 6 0 movente absoluto ou Deus: DEUS movido.,.. —- MOVENTE NAO MOVIDO. movido —+ movente movido —> movente movido... — movente 1.2, Segunda via A segunda via parte do fato de que existem miltiplas causas neste mundo, concatenadas entre si numa linha de dependéncia e subordinacao: a fruta de uma 4rvore, por exemplo, supe a Arvore, a Arvore supée a fecundidade da terra; esta supde a ado @ do sol © da chuva; estes, por sua vez supdem outros fatores... JA que é impossivel o @ processo ao infinito, 6 necessdrio admitir finalmente uma primeira causa causante e nao @ (au8ada ou a causa Absoluta, que 6 Deu a ® 7 33333333 CURSO DE INICIAGAO TEOLOGICA CAUSANTE NAO CAUSADO. causada... > OABSOLUTO causada -* causante DEUS causada — causante causa causada -+ causante 1.3, Terceira via Parte do fato da contingéncia geral que nos cerca. Tudo 0 que vemos, nao era e veio a ser, Ora, se tudo fosse contingente, nao haveria comego do ser, nada existiria — © que é falso. Donde se conclui: ou Deus, o Ser Absoluto, Necessario, nao contingente, existe @ 6 a razdo suficiente de todos os demais seres, que sao contingentes..., ou nada existe Deus ndo recebeu o ser (existéncia), Ele 6 0 ser (existéncia). Todos os demais receberam o ser (existéncia). 1.4, Quarta via Procede do fato de que no mundo existem perfeigées transcendentes (a verdade, a bondade, o amor, a justiga...) em diversos graus. Elas sao limitadas pelos sujeitos que as contém, Elas supdem a existéncia de um ser no qual tais perfeigdes existem sem limites. Por conseguinte, deve existir um Ser que seja a Verdade mesma, a Bondade mesma, o Amor mesmo, a Justiga mesma... Tal é Deus. Com outras palavras: dizemos que em torno de nés existem seres mais bons e menos bons, mais justos e menos justos, mais verazes e menos verazes... Ora, 6 posso falar de "mais" e "menos" se existe o Absoluto ou o llimitado. Este é 0 proprio Deus 1.5. Quinta via Existe em seres que nao tém inteligéncia, uma ordem elevada, obtida com elemen- tos cuja natureza é indiferente a esta ou aquela combinagao Ora tal ordem exige uma inteligéncia que tenha concebido tais elementos e os tenha combinado entre si. Tal inteligéncia suprema 6 Deus. Este 6 talvez o argumento mais facil para demonstrar a existéncia de Deus, pois as ciéncias naturais, hoje mais do que nunca, reconhecem a harmonia do universo (macro- cosmos e microorganismos) e parecem descobrir cada vez mais os vestigios de Deus Criador e Conservador de todos os seres naturais. Pergunta-se, porém: 0 acaso explicaria a ordem do universo?” Respondemos que 0 acaso ndo é um sujeito agente responsavel por alguma realidade. O acaso 6, sim, 0 cruzamento, nao necessario nem previsto, de duas causas mutuamente independentes, cada uma das quais age em vista de uma finalidade propria. Diz-se, por exemplo, que alguém, ao cavar a terra, encontrou por acaso um tesouro... O acaso nao é a explicagao do fato; este depende de duas causas definidas: a pessoa que outrora (com uma intengdo determinada) escondeu 0 tesouro no campo, e a pessoa que, mais tarde, resolveu cavar esse campo (também com uma intengdo bem determinada); houve o cruzamento imprevisto dessas duas causalidades, que nds, surpresos, dizemos casual ("por acaso”); se soubéssemos que alguém tinha escondide o tesouro em tal campo, jd nao falariamos de acaso. Por conseguinte, este 6 o nome dado a nossa ignordncia. Acaso, pois, é um nome, mas nao é um sujeito responsavel. Objeta-se, porém: existem no mundo falhas @ desordens da natureza, como mons- tros, criangas deficientes, milhdes de germens de vida que se perdem... Se Deus existisse, tal nao deveria ocorrer. E esta objecdo que passamos a considerar na li¢do ‘seguinte. COCECECECECKCCECOCECEECECCEOECECCOCECCECECECECCEECECE CEE! FdFTDTDDDFDDDFFIDFH}}HI}DF}HIDDFdDDTDDDDDI}DDIID 2: “CREIO EM DEUS” Ligdo 2: Deus e o mal Como 6 compativel a existéncia de Deus com tantas desgragas no mundo? — Esta pergunta esta latente em todos os homens. Vamos propor-lhe a resposta, mediante um faciocinio légico @ compassado. 1. Notemos, em primeiro lugar, que o mal nao é uma realidade positiva, mas uma caréncia; 6 a auséncia de um bem devido. Sim; hé dois tipos de auséncia: a de um bem que nao é devido (a falta de olhos na pedra), e a de um bem devido (a falta de olhos no homem); a primeira ndo 6 um mal, ao passo que a segunda o 6. Da mesma forma, as trevas nao séo algo de positive, mas sao a auséncia de luz. 2. Por conseguinte, o puro mal nao existe; o mal supde sempre o bem como suporte; 6 uma caréncia que sobrevém ac bem. Comparemos entre si 0 bombeiro (extintor de inc&ndio) @ o ladrao; ambos devem ser corajosos, habeis, sagazes, inteligentes...; a diferenca, porém, esta em que no bombeiro tais valores sao aplicados a uma finalidade reta (salvar vidas), ao passo que no ladrao carecem da orientagdo para a reta finalidade, 3. Existem dois tipos de mal —o mal fisico: caréncia na linha material (cegueira, doenga, miséria. — o mal moral: caréncia da reta ordem na linha do comportamento livre do homem (pecado, vicios...) 4. O mal nao tem causa direta, Ele ¢ indiretamente causado por um agente imperfeito, que seja capaz de falhar em sua atividade. Tal agente sé pode ser a criatura; nunca podera ser Deus; Este, por definicdo, é perfeito. No plano fisico, as criaturas so responsdveis pelas deficiéncias genéticas, pelos terremotos, pelas tempestades, pelos incéndios... Estes decorrem do exercicio das leis naturais; tem sua explicagdo na propria natureza das criaturas. No plano moral, os males (pecados, crimes, guerras...) decorrem do abuso da liberdade humana. 5, Deus no quer impedir o mal decorrente das limitagées das criaturas; para tanto, Ele teria que intervir artificialmente e a todo momento, para coibir 0 exercicio das leis naturais ou da liberdade humana; teriamos entéo um mundo de marionetes. Por conse- guinte, Deus permite o mal; Ele nao o quer, mas deixa que as criaturas 0 cometam. Todavia Ele nunca o permitiria se no tivesse recursos para tirar do mal bens ainda maiores. E S Agostinho que afirma: “Deus julgou melhor tirar do mal o bem do que nao permitir a existéncia de mal nenhum’” (Enchiridion XXVIII). Assim 0 primeiro pecado tornou-se ocasido para que nos fosse dado o Salvador Jesus Cristo, com uma riqueza de gragas nunca antes possuida: “O feliz culpa, que nos mereceu tal e tao grande Redentor!" (Liturgia da vigilia de Pascoa). Quanto aos demais casos de tribulagao, nao nos é sempre possivel assinalar os bens que Deus tinha em vista a0 permitir 0 mal; como quer que seja, cremos que a Providéncia Divina nao falha mesmo quando deixa que uma mae pereca sem ter educado seus filhos ou que uma crianga inocente seja atormentada pela dor. — O fato é que ja os antigos pagaos reconheciam o valor positive do sofrimento ao dizerem “pathos-mathos; 0 sofrimento ¢ escola : Ligdo 3: 0 ateismo contemporaneo E fendmeno inédito em toda a histéria da humanidade. 1. Diversas séo as modalidades do ateismo moderno: vao da teoria filosdfica (materialismo radical) até a atitude pratica de quem simplesmente ignora Deus em sua vida. Alguns sistemas ateus vém a ser auténticas profissées de fé na matéria, a qual so atribuides predicados divinos: a existancia por si, a eternidade, a necessidade absoluta, Na verdade, o ateu nao pode provar que Deus ndo existe; o ateismo resulta de uma opcao voluntaria; 0 homem se faz ateu porque quer, ndo porque tenha a evidéncia de que o atsismo 6a verdade. 2. Entre as causas do ateismo contemporaneo, assinalam-se: 1) a exaltagaio do homem com sua razo e sua ciéncia. O mito da ciéncia, “chave para todos os problemas”, empolgou indevidamente muitas geragdes; 9 CURSO DE INICIAGAO TEOLOGICA 2) a psicologia materialista, que reduz a religiéo a uma atitude meramente subjetiva @ ocasional do ser humano, sem que Ihe responda a realidade objetiva de Deus; 3) 0 hedonismo ou a tendancia ao prazer, que tem aberto os caminhos da permis- sividade e vem embotando as consciéncias frente aos valores transcendentai: 4) a deturpagao da doutrina o da vida cristds por parte dos préprios cristéos. 3. Qual a resposta cristé ao fenémeno do ateismo? 1) O homem foi feito para 0 Bem Absoluto e Infinito, que 6 Deus. E em Deus que 0 homem encontra a plena realizagdo de suas aspiragdes, de modo que nao ha oposic¢ao entre o desenvolvimento dos valores humanos @ 0 culto prestado a Deus. O grande psicélogo Carl Gustav Jung afirmava: “Entre todos os meus doentes na segunda metade da vida, isto 6, tendo mais de trinta @ cinco anos de vida, néo houve um sé cujo problema mais profundo ndo fosse constituide pela questéo de sua atitude religiosa. Todos, em ultima instancia, estavam doentes por ter perdido aquilo que uma religiao viva sempre deu em todes os tempos aos seus adeptos; @ nenhum se curou realmente sem recobrar a atitude religiosa que Ihe fosse prépria” (extraido do livro de N. da Silveira, Jung: vida e obra, 6! ed., pp. 141s). 2) Ohomem, dotado de anseios para a Verdade @ o Bem como tals, é para simesmo um problema insolivel; s6 Deus Ihe pode dar a resposta cabal. O homem é grande demais em suas aspiragdes para contentar-se definitivamente com a resposta de alguma criatura Diriamos que o homem é como a agulha magnética que, atraida pelo Norte, s6 encontra repouso quando se volta para este (Deus). 3) Sem esperanga numa existéncia péstuma, a vida presente se torna incompreen- sivel. De modo especial, o problema do mal pede o além, no qual Deus restaure a ordem @ implante a justiga, que sao constantemente burladas nesta terra; se ndo hd nada apés a morte, este mundo se torna absurdo, porque nele a injustiga e a desordem moral freqiientemente prevalecem impunemente sobre o bem moral; a inigilidade e 0 cinismo nao podem ser as palavras finais da histéria de um mundo no qual a harmonia dos astros @ da natureza fisica em geral 6 nota caracteristica. 4. Como remédio ao ateismo, os cristaos ho de propor: — correta exposigao doutrindria. A mensagem da fé nada tem a recear por parte da ciéncia, Ao contrario; a pouca ciéncia afasta de Deus, ao passo que a muita ciéncia leva a Deus. E preciso que os cristdos conhegam bem o que professam, nao apresentando como proposigses de fé 0 que de fato nao integra a fé; — coerente conduta de vida. E necessario que os fiéis ilustrem a sua mensagem com um comportamento adequado. © mundo de hoje é muito sensivel & sinceridade ou a coeréncia dos pregadores, de tal modo que a mais bela e veridica doutrina, quando apregoada por quem nao a vive, pouco ou nada Ihe significa Para aprofundamento, citamos CERRUTI, PEDRO, A Caminho da Verdade Suprema, Rio de Janeiro, 1954, pp. 333-618. GOMES, CIRILO FOLCH, Riquezas da Mensagem Crista, Ed. Lumen Christi, pp. 28-56. GRINGS, DADEUS, A descoberta cientifica de Deus. Porto Alegre (Av. Ipiranga 6681, prédio 9. EDIPUCRS). CEP 90610-001, SCHMAUS, MICHAEL, A Fé da Igreja, vol. 1. Ed. Vozes. PERGUNTAS 1) Exponha uma das vias que demonstram a existéncla de Deus. 2) Como se conciliam a existéncia de Deus @ a do mal? 3) Quais as causas do ateismo contemporaneo? 4) Que respostas podemos dar ao ateismo contemporaneo? Escreva suas respostas em folha(s) a parte, e mande-as, com o nome e o enderego do cursista, para: CURSO DE INICIAGAO TEOLOGICA POR CORRESPONDENCIA, Caixa Postal 1362, 20001-970, Rilo de Janeiro (FW). 10 COCEOCECCOCCOCCECOEECCCOCECEOCEECCOCOCOECCEEOCEOCCEEECOECECEE DddDDTDDDDDHFHDFIFFIFDFD}I}H}9}HI}}DIHIDDHI}DI}DIIID ESCOLA “MATER ECCLESIAE” CURSO DE INICIAGAO TEOLOGICA POR CORRESPONDENCIA MODULO 3: TEOLOGIA FUNDAMENTAL (II) “CREIO EM JESUS CRISTO” A Teologia Fundamental estuda as razées por que cremos 1) em Deus, 2) em Jesus Cristo, 3) na Igreja, Abordamos agora os fundamentos da crenga em Jesus Cristo. Ligdo 1: Existiu Jesus Cristo? A critica radical chegou a negar a realidade histérica de Jesus Cristo, que alguns quiseram identificar com uma figura mitolégica. Verdade 6 que, em nossos dias, tal hipétese quase nao encontra seguidores. Como quer que seja, examinemos os documen- tos-fontes que atestam a historicidade de Jesus Cristo. Distinguiremos documentos no cristdos e documentos cristaos. 1. Documentos nao cristéos Subdistinguimos documentos romanos e documentos judeus. 1.1. Documentos romanos Entre 110 e 120 trés escritores latinos deixaram-nos o seu testemunho sobre Jesus Cristo. © mais importante é 0 de , que, escrevendo por volta de 116, noticiava a propésito do incéndio de Roma ocorrido em 64: “Um boato acabrunhador atribula a Nero a ordem de par foge a cidade. Entao, para cortar o mal pela raiz, Nero imaginou culpados e entregou as torturas mais horriveis esses homens detestados pelas suas faganhas, que o povo apelidava de cristaos. Este nome vem-Ihes de Cristo, que, sob o reinado de Tibério, foi conde a0 suplicio pelo procurador Péncio Pilatos. Esta seita perniciosa, reprimida a principio, expandiu-se de novo ndo somente na Judéia, onde tinha a sua origem, mas na prépria cidade de Roma” (Anais XV 44). Abstragao feita do juizo sobre 0 Cristianismo, a noticia sobre Jesus é-exata, embora breve. Sueténio, poucos anos mais tarde (em 120), referindo-se ao reinado de Claudio (41-54), diz que este “expulsou de Roma os judeus, que, sob o impulso de Cresto, se haviam tornado causa freqiente de tumultos” (Vita Claudii XXV). A informagéo coincide com a de Atos 18,2; a expulsdo deve ter ocorrido por volta de 49/50. Chrestés é forma grega equivalents a Christés, que traduz o habraico Messias. Sueténio, mal informado, julgava que Cristo se achava em Roma, instigando as desordens. Mencionemos ainda Plinio o Jovem, Governador da Bitinia (Asia Menor), que em 112 escrevia ao Imperador Trajano, dizendo que os cristos se difundiam cada vez mais e “estavam habituados a se reunir em dia determinado, antes do nascer do sol, e cantar um cntico a Cristo, que eles tinham como Deus" (Epistolas, |.X 96). Deste testemunho depreende-se que, desde os primeiros decénios do Cristianismo, o Senhor Jesus era louvado como Deus. Os trés depoimentos romanos datam de menos de cem anos apés a morte de Cristo; informam-nos com exatidéo sobre o lugar @ a época em que viveu. Consideram Jesus como personagem histérico @ nao como mito. n CURSO DE INICIAGAO TEOLOGICA 1.2, Documentos judaicos Os judeus posteriores a Cristo deixaram-nos 0 Talmud, coletanea de leis @ comen- tarios histéricos devidos aos rabinos. Apresentam-nos passagens referentes a Jesus. O valor de tais testemunhos esté em que, embora se oponham a tradigdo crista, nao negam a existéncia de Cristo, mas procuram interpreta-la de maneira a ridicularizar os funda- mentos da fé crista (quem se daria ao trabalho de desfigurar um personagem lendario?). Eis alguns espécimens mais significativos dessa tradigao: tratado Sanhedrin 43a do Talmud da Babildnia refere: “Na véspera de Pascoa suspenderam a uma haste Jesus de Nazaré. Durante quarenta dias um arauto, @ frente dele, clamava: 'Merece ser lapidado, porque exerceu a magia, seduziu Israel eo levou 4 rebelido. Quem tiver algo para o justificar, venha proferi-lo!’ Nada, porém, se encontrou que o justificasse; entéo suspende- ram-no a haste na véspera de Pascoa”, Este texto parece envolver contradigao: Jesus fora condenado ao apedrejamento, mas a pena aplicada foi a de pender do lenho (crucifixdo). A incoeréncia pode ser explicada pelo fato de que o apedrejamento era o castigo judaico infligido aos magos @ idélatras; dizendo, pois, que Jesus fora condenado a lapidagdo, os judeus procuravam justificar a condenagao. Contudo a crucifixdo de Jesus era tato demasiado arraigado na tradigao judaica para que se pudesse dizer que morrera apedrejado. — Notemos também a acusagao de magia feita a Jesus: supde que o Senhor tenha realizado milagres (os milagres de que fala o Evangelho); interpreta-os, porém, em sentido pejorative como obras diabdlicas de Cristo (cf. Mc 3,22). Outro pormenor interessante: as narrativas evangélicas dao a entender que o processo de Jesus se realizou as pressas. Ora o Talmud admite 0 inverossimil intervalo de quarenta dias entre a condenagao e a execucio, intervalo oferecido as testemunhas para se manifestarem — o que vem a ser uma tentativa de reabilitar os juizes de Jesus. Em Aboda Zara 40d Jesus 6 dito Ben-Pandara ou Ben Panthera, filho de Pantera. Esta expressao aramaica parece ser a deformagao do grego huids tes parthénou (filho da Virgem), titulo com que os cristéos designavam Jesus; segundo a intengdo polémica dos talmudistas, o substantive comum parthénos foi transformado em nome préprio e passou a designar o pai ilegitimo que os rabinos atribuiam a Jesus (Maria estaria oficialmente casada com um homem cujo nome no Talmud é Pappos ou Stada). Teriamos nesta passagem rabinica uma confirmagdo da antiglidade da {é no nascimento virginal de Jesus, Fora da tradigdo rabinica existe o historiador judeu Flavio José (37-95), que nas suas “Antigiiidades Judaicas” se refere a Jesus: “Por essa época apareceu Jesus, homem sabio, se é que ha lugar para o chamarmos homem. Porque ele realizou coisas maravilhosas, foi o mestre daqueles que recebem com jubilo a verdade, e arrastou muitos judeus e gregos. Ele era 0 Cristo. Por dentincia dos principes da nossa nagao, Pilatos condenou-o ao suplicio da Cruz, mas os seus figis néo renunciaram ao amor por ele, porque ao terceiro dia ele Ihes apareceu ressuscitado, como o anunciaram os divinos profetas juntamente com mil outros prodigios a seu respeito. Ainda hoje subsiste o grupo que, por sua causa, recebeu o nome de cristaos" (XVIII, 63a). Este testemunho, tao elogiado em relagao a Jesus, esta sujeito As duvidas dos ctiticos. Os louvores a Cristo podem ter sido interpolados por maos cristas, mas 6 certo que Flavio José assim atesta a sua convicgao de que Jesus fora personagem historico. 2. Documentos cristéos Sao, antes do mais, os escritos do Novo Testamento, entre os quais sobressaem 08 quatro Evangelhos (Mt, Mc, Le, Jo). A critica reconhece geralmente que datam do 42 COCCCECOCOCCECCCCOCECCEECCCCCCE CECE ECOCOECCEOC ECE OCEEE DIDDDDD SIDI SDI DIDIDIDIDIDIDD}TFD}}DDD}DF}I}DDIIID 3: “CREIO EM JESUS CRISTO” sécillo |. Pergunta-se, porém: podemos admitir a veracidade ou a fidelidade histérica dos evangelistas? Eis 0 que a propésito se deve ponderar: 1) Os Evangelhos nos apresentam particularidades histéricas, geograticas, politicas e religiosas da Palestina. Cf. Le 2,1; 3,1s (César Augusto @ Tibério imperadores, além dos governantes da Palestina: Péncio Pilatos, Herodes, Filipe, Lisnias, Anas e Caifas); Mc 3,6; Mt 22,23 (os partidos politicos dos fariseus, herodianos, saduceus); Jo 5,2 (a piscina da Betesda); Jo 19,13 (o Lithéstrotos ou Gabata).., Ora tais peculiaridades supdem testemunhas que viveram antes do ano de 70 d.C., pois em 70 a terra de Israel foi ocupada totalmente e transformada pelos romanos. 2) Os Apéstolos e evangelistas dificilmente poderiam mentir, pois viviam em am- biente hostil, pronto a denunciar qualquer desonestidade da parte dos mensageiros da Boa-Nova. ‘Sem duvida, a fantasia dos discipulos imaginou muitas lendas a respeito de Jesus. Todavia eses episddios fantasistas nao foram reconhecidos pela Igreja, e por isso passaram a constituir a literatura apécrifa. Nesta nota-se a tendéncia a apresentar um Jesus maravilhoso, que desde a infancia surprende seus pais e amiguinhos pelos prodigios que realiza. O estilo dos Evangelhos canénicos é, ao contrario, muito simples @ despretensioso, deixando mesmo 0 leitor diante de passagens que se tornaram “cruz dos intérpretes” (cf. Mc 3,21; 6,5; 10,10...); tem-se a impressdo de que os Evangelistas. possuiam a certeza de estar transmitindo a verdade... verdade que nao precisaria de ser artificialmente embelezada. 3) Os Apéstolos @ Evangelistas nunca teriam inventado um Messias do tipo de Jesus. Com efeito, nao cabia na mente dos judeus o conceito de Deus feito homem... e homem crucificado. Sao Paulo mesmo notava que tal concepcao era escandalo para os judeus e loucura para os gregos (cf. 1Cor 1,23). Os judeus, através dos séculos, tendiam a exaltar cada vez mais a transcendéncia de Deus, distanciando-o dos homens. 4) A figura de Jesus é de tal dimensao intelectual, moral e psicolégica que seria dificil a rudes homens da Galiléia inventa-la. 5) Quanto aos milagres em especial, se Jesus nao os tivesse realizado, no se explicaria 0 entusiasmo do povo e dos discipulos, que sobreviveu & morte do Senhor na Cruz. Com efeito; a pregagao de Jesus nao era apta a suscitar facil entusiasmo: ao povo dominado pelos estrangeiros, Jesus ensinava 0 amor aos inimigos (cf. Mt §,43s); proibia 0 divércio, que era habitual em Israel (cf. Mc 10,5-12); incutia a abnegagao e a renuncia (cf. Mt 16,24-26)... Dificilmente um tal pregador teria sido endeusado se nao houvesse realizado sinais que se impusessem aos discipulos. Ao contrario, se admitimos a histori- cidade dos milagres de Jesus, compreendemos 0 fascinio exercido pelo Mestre... Em particular, a ressurreicao corporal de Jesus sempre foi considerada o milagre decisivo que autentica a pregagao crista (cf. 1Cor 15,14-17); ora, se ndo houvesse ressurreigao de Jesus, 0 Cristianismo estaria baseado sobre mentira, fraude ou doenga mental @ alucinagao de alguns poucos pescadores da Galiléia; tal conseqiiéncia seria um auténtico portento, talvez ainda mais milagroso do que a prépria ressurreigao corporal de Jesus. Ligdo 2: Que disse Jesus a seu respeito? Interessa-nos agora considerar a identidade que Jesus atribuiu a si mesmo. 2.1, Jesus se proclamou Messias A palavra Messias é de origem hebraica (hammashiah) e significa Ungido. Desig- nava 0 rei, filho de Davi, que viria salvar seu povo no plano temporal e no espiritual. O 13

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