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SUBSIDIOS A A. apresenta-nos um estudo que orientou os debates num recente Curso de Capacitagao de Diretores dos Exercicios. Como tal foi elaborado com a participagéo critica de toda a equipe do CEI. A famosa "contemplagéo para alcancar 0 amor" revelada como uma proposta de vida, muito mais do que um exercicio espiritual chave. CONTEMPLACAO PARA ALCANCAR O AMOR (EE 230-237) Ir. Maria Fatima Maldaner, SND A contemplag&o para alcancar o amor é proposta no final dos EE; nao €, porém, como que a oracdo final dos Exercicios. Por um lado, ela recapitula os Exercicios Espirituais e, por outro, descreve o estilo de vida do cristo, a atitude daquele que, saindo dos EE e, neles, fortemente marcado pelo amor de Deus, retoma o seu lugar nas atividades de sua vida didria. Convém desenvolver estes dois aspectos para compreender 0. verdadeiro significado da contemplacéo na perspectiva de Santo Inacio 1."A recapitulagéo"’ 1.1. A recapitulacdo dos EE ¢ feita, seguindo quatro pontos, que contém o itinerario dos EE, enfocades a partir do amor de Deus. Quer ser uma recordacao dos momentos privilegiados que afetaram 0 “corac&o" (re-cor-dar) € fizeram viver experiéncias especiais da graca no decorrer dos Exercicios Espirituais agora ja em perspectiva do cotidiano ao qual se integra. Deus é amor, é sua definicdo por exceléncia, conforme S. Jodo. Tudo que Ele é e faz tem sua razo de ser no amor. Deus nao tem nada, porque Ele € tudo: logo, dé tudo, isto é, dé-se @ si mesmo. Daf que © termo amor, que permeia os quatro pontos, aponta para trés. atitudes vivenciais significativas: amor-ag&o, amor-comunicagdo, amor-servigo. Um primeiro olhar amoroso € dirigido para Deus, doador de dadivas, que enche o universo com 0 esplendor de sua gléria, preenche com toda sorte de beneficios 0 homem, criado & sua imagem e semelhanca e, decaido, oferece-Ihe a redencéio, em Jesus; um pecador amado por Deus pedia humildemente que o Senhor dele afastasse tudo que 0 impedisse de realizar a vontade do bem-amado. E 0 que o exercitante fizera no Principio e Fundamento e na primeira semana. Ao amor que da 86 resta uma afitude: responder com um amor desinteressado. Num segundo momento, movido pelo amor, 0 olhar se dirige para Deus que habita nas criaturas. Contempla-se a criacdo em linha evolutiva ascendente: dos elementos mais simples a complexidade da criatura humana. E medida que a criagéo evolui, mais visivel e transparente torna a presenca de Deus nela. Santo Inacio contempla aqui, de forma singular, a ordem da graca, como a mais alta evolugéo do mundo criado, a ordem natural e sobrenatural existe, na medida em que traz os tragos da segunda pessoa divina, Todo o universo tende para a transfiguragao e encontra em Jesus Cristo 0 ponto final: "Ele é a cabeca”. Enquanto o homem sente, vive & pensa, consuma-se nele a vida divina, a vida do préprio Deus. O que significa, pois, traduzir na existéncia humana esta inabitagdo de Deus na criacéo? A presenca de Deus no mundo ¢ tao grande e poderosa e, ao mesmo tempo, t&o despretensiosa que, ndo raro, é somente percebida no esforco demorado do homem orante. E um modo de estar presente que encanta pela ternura e discrigéo, passivel de imitagéo nos gestos desinteressados de quem comunga a vida do outro, suas dores e suas alearias. Aqui se da a recapitulacdo, de forma plena, da Segunda Semana dos Exercicios Em mais um passo, olha-se para Deus que trabalha. Para Deus que nao sé dé os seus dons, no s6 habita o mundo, mas trabalha no interior de seus dons, no interior do mundo, a fim de levar todas as criaturas a sua plenificagdo em Jesus Cristo. Um longo advento prepara a chegada de Deus a este mundo em Jesus, o Filho de Deus, Verbo encamado, que trabalha na Histéria, anuncia o Reino e denuncia o anti- Reino. Trabalha e se cansa. Experimenta medo. E pregado na cruz. Como trabalha © age para nés nos elementos, nas plantas, nos frutos, nos animais, nos homens, naqueles que nos compreendem, nos aceitam na amizade ou entram em contato conosco em qualquer circunstancia Semelhante a este Jesus, 0 homem deve ser-para-o-outro. Estar "preocupado” com © outro talvez expresse a forma mais radical do amor de Deus. E seu desejo que o cristéo adote tal postura de humilde servigalidade e assim va ao encontro do triste, do sofredor, do desafortunado, e procure minorar a sorte do mundo conturbado pela dor. Enfim, no quarto ponto, considera-se Deus que desce... €, r’'Ele, todos os bens descem do Alto. Vem e vai, num movimento incessante de descida e subida. Desce e se despoja de seu poderio € assume o insignificante aos olhos dos grandes do mundo, se faz um entre os pequenos em Jesus de Nazaré - homem-para-os-outros - aquele que vence 0 proprio poder da morte. O cristo, plenificado, no poder da ressurreigéo © na participacéo dos seus sofrimentos, podera lancar na existéncia humana as obras de justiga, de bondade, de piedade e de misericérdia, com sua luz poderé perscrutar a cegueira da auto-suficiéncia de um mundo que nega 0 Absoluto. Assim aconteceré aquele que suplicar pela graga que vird do Alto Esta contemplagéo contém, no seu contelido, todo © dinamismo da espiritualidade apostdlica. Reconhecer o amor de Deus do qual tudo procede e para o qual tudo retorna, sentir-se t&o envolvido por este amor e encontra-lo em todas as coisas é 0 fruto por exceléncia dos EE, 0 qual tende a amadurecer para fazer do cristo 0 contemplativo na acao. Muito mais do que entregar-se a uma contemplagao como exercicio de oragao, propriamente dito, trata-se aqui de um modo de ser do cristo, que assume a obra de Deus, contemplada em Cristo ressuscitado, a fim de palmilhar 0 caminho de Jesus, seguir os seus passos seu estilo de vida. Este aspecto iremos desenvolver na segunda parte de nosso texto. Sobretudo, ndo se trata de uma simples reflexéo sobre o amor de Deus, mas de uma graca a ser pedida insistentemente, a graca do conhecimento interior das maravilhosas obras do amor de Deus (EE 233) e, tendo-as reconhecido, prorromper em ago de gracas, em oferecimento e entrega de si, em retribuig&o a téo grande amor. Dai a propriedade da oracao "Tomai, Senhor e recebel...” 1.2. A oracdo: Tomei, Senhor, ¢ recebei.. ‘Apés a oragdo de cada ponto da contemplacdo para aleancar o amor, Santo Inacio propée a recitagdo da oracdo: Tomei, Senhor, e recebei... Ela traduz para Santo Inacio, sobretudo, a atitude do cristéo ao assumir novamente as tarefas de sua vida diaria. A oracdo € uma oblacdo irrestrita, uma entrega total ao Senhor, sendo como que 0 fruto por exceléncia de quem fez os EE. Ora, entrega assim € a atitude fundamental que direciona a vida do cristo. E a entrega ao Senhor, no reconhecimento de sua pequenez como criatura ante aquele que € 0 Absoluto, 0 Soberano € © Santo que mora na luz inacessivel. Ao mesmo tempo, sente 0 orante desta prece, 0 desejo imenso de aproximacdo ¢ de gozo desta mesma santidade. Vé em Deus a origem eo fim do homem e, nele, a origem de todo o universo, a fonte de vida, sentindo que a total dependéncia € a atitude mais condizente para seu existir, no futuro. Colocando-se nesta atitude, percebe que as criaturas todas Ihe falam de Deus e nelas ele encontra Deus. Nasce assim uma atra¢éo para Deus: a observacdo mais atenta das criaturas evoca-the a lembranga do Senhor com mais freqdéncia. E, sendo Deus origem e fim de tudo, é Ele também a medida e a norma do homem que entdo Ihe responde por uma attitude de adoracdo, isto é, de servico. Esta atitude nasce, por sua vez, da submissao da vontade da criatura a vontade de Deus. A oragdo de oblagdo é, neste sentido, uma decisdo que lanca luz sobre toda a situacao interna do exercitante. Tomai... recebei, verbos em forma imperativa, marcam desta maneira a entrega decidida de TUDO ao Senhor: € 0 homem nu, despojado diante do Senhor que nada mais reserva para si. Ele faz a entrega de sua pessoa ao Senhor, consciente de que salu das maos de Deus e para Ele retornara. A oracdo: Tomai, Senhor, e recebel... acentua elementos que revelam as disposigdes interiores do cristo, ndo sé neste momento de entrada no cotidiano, mas que devem ser-Ihe habituais em sua vida diaria. Dal a razdo do enfoque sobre © novo modo de existir no mundo, desenvolvido na segunda parte do presente trabalho. Penetremos aqui, brevemente, nos elementos da orag&o @ que fizemos referéncia acima: a) "Tomai, Senhor, € recebei... Por detrés de uma expresso simples, "Tomai... recebei..."s esconde ume atitude da mais auténtica fé, que tende a expressar-se na gratuidade do amor miituo e, ao mesmo tempo, de grande liberdade interior. Esta convicg&o de fé faz com que a disposicdo interior do exercitante ndo possa ser outra a nao ser a de total entrega, de uma oblagéo sem reservas: "Tomai, Senhor, e recebei..."A pessoa $6 pode querer com seu dom aquilo que 0 autor e doador dos dons quiser b)"... toda a minha liberdade. © maior presente feito por Deus foi dar ao homem o dom da liberdade. E a capacidade de ele produzir a forma definitiva, aquele que faz com que ele seja nico, irrepetivel. Por ser liberdade, é evidente que ela pode opor-se a conquista do definitivo, da plenitude do ser, nao aceitando de maneira livre aquilo que é proposto e exigido. Dispor-se a esta conquista é devolver este mesmo presente @ Deus, no empenho de realizar aquilo que € reto, que € reconhecido como tal, sem nada reservar para si mesmo; nao ha mais lugar para egoismos € caprichos da vontade prépria a fim de nele concretizar-se a vida auténtica anunciada por Cristo: "Quem quiser ganhar-se, deve perder-se". Disposicdo interior assim faz com que em tal homem Deus conduza o mundo para onde Ele quer, a saber, para a plenitude ¢)"...a minha meméria, o meu entendimento ¢ toda a minha vontade. InquietagSes e€ lembrangas que corroem a existéncia ndo tém mais lugar na meméria; ela esté agora repleta dos feitos do Senhor na sua vida, limpida € transparente como a do recém nascido. O entendimento, mais afeicoado a ciéncia das coisas espirituais, néo se deixe mais influenciar por sistemas e calculos do mundo que procuram levar © homem para o poder, a honra € o prestigio. Enfim, a vontade nada queira a nao ser aquilo que o Senhor deseja para este mundo, pronta a levar & humanidade a esperanca de ela alcancar a plenitude para a qual o homem foi criado. d) "...tudo 0 que tenho e possuo. exercitante, reconhecido de que o seu ter - "o que tenho" - é um ter dado- recebido, faz a entrega de toda a sua riqueza interior; faz-Ihe também a oferta do que “possui”, isto 6, os bens materiais que Ihe déo seguranca e a subsisténcia Caracteriza-o agora relativa despreocupacdo diante do Senhor que € providéncia ndo se deixa vencer em generosidade. e)"..vos mo destes; a vés, Senhor, o restituo... Tudo pertence a Deus. Ele € tudo em cada coisa. O que tem o homem que ndo tenha recebido? No reconhecimento de que tudo recebeu, tudo restitui. E, restituindo a Deus tudo 0 que é, Dele recebe o bem maior: a vida divina, a graca, a vida etema. Na troca entre ofertante e doador, nasce a vida que é vida da vida divina. f)"..dai-me somente 0 vosso amor, vossa grace. © exercitante que chega ao final desta etapa, € este homem liberto de tudo que o afasta do seu Senhor e livre para tudo abragar que 0 conduz para seu Senhor. O amor € a graca preenchem tanto a existéncia humana que todo o resto se torna secundario. Quer amar infinitamente porque se sente infinitamente amado. E aberto ao mundo e aberto a Deus. Saber dizer esta ora¢do, no dia-a-dia de sua vida daqui para frente, € saber viver na prdpria carne o parto do mundo que esta por acontecer, fez seus os gemidos da criagéio, da humanidade, do Espirito e tenta gerar a nova criago, enfim, libertada, porque tentou ser nova criatura, Em seu conjunto, a oracdo "Tomai, Senhor, ¢ recebei..." parece situar o exercitante mais uma vez diante do Rei (EE 91) a quem jurou seguir e no terceiro grau de amor (EE 167) decidiu renunciar a si préprio e a despojar-se de honra va. A partir desta orac&o, 0 cristo que sai os Exercicios Espirituais, é, segundo Inacio de Loyola aquele que se entrega total e irrestritamente. Todo o desordenado esta afastado, Assim esta criado 0 espago para o Senhor: sua graca e seu amor podem agi. g) Isto me "basta", nada mais quero pedir. Santo Inacio conclui a oragéo, de forma semelhante como o fez outra grande contemplativa, Santa Teresa DiAvila, dizendo: isto me "baste" nada mais quero pedir. O exercitante esta para assumir a vida no cotidiano. Vislumbra imensos horizontes para andar por novos caminhos, porque a graca nele atuou abundantemente, fazendo-o superar outras tantas dificuldades encontradas. Diante de tantos dons recebidos, 0 seu desejo fundamental é este: a sua fidelidade ao Senhor na realidade da vida. Integradas todas as dimensées de seu universo interior, goza a paz verdadeira. A oferta de si, neste momento, se reveste de total confianga na graca do Senhor, o eternamente fiel. E uma oferta de exultante agdo de gracas pelo amor experimentado, confiante de que esta mesma graca o acompanhara sempre. 2. A contemplacao para alcancar 0 amor: um modo novo de existir no mundo. E uma contemplacdo que deve acompanhar o cristao pela vida afora. Quer leva-lo a ter uma visdo de fé global sobre o mundo universo e 0 plano de salvacéo, em Jesus, contemplado durante trinta dias e fazé-lo ver que sua tarefa, de agora em diante, € ser um contemplativo na aco. Supde-se que tenha ocorrido como que um processo formativo nos EE, © qual tera sua continuidade na entrada do cotidiano. Pe. Nadal declara de Santo Inacio que "ele se tornara um contemplative na ac&o”. Teve uma visdo mistica da realidade e encontra a sintese entre unio com Deus e servico de Igreja e 0 engajamento no mundo. Expressa essa sintese de vida entre ago e oragdo na férmula "buscar a Deus em todas as coisas". O objetivo € encaminhar seus Seguidores para a aco e a vida, ensinando-Ihes a encontrar Deus em todas as coisas. Subjaz a esta meta uma espiritualidade de servico. Foi também a grande experiéncia do exercitante, intensivamente iniciado nos Exercicios Espirituais, a ser continuada através de um modo de ser espiritual que nao € apenas uma dimensdo de sua vida, cultivada em determinado momento; que sinta que toda a sua vida € espiritual sem estabelecer dicotomia entre 0 profano e 0 religioso. Arraigado, fortemente, no Cristo, ihe € possivel agora encontrar Deus em tudo € em todos. Sendo um processo e vivendo no mundo, em sua atividade cotidiana, nao é por empenho pessoal que isto acontecera, mas confiado na graca a ser pedida continuamente, "a graca de em tudo amare servir". (EE 233) Tratando do processo de formacao espiritual, iniciado nos EE, estamos perfilando toda a subjetividade do exercitante para sentir 0 que aconteceu durante os EE no exercitante sincero e fiel a experiéncia proposta. Os Exercicios se definem como sendo um meio para a pessoa vencer a si mesma e ordenar sua vida sem determinar-se por afeicao alguma desordenada. Ora, se eles so meio € nao fim em si mesmos, logo o exercitante pode ficar sem esperancosa expectativa para algo que ultrapassa os momentos de oracéo profunda, aliada a consolagées e/ou desolagées durante os 30 dias, Ainda que isso devesse acontecer, houve outras expectativas, no passado experienciadas por Santo Inacio e, agora, de alguma forma, pelo exercitante. Em atitude contemplativa, o exercitante percorreu as Escrituras, no contexto seqlencial proposto nas quatro etapas dos Exercicios, repetidas agora no paralelo t&0 prdprio € ldgico entre os quatro pontos da contemplacéo para alcancar 0 amor e as quatro semanas dos EE, assim concatenadas: Semanas dos EE Contemplacao para alcancar o amor P.F.. e Primeira Semana 1° ponto EE 23; EE 53-61 EE 234 * O homem criado e amado por Deus Deus, doador de beneficios * Deus salvador e misericordioso +a criacéo * aredencao * dons particulares ao homem, senhor da criago Segunda Semana 2° ponto EE 169 EE 234 + 0 Verbo habita entre nés Deus habita nas criaturas + dé-thes 0 crescimento + Mistérios da infancia e vida ‘a sensacao piiblica de Jesus. o entendimento pelo seu poder * Eleicao para a comunho com 0 Senhor. Terceira Semana 3° ponto EE 191-209 EE 236 * A paixao e morte de Jesus Deus trabalha nas criaturas * conserva-as na existéncia Quarta Semana 4° ponto EE 218 EE 237 + Pascoa e Pentecostes Dando-se, Deus faz descer dons do Alto: a justiga a bondade a misericordia Ao penetrar no verdadeiro sentido dos mistérios, eles, por sua vez, penetram na trama de sua vida, descobrem 0 que esté oculto e fazem ver o sentido que o préprio Deus colocou na existéncia humana. Nada de magico costuma acontecer: os exercicios $40, sobretudo, 0 resultado de uma profunda e singular experiéncia de Deus que 0 jovem Iifigo de Loyola fez; achou por bem deixé-la consignada, afim de que outros também nela se espelhassem para fazer a sua propria experiéncia de Deus. O exercitante € convidado a fazer, uma série sequencial de exercicios de contemplacao da Escritura e deixar-se ler por ela. No contexto em que estamos falando, € proprio considerar o que diz Origenes a respeito da Sagrada Escritura: "Nao sdo dois os livros que € necessério ler e comentar. E necessario ler e comentar um Unico que tem duas formas. Se eu preciso da Escritura para me compreender, compreendo também a eseritura quando a leio em mim mesmo. E medida em que leio a Escritura, vou penetrar no sentido da Escritura; A Escritura me faz penetrar no intimo do meu ser. Ela &, pois, o sinal que me revela a minha alma, mas 0 contrério tem também sua verdade. Uma serve a outra como reativo. Todas as vezes que eu cavo em meu poco é no poco da Escritura que cavo e assim a agua que nasce do pogo das Escrituras se confunde com a égua de meu pogo". © que acontece, neste confronto entre vida e Escritura durante o tempo dos Exercicios Espirituais? Utilizemos a imagem da abelha. Ela se entrega a um incansavel movimento de ida e volta. Vai a flor, nela penetra até o fundo do pistilo, suga @ nao para até encontrar a substancia adoticada... saboreia-a. Entéo volta para sua vida, para seu cotidiano, para sua casa. Transforma o que "saboreou". O resultado se d& no favo, esconderijo da prépria intimidade, e € uma substancia diferente, nova: 0 mel. E 0 beija-flor? Nao é ele, na busca dangante em torno da flor, um simbolo daquele que tenta penetrar no intimo do mistério, I onde se da a irrupeao de vida, fonte de auxilio, nascimento de luz? Semelhantemente, 0 exercitante, no tempo dos Exercicios, e/ou o cristo, na vida cotidiana, sai de seu mundo, do seu horizonte existencial e vai em busca... pousa no mistério do Deus-Criador, nos mistérios da vida de Cristo, 0 Deus-conosco, horizonte maior que tudo ultrapassa. Tocado pelo mistério, volta a realidade com o olhar Daquele que o fitou, tocou e transformou. Tendo-se entregue @ contemplago do mistério, 0 espirito humano se abre para o conjunto das realidades possiveis e nelas sabe decifrar @ forma das coisas concretas tais como sairam das maos do Criador. "Lendo" Deus, "endo" a "Palavra" os olhos © 0s ouvidos séo bem- aventurados (Mt 13,16); vivendo na adoragao e contemplagao de Deus, saboreia, sente © escuta este mesmo Deus. Ja entéo, em meio & propria experiéncia das coisas cotidianas, prorrompe na pessoa, no sé a intuico, mas a experiéncia do Absoluto. Descobre 0 que se esconde por detras cas imagens da existéncia, das palavras, das coisas, dos acontecimentos da vida e de todas as criatura. Nasce uma experiéncia Ginica, genuinamente crista: 0 "encontrar a Deus em todas as coisas" Tais intuigdes do divino, da presenca de Deus em conexées sempre mais abrangentes, véo compondo um imenso mosaico, semelhante ao das catedrais roménicas: 0 "Pantokrator" (0 "Todo-poderoso). "Encontrar Deus", isto é, "ler" Deus em todas as coisas é reviver a experiéncia de fascinio do Absoluto, nas vivencias da existéncia cotidiana, é acolher o divino nas profundezas misteriosas de todas as vivéncias @ sentimentos. E "ler Deus no perdao, movide pela bondade e pela compreensdo. E "ler" Deus na fidelidade a um amor, a uma amizade ainda quando no correspondidos. E "ler" Deus na solidao e auséncia da fraternidade. E "ler" Deus na sede de amor e de pureza, na tristeza e na prdpria imperfeicao. E "ler" e traduzir Deus também nas atitudes da vida: sofrer com os que sofrem: rir com 0s que riem; alegrar-se com os que se alegram; permanecer ao lado dos oprimidos; entregar-se & necessidade de outrem, mesmo que nos seja estranho, ser agradecido por tudo; atender verdade intima do imo... E ver, assim, as coisas fol a atitude de Cristo durante a sua vida. No cristo, renovado na fé pelos Exercicios, a busca de Deus, presente € ativo no interior do mundo, vai acontecendo de modo perseverante. Acontece pela sua prépria presenca e acdo na sociedade. Acontece ainda pela descoberta da presenga do Senhor que interpela, desafia e convoca a construir fraternidade e justica, na realidade conflitiva da histéria. Em suma, se pode haver "novos céus © nova terra" € porque alguém fez a experiéncia do Absoluto, do divino, que Ihe deu ter olhos novos para tudo olhar de forma nova: 0 mundo, os acontecimentos, os relacionamentos, a historia, a sociedade. as coisas. Enfim, tudo se reveste de um novo olhar @ partir do mistério. No dia em que um rapaz ¢ uma moga se descobrem no amor mutuo, ainda que as coisas a sua volta em nada se alterem, passam a ser percebidas de forma totalmente nova, diferente. Assim o cume da experiéncia de Deus se da na fuso de horizontes: o grande horizonte, o do mistério, é trazido para o pequeno horizonte do cotidiano da criatura humana e esta, tocada pela experiéncia do infinito se fundem numa divino-humana unificac&o: "Tudo € d'Ele, tudo € por Ele, tudo é para ele” NOTAS: “"Exercicios Espirituais de Santo Inacio - anotagéo do Pe. Géza Kévecses, SJ." A nota explicativa n.1, referente @ Contemplacao para Aleangar Amor, diz: "Este exercicio é uma recapitulagéo sintética dos Exercicios inteiros". Trata-se aqui de ampliar os 4 pontos, incluindo neles o contetido dos Exercicios dos 30 dias, a maneira de como é feita a oragdo de repeticao inaciana, lancando um olhar global sobre 0 itinerério percorrido, ® Citacao de Henri de LUBAC, em "Histoire et Esprit - Linteligence et de 'Ecriture d'aprés Origéne”, Ed. Aubier, Paris, 1950. Bibliografia Ladislaus Boros, "A oragdo do cristéo", Ed. Loyola, Sao Paulo, 1981 Josef Stierli, SU, "Buscar a Deus em todas as coisas", Ed. Loyola, S40 Paulo, 1990 Artigos 1. J. A. R.. de Gopegui, "A contemplacao para alcangar amor nos Exercicios", Perspectiva Teologica 15, (1983), p. 65. 2. Maria Clara L. Bingemer, "Deus, o mundo e o homem”, Grande Sinal, julho/agosto 1991, p. 447, 3. Carlos Palacio, SJ, “Experiéncia de Deus e Orapao na Espiritualidade Inaciana’, Grande Sinal, julho/agosto 1991, p. 415. 4. Maurice Giuliani, "A Experiéncia dos Exercicios Espirituais na vida", Ed. Loyola, 1991, SP. 5, Teresa Dias Goncalves, "Es cristologica la contemplacién "ad amorem'"?", Manresa 45, (1973), p. 289. 6. Carlos Valverde, SJ, "Contemplacién para alcanzar amor y medio divino", Manresa 42, (1970), p. 157.

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