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A Romantização da Maternidade

Inicio essa proposta de reflexão a partir dos relatos de inúmeras mães e gestantes
que dentro ou fora do espaço analítico, se encorajam a falar dos “destemperos” de uma
maternidade, comentários esses que nem sempre podem ser ditos em qualquer lugar ou
confidenciados a qualquer pessoa, haja vista o juízo de valor que o senso comum faz
diante das queixas incompreendidas pela sociedade, de mulheres que não apenas não
programaram sua gravidez como das tantas outras que diante dessa criança, no colo ou
no seio materno, não sabem o que fazer, nem com ela, a criança, nem consigo mesmas.
Muitas dessas mulheres que não conseguem ver na maternidade esse paraíso
idealizado, por temerem as críticas às quais podem sofrer diante desse incômodo da
maternidade, calam-se, reprimem seus afetos e como consequência adoecem, ou se
culpam por não conseguirem ser a mãe perfeita, ideal, investida, disponível e tantos
outros adjetivos atrelados ao ato de ser mãe. Mas será que a maternidade é todo esse
paraíso do qual se fala ou há algo por trás dessa cena que teima em não se desvelar por
medo de julgamento e condenação?
Valendo-me aqui contextualizar o título desse artigo tendo a cultura popular
como minha parceira, diz-se que “Ser mãe é padecer num paraíso”. Muito curioso o
quão dual essa fala seja, colocando duas palavras tão distintas e com significados tão
opostos num único contexto, pois paraíso não dialoga com padecimento, não é mesmo?
E por falar em dualidade, me coloco a pensar no “eu ideal”, que é aquilo que
gostaríamos de ter sido para agradar nossos pais e a sociedade, ou seja, um objeto para o
Outro, em contraponto com o “ideal do eu”, que chega como uma substituição
simbólica que autoriza nosso desejo enquanto sujeito, a partir daquilo que escolhemos
ser ou fazer, mesmo que “inspirados” em outros. Brincando ainda mais com as palavras,
porque não trazer Shakespeare com a célebre frase “Ser ou não ser, eis a questão, nos
dando a dimensão do quão dividido somos, quase sempre enredados nas amarras do
discurso politicamente correto.
Ainda trazendo a questão de ser objeto do outro, sobre gerar uma criança, não é
disso que se trata? A mulher empresta seu corpo para que um outro seja concebido,
amadureça e nasça nesse desafio que talvez nem mesmo a Física possa explicar, onde
dois corpos habitam o mesmo espaço, um corpo dentro do outro. Será que ao nascer um
bebê, nasça também uma mãe? A maternidade não me parece ser uma equação
matemática. A maternidade é uma construção, edificada em alicerces de desejo. Ser mãe
é diferente de estar mãe. A veiculação dessa imagem romantizada pode gerar angústia e
sofrimento para ambos, mãe e bebê, dessa forma, a proposta do texto é a reflexão do
quanto estejamos sendo, enquanto sociedade, intransigentes, apontando para um único
cenário quando o assunto em questão é a maternidade. Para cada mulher, essa
experiência é única é intransferível, e como tal, seria interessante uma reflexão mais
cuidadosa, tentando observar o que se desvela por trás da cena inicial.

Prof. Ms. Andréa Pinheiro Bonfante- Psicanalista, Mestre e Doutoranda em


Psicanálise, Saúde e Sociedade.

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