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Louvor e Crise Da Transitoriedade Sobre
Louvor e Crise Da Transitoriedade Sobre
transitoriedade
Sobre A montanha mágica de
homas Mann
Felipe Catalani
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de setecentas e cinquenta páginas. Se, no início do livro, a narração
toma uma boa centena de páginas para o primeiro dia de Castorp,
o tempo narrativo se dilui na repetição, no hábito, na mesmice que
é o ambiente do romance, de forma que o tempo passa a voar – tão
rápido como se não passasse – de modo a criar formalmente uma
distinção entre o tempo narrado [erzählte Zeit] e o tempo dedicado
à narrativa, ou o tempo-de-narrar [Erzählzeit].² E assim se passam os
meses, as estações, os anos. Esta suspensão do tempo é sentida como
a descrição de hábitos que o nosso herói passa a adotar:
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do de uma pulseira de ouro, esfregou várias vezes a
colcha, à altura dos quadris, e a seguir, ao retirá-la,
ergueu-a e fez um gesto de quem ajunta ou recolhe
alguma coisa.
Às sete horas morreu. (p. 561)
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A transitoriedade, justamente o que homas Mann julga o mais
importante, criador de todo o ser, promessa do progresso, aparece
como a tragédia. A resolução da crise da transitoriedade não é re-
solução alguma, pois a retomada do tempo histórico e a saída do
“nada estagnado” não conduz ao “criativo e ativo”, à “vivacidade” e
ao “aperfeiçoamento”, mas à destruição total e à morte. O “elogio/
louvor” (Lob) da transitoriedade é possível no romance como uma
promessa (embora duvidosa e quase kitsch) de que algo surgirá após
a queda na barbárie:
referências bibliográficas
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notas
1. “homas Mann não poderia ter escolhido um cenário mais apro-
priado para sua grande crítica do espírito europeu que um sanató-
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