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RESENHAS MARTINS, J. de S. A militarizagao da questo agraria do Brasil. Petrdpolis, Vozes, 1984. 134p. A Sociedade Brasileira, em seus varios segmentos, experimenta atualmente grande expectativa frente as suas reivindicagdes por mudangas politicas e econd- micas. A extensdo e 0 alcance de novas propostas dependem, no entanto, do modo pelo qual os partidos e as organizagdes expressam determinados interesses neste pro- cesso. Mas em que medida solug6es conjunturais implicariam trazer novamente a0 plano das urgéncias as questdes que, historicamente, tém sido adiadas? E nesta perspectiva que vemos o recente trabalho de José de Souza Martins. O livro contém uma série de conferéncias e artigos publicados em jornais, distribuidos em quatro capitulos e um apéndice. Vale ressaltar, por outro lado, que apesar de tratar-se de uma reunido de publicagdes avulsas, o trabalho mantém uma unidade interna, capaz de abordar o tema proposto de forma sistematica ¢ consistente. A questo agrdria, colocada continuamente em um nivel de menor importancia, segundo a viséo “urbana” e “assalariada” que toma conta de nossos partidos, parece ressurgir com 0 mesmo estigma de sempre: a concentragdo fundidria e a luta pela terra, Martins, com um discurso claro, mostra a que ponte chegou a questdo agraria, ilustrando, inclusive com nimeros, a extensfo dos conflitos que passaram a fazer parte do dia-a-dia do camponés. Evitando aquilo que ele chama de “perspectiva urbana”, procura tratar da organizac4o politica no campo, de forma dinamica, tra- zendo para a cena os novos sujeitos (posseiros, assalariados rurais, expropriados) resuitantes do proprio processo particular de acumulacdo de capital em nossa for- macdo social concreta. E, neste contexto, é no minimo original a importancia das comunidades de base como um noyo elemento que passaria a fazer parte da trama da organizagao politica do campo. As relagSes entre a Igreja e o Estado assumem, pois, particular importancia no controle daquilo a que Martins se refere como “va- zio politico” do setor rural. A crescente militarizagao que se verificou em todos os setores da sociedade, em especial no rural, d4 ao livro um cardter mesmo de documento histérico. Neste caso, as Forgas Armadas s4o entendidas como mediadoras dos conflitos, tendendo a nao resolver a questo agréria, mas, ao contrdrio, reforgando o quadro de domina- Cad. Dif. Tecnol., Brasilia, 2(1):177-183, jan./abr. 1985 177 40 e exploragdo, haja vista o seu pressuposto em manter intocdveis as estruturas de sustentagao do préprio regime. E por isso que a reforma agraria ndo tem passado do plano dos discursos e da demagogia, pois ao longo do periodo que sucedeu a 1964, © Estado coloca-se como elemento diretor das politicas publicas que viriam a acen- tuar o grau de concentragao da terra e rendas fundidrias. E isto implica maior explo- ragZo do trabalhador, tornando, pois, insustentavel a situagAo de conflitos e tensdes internas. As estratégias militares utilizadas para o enfrentamento do problema vo desde a desmobilizac4o dos grupos locais, por prisdes e violéncias, até a desmoralizagdo das suas liderangas. Procurando sempre despolitizar os ntcleos organizados de campo- neses, tratam do conflito como uma questo de Seguranga Nacional, e abordam a questdo agréria como sendo meramente economica. E na ocupagao deste espago, destaca-se o papel particular que assumiram os varios organismos do Estado, a exemplo do Ministério Extraordinério para Assuntos Fundiarios, G.E.T.A.T., MOBRAL, ACISO, PROJETO RONDON, todos envolvidos em evidentes propésitos assistencialistas, esvaziando (ou tendendo a esvaziar) 0 contetido politico da luta pela terra. Nao se pretende, aqui, repetir todos os aspectos que de forma tio brilhante foram apresentados pelo autor em seu trabalho. Contudo, cabe destacar um ponto que nos pareceu de extrema relevancia: o questionamento de uma perspectiva dis- torcida da questo agraria, aquela que privilegia, politica e teoricamente, 0 “con- tratual”, “‘urbano” e “salarial”. Martins chama a atengiio para o menosprezo, 0 desinteresse e mesmo 0 equivoco tedrico com que se trata a questo agrdria. E como ele préprio comenta: “Os dois Congressos das classes trabalhadoras — Con- clats — ndo lograram nenhuma decisio significativa e de profundidade que represen- tasse mais do que apoio meramente retorico aos trabalhadores rurais, embora ai macigamente representados (52% dos delegados eram os dirigentes sindicais turais)”” (p. 11). José de Souza Martins, na sua reflexo teérica, procura compreender e discutir © proprio processo de acumulagao de capital gerando as varias formas de produgao que, necessariamente, estdo vinculadas (direta ou indiretamente) 4 contradicao entre capital e trabalho, definindo tanto a exploragao da forca-de-trabalho como a expropriagdo do trabalhador rural. Assim, ganham importancia histérica todas as formas de produgdo que, direta ou indiretamente, tém sido submetidas 4 domina- cao capitalista. Por outro lado, entendemos que o autor poderia ter discutido um pouco mais a respeito da categoria dos pequenos produtores, e do modo como o Cad. Dif. Tecnol., Brasilia, 2(1):177-183, jan./abr. 1985 178 capital igualmente os tem subordinado, dentro ainda da problemética da organiza- ¢&o politica no campo. Isto, contudo, ndo chegou a prejudicar o livto como um todo que, peia sua atualidade e profundidade, parece-nos leitura indispensavel a to- dos os envolvidos com a discussao da questo agraria. Michelangelo G.S. Trigueiro EMBRAPA/DDT

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