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"...

y escriba por e/ arle que inventaron


los que e/ vulgar aplauso pretendieron,
porque, como las paga e! vulgo, es justo
hablarfe en necio para dar/e g usto. • 24

O estu do dos dispositivos retóricos das principais preceptivas do


século XVI I perm ite que se faça uma rec lass ificação dos usos seiscen-
tistas da agudeza e dos vários gêneros e estilos dos discu rsos, segundo
ocasiões da hierarquia especificadas como decoro ético-retó rico. Permite
Relatos franceses e histórias
propor-se a discrição como o dilerencial que especifica a afetação das
apropriações que aplicam as agudezas sem conhecimento dos decoros
portuguesas: os exemplos
ou dos protocolos de seus usos. Logo, o modelo cultural do discreto de Claude d' Abbeville e de
fornece os critérios cu ltos da legibilidade das práticas letradas seiscen-
tistas: ética aristotélica, prudência católica. dissimulação honesta. juízo e Pero de Magalhães Gandavo
agudeza. Permite também que se demonstre que a agudeza seiscentista,
geralmente desquaiif·icada como "afetação" e "mau gosto" nas histórias
literárias , é bem outra coisa, pois com a categoria de discrição é possível
rarefazer a g nera lidade anacrónlca de categorias c ríticas herdadas do
sécu lo XIX . Com isso, aqui lo que era talvez evidente a ponto de não ter ANDRÉA DAHER
Professora do Departamen!o de História da
sido visto su rge nas formas por vezes estranhas. pois históricas. de uma Universidade Federal do Rio de Janeiro
nova visibilidade do objeto cu ltura l. A operação de Chartier ensina . enfim,
a crítica do etnocentri smo das leituras.

RESUMO A História da Província Sa ne ta Cruz é uma obra de propagan -


da da colonização lusitan a, em que seu autor, Pera de Magalhães
Gandavo , condena o silênc io dos portugueses sobre a co lónia america-
na. Gandavo exorta , assim, à produção de uma literatura sobre o Brasil
que fosse o resu ltado da au tópsi a e da curiosidade, fundamentos da
escrita dos relatos de ltngua francesa. como, por exemp lo, o relato do
missionário Capuchinho Claude d'Abbevil le. Mas o ideal "literário" preco-
nizado por Gandavo em seu livro é a própria condição de possibilidade
de legitimação da Conquista portuguesa e da irrevocabilidade do destino
cristão e português da p rovínc ia atlântica .

ABSTRACT L'Historia da Província Sancta Cru z est une oeuvre de


propagande de la co lon isation lusitanienn e, oü son auteur, Pera de
Magalhães Ga ndavo, condamne le silence des Portugais sur la co lonie
américain . Gandavo exhorte, ainsi, à la production d'une li ttéralure sur
le Bré il qui serai t le résulla l de !'autopsie t de la c uriosi té, fo n em nts
~4 LOPE DE VEGA- ArtcNuovode Hac rComédiascn EsleTiempo ( 1609). v . 45-481nESCR IBAN0, d rico de l'écrilure des récits de lang ue française, t I le réc it du missionnaire
&lnch z y MAYO, Albono Porqu tas- Pmccptlva Dramática Espaiiola (Del Rcnacimicnlo y el Barroco)
Capucin Claude d'Abboville . Mais l'idéal "litléraire" prôné par Gandavo.
Madrid , tedo , 19 5
dans son livre est ia condition de pos sibilité même de la lég itimation de
24 la Conquête portugaise et de l'irr vocabi lité du deslin lusitan ien et chré-
Lien de la province atlantique.
la Conquéia portugaise et de l'irrévocab ilité du destin lusitanlen et ch ré- sobre o bom entendimento com os selvagen s, além das mú lti plas con-
tien de la province atlanl ique.
versões e das mi lagrosas curas efetuadas.
No começo de 1614. é editada a Histoire de la Mission des Peres
Capucins en J'lsle de Maragnan et terres circonvoisines ou est traicté
des singularitez admirables & des moeurs merveilleuses des Jndiens
Duas foram as tentativas francesas de implantação colonial no Brasil . habitants de ce pa'is ... 2, relato completo da viagem ao Maranhão de seu
O estudo da primeira delas, a França Antártica (1555-1560), já foi leg iti- autor, o Reverendo Padre Claude d'Abbeville , e de seu retorno à França,
mamente inserido, por um lado, numa perspectiva de longa duração, a acompanhado pelo Senhor de Rasilly e por seis embaixadores Tupinam-
partir de uma lógica de repetição que a considera como análoga às bas. A pub licação des te livro parece participar do mesmo objetivo do
efêmeras experiências co loniais francesas do Canadá (1535-1543) e da conjunto de cerimôn ias espetaculares ce lebradas em Paris, corno a
Flórida (1562-1565). Mas, por outro lado, a história íntra-muros da colôn ia recepção dos embaixadores selvagens no Louvre pelo Rei Luís XIII e a
fu ndada por Vill egagnon na ilhota situada na entrada da baía de Guana- Rainha Regente. e o batismo solene de três deles na igreja dos Capuchi-
bara destaca-se pelo seu caráter inaudito, marcado por uma acirrada nhos. As cerimônias vi savam, com eteito, encorajar novos investidores e
discussão teológica, que reflete microscopicamente a imagem das Guer- preparar uma possfvel emigração para o Maran hão.
ras de Re ligião eu ropéias .
Um ano depois, en 1615, o Capuchinho Yves d'Evreux pub licou sua
Resultado das discórdias re ligiosas e da tira nia exercida por Vi llegagnon Suitte de J'Histoire des c hases mémorables aduennues en Maragnan,
no interior do forte de Coligny, os calvinistas deixaram a colôn ia insular, és années 1613 & 1614 ... 3, obra jamais con hec ida do público, já que os
buscando refúgio junto aos Tupinambas em terra firme . Dentre eles estava exemplares foram destruidos no próprio ateliê de impressão do editor,
o huguenote Jean de Léry, autor da H isto ire d'un Voyage faict en la terre François Huby. Por razoes de ordem politico-diplomálica, relacionad as
du Brésil , livro que teve um sucesso editorial notável: ci nco edições a ao projelo de casamento de ufs XI II com a infanta espanhola Ana
partir de 1578, e ao menos outras dez. em francês e latim, até 1611, . d'Áustria, a França abriu mão do projeto de implantação colonial no Brasi l.
A retomada dos projetos de implantação colon ial no Brasil terá de Em novemb ro de 1615, os france ses 1oram definitivamen te rechaçados
esperar ainda meio século. Mas o segundo "Brasil francês '' será impera- do Maranh ão pelas forças portuguesas.
tivamen te católico. Ao se levar em conta os estudos de caso das duas experiências
A inegável cord ialidade das relações franco-tupi , a famil iaridade dos coloniais francesas na perspec tiva da história da edição européia. pode-
franceses com o litoral norte. e o caráter aberlament missionário da e constatar que o número de au tores franceses e de obras francesas
empresa, não bastaram para garanlir a sobrevivência da segu nd tenta- publicadas sobre o Brasi l, durante o período compreendido entre 1550
tiva de implatação co lonial francesa. A "França Eq uinocial" foi fundada et 1620, em particular, é superior ao d obras portuguesas~ , o que deve,
em 1612, no norte do Brasi l, con tando com o apoio da monarqui a, na sem dúvida alguma. ser conside rado em função da polltica de sig ilo
figura da Rainha Regente Maria de Medieis, que nomeou os Senhores de empreendida na época pelas utoridades metropolitanas.
La Ravardiêre e de Rasi/ly " ugar-tenentes du Rei de França na ilha d Questão coro lária à quantificaçao das obras publicadas é, também,
Maranhão" e designou missionários da Ordem dos Capuchinhos para a das visões diferenciadas da alt ridade indígena de tranceses e portu-
exercerem o apostolado junto às tribos infiéis da região . gueses. A tese corrente da partilha no Interior da ''literatura" sobre o Brasil
Desta experiência co lonial res ultou um importante corpus de obras - de um lado, a visão do colonizador português que deprecia a imagem
impressas, compos to de ca rtas apo logéticas enviad as do Brasil pelos
Padres Claude d 'Abbevi/le e Arsene de Paris a seus Superiores. parentes
e amigos. As cartas forn ecem teste munhos sobre a prosperidade da
co lônia e contêm inúmeros detalhes sobre os recursos na turais do pais e

1 Hl loi ro d'un voyago fn I n la torre du Br si!, autrcm nt nicto Amorlquo ... A a Roc hcllo, Pour Antoin
Chuppln. M.D.LXXVIII/1 570, polrn ''' ' di .1ol O obj tovo prlnclp f dn publi ç o elo 1 •loto d Léry ra 0 d
d sm nrli ·o, m nt11 as o os rr o~· (" I & m r.sonç) • ot l ~ fl~lll !>" . n oundo L ry) onlldo:t nD ob• elo ciJióllco
Andró 1h v 1. q,,e tomou purte tomb .m n:; exp · dlç(l e1 I 55 Lus Slngularltcz do la F rance Antarc tlquc ... ,
A Anvor s. Chcz les hcrlliors de Mnurlcc de la Porto. 155711 5!>81

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do fndlo e. de outro. a do viajante francês que o exal ta - é, no entanto, A Historia da prouíncia de Sancta Cruz inaugura-se com ve rsos de
de extrema simplic idade 5 . Ela parece não dar con ta tanto das c livagens Luis de Camões, nos quais não há se quer uma r ferência às terras
no interior das ideolog ias religiosas dos séculos XVI e XVII , nas quais se atlânticas 10. Amigo e conhecedo r do g rande poeta português, Gandavo
acham inseridas as visões dos viajantes. dos co lonizadores e dos missio- era um latinis1a reputado. autor, em 157 4, das Regras que ensinam a
nários, quan to da lógica de formação e de circu lação de um capital de maneira de escrever a ortographia da língua portuguesa , 1 . A inserção
informação sobre os índios brasíleiros É preciso que sejam ressaltadas, dos versos do autor dos Lusíadas na sua obra pode ser indício de sua
por exemplo, as ambições francamente co lonialistas de mpresas como intenção de dar um eslailu to "literário" ao seu livro 12 , ou, me lhor ainda,
a 'França Equinoc ial. Elas distinguem-se, ce rtamente, das motivações q ue ao sêu ob jeto, a história da provlncia de San ta Cruz, info rtu nadamente
fundamentam o modelo de colonização lusitano, mas encontram-se tam- negligenciada pelos portugueses . Este último aspecto é perceptfvel nas
bém profundamente imp licadas, no interior do modelo político-econômi- duas p áginas do "Prólogo ao Lector" , onde Gandavo expõe as suas
co francê s, com os aspectos de ordem ético-teológica que marcam a intenções mais protundas:
conq uista das almas americanas. Assim sendo, a atitude de tolerância e
de respeito à integridade Hsica e moral do índio , manifesta nos relatos "A qual historia creyo que mais esteve sep ultada em tanto silenc io,
dos missionários Capuchinhos do Maranhão, não deve ser forço samente pelo pouco caso que os Portug ueses tezeram sempre da mesma
identificável à dos vi ajantes franceses de um modo geral, e muito menos prouincia. que por fa ltarem na terra pessoas de ingenho & c uriosas,
comparável. por falta, à dos missionários portugueses 6 • que per melhor es tillo & mais copiosamente que eu a escreves-
.Pera de Magalhães Gandavo foi o autor, em 1576, de uma Historia
sem."'3
da prouincia Sancta Cruz a que vulgarmente chamamos BrasiL.. 7 As
razões que alega terem-no levado a escrever a sua Historia, assim como
Gar'ld avo sugere, ainda. que uma obra como ta l mereceria ter sido
a motivação geral da obra, constituem, hoje, um importante testemunho
escrita com estilo e eloquência superiores aos seus. Mais do que um
da "men talidad e" teológico-polí tica da co lonização portuguesa e da
lugar-comum dos prólogos, estas palavras visam denunciar a inibição
função de propaganda de opúsculos como o seu .
dos portugueses, e talvez mais ainda. "dos homens de letras", que
''A causa principal que me obrigou a lançar mão da presente histeria.
deixaram aberto o espaço para o "engenho" e a "curiosidade" dos
& sair com ella a luz foy por nam auer ale agora pessoa que a empren-
"estrangeiros '' , de legando-lhes o conhecimento protun do das "co isas da
desse , auendo ja seten ta & tantos annos que esta prouincia he desco-
berta' 8 . O livro de Gandavo é também a primeira história do Brasil
publicada em lín gua portuguesa . É principalmen te por seu ca1ráter d e "testemunM d vism·· . .losc Honono Ro<liiQlJOS (op. cll .. p . 427) I ' mbr~ q,l Gandovo lot nomeado m 1576.
composiçáo históri ca , que es te livro de 48 páginas difere das relações por sois anou. "Provedor c1n Fmcmda da Capotanio do BtOQ tl". S u lovro teria sodo esc rllo ap6S seu r torno ''
Pot lugal, se guirmos otgumas llldi cúçóll dadas em sua ol>ro
de missionários jesu ltas, voltadas sobretu do para as di ficu ldades que 1O ComOes tnz ai um ologló S nhor DOITI lono•' P tclro , Gouv tn>Jdao d Molago, quem o livro d Cltcudo ('"Ar:>
muilo ;lluSIP O Dom I IONIS PEREIRA ~<'lhr o hvto qu lhe oflcr P ro d Ma alhaus, tercelos de Luis d
entratavam a evange lização das populações infiéis 9 . Camoo · : "S< t1<liO dom ~mo Autor ao senhor Llom lo111 . ,Jcerc" d ~ vi tooo qn ouve contm I Roy do och rn
em Malacu"). .
11 Tr ta-se de um çopu cu lo rarlssomo, rn q ue G ~dava m nciona l uis d Carnoos ao diScorrer sobre os grandes
literatos da llngua porlug u S11 ·vedu "~obras do nosso lamo..o poeta Lu1s de Camóes de cuJa lama o ten:po
5 Vtde como exemplo. nesle caso. Manuda C<~m oro DA C UNHA, '"lm ag ns de lndtos do Btasrl: o Século XVI' ; nuflque !riumphar-'" Comet'lladopor FranciscolFITE DE FARIA. mltoduçilo aGA':'lD AVO. op. clt. , [p . VJ. Vllonno
in: Estudos Avançados. São Paulo. lnstitutod • E tudosAvançados. vot. 4. n° 10. Sep/Déc 1990. pp. 9 1- 110. Magalhl!e Godinho oo criticar algumas conclusôe" avançada por J Roch· Pmlo. no prélaclo a Selr 1tv1o_ (A
6 Pode-se citar. ern oposiçâo à tese da vise o d epreciadom dntolonizudor versus a visão loleranle do "eslt aniJCPro" viagem. mcmõria e espaço. A literatura portugucsa de viagens. Os pri mitivos relatos, de viagem ao ln~tco
em oetação ao ind;o. a oeflexãa mais pe•tinente e c uidadosa de Hélénes Ctastres. no que diz respello aos (1497-1550), Lisl.>oa. Ltvrana Sá d" Costll. 1989. p . 1~) . lemb to a ougens liamenga.q de Gandavo para e:xphcat
Capuchinhos hanceses· 'En M ranlí ·o. là ou ils venai nl e\IX ussl en colon isaleuts [sicl. les Français surenl a diferença - pcPiinent sem dúvida - ti\ re a posiçoo c1 sio r'rlthno e a dos rortuguescs -.er'11 espectal a do
appmemment se monlrer plus tol ér~ nls que les Poc1uga•s " Prefàcto a YV S 0' VR UX, Voy agc dons te no·rd Padre Manuel dll Nóbrega - em relaç, o aos Inatos. No nturrto. n•. o acred11amos t rern sido as ongens
du Bré!lll, Pwis Pi!yot. 1985, p l4 l!amengas deste r r.onhocidu tsrrnista que d terminaram <1 ua vi~;1o do Genloo. Sua obm sob"' 1> Br "sil tem
7 Pero de Magalhães Gandavo. Hi steria da proulncla Sancta Cruz a q uo vulg armente ch~m~mos Brasil feita inlençao de "p10bliplclocl ", d pto agond" da colonlz<Jçáo. peolmtnmonlc irrrocrida na "mentalidade" lootog•co-
por Pera de Magalhães Gnndauo, dirigida ao mu l!isslmo siior Dom Uonls· Perei ra gouornado r que loy da polllioa da Gonqui~ l a lbé nca
Malaca & das mais parte s do Sul da lndla [tmpr ~soem Lisboa. na olficln d llitiOnlo Gon~alu l . Anno de 12 Oevtrse oss!m1 I:Jr a onadequaçào, no caso. dos I nnos ' loicrtll utn"' ou "llterano· , ent ndidos u parllr da
1!\7GJ G~ nd<lvn é mrtm temt:lóm do "Tratado do Tetra do Brasil. no qual s COIII rn a. Pn focm~Q o d as cous.es clln .r,pç11.o pós--lluminiSitHJ 'ellvidQde prod ulivu do lo cçM como deslntor • ~ ast rleu" . relacionada s noções
que hé nos1as pari s" pubhce clo pe lo p 1lmeu vez na ColleçAo do Noticia s pnra a História o Geografi a d con t mporl\neas do ~u\or, (11J mercado o•.• de origl" lidad No ou:.o dr" I Iras Mlor,,a,s, proctuz, •e ' llct; o·.
NaçÕIIs Ultramarina s .... Acndom;o ne<tl das Ciênctas. lsbo<l, i826, vol. IV, p 18 t , " r~llo primitiva da Hls lorla mrJs oln 1110 so autonomlln do canl xto tm diato do u os pr ill oco~. no m : mt1 1cmpo qu f~z circular mod los
da proulncln do Snncla Cruz culturais. f\Jnda;ren10dos lrlltli<:iollfllnotJnlo M S xemplos ct I· xl a o nO• '"" . t n ~~ - s nlido , llllóa . .q.,o ,J. /1.
B /INDA V . op. clt . p 5. Hun•·anvnalistJ, dvponlorl vo,,tor t nco. o.ob•Ud Gcmcfnvo. J A liANS · N, Som F.s mL.semR; cronistos.
9 P dro Calmon (Hist6rle do Br3s ll. A s Origens. Bm llorro. S P<1ulo. Cl · d•tor N clonal. 1 !\1, 2° edu;:eo. josullos & lndlo no cóculo XVI" , ;n: KOSSOVITCH. . A (di t ). A conquista da Am érica. Campinas. CEDES/Pa·
p. 331) Hliunu ntlu havor v blloro · d 1opasoll<J m c1o GamiiJvo no Br sil, ( ntr tMio. " ••~;ptst lo·· qu Gand vo pllus. 1993. Cadornos C OES n·• 30, pp, d5 o 55
dcdi t nllar Dom i ont~ P •Oirtl ( H tstorl~ d~ proulncln, p ~V''), diz 1 ' e <!til<> " su~ hlsiOtl<r com 13 GANOAVO. op. cll., p 7.

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província". Ao lê-lo, pa rece estar sugerido que a presença dos "estran - no seu livro uma literatura que tosse o fruto da d iscussâo teórica sobre as
geiros '' em vários pontos da costa brasileira e a proximidade que carac- modalidades da co lonização e da evangelização do Bra sil. Reivi nd icava,
te ri zava suas re lações com os lnd ios parec iam ultrapassar os q uadros d a talvez , uma literatura mais próxima da francesa , fru to da curiosidade e da
usurpação territorial: tratava-se , para Gandavo, de uma verdadei ra usur- autóps ia, mas que conside rasse como previamente d ados os a xiomas
pação ''literária ". Este argumento tem valor de ad vertênci a: tornar "li terá- hi storicamente detinidos pe la polí tica colonial empree nd ida pela metró-
ria " e pública a histó ria da co lónia é um meio incontestáve l de afi rmar, aos po le portugu esa.
olhos dos estrangeiros e do povo português, a legitimidade e a necessi- O seg undo ponto de apoio da argumen lação do prólogo de Gand avo
dade da co loniza ção port uguesa . É o que se pode deduzi r à leitura da d iz res peilo, portanto, à escrita da his tória. Seu livro é uma ten ta tiva de
passagem seguin te: fazer entra r a realidade da co lo nização no espaço da esc rita, da história
e da memóri a. À imagem dos An tigos , "aos quaes nam escapaua causa
"Porem ja que os estrangeiros a tem em outra estima, e sabem suas alg ua que por extenso nam reduzissem a historia" 18 , Gandavo reafirma
particularidades melhor & mais de raiz que nós (aos quaes lança - as ra zões que o levaram a esc rever a sua Histeria:
ram os Portugueses fora del/as a força darmas per muitas vezes)
parece causa decente & necessa.ria, terem também os nossos "Como pois a escriplura seja vida da memoria, & a memoria hua
naturaes a mesma notic ia, especialmente pera que lodos aque!les semelhança da immortalidade a que todos deuemos aspirar. pela
que nestes R inos vivem m pobreza nam duuidem de escolhe/a parte que delta nos cabe, quis mouidodesras razoes, fa zer esta.
pera seu emparo... ". 14 breue historie ... ". 19

Dois pontos sustent m a arg umen taçâo de Gandavo em pro l da Mas a intenção de tornar imortal a história da província é concomi-
escrita da história da descoberta e da co lo niza ção da provlncia de Sanla tante com o papel de propaganda que tem o livro. A Histeria da prouincia
Cruz. O primei ro co nsis te na necess idade de despe rtar nos portugueses de Sancta Cruz só podia ter sido concebida num contexto de recons ide-
a "curiosidade", motivação primei ra d a "literatura estrange ira'' sobre o ração do interesse econômico da colônia, sobretudo a partir dos anos 60
Bras il : do primeiro sécu lo da descoberta. Este aspecto estratég ico é perfeita-
men te perceptfve l ao longo da Histeria, qu e concede um espaço priori-
"E Lambem ha ne/la causas dignas de grande admiraçam, & tam tário à descrição do espaço geo-fís ico e às con dições de vid a dos
notaveis, que pareceria descuido & pouca curiosidade nossa, nam colonos .
fazer mençam del/as om alg um discurso . 1s A estrutura do livro é construíd a a partir do relato hi stórico da desco-
berta do país po r Pedro Álvares , em 1500, no rei no de Dom Manue l 20.
A noção de curiosidade como lei/ molivd a viagem e, ul teriormente , Como aparece indicado no titulo do primeiro capítu lo - ''De como se
de sua escrita , é um topos de toda uma "literalura geográfica'' da Idade descobria esta prouinc ia , & a razam porqu e se deue chamar Sancta Cruz,
Moderna 1a. Relaciona-se, ao mesmo rempo , com a escrita dos texlos - & nam Brasil"- é o arg umento da prima zia da descoberta - da p lan ta-
através da imagem d o viajante c urioso - e com a recepção - atravé s ção da cru z cató lica e da designação do pais - q ue leg itima a coloniza-
da imagem do leitor c urio so 17 . Neste sentido. Gandavo não reivind icava ção.

",.. Pedraluarez seu descobridor{. .. ) mandou alçar hua Cruz no mais


14 GANDAVO, op . cit.. p 5. Nn Epi slol, "Ao m1 111 0 íll11s1r enl101 Dom Uonis P reiro· , Ga flcl avo faz. Inc lusive, alto lugar de hua aruore, onde foy aruorada com grande solennida -
uma dislinçtlo o~t re a pr ã~ca das ~mi<lr. tl ,, ela "scr~ l e . •nenc•ona11uu <1 aleiç· o de Dom I.Joni p rel ra pelas
~ cousas do lngenho. & que pot es tn cu ut u lhe n-an, sera rnenos ac~:~ H o o oxe r~ir. lo d s escri Lum:s, q ua o das
ormas" ldern , p . ~v" .
15 Idem, p. 5
16 Montaig ne laia no s u ensnlo !.OblfJ os "C~n ,·llb le " tl aquofo quu Mich I de c; r1 u clinmo1J "velli g m de 100 pç<o <.lorelaros. · ce n'e~ l lc:y - di ? M oqu r sol~ 1 o c u l.v•o - qll'uns•mple&na,l narr dem s voy goG
CUIIoslds~le " ; "C li de r.ouu 11 d'un pa'ls lnf 111i SOrt\bl m1 h~ rio r.011sidera1 lon . Ji n sçay si je rn pu l ~ & de 111es ad" nluros clh• m s. lnlo•1on1ICt• dl:i çdpllon plu x elo des liOIIX & eles choses aux plus curloux
re pond•e qu lt roc · n lllc l'aclvP••it cp' h'llJ'n • •rr~. tnnt elo pmsonn:l(Jes pl ~ •s grMcls ClljO nous ~yr1n~ osr & C<Jpables qu n1oy l. lc) Mo.s i' cpóro 111 "Auoc la1omps j,.. ) de lsl 11l vou v1~ aui< O lll!ra. tratlleni des plc111es.
IJornp zan co 11 r.y Joypcull1" nnnSAv•msles y u~pl usu•mods qun l v nlr , l plu, d cudoslré qu 110us or l>~os. lleu rs, hui cw . onulluux & '''" 'n c ho~oo rurc~ do~ p ys ou 1'oy SI j ... ): celu stonl au&sl dfl m
r1'av01.'s da capaoli ,' ( ssals. Pun•. Güi111C'I·Hnmrnmlor1. 1000. livro I, ~~- 251) Cl Mi chel DE CERT AU , p•o ll ss1on , 1 me prorno iJ> cfy pOIIUOII donn r plus da contc nt m nt & do sat•sfacl ion. llLJX c:w1 ux (sir.(,"
L'Ecroturc do I'Histolro. P'>w . allrmarcf. 1975, p 2~2 18 GANOAVO. p . 5.
17 O lranc(ls J on Mocqu 1. no p1 lér.k1 d11 s~ M s Voyagos on Alrlqu(l, A lo, lnd es Orientülcs et Occidontofes. 19 Idem . p Sv"·
publiccdtts m f' ds. m IGI7 illltl!nl l ,,,., RI. ! d~rpln !unçilo cln cwlosltlutf -•, derc rmlnant 'du eucrila e do 2.0 GANDAVO, op. cil , p . 6v''·7

30 31
de & benções de Sacerdotes que leuaua em sua companhia, dando O nono capítu lo re lata a história espetacular "Do monstro marinho
a terra este nome de Saneia Cruz... ·· 2 1 que se matou na capitania de Sam Vicente no anno de 1564" . Ao fina l
das quatro páginas des tinadas à sua aparição e à sua matança, uma
A primazia da descoberta e a designação das terras enquanto gravura repres nta este animal ''fora do parecer de todos os outros
princípio de legitimação da colo nização foram amplamente exal tad as , animaes ", uma das raras obras conhecidas do artista português Jeróni-
como se sabe , pela literatura portuguesa no Brasi l. Foi neste sentido qu e mo Luis 2!> . Este capitulo constitui, por sua posição no interior do opúsculo
autores como João de Barros , como o Capuch inho Vicente do Salvador e por seu caráte r fan tástico, um verd adeiro divisor de águas entre, de um
e o p róprio Gandavo tentaram reabi litar os primeiros nomes dados às lado, a narração hi stórica, a crônica dos modos de vi da dos portugu eses
terras descobertas a leste da linha estabelecida pelo Tratado de Tordesi- na co lônia, o relato dos recursos naturais do país, e de outro, a desc ri ção
lhas. Estes três autores sustentam, através da mesma imagem, q ue o do Gentio 26 .
esquecimento do nome que evocava a cruz cató lica e sua substituição Mas Gandavo só faz ratificar. nos capítulos 1O, 11 et 12, dedicados,
pelo nome de uma madeira de tintura vermelha, semelhante à brasa, tora portanto. aos índios, um certo número de lugares-comuns veiculados pela
obra do Diabo. Trata-se . antes de tudo, de uma con denação do nome primeira literatura sobre o Brasi l ?7 . Sua visão do Gentio é a de uma
diabólico de "Brasil", nome da madeira vu lgarm nte traficada pelos "desord em monstruosa" . na perspectiva. da desproporção e da desse-
estrangeiros nas costas do au· ntico , e signo da usurpação tácita do bem melhança, o que cons ti tu i praticamente uma impossibilidade de definição
portugu ês, como assina la Gandavo, justificando, assim, o Ululo de sua da bárbari e, como pode-se cons tatar na sua descrição das diferent s
obra: tribos que vivi am ao longo da costa :

"Mas pera que nesta parte magoemos ao Demonio, que tanto "... [aquelles que habitam pella costa] ainda que estejam muito
trabalhou & trabalha por exfinguir a memoria da Sancta Cruz. & diuisos, & aja entre elles diuersos nomes de nações, todauia na
desterra/a dos corações dos homens [. .. ] , lornemoslhe a restituir semelhança, condiçam, costumes & ritos gentílicos todos sam hüs.
seu nome, & chamemos lhe prouincia de Sancta Cruz como em E se nalgua maneira di/ferem nesta parte. he tam pouco, que se
principio[. ..]. Porque na verdade mais he destimar & milhar soa nos nam pode fazer caso disto, nem particulizar causas semelhantes,
ouuidos da gente Christãa o nome de hum pao em que se obrou o entre outras mais notaueis, que todos geralmente seguem ... ". 26
mysterio de nossa redempçam. que o doutro que nam serue de
mais que de tingir panos ou causas semelhantes. " 22 No capítulo 1O- "Do gentio que ha nesta provínc ia, da con diçam &
costumes d lles. & de como se gouern am na paz" - Gandavo descreve
A parti r do segundo cap itulo da Historía, Gandavo dá início à crô nica o Gentio do Brasil , sempre no interior da perspectiva teológ ico-polltica d a
polrtica da co lônia com a descrição de sua si tuação es tratég ica e de seus colon ização portuguesa, como gente ingrata. desumana e cru el, vingati-
recursos naturais: o terceiro capítu lo dedicado ao relato histórico do va, preguiçosa, não ten do outro pensamento senão o de comer. beber e
estabelecimento e do governo das capita nias, nquanto que o quarto matar, desonestos, dados à sensualidade, viciosos e inconstan tes 29 .
explica a sua jurisdição o essencial do modo de vi da dos portugueses A descrição de Gandavo só vem ratificar seu retrato da natur za
no interior do sistema- relações sociais, relações com os índ ios e os indígena pr viamente esboçado: possuindo a noção da imortalidade da
escravos, etc. 23 . Do capítu lo 5 ao 8 , o spaço é dedicado à flora - alma, os ín d ios acreditavam, segundo Gandavo, q ue seus mortos eram
pl antas, provisões e frutas - e à fauna - animais terrestres, bichos também feridos e despedaçados na outra vida, exatamente como no
venenosos, pássaros, peixes, baleias e âmbar. 24
25 Cl, F1ancisco L ITE DE FARIA, na rnlroduçao a edtção lac-slmil do ANDIIVO, Histeria da provincla Snnct~
Cruz .... Lisboa. 131bliol ca N~cion al , 1984 .
?1 Idem. p 7. ?6 VI(Je J. ROCHA PINlO. op. cil ., p . 238.
22 GANDAVO, op. clt . p 7v'' Vi I Iomb m VICENT · 00 SALVADOR. His lórlü do Brasil (1500·1627). 8 lo 27 Vide S BUAROU • OC I IOLANDA . A VI s o do Parnlso. Os Motivos odênlcos no descobrimento o colonlz.a·
Hori~onl ·S<o P ui . dil haliaJ •dtlor d, Unlv rs tda d ora lo. 1982, p 57 . ção do Brasil. 10 Paulo, Ct Eclilor Naclonol, 1D85. cn1p rt•culm p 106
·ou
23 ld , m, pp. ltlv"- 1511", c pilulo 4: oou rnunc;a qu o mor no• & d 1os copiranr s 1 n1n s10 pa li e~ . & 2B GANDAVO. op. cil • JJ 33 Por• andavo, a meomu d so•d "'· co11~ qu nle ompossibihd ·1d d
manr.lr d como se 11 o rn seu modo d v1u r • nt ndlm n1o orraio do. cor clc timm a llngua do onloo "A hngoa qu u>am, Ieda p la costa h hün· a nda
24 ld m , pp. 1 v 30. apllulos 5 a 8 "Dali pl n1as manllm 111os e lrutlas qu hll n s1a pro11inciu": "Dos ntm s qu m ce ttos voe buhls d tll re nalgvrn· s pmlos: mo• n o d monn ir q dotx rt1 huns . os oulro. d
& bichos ven no•o qu ha no:.l:t r •ou,nr.i:t"; "Das aves qu lm SUl pt mu1cl11": • alguns p "'es notau ts, nlend ,·, ldel11. p 33v" Vide, a propO ito, J. A HANSEN. art. clt., JJ . 52.
balea & ambar qu ho neshl s pnr L· • 29 GANDAVO. op. clt .. pp 33-33 '

32 33
momento da morte; desconheciam a justiça. pelo lato de não terem rei, desejo de vinganç a de um ín dio moribundo contra um português que o
mas apenas o "Principal" da tribo, ao qual obedeciam por vontade e não havia cortado corn uma faca. Constata-se aí a condenação da crue ldade
por força; eram vingativos, tendo desde sempre praticado uma espécie ilegítima do bárbaro:
de "vendetta" t que linha acabado por divid f-los. Sobre a recepção que
faziam aos visitantes em suas aldeias . Gandavo conta que "Se he portu- "... Neste mesmo tempo & lugar deu hu Portugues hua Iam gram
gues, mal dizem a dita de seus diffuntos pois foram tam mal afortunados cul'ílada a hum lndio, qui quase o cortou pelo meyo: o qual caindo
que nam alcançaram ver gente tam va lerosa & luzida como sam os no chão ja como morto, antes que acabasse de espirar. lançou mão
Portu g ueses" 30. a hua palha que achou diante de si, & atirou com ela ao que o
A descrição dos háb itos corporais, do casmento e da poligamia, do matára . como que se dixera? Recebeme a vontade que te nam
parto e do aleitamento, e da criação "viciosa" das crianças, vem em posso mais fazer que isto que te faço em sinal de vingança . Donde
seguida reafirmar o contraste existen te entre os "valorosos co lon izadores·· verdadeiramente se pode infirir que outra nenhuma causa os ator-
e o gentio desprovido de razão 3 1: menta mais na hora de sua morte que a agora que /euam de se nam
"Não ha entre elles nhumas boas artes a q se dem, nem se occupam poderem vingar de seus inimigos •· 37 •
noutro exercício, senam em grangear com seus pais o q ham de comer,
debaixo de cujo emparo estão agasalhados ate q cada hum por si he O quadro da crue ldade lndigena se comp leta com o capitulo 12, em
capaz de buscar sua vid a sem mais esperarem he ranças dellest nem que são tratadas as práticas co ntra-nature a , da captura dos inimigos ao
legitimas de q enriqueçam, somente lhes pagam com aq lla c ri açam em caniba lismo :
que a natureza foy vniversa l a todos os ou tros animaes q nam participam
de rezam ." .:~2 . ''Hua das causas ques estes lndios mais repugnam o ser da
Os capítulos 11 e 12 são respectivamente dedicados à prática da natureza humana, & em que totalmente parece que se extremam
guerra e à c ru eldade do tratamento infringido pelos índios a seus inimi- dos outros homens, he nas g randes & excessivas crueldades q
gos33, onde aparecem represe ntadas, mais uma vez, a crueldade e a executam em qualquer pessoa que podem auer as mãos, como
inconstância do Gentio. nam seja de seu rebanho . [..}por se acabarem de sa tisfazer lhe
comem todos a carne, vsando nesta parte de cruezas tam diaboli-
".. tão Inconstantes & pusilanimes sam nesta parte, q muitas vezes cas, que ainda nel/as excedem aos brutos animaes que nam tem
com partirem de suas terras muy determinados: & desejosos de vso d.e razam. nem farão nacldos pera obrar clemencia. " 38
exercitarem sua crueldade, se acontece encontrar hua certa aue,
ou qlquer outra causa semelha n/ e q elles tenham por ruim pronos- A estrutu ra narrativa, a organ ização do livro, assim como o quadro
lico, nã vã mais por diante com sua d,elerminaçã. ... "'3~ gera l da alteridade indlgena pintado por Gandavo, põe em evid ência,
mais uma vez, o contraste entre o modo de construção histórico da
Gandavo tenta demonstrar, à lu z de quatro exemplos, que apesar de narrativa e o testemunho ocu lar que funda a escrita dos relatos de
seu caráter pu silânime, os índios são duros em suas "tensões vind icativas viajantes ou de missionários de língua lrancesa. Além disso, nada daquilo
e bárbaras". O primeiro destes exemplos ilustra a sede de vingança entre que é descrito por Gandavo como pertencente à crônica das "c.ois?s da
os "Principais" de duas tribos inimigas 35 . O segu ndo é o relato da reação província" remete à tolerância em relação ao outro e ao respeito a sua
do "Principal" de uma tribo atacada por um continge nte de índios aliados integridade tísica e moral, e menos ainda, à idealização do índio 39 .
dos Portugueses ("os nossos ", como diz), que escolhe queimar vivo Por mais que Gandavo afirme na abertura do seu livro . em sua
juntamen te com o chefe de seus in imigos 36 O terceiro exemplo ilu stra o "Epístola" ao Senhor DOm Lionis Pereira. ter sido "testemu nha de vista"
do que escreveu 4o, a escolha da narração histórica é priorizada em
30 Idem. p . 34.
3~ Idem, pp. 34- 37v".
32 Idem. p . 3G. 36 Idem. p 39'1'- 40.
3.3 Idem. pp. 37·45. capllulos 11 1 12 "Do" gu rro · q t on huns com oulr s & u mnn Jro como se hêo nella-·: 37 Idem. p 40
"Da morI que dlio OS caiiiJOS & Crt toldad qu u om com 11 . • " 38 ld m, p 37 .
34 Idem. p. 38. 39 Sobr a ouslln ta 101<1l d •d ohzaç o. no qu d•z re p tio t oiOnlo bmsll ~ra . por pari d c•onl 1 s e
35 ld m. pp. 38v'f· 3 • hlslonadores p01 1ugues s. vtd S 8 d ~I LLANDA, op. cll , P 30~

34 35
relação à autópsia dos tatos. Se há autópsia em Gandavo, ela não reside da terra nam deixam por isso de ir muito auant'e com suas fazen-
na relação com uma realidade - a da experi ência vivida pelo autor - das"4~ .
mas sirn na ratHicação da verdade de um modelo histórico. precisamente
o da conquista portuguesa. Na Historla da prou.incia de Sancta Cruz o fndio aparece, portanto,
Depois da descrição da sociedade indígena, o penúltimo capítu lo do como inimigo da co lonização. Por um lado. ele representa um entrave à
livro descreve o " ... fruito que fazem nestas partes os Padres da Compa- evangelização, considerando-se a sua natureza Inconstante e brutal.. P_?r
nhia com sua doctrina" 41 . As duas páginas e meia deste décimo terceiro outro, a sociedade indlgena só existe, no livro de Gandavo, em opos1çao
capítulo dão conta da boa recepção da doutrina cristã pelos índios - aos modos de vida dos colonos portugueses, que têm lugar por definição
apesar de sua irrevogável inconstância, que impede a conservação da no s·istema político coloni al implementado pelas autoridades metropolita-
fé- e da importância da p ~esença de missionários jesuítas na colônia. nas44
A Companhia de Jesus desempen hava, efetivamente, urn papel Indiscutive lmente, a continuidade que se faz sentir, desde a segunda
importante, na época. na política que reg ulamentava as relações entre metade do sécu lo XV I, no elogio das boas relações entre franceses e
portugueses e índios, já que somente a vio lação do direito missionário - Tupi nambas - que vai das representações veiculadas pelas brochuras
oriundo da determinação divina de pregação a todas as cri aturas - comemorativas da En trada Real de Henrique 11 em Rouen 45 • passando
pod ia determinar a justa ca usa da guerra contra os fndíos que a ele se pelo relato de Jean de Léry e chegando a:té as obras dos Capuchlnt1os
opusessem. Condenando, de modo geral, o argumento de inspiração do Maranhão - é sinal de que a economia de troca no Brasil manteve-se.
aristotélica que defendia a escravid ão dos índios pelo fato de sua interio- ao menos até o tinal do século. Fiéis a uma verdadeira tradição de
ridade natural, os Jesuft.as encontraram muitos obstácu los por parte dos relações, os cro nistas. de um modo ge ral, descreveram os gestos de
colonos portugueses no cumprimento de sua missão, já que a conversão cordialidade entre truchements (ftanceses intérpre tes da lingua tupi , que
tornava. a princípio, os fndios livres , dada a sua nova condição de súditos viviam integra dos às sociedades indígenas), mercadores franceses e
do rei e de fi lhos de Deus pelo sacramento do batismo 42. índios. nas cos tas brasileiras
No interior de uma verdadeira apologia da obra da Companhia de A literatu ra de viagens francesa é a prova disso: os autores franceses
Jesus, Gandavo parece tomar posição contra a guerra injusta infringida são os que melhor souberam deixar Intacta a imagem do que se desig-
contra o Gentio, para defender, no entanto, as justas causas de sua nava na época "o natural indígena" . Em particular, é notória a tend ência
escravidão. A narrativa prossegue com a crônica polltica da provínc ia: de Claude d' Abbeville a celebrar a inocênc ia do se lvagem, a ponto de
recu sar severamente os lugares-comuns de sua inconstância e de sua
"[Os portugueses] encarregauam muito suas consciencias com desrazão, como pode-se ler nas linhas provocativas do relato do Capu-
catiuarem muitos lndios con tra direito, & mouerenlhes guerras in- ch.inho:
justas. E pera euitar tudo isto, ordenaram os padres, & fezeram com
os Gouernadores & capitães da terra, que nam ouuessem mais "A uc uns les estiment merueilleusement obstinez; les aulres disent
resga tes daquelfa maneira , nem consentissem que fosse nenhum qu'ils sonl fort incons/ants & varíables. 1/s sonl à la vérité forl
Portugues a suas aldeas sem licença do seu mesmo Capitam [. .. ) inconstants & variabtes. /ls sonllort inconstants si c 'est inconstance
Alem disto, pera que nesta parte aja mais desengano, [ ... ] ninguem de se /aisser a/ler à la raison; car ils sonl' si dociles que par la raison
os pode vender senam seus p ais (se for ainda com extrema neces- vous /es menez aysemenl çà & !à , ils vous obeissent aussf tost &
sidade} ou aque/les que em justa guerra os catiuam.· & os que leur faictes la ire loul ce que desirez. Mais tanf s'en faut pour cela ils
acham mal aoqueridos poemnos em sua liberdade. e desta maneira
quantos lndios se compram sambem resga tados, & os moradores
~3 GANDAVO. op. cl1 , pp. 45·46
~~ Sobre o rccu ~a de Gandavo arn o l n bu~r a s rr1 lloar>ça cl1 vrna ao !nd1o o sobra a ~ u conslflu çOo nqvon!o
"n3o-h\Jmono", vide J A, 1\AN SEN, arl. cll., p . 55
40 GANDAVO. op. ch ., p 4"" 45 urno."F\gon Cl des Bnsrh n "ilur.lrn afcslar.om pBn•e•p ç!lo d lncl o~ l r ll d . do 6ra 11, ncenadnnumo ll .r sto
4 1 ld m. p 45·46 brnsll imf.imulada, noin 1101 dos llvr lO "<: I 1>11111vo d ntm da R ol d H •ulqu 11 mAouen O lnlurtodn
42 Lowl s Han~ atumo qu o c&crovid o n (JLI(l ii O iusl conlw os lndros tom 111 c rupulo" ní<u rl IJ"'IIcudas "«;c,:nt-i"' ru. ytussu tn t.Jo, In nhvo.r o politi loninl moral'lrqul c. _ fr nc so no utl utlco, c rac~ nzondo a~.
paios po~lugu se~ llO Brosll , \oro d lodo " 9onconco. m opostç o oos ·torço conlinuos dos r.prml"tótS paru ali nças I'HSiórt ca nlro rriOICAUOI s Ir nC(l 9 o noç ~ lnd oon o~ brao!lehas. Outras du s b!Oehura sobr o o
d llnlr os llrnh ól l<::os e iurldicos do Conqulstu d~ Amórl cu Ct L HAN I~E. Arl stotolos o os fndlos a.morfcanos, mesmo vento foram drtodas, sob lliulos. lormos IOX\uais formmo vm lados, em 1551 e 155 1, sugerindo o
(lrad br a~ . ) . S9o P,Ju lo. Livrarlu M~1il n~ editoro. s.d, p . 1 39· 1 ~0 sucesso edilorlal dest pc qu roos ltnpresso

37
36
soient muables; au contra ire c 'est estre bien raisonnable & c e n 'est Se Claude d'Abbeville soube rec uperar o modelo previamente esta-
pas obslination. Que s 'ils se tiennent & sont forr fermes en /eur belecido da relação com o outro. pregando o respeito à integridade física
opinion, c'est la raison qui tes retient, et c 'est constance; ou si leur e moral do Tupinamba, em nome da manutenção do sistema de alianças
reso/ulion n 'est raisonnable, c 'est que l'on manque à leur donner comerciais , foi também em nome das tendências da teo logia missionária
des raisons, ou à faute de s'entr'entendre, ou pour /e peu de - que poderíamos chamar barroca - que defendia o uso exclusivo da
croyance qu'ils ont à ceux qu'ifs ne connoissent pas" 46 . "persuasão doce" 5 1 • De salda, o "natural tupinamba " revela-se t~f1!bém.
no relato do Capuchinho, compatível com a doçura dos Pays [re ligiosos]
Sem dúvida, Claude d'Abbevil le buscou , lucidamente, recupe rar o et dos Bourouuicháves [chefes] franceses, como se pode constatar em
modelo previamente estabelecido da relação com o outro. E isso, em várias passagens da Histoire de la Mission , incl usive na transcrição do
nome da manutenção de um modelo econômico 47 e em proveito de uma discurso do próprio chefe índigena lapy Ouassou, que também fala em
atitude julgada a posteriori como "etnológica", embora anterior à Etnolo- termos de doçura:
gia 48 . Assim, o selvagem, tal como é descrito no seu relato, desejoso de
conversão e apto a ser convertido e civilizado, é parte integrante de um "Au reste i'ay grande esperance en ta bonté, & douceur: car tu me
quadro de singularidades, de observações e de analogias que consti- sembles auoir parmy ta façon guerriere, vne façon douce. & d'un
tuem uma primeira etno-grafia 49. personnage qui naus gouuernera fort sagement; & le diray /à
Este posicioname nto de Claude d'Abbeville é c laramente tributário dessus, que tant plus un homme est nay grand & auec de l 'authorité
do de Jean de Léry, como pode-se constatar a partir da análise compa- sur Jes autres, d'autanl doi! il estre doux, gracieux & c /ement. Car
rativa dos relatos do huguenote e do Capuchinho. Claude d'Abbeville /es hommes, & principalement ceux de cette nation, se rangent plus
parafraseou Léry, e ao fazê-lo. aproximou-se da atitude do huguenote tacilement par la douceur. que par la vio/ence " 52 .
face à sociedade tupinamba . Procurava. sem dúvida, responder às
expectativas do público francês, num contexto de exortação à coloniza- A autópsia e a idealização do outro, aspec tos fundadores da etno-
ção do Maranhão e de propaganda da ob ra missionári a capuchinha. Um grafia, participam igua lmente da escrita missionária, quando s~ trata de
contexto como tal exigia do historiador da missão brasileira uma atitude convencer os infiéieis "doucement & am1ablement - como diZ Claude
que fosse o reflexo do entendimento amistoso entre franceses e Tupinam- d'Abbeville - les faisant voir par le menu que ce qu'ils auoient accous-
bas e da vontade de cristianização das nações indígenas. tumé n'estoit pas bien... '' 53 . Parte integrante desta "pedagogia da doçu-
Por esta razão, o Padre Claude conseguiu inserir a paráfrase do texto ra", a adaptação do missionário aos modos de vida das populações
de Jean de na dispositio do ·seu relato missionário, mostrando o índio selvagens brasileiras vem de encontro. portanto, a uma dupla herança
como objeto de análise etnográfica, sem excluf-lo , no entanto , como o fez histórica: por um lado, mais uma vez, a herança cultu ral das relações
Léry, da possibilidade de Salvação. Nem um pouco do pessimismo franco-tupis e. por outro, a herança re ligiosa, que resu lta da experiência
manifesto do huguenote quanto à conversão dos Tupinambas. portadores vivida pelos franceses ao longo dos conllitos rel igiosos que dividiram a
da maldição de Cam, muito m nos da condenação do destino co lonial Eu ropa no século XVI.
francês no Brasil, encon t.ram-se no relato do Capuchinho so. É, também, no interior deste mesmo quadro missionário de apologia
à predicação doce - e, por extensão, de colonização não violenta -
que deve ser encarada a condenação por Claude d'Abbeville das cruel-
46 CLAUD D'ABB Vlll • Histol ro de la M lsslon , pp 313·3 1311'.
47 Patricoa O Olckason poopõo quo a "experi ' ncoa bra ileira· de ahanças comerci<HGcontribuiu do<lemon tc pr;ra a
dades cometidas pelos portugueses contra os índios. Longe, portanto,
lormaçêo d e um onodelo ba seado nos is1 mo de aloanças e de l oocas comerciais. e que foi aplicado ao Canadl), de qualquer discussão politico-teológica sobre a Conqu ista, esta atitude
gararnindo uma predomlnaocia dos l ranceso no lràfico de peles. durenlo todo o p rlodo em que eslfveram
presen1es no x1remo none do continen te am rooano. P O . DICKASON. "Th • Brozilian Connection; a Look ai
11 Orlgin ot Fr nch T chniquesloo Treding wilh Am rindians"; In· Revue Françaisc d ' Histoire d"Outre-Mcr, 1
LXXI (1 4), n• 2()11·2 5. p 129 a 146
4 posslv I tamb m qu esta postur • 1n lógica· nvnro l lo /ollt ola 1rlbutária d uma od a hzoç~o d solvafi m lo• or.or n d Indo ulado com o rnol do sp nhol ou I " ou pnduo Cl. r LESTRIN ANT, op. cll.,
brasll oro, I sullado toh r lar' das 1 ntatovas lmnc • "nbortodo d . Slabel c omento coloni I no e r oi la a pp. 127·128 ' . .
I se d omnd p rl on ncio proposto p01 r ra11k LE TRINGANT. Lo hugu not ot lo Sauv ago. Paris. Aux Amal'urs 51 PROSP RI, A - 11 mos•ionooio" , on VILLIIRI , R roo(dor) L Uomo bnrocco. n. dtloro Lntooza, 199 1. . 180.
d Llvr s. 1900 p 272. 52 CLAUO O'ABB Vl lL . op. ciL, p 70·70'!'' .
~9 Vod Mlc h I DEC ·R U. "' : ln · r phoo,t'ooulit ou r 5P dcl'au trt. 1\ry", ln L' c rlturodoi' Histolr ,I arls, 53 CLAUOE D'ABI3 VllLE, 111stolrc do In M lsslon. p 3 1M' E ltlG conclu s vOe d ncontoo ni'Jm hopót s
dotioros allimaod, 1975, p . :14;> de A Prosp 11 sol~r o ideolonl ~~•on ~rao barroco ''I' s 1 lzlo non violento d lln cor~quosl p saavallltr v 1 o lo
50 Somente nos anos 15801 ri a ocor11do. ~ g 11rodo Fnnk Lostrlng nt. urna "vu ada" do ideologia pollli ca prol s10111 con touziono di un ropporto d•dalll .o, cll lns gnomeuto. ch olf omn1ion d llo upooloritâ do i proprlo supera"
ern tunçao d uma polltoca de cclontlOQ o Foi o r> olor doi qu , nos moro. ro lormodos. ll conver libilid od d (PROSPEf1t. 11. art.c ll ., p . tS6) .

39
38
é fruto de uma lusotobia implicada no sistema de alianças amistosas, que
favorecia o modelo econômico rrancês ap licado ao Brasil.
Claude d'Abbeville - assim como seu correl igionário Yves d'Evreux
- demonstra não ter encon trado resistências à co nversão por parte dos
se lvagens brasileiros. Aliás , os Tupinambas aparecem, nos re latos de
ambos Capuchinhos. dotados de palavra. para poderem, eles próprios,
denunciar não somente a empresa do diabo sobre suas almas e a
.escravidão a que os portugueses submetiam seus corpos , mas para
enunciar também seu desejo de conversão e de sujeição ao Reino de Lis.
O Novo e o Velho
Longe deste contexto idea l e idealizado, Gandavo foi an tes de tudo
um propagandi sta de la colonização portuguesa. Foi vítima, inclusive, da
no Pensamento
própria "falta de cu riosidade" que denuncia em seus compatriotas: cético Econômico Brasileiro
quanto às capacidades de entendimento e de aprendizagem da doutrina
cri stã pelos índios, mostra-se radicalmente incapaz de conceber os
hábitos indfgenas enquanto "singularidades admiráveis"s 4 . A obra de
Gandavo, inserida na "mentalidade teológico-polftica" da Conquista ibé-
rica 55 , vem anunciar um modelo cu ltu ra l qu difere totalmente daquele JOÃO ANTdNIO DE PAULA
Professor pesquisador do Ct:Dl:PLARIFACê! UFMG
proposto - com as devidas dife renças - pe lo hug uenote Jean de Léry
e pelos Capuchinhos Claude e Yves.
Assim, o ideal literário exaltado pelo gramático português é a própria
confirmação dos desígnios da Providência na reali zação do "destino RESUMO O artigo busca, em primeiro lugar, estabelecer os limites e
cristão e português" da terra descoberta 56 . Gandavo possuía a resposta especificidades do pensamento social latinoamericano à luz dos vários
ao_~roblema que l~vantava : somente a literatura - e as implicações constrangime ntos históricos que se têm interposto ao desenvolvimen to da
mult1plas da recepçao de uma prod ução literária consequentc - poderia
reg ião. Num segundo momento busca-se captar as especificidades do
produzir a d.istância necessária para a construção de uma ficção que pensamento econômico brasi leiro detectando-se a permanência de uma
realizasse a 1magem de uma Conquista log icamente justa.
tensão teórica, polftica e ideológica central, que, inicialmente, opunha
"metalislas X papelistas", e que assumiu vários nomes e a partir da ! que,
em última instânc ia, sign ifica hoje a contradição entre os que querem as
retormas democrát ico-popu lares, os que querem a distribuição da renda.
riqu eza , poder e informação e os que não as querem de modo algum.

Palavras-chave Pensamento Econômico Brasileiro - liberalismo X inter-


vencionismo - neoliberalismo X reformas democráti co-popu lares.

ABSTRACT The paper intends, first of ali. to establish the limits and the
specificities ot the Latin American Social Thought in light of the historical
con straints that have been placed against the d velopment of that region .
Second ly, lhe paper tries to capture lhe specificities oi th e Brazilian
54 Estu noçtio conflrm?da pot uma s " d lilutos d obr,IS Ir lncosrts, dentre elas a d Claude d'Abbevi ll 0 0
de André Thevet. ss1m como pot todo uma tradiç o cultuull renasccnt isto. que arinya o m•g na r ranQél com Economic Thought by detecling a permanent centraltheoreti cal, po litical
o obra de Thev 1. gLmrd•Ao do ·catlll1et s Song,otarit cz du Rooaux Tuíl ries·. Vid o cxç 11 nt artogo d Fr nk
L STRINGANT "Foliun 9 d lo Gtngulontó a la R IIHissanc I g nre d n 1'/solnrlo" . itY Studl franco I ... 84 and ideal gica l tension that. inilially, opposed "melalistas X papelistas" ,
anno XXV III. lasc 111. ~ pt ·d c . 1 1.1~. pp . •115-43 . ' ' eventually adopling various other names lo. ultimately, loday, encompass
55 Cl. J A. HANS N, art. cll ., p ~
56 Idem, p. 53 lhe contradicti on between Lhose who want popular-democratic reforms

40 VAR IA HISTORIA, B e lo Horizonte, n~ 16, Set/96, p.41 · 56 41

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