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Um livro com 200 anos: a Farmacopeia Portuguesa (edição oficial): a publicação da

primeira farmacopeia oficial: Pharmacopeia Geral (1794)


Autor(es): Pita, João Rui
Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra
URL URI:http://hdl.handle.net/10316.2/41812
persistente:
DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/2183-8925_20_3

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JOÃO RUI PITA’ Revista de Historia das ideias
Vol. 20 (1999)

UM LIVRO COM 200 ANOS: A FARMACOPEIA PORTUGUESA


(Edição oficial)
A publicação da primeira farmacopeia oficial:
Pharmacopeia Geral (1794) **

1. Introdução
Em 1997 foi publicada a última farmacopeia oficial portuguesa:
a Farmacopeia Portuguesa VI - edição oficial - (*), constituída por um
único e grosso volume e editada pelo Ministério da Saúde/Infarmed.

* Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra. Centro de


Estudos Interdisciplinares do Século XX.
** Este trabalho resulta do aproveitamento de alguns elementos
incluídos na nossa dissertação de doutoramento intitulada A Farmácia na
Universidade de Coimbra (1772-1836). Ciência, ensino e produção de medicamentos
no Dispensatorio Farmacêutico, 2 vols.+anexos, Coimbra, Tese de doutoramento,
1995, 624 PP-+265 pp.. O estudo relativo à primeira farmacopeia oficial
portuguesa corresponde à segunda parte do vol. 1. Recomendamos a sua
leitura aos interessados num estudo mais pormenorizado do tema, bem como
a consulta dos anexos que constituem o voi. 3 da nossa dissertação. Este
trabalho foi adaptado em livro, pelo que se recomenda, também, a sua leitura:
João Rui Pita, Farmácia, medicina e saúde pública em Portugal (1772-1836),
Coimbra, Minerva (Colecção Minerva História), 1996, 574 pp.. Esta obra foi,
como referimos, o resultado da adaptação de um trabalho académico; por
isso, foi aliviada nas notas de rodapé, o texto foi trabalhado de modo a
torná-lo mais acessível ao público e de mais fácil leitura e manuseamento,
tendo sido apenas publicada uma pequena parte dos anexos.
(’) Farmacopeia Portuguesa VI, Edição oficial, Lisboa, Ministério da Saúde/
Infarmed, 1997.

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Revista de Historia das Ideias

Trata-se da sexta farmacopeia oficial portuguesa, redigida por uma


comissão oficial nomeada especificamente para essa função. De acordo
com o Conselho de Administração do Infarmed(2), na introdução da
obra, "a publicação da Farmacopeia Portuguesa VI marca uma fase
nova nas actividades da Comissão da Farmacopeia Portuguesa, sendo
a primeira a ser editada, na totalidade, sob a responsabilidade do
Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (Infarmed)(3). Mais
adiante, na mencionada introdução, o mesmo Conselho de
Administração refere o seguinte: "cabe à Farmacopeia Portuguesa
um papel de enorme importância no complexo sistema de garantia
de qualidade do medicamento, ao estabelecer, através das suas
monografias, os requisitos a que devem obedecer fármacos, matérias-
primas, outras substâncias de uso farmacêutico, métodos analíticos"(4).
A nova Farmacopeia Portuguesa, na senda dos objectivos propostos na
primeira farmacopeia oficial portuguesa, pretende ser um livro
fundamental na normalização da produção medicamentosa em
Portugal. De facto, uma farmacopeia é, precisamente, isto: um livro
oficial que normaliza os diversos aspectos relacionados com a
produção medicamentosa, as matérias-primas necessárias a essa
produção bem como um conjunto de ensaios diversos fundamentais
na dinâmica da produção de medicamentos. Na esteira das primeiras
farmacopeias oficiais surgidas no mundo, na continuação das
farmacopeias contemporâneas, bem como da própria definição de
farmacopeia, esta é editada para servir num país ou numa zona
territorial. Por isso se pode falar de Farmacopeia Portuguesa, de
Farmacopeia Britânica, de Farmacopeia Francesa, de Farmacopeia
Helvética e, também, de Farmacopeia Europeia. Uma outra
característica fundamental das farmacopeias oficiais é a sua revisão
periódica. Por isso se define, então, farmacopeia como "compilação
oficial (revista e actualizada periodicamente) que contém a

(2) Sigla do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento que é


um serviço personalizado do Ministério da Saúde cujas "atribuições[...]
prosseguem-se nos domínios da disciplina e controlo da produção,
distribuição, comercialização e utilização de medicamentos de uso humano e
veterinário e de produtos sanitários" (Decreto-Lei n° 353/93, de 7 de Outubro,
Artigo 2°).
(3) Farmacopeia Portuguesa VI, ob. cit., p. V.
(4) Farmacopeia Portuguesa VI, ob. cit., p. V.

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Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

nomenclatura dos medicamentos, a sua composição, os seus efeitos,


etc."(5). As primeiras farmacopeias surgidas nas comunidades
profissional e científica não eram obras de cariz oficial. Isto é: eram
obras redigidas por sujeitos individuais que, entendendo que os seus
conhecimentos e as suas compilações científicas eram úteis,
publicavam os trabalhos. Estes eram, posteriormente, adoptados ou
não pelos diversos médicos e boticários. Ficaram famosas, na Europa,
algumas farmacopeias como, por exemplo, a Pharmacopoeia Londinensis,
a Pharmacopoea Wirtenbergica, a Pharmacopoea Borussica, a Pharmacopoea
Edimburgensium, a Pharmacopoeia Matritensis, a Pharmacopoeia
Augustana, etc.
A nova farmacopeia oficial portuguesa tem a sua origem na
Pharmacopeia Geral publicada em 1794, editada em Lisboa e redigida
por Francisco Tavares, médico e lente da Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra. Esta farmacopeia, enquanto livro oficial,
foi a única a ser publicada no século XVIII(6). No decurso do século
XIX publicaram-se duas novas farmacopeias: o Codigo Pharmaceutico
Lusitano, cuja primeira edição teve lugar em 1835, sendo seu autor o
médico Agostinho Albano da Silveira Pinto. A outra farmacopeia

(5) Nova Enciclopédia Larousse, vol. 10., s.l., Círculo de Leitores, 1997, p.
2924.
(6) Sobre as farmacopeias oficiais portuguesas, de 1772 a 1935 vide o
artigo de J.P. Sousa Dias, "De Pombal ao Estado Novo: a Farmacopeia
Portuguesa e a história (1772-1935)", Medicamento, história e sociedade, nova
série, Lisboa, 4(6), Jul. 1995, pp. 1-8. Neste artigo, em nota, é feita uma
revisão sobre a bibliografia mais relevante sobre as farmacopeias portuguesas.
Sobre as farmacopeias portuguesas, em geral, vide os trabalhos de F. Carvalho
Guerra; A. Correia Alves, "Breve notícia histórica sobre as farmacopeias
portuguesas até ao século XIX", in História e Desenvolvimento da Ciência em
Portugal, voi. 2, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1986, pp. 815-834 e
o clássico trabalho de R. Folch y Andreu, "As farmacopeias portuguesas",
Notícias Farmacêuticas, Coimbra, 10(3-4), 1943, pp. 201-253. Sobre as
farmacopeias portuguesas, em geral, podem consultar-se, ainda, outros
trabalhos, embora de menor dimensão do que os já referidos como, por
exemplo, os seguintes: Joaquim Rosendo, Farmacopeias portuguesas, Lisboa,
Ed. Lab. Vicente Ribeiro & C., 1952; José A. Damas Mora, "Breve nota sobre
as farmacopeias escritas em português", Revista Portuguesa de Farmácia, Lisboa,
29(4), 1979, pp. 358-363. Sobre outros trabalhos respeitantes à história da
literatura farmacêutica portuguesa em finais do século XVIII, inclusivamente
farmacopeias, vide a bibliografia anexa à nossa dissertação de doutoramento.

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Revista de Historia das Ideias

oficial portuguesa publicada no decurso do século XIX - a Farmacopèa


Portugueza - foi editada em Lisboa no ano de 1876. Esta obra foi
redigida por uma comissão, o que foi inovador numa farmacopeia
oficial portuguesa. Esta farmacopeia manteve-se em vigor durante
mais de meio século, até à publicação da quarta farmacopeia oficial
portuguesa, cuja primeira edição data de 1935(7). Esta farmacopeia
(que teve edições em 1936 e um suplemento em 1961) foi substituída
pela quinta farmacopeia oficial portuguesa, obra em vários volumes
(primeiro volume publicado em 1986)(8), de muito difícil consulta e
manuseamento, que resultou, tal como a farmacopeia de 1997, de
uma adaptação para Portugal da congénere europeia.

2. Século XVIII: um século de farmacopeias

Foi no decurso do século XVIII que a literatura farmacêutica


portuguesa, especificamente a edição de farmacopeias, atingiu um
regime editorial até então nunca conseguido. Esta proliferação de
literatura técnico-científica destinada à aprendizagem da arte de
boticário bem como à execução prática dos medicamentos e estudo,
colheita e conservação das matérias-primas, bem como à prescrição
medicamentosa, não só se revelou mais intensa durante o século
XVIII como se mostrou mais articulada com o exercício da profissão
farmacêutica e com os avanços operados na terapêutica medica­
mentosa.
As farmacopeias escritas em português datam precisamente
do princípio do século XVIII. Em 1704, D. Caetano de Santo António,
cónego regrante de Santo Agostinho, radicado no Mosteiro de Santa
Cruz de Coimbra, publicou nesta cidade a primeira edição da sua
Pharmacopea Lusitana(9), obra que abriu uma nova página na história
da farmácia portuguesa e, num sentido mais amplo, na própria história
da medicina portuguesa. Foram remetidos, então, para plano
secundário os textos publicados até então por Zacuto Lusitano e

(7) Farmacopeia Portuguesa IV, Edição oficial, Lisboa, Imprensa Nacional


de Lisboa, 1935.
(8) Farmacopeia Portuguesa V, Edição oficial, Lisboa, Imprensa Nacional-
Casa da Moeda, 1986 (Io volume).
(9) Cf. Caetano de Santo António, Pharmacopea Lusitana, Coimbra,
Impressão de Joam Antunes, 1704.

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Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

Francisco Sanches(10), e que nunca assumiram no decurso do século


XVIII a relevância dos textos que se lhes seguiram.
De 1704 a 1785 foram publicadas em Portugal diversas
farmacopeias. O que se passou em Portugal estava em sintonia com
o que vinha acontecendo nos países europeus cientificamente mais
avançados que Portugal(n). Retenhamo-nos, como exemplo, na
Espanha, nação geograficamente próxima de Portugal. Deve dizer-
se, desde logo, que a Espanha teve, também, tradições nas descobertas
marítimas e significativas tradições na produção de obras no domínio
da história natural nos séculos XVI e XVII. Foi, também, no decurso
do século XVIII que se deu nesse país a grande explosão de edições
de farmacopeias(12). Inicialmente essas obras tiveram uma orientação
regional e, mais tarde, no decurso do século XVIII surgiu a
vulgarização das farmacopeias oficiais.
Em Portugal, as farmacopeias publicadas entre 1704 e 1785
não conseguiram o estatuto de texto oficial. Foi em 1794 que teve
lugar a publicação da primeira farmacopeia oficial portuguesa. Foi
editada para cumprir o que estava determinado nos Estatutos da
Universidade de Coimbra de 1772(13). Assim, no decurso dos noventa
anos que medeiam entre a publicação da primeira farmacopeia
portuguesa, a referida Pharmacopea Lusitana(14), e a publicação da

(,0) Cf. J.P. Sousa Dias, Inovação técnica e sociedade na farmácia da Lisboa
setecentista, Lisboa, Tese de doutoramento, 1991, p. 93.
(n) Cf. Glenn Sonnedecker, "The founding period of the U.S.
Pharmacopeia. I. European Antecedents", Pharmacy in History, Madison, 35(4),
1993, pp. 151-162. Sobre a origem da farmacopeia americana, vide do mesmo
historiador da farmácia, Glenn Sonnedecker, "The founding period of the
U.S. Pharmacopeia. II. A National Movement Emerges", Pharmacy in History,
36(1), 1994, pp. 3-25 e "The founding period of the U.S. Pharmacopeia. III.
The first edition", Pharmacy in History, 36(3), 1994, pp. 103-122.
(12) Cf. Juan Esteva, "Las Farmacopeas Hispanas", in Jose Luis Gomez
Caamaño, Professor de Historia de la Farmacia de Barcelona, Barcelona, Facultad
de Farmacia, 1980, pp. 103-138.
(13) Cf. Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), voi. 3, Coimbra,
Universidade, 1972, pp. 133-134.
(u) Cf. R. Folch y Andreu, "As farmacopeias portuguesas", art. cit., pp.
204-206; Inocencio Francisco da Silva, Diccionario Bibliographico Portuguez,
voi. 9, Lisboa, Imprensa Nacional, 1870, p. 2.

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Revista de História das Ideias

primeira farmacopeia oficial foram publicadas diversas farmacopeias


diferentes, tendo algumas dessas obras diferentes edições(15).
Assim, em 1704 foi publicada a referida Pharmacopea Lusitana.
Esta obra teve edições posteriores em 1711, 1725 e 1754. A primeira
foi editada em Coimbra e impressa por Joam Antunes. A farmacopeia
de 1711 foi editada em Lisboa depois do religioso ter trocado Santa
Cruz de Coimbra pelo Mosteiro de São Vicente de Fora; foi impressa
em Lisboa no Real Mosteiro de São Vicente de Fora. A edição de 1725
foi impressa, igualmente, em Lisboa, na Officina de Francisco Xavier
de Andrade. A partir da segunda edição da obra apercebemo-nos
duma maior sensibilidade do autor para as questões químicas,
relativamente à primeira edição. Tanto assim é que no rosto da obra
de 1704 indica-se como sub-título "método prático de preparar e
compor os medicamentos na forma galénica com todas as receitas
mais usuais", enquanto que na edição de 1711 se refere "método
prático de preparar os medicamentos na forma galénica e química".
A edição de 1754 teve lugar em Lisboa no Mosteiro de S. Vicente de
Fora(16).
Em 1713 foi publicada a Pharmacopea Bateana da autoria do
médico da família real inglesa Jorge Bateo(17). Esta obra foi traduzida
do latim para português pelo referido Caetano de Santo António. De
acordo com o tradutor, era urgente a divulgação em língua portuguesa
daquele texto para que a utilização e o acesso à produção de
determinados medicamentos fosse mais fácil. E, assim, inscreveu na
farmacopeia que: "lendo-a achei nela tão excelentes receitas que as
comuniquei a alguns sapientíssimos professores assim da medicina,
como da farmacêutica, os quais me pediram as mandasse imprimir.
E como a farmacopeia é escrita em latim [...] me resolvi em fazer a
tradução em idioma pátrio, porque se a mandasse imprimir em Latim,

(15) Cf. R. Folch y Andreu, "As farmacopeias portuguesas", art. cit., pp.
201-253.
(16) Sobre a botica do Mosteiro de S. Vicente de Fora vide: João Rui Pita;
J.P. Sousa Dias, "A Botica de S. Vicente e a Farmácia nos mosteiros e conventos
da Lisboa setecentista", in A Botica de S.Vicente de Fora, Lisboa, Associação
Nacional das Farmácias, 1994, pp. 19-25.
(17) Jorge Bateo, Pharmacopea Bateana, Lisboa, Officina Real Deslandesiana,
1713.

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Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

nada fazia de novo, nem utilizava tanto aos naturais, a quem desejo
servir" (18).
Em 1716, João Vigier faz publicar a Pharmacopea Ulyssiponense
"obra onde, pela primeira vez, se ensina de forma sistemática a
preparar medicamentos químicos"(19). Trata-se de uma das
farmacopeias mais significativas da história da farmácia portuguesa
uma vez que marca a introdução nestas obras, de um modo criterioso,
da medicação química. Atendendo à importância e ao significado
dos medicamentos químicos, deve realçar-se o significado da edição
desta obra.
No ano de 1735, o boticário Manuel Rodrigues Coelho publicou
a primeira edição da Pharmacopea Tubalense(20). Tudo parece indicar
que esta farmacopeia foi a que maior divulgação teve no nosso país
no regime das farmacopeias não oficiais(21). Esta obra encerra um
vasto e completo inventário de matéria médica e, ainda, um completo
formulário. Neste formulário as preparações farmacêuticas encontram-
se divididas por grupos tendo a classificação por base a forma
farmacêutica.
Em 1766 foi publicada a Pharmacopea Portuense(22). Foi seu autor
o cirurgião António Rodrigues Portugal. A obra tem a sua base,

(18) Jorge Bateo, Pharmacopea Bateana, ob. cit., (Prólogo, páginas não
numeradas). Confrontámo-nos, ainda, com uma outra edição da Farmacopeia
Bateana: a Farmacopea Batearía, augmentada com os segredos Goddardianos de
Jonathan Goddardo, Medico celeberrimo Londinense [...], Pamplona, Por los
Herederos de Martinez y à su Costa, 1763.
(19) Cf. J.P. Sousa Dias, "João Vigier e a introdução da química
farmacêutica em Portugal", Medicamento, História e Sociedade, Lisboa, 2(5),
1987, p. 1.
(20) Cf. Manuel Rodrigues Coelho, Pharmacopea Tubalense, Lisboa, Of.
António de Sousa da Silva, 1735.
(21) Cf. João Rui Pita; J.P. Sousa Dias, "L'influence de la pharmacie et de
la chimie françaises au Portugal au XVIIIe siècle: Nicolas Lémery", Revue
d'Histoire de la Pharmacie, Paris, 41(300), 1994, pp. 84-90. Esta obra surge
posteriormente em 1751 e em 1760. Cf. J.P. Sousa Dias, Inovação técnica e
sociedade na farmácia da Lisboa setecentista, ob. cit., p. 127 ss.
(22) Cf. António Rodrigues Portugal, Pharmacopea Portuense, Porto,
Officina de Francisco Mendes Lima, 1766. Sobre esta farmacopeia vide o
artigo de Luís de Pina, No segundo centenário da primeira farmacopeia portuense,
de António Rodrigues Portugal (1766-1966), Sep. O Médico, n° 847,1967.

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Revista de Historia das Ideias

fundamentalmente, em fórmulas inscritas em farmacopeias


estrangeiras como, por exemplo, as farmacopeias de Londres, de
Edimburgo e de Paris. O autor não fez nenhum inventário das drogas
iniciando, desde logo, por ordem alfabética, a descrição das diferentes
formas farmacêuticas. A última parte da farmacopeia inscreve um
"Index das doenças". Este não é mais do que um inventário de
diversas patologias com a respectiva terapêutica, tendo por base os
medicamentos referidos na primeira parte da farmacopeia.
Em 1768 foi publicada a Pharmacopea MeadianaÇ23). Foi seu autor
o médico inglês Ricardo Mead. Nesta obra, com apenas setenta e
duas páginas, as fórmulas estão agrupadas de acordo com a função
terapêutica e não com a forma farmacêutica, como acontecia na
maioria dos outros textos semelhantes.
O boticário beneditino João de Jesus Maria publicou em 1772,
a Pharmacopea Dogmática(24). Esta obra é constituída por dois tomos
onde se trata com pormenor das matérias-primas úteis à produção
medicamentosa, bem como das próprias preparações farmacêuticas.
Em 1785, o médico e boticário Manuel Joaquim Henriques de
Paiva, publicou a Farmacopèa Lisbonense(25), obra que teve uma segunda
edição modificada em 1802(26). Refira-se que em 1791 Henriques de
Paiva traduziu e adaptou a Pharmacopoeia collegii regalis medicorum
londinensis(27). A propósito das obras de Henriques de Paiva convirá
salientar que a Farmacopèa Lisbonense, juntamente com a obra do
médico e lente de Matéria Médica e Farmácia da Universidade de
Coimbra, José Francisco Leal, Instituições ou Elementos de Farmácia(28),

(23) Cf. Ricardo Mead, Pharmacopea Meadiana, Porto, Officina de Francisco


Mendes Lima, 1768.
(24) Cf. João de Jesus Maria, Pharmacopea dogmatica medico-chimica, e
theorico-pratica, Porto, Officina de Antonio Alvares Ribeiro Guimar, 1772.
Sobre esta farmacopeia veja-se o estudo de A.C. Correia da Silva, "Frei João
de Jesus Maria e a Farmacopeia Dogmática", Revista Portuguesa de Farmácia,
Lisboa, 29(3), 1979, pp. 272-279
(25) Manuel Joaquim Henriques de Paiva, Farmacopèa Lisbonense, Officina
de Filipe da Silva e Azevedo, 1785.
(26) A segunda edição da obra foi publicada em Lisboa, impressa na
Officina Patriarcal de João Procopio Correa da Silva, em 1802.
(27) Pharmacopoeia collegii regalis medicorum londinensis, Olisipone, Ex
Typograf. Regalis Academiae Scientiarum Olisiponensis, 1791.
(28) Cf. José Francisco Leal, Instituições ou Elementos de Farmácia, Lisboa,
Officina de Antonio Gomes, 1792.

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Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

constituem autênticos precursores da farmacopeia de Tavares. Estas


duas obras constituem, em conjunto, uma verdadeira farmacopeia, a
última, pode dizer-se assim, publicada antes da edição da farmacopeia
oficial de 1794 - a Pharmacopeia Geral(29). A farmacopeia de Paiva
constitui o formulário medicamentoso e o inventário das drogas,
enquanto que a obra de José Francisco Leal constitui o tratado de
técnica farmacêutica inerente a qualquer farmacopeia. Daí o interesse
de Henriques de Paiva em fazer publicar a obra de Leal após o
falecimento do lente de Coimbra. Havia a garantia de que a obra
completava a que ele havia lançado ao público em 1785, prestándo­
se, assim, um serviço à saúde pública do nosso país.
Nestes textos encontram-se plasmados dois aspectos que, do
ponto de vista institucional, merecem a nossa atenção: em primeiro
lugar a tomada de consciência por parte dos autores da necessidade
de existência de uma farmacopeia oficial; em segundo lugar, a tomada
de consciência de que a publicação de uma farmacopeia ultrapassava
os limites da farmácia e da terapêutica: era declaradamente um
assunto de interesse sanitário público, não sendo nossa intenção neste
trabalho realizar um estudo sobre a farmacopeia de Paiva e as
modificações que foram operadas na obra, na passagem da primeira
para a segunda ediçãoí30).
Todas estas obras surgem num período de notável significado
na história da farmácia e na história da medicina, muito em particular
na história das ciências e das profissões sanitárias em Portugal(31),
designadamente para a farmácia, para a produção medicamentosa e
para o conhecimento das matérias-primas utilizadas na sua
preparação. Na realidade, a introdução da química na preparação de

(29) Assim o entendemos e provámos na nossa dissertação de


doutoramento: João Rui Pita, A Farmácia na Universidade de Coimbra (1772-
1836). Ciência, ensino e produção de medicamentos no Dispensatorio Farmacêutico,
voi. 1, ob. cit., Parte II, p. 194 ss.
(30) Sobre este assunto vide João Rui Pita, A Farmácia na Universidade de
Coimbra (1772-1836). Ciência, ensino e produção de medicamentos no Dispensatorio
Farmacêutico, ob. cit., sobretudo p. 194 ss. e os anexos.
(31) Sobre a farmácia em Portugal nos finais do século XVIII vide João
Rui Pita, “La farmacia en Portugal a finales del siglo XVIII", in Patricia
Aceves Pastrana, La química en Europa y America (siglos XVIII y XIX) - Estudios
de historia social de las ciencias químicas y biológicas, México, Universidad
Autónoma Metropolitana, 1994, pp. 69-92.

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Revista de Historia das Ideias

medicamentos e a utilização de um arsenal terapêutico cada vez mais


enriquecido com os novos fármacos provenientes dos continentes
descobertos pelos europeus, com especial destaque para as drogas
americanas, davam oportunidade a que as farmacopeias se tornassem,
sucessivamente, mais completas, mais rigorosas e, por conseguinte,
de maior facilidade de utilização. A polifarmácia, característica do
galenismo mais genuíno, tinha tendência a ser arredada das
preparações medicamentosas e da própria literatura farmacêutica e
terapêutica. A tendência era para que as fórmulas medicamentosas
se tomassem cada vez mais simples no que respeita ao número de
constituintes e, simultaneamente, mais específicas e eficazes no que
dizia respeito à sua actuação no organismo. Mas, para isto, era,
obviamente, fundamental o abandono gradual da tradição galénica
polifarmacèutica que, em Portugal, na segunda metade do século
XVIII ainda se encontrava declaradamente vigente.
A tradição química e à influência lemeriana que, entretanto,
tivera o seu ascendente na ciência farmacêutica, sucedeu-se, em
Portugal, a linha do boticário francês Baumé, sem dúvida um dos
nomes que mais terá influenciado a escassa literatura farmacêutica
portuguesa de finais do século XVIII e, necessariamente, o ensino de
farmácia. A tradicional polifarmácia galénica confrontada com o
advento e a utilização sistemática de novas drogas e com a medicação
química, via-se tendencial e gradualmente arredada dos mais
prestimosos, úteis e formativos livros médico-farmacêuticos - as
farmacopeias. Com os Estatutos pombalinos da Universidade de
Coimbra, em 1772, o galenismo médico-farmacêutico ficava
oficialmente arredado do ensino universitário(32).
A este propósito, convirá salientar que o culminar do século
XVIII e os inícios do século XIX vieram a revelar-se extremamente
férteis e de grande desafio à ciência e à doutrina farmacêutica, pese
embora a pouca inovação proveniente do interior da própria ciência
farmacêutica. A fertilidade apontada foi, notoriamente, muito superior

(32)A este propósito vide o que nos é transmitido nos Estatutos


pombalinos da Universidade de Coimbra no que respeita ao "Curso médico".
Aqui temos como denominador comum esse sentido de afastamento
sistemático de toda a tradição médico-farmacêutica galénica. Cf. Estatutos da
Universidade de Coimbra (1772), voi. 3, ob. eit., pp. 6-140.

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Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

àquela que se verificou na primeira metade do século XVIII(33). Deve


lembrar-se que a revolução química lavoisieriana teve consequências
únicas no progresso da farmácia. Recorde-se, também, que o
isolamento dos princípios activos a partir de substâncias naturais, no
início do século XIX, teve, igualmente, uma importância extrema na
farmácia e na terapêutica. Saliente-se, ainda, que na primeira metade
do século XIX as grandes doutrinas médicas que sucederam ao
tradicional galenismo, nomeadamente as de Cullen, de Brown e de
Broussais, necessitavam, também, de inovadoras orientações
científicas. Todos estes desafios científicos tiveram, sem dúvida,
reflexos directos ao nível da nomenclatura farmacêutica e da
introdução de novas matérias-primas para a preparação de
medicamentos, repercutindo-se, em última instância, também, na
resolução de problemas terapêuticos.
Se no decurso do século XVIII algumas das principais questões
das farmacopeias se colocavam em redor de uma maior ou menor
adesão a uma química farmacêutica ou a uma tradição galénica, no
virar do século e início do século seguinte os problemas que se
equacionavam prendiam-se, por exemplo, com uma nova concepção
química e com um novo conceito de doença.
A nosso ver foi fundamental para a publicação das farmacopeias
portuguesas não oficiais, desde 1704 a 1794, a necessidade de se
normalizar o conhecimento dos simplices e de se definirem regras
claras para a produção e conservação medicamentosa. Na verdade,
as diversas farmacopeias atrás referidas pretendiam satisfazer as
necessidades terapêuticas. Pretendiam fazê-lo dando a conhecer
algumas das fórmulas mais recentes e mais utilizadas no estrangeiro
e divulgando pelas comunidades médica e farmacêutica os mais
actualizados conceitos relativos aos medicamentos e à produção
medicamentosa. Mas, atendendo a que estas farmacopeias não eram
oficiais, essa divulgação era feita de acordo com um critério pessoal,
o do autor, e não em função de uma tendência normalizadora por
parte do Estado, como é inerente a uma farmacopeia oficial.
Ora, o terreno científico existente nos finais do século XVIII,
fundamentalmente o que era proporcionado pelas ciências de fronteira
com a farmácia, era, na verdade, propício a um investimento numa

(33)Cf. G. Folch Jou, Historia de la Farmacia, 2a ed., Madrid, 1957, pp. 271
e 272.

57
Revista de Historia das Ideias

obra de carácter geral e oficial - uma farmacopeia oficial. O terreno


social e, sobretudo, o tecido sanitário público carcaterístico de finais
do século XVIII, e que teve no português Ribeiro Sanches(34) figura
pioneira, era, igualmente, propício ao aparecimento de uma
farmacopeia oficial. Isto é: de uma farmacopeia que, em última
instância se deveria assumir como uma "tendência normalizadora da
prática higienista"(35). Se voltarmos ao exemplo espanhol, verificamos
que foi em pleno século XVIII, ainda na sua primeira metade, que se
publicaram as primeiras farmacopeias oficiais: em 1739 a primeira
edição da Pharmacopeia Matritensis(36) e, mais tarde, em 1794, a primeira
edição da Pharmacopoea Hispana(37), precisamente no mesmo ano em
que foi publicada a primeira farmacopeia oficial portuguesa: a
Pharmacopea Geral.

3. A sugestão de Manuel Joaquim Henriques de Paiva

Na parte preliminar da edição de 1785 da sua farmacopeia -


Farmacopèa Lisbonense - Manuel Joaquim Henriques de Paiva realça,
desde logo, a importância das farmacopeias para a ciência médica,

(34) Cf. Maximiano Lemos, Ribeiro Sanches. A sua vida e a sua obra, Porto,
Eduardo Tavares Martins, 1911; Luís de Pina, A marca setecentista de Ribeiro
Sanches na história da higiene político-social portuguesa, Sep. de O Médico, voi.
283,1953.
(35) João Rui Pita; Ana Leonor Pereira, "Liturgia higienista no século
XIX. Pistas para um estudo", Revista de História das Ideias, Coimbra, 15, 1993,
p. 460.
f36) Consultámos a segunda edição desta farmacopeia: Pharmacopeia
Matritensis, 2a ed., Matriti, Typis Antonii Perez de Soto, 1762. Nesta edição
refere-se de modo inequívoco que a obra tinha como destinatários todos os
boticários de Espanha que a partir daquele momento deveriam segui-la como
livro oficial na preparação de medicamentos galénicos e químicos (Cf.
Auxiliatoria del Real, y Supremo Consejo de Castilla; para que todos los
Professores Boticarios se arreglen en la composición de los Medicamentos,
por lo dispuesto en la Pharmacopea Matritense, & c., páginas não numeradas).
(37)Vide: Juan Esteva, "Las farmacopeas Hispanas", in Jose Luiz Gomez
Caamaño, Professor de Historia de la Farmacia en la Facidtad de Farmacia de
Barcelona, ob. cit., pp. 103-138. Sobre o contexto da historia da farmácia
espanhola veja-se a recente obra de F.J. Puerto Sarmiento, El mito de Pamaceia
- Compendio de Historia de la Terapéutica y de la Farmacia, Madrid, Ediciones
Doce Calles, 1997.

58
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

considerando, também, que tal importância ultrapassava o domínio


exclusivamente científico. Era, também, uma questão do campo da
medicina social e política. Assim, refere: "A grande importância das
farmacopeias nacionais para a medicina, e os benefícios, que delas
percebe o Estado são tão conhecidos, e indubitáveis, que julgo
supérfluo demorar-me em os mostrar"(38). Certamente que Henriques
de Paiva se reportava ao binómio robustez física de uma população
como sinónimo da pujança sócio-económica de um povo. De resto,
esta posição que é característica do iluminismo médico está, igual­
mente, patente em diversos textos médicos, nomeadamente nos
grandes domínios da medicina preventiva da primeira metade do
século XIX como, por exemplo, nalguns trabalhos de Bernardino
António Gomes ou de Inácio António da Fonseca Benevides sobre a
vacinação. Para Henriques de Paiva, quanto mais normalizada
estivesse a produção medicamentosa, mais razoável seria, natural­
mente, a cobertura sanitária da população, com melhores rendimen­
tos e, certamente, com mais baixos custos no que concerne ao
dispêndio com as matérias-primas necessárias à preparação dos
medicamentos.
De acordo com Henriques de Paiva era dever dos "colégios" e
das "faculdades", bem como dos professores de medicina e de
farmácia a elaboração de um texto oficial deste tipo sempre
devidamente corrigido e aumentado nas suas sucessivas edições. Para
Henriques de Paiva a execução de uma "farmacopeia nacional", para
utilizar as suas palavras, obedecia, precisamente, aos propósitos de
uma adequada e actual política sanitária. Neste particular, Henriques
de Paiva mostrava-se extremamente cáustico em relação à
Universidade de Coimbra. Para ele, o terem passado treze anos sobre
a publicação dos Estatutos da Universidade que estipulavam a
execução de uma farmacopeia oficial para todo o Portugal e o facto
de ainda não ter tido lugar a publicação de qualquer texto, tinha
consequências funestas para a saúde em Portugal, pese embora a
existência, como dizia o autor, de "motivos talvez justos, os quais me
não importa averiguar"(39). Nesta sequência, Henriques de Paiva foi
mais longe dizendo que até ao momento nenhum médico havia escrito

(38) Manuel Joaquim Henriques de Paiva, Farmacopèa Lisbonense, ob. cit.,


1785, "Prefação" (páginas não numeradas).
(39) Idem, ibidem, "Prefação" (página não numerada).

59
Revista de Historia das Ideias

alguma obra que: "coopere para se atalharem ou diminuirem os


funestos efeitos, que se originam dos abusos a que anda sujeita a
farmácia praticada por imperitos, ou por pessoas que se regulam
pelas farmacopeias reprovadas pela mente dos Estatutos já citados,
concorrendo pouco para os fazer mais gerais, o desconhecimento das
línguas latina, francesa, e outras vivas, em que se acham escritas
algumas obras deste género; as quais, posto que não satisfaçam
inteiramente ao que requerem as desta natureza, são contudo muito
menos defeituosas, que as consultadas nestes reinos pelos nossos
boticários, e até pelos médicos menos hábeis'^40).
A nosso ver, o que o autor nos pretende transmitir é, na
verdade, a importância de uma obra deste tipo enquanto instância
normalizadora de determinada área do saber médico - a conservação
das matérias-primas e a produção medicamentosa e, simultaneamente,
enquanto referente acessível, do ponto de vista da língua, aos
utilizadores. O que Paiva nos quer transmitir, em última instância, é
que uma obra daquele género, para poder ser apreendida na sua
totalidade, devia ser escrita numa língua que todos dominassem -
neste caso, a portuguesa. E, por isso mesmo, adianta que este motivo
constituiu uma das linhas orientadoras da elaboração da sua obra
Elementos de Chimica e Pharmacia "nos quais se contêm não só os
princípios, as regras, e os preceitos gerais de ambas as ciências, mas
também as experiências, e operações respectivas com os seus usos, e
explicações"(41). Para o autor, a Farmacopèa Lisbonense, sendo "uma
colecção dos Simplices, Preparações, e Composições as mais eficazes,
e de maior uso na Medicina"(42) correspondia a uma farmacopeia de
cariz fundamentalmente prático em que não se abdica do rigor que
deveria ser colocado numa obra daquela natureza.
Na primeira edição desta farmacopeia, tendo em conta as
palavras finais de Manuel Joaquim Henriques de Paiva, apercebemo-
nos da sua moderna perspectiva no que concerne à elaboração de um
tratado farmacêutico. Paiva é defensor de uma redução substancial
do arsenal terapêutico e, por conseguinte, da diminuição da
complexidade das preparações farmacêuticas, em oposição à

í40) Idem, ibidem, "Prefação" (página não numerada)


(41)Manuel Joaquim Henriques de Paiva, Farmacopèa Lisbonense, ob. cit.,
1785 "Prefação" (página não numerada).
(42) Idem, ibidem, "Prefação" (página não numerada).

60
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

polifarmácia galénica. Deste modo, no que respeita especificamente


ás formas medicamentosas, que estão agrupadas por formas
farmacéuticas, o autor, inclui fórmulas com reduzido número de
componentes, pormenorizando o modo operatorio, em contraste com
o nulo ou quase inexistente capítulo das indicações terapêuticas.

4. Os Estatutos da Universidade de 1772 e a instituição da primeira


farmacopeia oficial portuguesa

Nos Estatutos pombalinos da Universidade de Coimbra


concernentes à Faculdade de Medicina, especificamente no Título
VII, capítulo I, parágrafo 9 inscreve-se, a propósito da Congregação
da Faculdade de Medicina, o seguinte: "Também pertencerá à sobre­
dita Congregação a composição da Farmacopeia Geral do Reino; e as
adições, e reformações futuras. E, conforme a dita farmacopeia, serão
instruídos, examinados, governados, e visitados, por quem Eu for
servido ordenar, todos os boticários de qualquer estado, e condição
que sejam. Ficando proibidas, depois da publicação dela, todas e
quaisquer outras Farmacopeias compostas por Colégios, Faculdades,
ou professores de medicina, e farmácia; ou sejam nacionais, ou sejam
estrangeiros, para que nenhuma delas possa mais servir de regimento
aos boticários; sendo todos obrigados a praticar segundo o método
estabelecido na Farmacopeia do reino ordenada pela Congregação
da Faculdade"(43).
Deste modo, ficavam lançados os alicerces institucionais para
a publicação da primeira farmacopeia oficial portuguesa, isto é, de
uma obra que, no domínio específico da farmácia e, em sentido mais
lato, no terreno da saúde pública, regulasse o exercício profissional e
normalizasse tecnicamente determinada área médica - a produção
medicamentosa - conferindo-se, assim, à Universidade poderes para
regular determinadas áreas da saúde pública.
A publicação deste texto revela-se como um dos sinais de maior
expressão da tutela do Estado na resolução de problemas sanitários,
de resto uma das facetas mais significativas do iluminismo médico.
Subjacente à publicação daquele texto havia, precisamente, a intenção
de regular ou normalizar tanto o ensino como as práticas técnica e
profissional e, por isso mesmo, se afirma, expressamente, nos Estatutos

(43) Estatutos da Universidade de Coimbra ( 1772), voi. 3, ob. cit., p. 133.

61
Revista de História das Ideias

pombalinos que "esta obra é de grandes consequências, como base


da Medicina prática"(44) o que se articula com o sentido dinamizador
do espírito experimental na Universidade de Coimbra preconizado
pela reforma pombalina da Universidade(45), muito particularmente
dos estudos médicos^*6).
O que se encontrava projectado nos Estatutos pombalinos(47)
sobre a execução da farmacopeia oficial é, na verdade, indicador da
relevância que os legisladores davam à publicação oficial deste texto,
havendo sinais inequívocos do rigor normalizante que os mentores
da reforma achavam que devia ser dado a uma obra daquele género.
Antes de mais, indicava-se que a discussão em torno da obra seria
imprescindível, tornando-se indispensável não só a atenção de todos
os membros da Congregação mas, também, o empenho de outras
pessoas que estivessem em posição de poder contribuir para a

(44) Idem, ibidem, p. 133.


(45) Sobre as ciências exactas na reforma pombalina da Universidade
veja-se, por exemplo, Rómulo de Carvalho, "As ciências exactas no tempo de
Pombal", in Como interpretar Pombal? No bicentenário da sua morte, Lisboa,
Edições Brotéria, 1983, pp. 215-232.
C6) Sobre a reforma pombalina dos estudos médicos e farmacêuticos
veja-se: João Rui Pita, Farmácia, medicina e saiide piiblica em Portugal (1772-
1836), ob. cit., pp. 37-168. Sobre o ensino farmacêutico e médico na
Universidade de Coimbra em tempo anterior à reforma pombalina da
Universidade vejam-se os trabalhos seguintes: Guilherme de Barros e Cunha,
"O ensino farmacêutico na Universidade de Coimbra. Sua criação e evolução
até à reforma de Hintze Ribeiro (1902)", Notícias Farmacêuticas, Coimbra, 4(1-
2), 1937, pp.67-89; João Rui Pita, "Farmácia", in História da Universidade em
Portugal, voi. 1, tomo II (1537-1771), Capítulo V - "O saber: dos aspectos aos
resultados", Coimbra, Universidade de Coimbra/Fundação Calouste
Gulbenkian, 1997, pp. 875-882; Fernando Taveira da Fonseca, "A medicina",
in História da Universidade em Portugal, voi. 1, tomo II (1537-1771), Capítulo V
- "O saber: dos aspectos aos resultados", Coimbra, Universidade de Coimbra/
Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 835-873.
(47) Sobre a relação dos Estatutos pombalinos da Universidade de
Coimbra com a publicação da primeira farmacopeia oficial portuguesa, veja­
se o estudo de João Rui Pita, "The first official Portuguese pharmacopeia and
the University statutes 1772", in John Hyacinth de Magellan Conference - On
physical sciences in the XVIII century, Coimbra, Departamento de Física da
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 1994, pp.
199-205.

62
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

execução daquela obra que se queria prática e rigorosa. Só depois de


todas estas etapas terem sido ultrapassadas, só depois de ouvidos
todos os intervenientes ou, como se indica nos Estatutos, “pela confe­
rencia de todos"(48), seria possível elaborar uma conclusão sobre o
grande plano para a construção e publicação da farmacopeia; e, uma
vez aprovado o plano da obra, a Congregação deveria acompanhar
intensamente os trabalhos de redacção do texto. Por isso se escrevia
nos Estatutos pombalinos que "assim que na Congregação da Facul­
dade se forem executando as partes da dita Obra, se irão lendo nas
Juntas da Congregação Geral; e emendando onde for necessário,
segundo as reflexões, e avisos, que fizeram os Deputados dela; e
forem julgados dignos de atenção. O mesmo se praticará com
quaisquer adições, e reformações, que para o futuro se houverem de
fazer" (49).
Os Estatutos preconizavam um plano de revisão e correcção
da obra, um projecto tendente a actualizar a farmacopeia, sem dúvida
reflexo da dinâmica própria do mais genuíno espírito científico
experimental que, de facto, foi denominador comum em toda a
reforma pombalina; revisões e correcções que não abrangessem apenas
aquela edição que se encontrava em vias de concretização mas
também, todas as suas "adições"(50). De resto, a nosso ver, este espírito
de actualização da farmacopeia portuguesa é, certamente, a base
pioneira do aparecimento da Comissão Permanente da Farmacopeia
Portuguesa, actualmente em vigor.

5. A dupla face da farmacopeia: ensino e saúde pública

Além deste sentido de actualização sistemática da obra, o


legislador foi igualmente determinado ao declarar a obrigatoriedade
da farmacopeia para o exercício da profissão farmacêutica. Assim, o
objectivo de normalização e de organização de um sector da saúde
relacionado com a saúde pública - as boticas - e da produção
medicamentosa traduz, na verdade, o grande sentido inovador da
farmacopeia não só do ponto de vista médico-farmacêutico, mas,
igualmente, do ponto de vista político. Apercebemo-nos, pois,

(4H) Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), vol. 3, ob. cit., p. 133.


(49) Idem, ibidem, p. 133.
(50) Idem, ibidem, p. 134.

63
Revista de História das Ideias

claramente, do interesse do Estado na resolução de determinados


problemas sanitários e do poder que neste particular foi atribuído à
instituição universitária como órgão tutelar na dinâmica da saúde
das populações. Aliás, os Estatutos de 1772 adiantavam ainda que
"nenhum boticário poderá usar de outra alguma edição, que não seja
feita pela mesma Faculdade. E para isso assim constar; todos os
exemplares, que se venderem, serão assinados pelo Director; e todos
aqueles, que usarem de algum exemplar, sem a dita assinatura, terão
as mesmas penas, que são estabelecidas contra os charlatães, e
falsificadores de remédios"(51).
Esta posição normalizadora da Pharmacopeia Geral(52) ficou ainda
mais acentuada no Alvará(53) que autorizou a sua publicação, o que
só veio a acontecer passados vinte e dois anos. Esta perspectiva que é
visível no texto oficial reflecte, aliás, toda a dinâmica que se pretendia
imprimir, em termos político-sanitários, à actividade médico-
farmacêutica.
Com efeito, o sentido da medicina política, que teve em Johann
Peter Frank o grande impulsionador nos finais do século XVIII, pode
também ser identificável em toda a preocupação tutelar do Estado na
resolução de problemas farmacêuticos directamente relacionados com
a saúde pública. E é lícito dizer que o racionalismo setecentista se
fazia sentir em toda a dinâmica médico-farmacêutica, em toda a
problemática em tomo da questão das farmacopeias e que apresenta
a marca da articulação do poder político com o poder médico, em
sentido amplo. Não admira, pois, que o sentido normalizador
anunciado pelos Estatutos da Universidade de 1772 se encontre muito
mais incisivamente explícito no texto daquele Alvará, no qual se
protesta e denuncia com grande veemência a falta de organização
que reinava nas boticas portuguesas: "sendo-me presente a desordem,
com que nas boticas de meus reinos, e domínios se fazem as
preparações, e composições, por falta de uma farmacopeia, que sirva

(51) Idem, ibidem, p. 134.


(52) Pharmacopeia Geral para o reino, e domínios de Portugal, 2 vols., Lisboa,
Regia Officina Typografica, 1794.
(53) Alvará de 7 de Janeiro de 1794. Vide, também, sobre a primeira
farmacopeia oficial portuguesa o trabalho de Ana Luísa Janeira; Ana Maria
Carneiro, "Quando uma rainha regulamenta o bem-estar dos seus fiéis
vassalos", Prelo, Lisboa, 6,1985, pp. 95-103.

64
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

para regular a necessária uniformidade, das ditas preparações, e


composições; sendo certo, que sem que haja esta uniformidade, é
impossível que a medicina se pratique sem riscos de vida, e saúde de
meus fiéis vassalos, deixando-se à vontade, e capricho de cada um
dos boticários adoptar diferentes métodos de compor, e preparar os
remédios de toda, e qualquer farmacopeia, ou ela seja de
Universidades, Colégios Médicos, ou de pessoas particulares"(54).
O Alvará de 7 de Janeiro de 1794 é, também, inequívoco quanto
a um outro dos objectivos imediatos da edição da farmacopeia - o da
normalização do ensino farmacêutico em Portugal: "que esta mesma
farmacopeia seja para instrução de todos os que aprenderem a Arte
Farmacêutica, dos quais nenhum poderá examinar-se, depois do
tempo competente de prática, sem que seja segundo os Elementos de
Farmácia, e segundo o método de preparar, e compor cada um dos
medicamentos conteúdos na dita Farmacopeia Geral, mostrando um
perfeito conhecimento de uma, e outra coisa, assim como dos simples,
pelo modo, que nela se descrevem" (55).
Ao referir-se ao "tempo competente de prática", certamente
que o legislador não distinguia entre o ensino integrado na
Universidade e o que era ministrado fora dela. Indica-se apenas o
tempo de prática. Ora, nesta perspectiva, a farmacopeia oficial não só
pretendia servir de livro base para o bom ensino dos estudantes do
curso universitário, mas pretendia, também, servir de suporte para a
aprendizagem feita em boticas particulares; neste sentido, ela pode
assumir-se como um denominador comum nas duas estruturas de
ensino farmacêutico e, portanto, como um elo de articulação entre os
dois regimes de acesso profissional até então vigentes.
No que respeita a outro dos seus objectivos - o da norma­
lização da produção medicamentosa, o que se encontrava subjacente
à lei era, precisamente, a uniformização de conceitos não apenas ao
nível científico mas também no terreno da prática profissional. Por
isso, se determinava que, após a publicação daquele Alvará "todos
os boticários serão obrigados a ter um exemplar da farmacopeia, o
qual deverão apresentar tanto nas visitas gerais, como nas particulares,

í54) Alvará de 7 de Janeiro de 1794.


(S5) Idem.

5 65
Revista de História das Ideias

debaixo das penas, que em outro lugar sou servida declarar"(56). Deste
modo, a partir de então, não só o preçário dos medicamentos ficava
sujeito às normas de regimentos apropriados, mas também, a
produção medicamentosa passava a ser regulamentada, do ponto de
vista técnico e científico. Se esta perspectiva teve, por um lado,
consequências económicas, pois somente poderia ser vendido aquilo
que era produzido de acordo com a farmacopeia, por outro lado,
exigiu um maior rigor científico na produção medicamentosa e na
conservação dos símplices. Pensamos, pois, que a publicação deste
texto valorizou cientificamente a profissão farmacêutica.
Mas, o Alvará de 1794 ainda se mostrou mais exigente quanto
ao sentido de obrigatoriedade da obra: não só exigia a existência de
um exemplar em todas as boticas portuguesas como também proibia
a preparação de medicamentos por outras farmacopeias. E não era só
aos boticários que estava legalmente vedado o acesso a outras farmaco­
peias; também os médicos eram obrigados a prescrever, exclusiva­
mente, pela Pharmacopeia Geral: "depois da publicação desta farmaco­
peia, proibo não somente que os boticários preparem, e componham
medicamentos por outra alguma farmacopeia, mas também que
nenhum médico, ou cirurgião possa receitar qualquer preparação, ou
composição debaixo de títulos gerais, que nela se não contenham"(57).
Do ponto de vista científico, sendo a farmácia e a matéria
médica domínios específicos da medicina, o facto de se proibir a
prescrição médica de acordo com outros textos que não o da farmaco­
peia oficial, veio contribuir, ainda mais, para a valorização científica
da farmácia. Não se tratava, pois, de um simples livro de base para
os boticários, considerados como profissionais de uma arte subalterna.
Pretendia-se, também, dirigir uma obra para os profissinais de uma
arte doutrinal - a medicina - que conferia graus e títulos académicos
e que estava incomparavelmente mais dignificada que a de boticário.
Ao vocacionar um texto deste género para médicos e ao impor
determinadas condições à prescrição dos medicamentos, valorizava-
se, de facto, a farmácia enquanto ciência e consequentemente, também,
a própria arte de preparar os medicamentos. l

l56) Idem.
(57) Idem.

66
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

6. A autoria da farmacopeia. Um problema resolvido

Na escassa bibliografia da história da farmácia portuguesa algo


se tem escrito sobre a autoria da primeira farmacopeia oficial
portuguesa - a Pharmacopeia Geral. Pelo facto de esta obra não vir
assinada, algumas especulações sobre a responsabilidade da sua
execução têm sido avançadas, algumas das quais sem qualquer
fundamento cientificamente válido. Com frequência se admite a
probabilidade da sua autoria pertencer ao lente da Faculdade de
Medicina da Universidade de Coimbra - Francisco Tavares - mas
sempre em termos que colocam em dúvida a certeza de tal atribuição.
Expressões como "parece ter sido o seu autor"(58), "se indica ter sido
seu autor"(59), "um professor benemérito se deu ao trabalho de
coordenar uma Farmacopeia'^60) e "passa por autor da farmaco­
peia"^1) são na verdade equívocas. Coloca-se em causa a autoria da
obra. Julgamos que os argumentos utilizados podem resultar, em
parte, de uma visão apaixonada e nem sempre esclarecida do historial
da profissão farmacêutica, bem como da ausência de investigações
profundas e rigorosas sobre a história da farmácia. Mais: neste
particular, a voz de Pedro José da Silva parece-nos ter dado o mote
para que se tenha levantado a desconfiança sobre a autoria da obra.
Julgamos, contudo, que o posicionamento deste primeiro historiador
da farmácia portuguesa emerge de um duro campo de batalha
resultante do conflito profissional entre farmácia e medicina e que
norteava, de facto, visões apaixonadas e parciais(62) sobre a profissão

(58) Cf. José Ramos Bandeira, "Bosquejo histórico do ensino de farmácia


em Portugal", Boletim da Faculdade de Farmácia, Coimbra, 33,1973, p. 35.
(5y) Cf. Guilherme de Barros e Cunha, "O ensino farmacêutico na
Universidade de Coimbra. Sua criação e evolução até à reforma de Hintze
Ribeiro (1902)", art. cit., p. 84.
(“) Cf. Cândido Joaquim Xavier Cordeiro, Elementos de Pharmacia, vol. 1,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1859, p. XXIII.
(61) Cf. Pedro José da Silva, Historia da Pharmacia Portugueza desde os
primeiros séculos da monarchia até ao presente, terceira memória, Lisboa,
Typographia Franco-Portugueza, 1868, pp. 47-48.
(62) A obra de Pedro José da Silva, História da Pharmacia Portugueza
desde os primeiros séculos da monarchia até ao presente, 3 memórias, Lisboa,
Tip. Franco-Portugueza, 1866-1868 é o primeiro grande texto histórico sobre
a farmácia portuguesa. Trata-se de uma obra completa, vasta e minuciosa.
Contudo, o contexto que envolveu a sua publicação era, na verdade, propício

67
Revista de História das Ideias

e ciência farmacêuticas elaboradas na segunda metade do século XIX.


Para nós, depois de nos termos debruçado sobre o assunto, não resta
qualquer dúvida de que foi Francisco Tavares(63) o autor da primeira
farmacopeia oficial portuguesa, editada em 1794.
Com efeito, na Congregação da Faculdade de Medicina de 23
de Julho de 1790 determinou-se que deviam ficar encarregados da
elaboração da primeira farmacopeia oficial portuguesa dois lentes de
medicina, Francisco Tavares e Joaquim de Azevedo, sendo
esclarecedoras as palavras nela exaradas: "Resolveu-se mais, que a
Farmacopea Universal da Nação recomendada pelos novos Estatutos
desta Universidade fosse feita pelo Doutor Francisco Tavares e o
Doutor Joaquim de Azevedo; os quais se encarregarão deste
trabalho'^64).
O lente da cátedra de Matéria Médica e Farmácia era, então,
Joaquim de Azevedo enquanto que Francisco Tavares já havia passado
pela disciplina, encontrando-se, naquele ano, a reger a cadeira de
Instituições Médico-Cirúrgicas. Uma das primeiras questões que se
poderá colocar será a de se saber porquê a atribuição da execução
daquele trabalho aos dois referidos lentes? Joaquim de Azevedo foi
um professor que não publicou e do qual não se conhecem trabalhos
de investigação ou didácticos, embora tivesse permanecido longo
tempo em funções administrativas ligadas ao hospital e à Faculdade

a todo um tipo de análises e comentários onde empoladamente se fazia uma


defesa dos ideais da profissão farmacêutica. Vivia-se um tempo em que a
tentativa de afirmação da classe farmacêutica era, na verdade, mote em todo
o texto histórico e doutrinal que se publicasse neste domínio. Por isso mesmo,
neste desenrolar de afirmação da farmácia e da sua autonomia relativamente
à medicina, encontramos como denominador comum em toda a obra de
Pedro José da Silva, precisamente esta ideia de distinção e de separação
entre medicina e a farmácia com a elevação desta, tanto científica como
profissionalmente.
(63) Vide uma biografia de Francisco Tavares em: João Rui Pita, Farmácia,
medicina e saúde pública em Portugal, ob. cit., pp. 531-544. Sobre Francisco
Tavares enquanto hidrologista, vide o estudo de Feliciano Guimarães,
"Francisco Tavares, hidrologista", Publicações do Instituto de Climatologia e
Hidrologia da Universidade de Coimbra, 9, 1947, pp. 5-53. Veja-se, também, o
seu processo de professor no Arquivo da Universidade de Coimbra - A.U.C.
TAVARES, Doutor Francisco. IV - 1°D- 9 - 2 .
(64) Cf. Actas das Congregações da Faculdade de Medicina (1772-1820), vol.
1, Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, 1978, p. 157.

68
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

de Medicina(65). Do ponto de vista científico tudo parece indicar que


se integrava na mediania dos lentes. Tavares foi, pelo contrário, um
dos lentes universitários mais prestigiados do seu tempo; a sua obra
científica é, na verdade, de grande valor, fundamentalmente pela sua
capacidade de síntese e de organização situando-se com grande
incidência nos campos da matéria-médica e da farmácia. Além disto,
Tavares movia-se bem dentro do aparelho da administração sanitária
portuguesa e do poder políticoí66).
Porquê, então, atribuir uma obra de tão grande responsabi­
lidade a duas figuras tão distintas? Parece-nos que a obra foi atribuída
em conjunto aos dois professores referidos pelo seguinte motivo: a
Azevedo porque ele era, oficialmente, o proprietário, em 1790, da
cátedra da Faculdade de Medicina que mais directamente se
relacionava com a problemática farmacêutica - a Matéria Médica e
Farmácia; a Francisco Tavares, porque ele era o lente com maiores
provas científicas dadas no domínio da matéria médica e da farmácia
e, teoricamente, a maior autoridade para dar prosseguimento a tal
projecto. Assim, se as razões que levaram a incluir Azevedo no
projecto de execução da obra foram meramente de política
institucional, as que determinaram a inclusão de Tavares foram não
só de política universitária mas, fundamentalmente, de índole
científica. Assim, se justifica, pois, que não tenhamos encontrado
qualquer outra referência a Azevedo enquanto autor da obra e a
bibliografia subsidiária a este respeito não confere a Azevedo qualquer
responsabilidade na autoria do texto(67). Todas as menções à autoria
da farmacopeia de 1794 são, igualmente, significativas no sentido da

(65)Cf. a biografia de Joaquim de Azevedo em João Rui Pita, Farmácia,


medicina e saiide pública em Portugal, ob. cit., pp. 511-513. Vide o seu processo
de professor no Arquivo da Universidade de Coimbra em A.U.C. -
AZEVEDO, Doutor Joaquim de. IV - 1°D- 6 - 1 .
J66) Cf. João Rui Pita, Farmácia, medicina e saúde pública em Portugal, ob.
cit., pp. 531-544.
(67) Sobre este assunto são, também, esclarecedoras as palavras de B.A.S.
Mirabeau ao referir-se a Joaquim de Azevedo: "não consta que tivesse
coadjuvado o dr. Francisco Tavares na composição da Pharmacopeia, para
trabalhar na qual fora nomeado em congregação de 23 de Julho de 1790" (Cf.
Bernardo António Serra de Mirabeau, Memória histórica e commemorativa da
Faculdade de Medicina nos cem anos decorridos desde a reforma da Universidade
em 1772 até ao presente, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1872, p. 265).

69
Revista de História das Ideias

atribuição da responsabilidade do texto a Francisco Tavares cujo


original da segunda parte ou cópia manuscrita se encontra na
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbraí68).
Algumas dessas referências mais declaradas são dos próprios
inventários da biblioteca do Dispensatório Farmacêutico do Hospital

C®) B.G.U.C. - Ms. 1227. A propósito deste manuscrito foi publicado no


Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, 41, 1992, pp. 265-348, um
artigo da autoria de Emília Gouveia Mariano intitulado "'Pharmacopea Geral'
Segunda parte. Dos medicamentos preparados e compostos". Este artigo foi
prefaciado por Tice Macedo, professora da Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra. Neste trabalho coloca-se a hipótese do manuscrito
ser contemporâneo da Pharmacopeia Geral (1794), podendo, eventualmente,
tratar-se de uma compilação da referida farmacopeia. Adianta-se ainda que,
de facto, se reveste da maior utilidade a transcrição do documento pelo facto
do manuscrito se encontrar degradado e, por conseguinte, se preservar através
da sua transcrição. As considerações feitas a propósito deste manuscrito
sugerem-nos alguns comentários. Em primeiro lugar, refira-se que uma
confrontação do manuscrito com a Pharmacopeia Geral pode dar indicadores
sobre a relação existente entre o manuscrito e a obra impressa. Fizemos esse
trabalho e concluímos que o manuscrito corresponde à segunda parte da
farmacopeia editada em 1794. Não se trata pois de uma compilação mas da
própria obra manuscrita podendo ter sido copiada por alguém ou podendo
ser o próprio original de Francisco Tavares (não temos dados que nos
permitam optar por uma destas duas hipóteses). Em segundo lugar, se a
obra se encontra impressa há duzentos anos, e sendo a farmacopeia uma
obra relativamente fácil de encontrar em bibliotecas especializadas de livro
antigo, a transcrição do manuscrito terá sido em vão pois já se encontra
impresso desde 1794. Em terceiro lugar, pensamos que a transcrição de
documentos de grande especificidade como o documento presente exige
cuidados especiais na sua leitura. Encontrámos no presente artigo
denominações inexistentes do ponto de vista médico-farmacêutico que
resultam de leituras pouco acertadas feitas no manuscrito. Vejamos alguns
casos, colocando-se de imediato o nome transcrito e entre parêntesis o nome
correcto: água estética (água estítica - fl. 5); emplastro de lodano (emplastro
de ladano - fl. 29 v°-30); espírito de coalharia (espírito de coqueleária - fl.
34vH); infuzão fria de guapia (infusão fria de quassia - fl. 45 v°); linimento
andino (linimento anódino - fl. 49 v°); oleo purificado (ópio purificado - fl.
66-66v°); orxatel simples (oximel simples - fl. 67); pilulas ethiossiras (pílulas
etiópicas - fl. 70 v°); pós estéticos (pós estíticos - fl. 76); trocissos brancos de
rosas (trociscos brancos de Rhazés - fl. 94v°); trocissos de magnoria (trociscos
de magnésia - fl. 94v°); xarope de ática (xarope de alteia - fl. 105 v°-106);
xarope de colahico (xarope de cólquico - fl. 107), etc..

70
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

Escolar de 1798, de 1819 e de 1834 onde é referida a Phcirmacopeia


Geral como a "Farmacopea Geral do Reino de Tavares" (69) e o próprio
Agostinho Albano da Silveira Pinto(70), o autor da segunda
farmacopeia oficial portuguesa, ao falar da obra que antecedeu a sua,
indica que o autor da farmacopeia é o mesmo da Pharmacologia
publicada em 1809, isto é, Francisco Tavares.
Portanto, pode afirmar-se que o autor da obra é, na verdade,
Francisco Tavares. Mesmo os argumento invocados por Pedro José
da Silva são insuficientes e em nada contradizem tal conclusão. Para
aquele historiador da farmácia portuguesa, seria prematuro atribuí-
la a Francisco Tavares pois a minúcia com que se encontra escrita,
bem como todos os pormenores relacionados com o formulário,
demonstravam que a obra deveria ter sido elaborada por alguém que
dominasse, na prática, os conhecimentos farmacêuticos. Ora, como o
Pai de Francisco Tavares era um credenciado boticário da cidade de
Coimbra, Pedro José da Silva inclinava-se para que a obra tivesse
sido escrita pelo Pai e não pelo filho(71).
Julgamos, porém, que a hipótese de Pedro José da Silva deve
ser posta de lado na medida em que Francisco Tavares foi dos lentes
universitários que mais trabalhou e que mais publicou nos domínios
da matéria-médica e da farmácia, tendo sido demonstrador da cadeira.
E a demonstração era a parte prática da disciplina, isto é, o contacto
com as matérias-primas, com a manipulação dos medicamentos, com
os utensílios necessários à preparação medicamentosa, com toda a
dinâmica do laboratório e da botica(72). De acordo com estas funções
Tavares conhecia, de facto, a realidade prática da botica. E, não

(6y) Cf. A.U.C. - Dispensatório Farmacêutico-Inventário, 1783 - IV-2"E-7-4-


40. (Pasta); Dispensatório Farmacêutico-Inventário, utensílios, drogas e livros do
Dispensatório Farmacêutico e do Armazém, Casa das Ervas e Cozinha anexas, 1819
- IV-2°E-7-4-45 (Livro); Dispensatório Farmacêutico - Folhas de Receita e Despesa.
Despesa com obras. Guias de remessa de dinheiro para o cofre académico de géneros.
Requisição de verbas (1784-1881) - IV-2HE-7-4-41 (Caixa).
(70) Cf. Agostinho Albano da Silveira Pinto, Codigo Pharmaceutico Lusitano,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1835, pp. V-VI.
(71) Cf. Pedro José da Silva, Historia da Pharmacia Portugueza desde os
primeiros séculos da monarchia até ao presente, terceira memória, ob. cit., pp. 48-
49.
(72) Cf. Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), vol. 3, ob. cit., pp. 122-
-123.

71
Revista de História das Ideias

esqueçamos, Tavares foi, também, lente de Matéria Médica e Farmácia,


o que obviamente se reflectiu na sua dinâmica enquanto investigador
no domínio da matéria médica, da farmácia e da hidrologia médica.
Além do mais, tratava-se de um clínico com trabalhos de investigação
publicados no domínio da aplicação de drogas ao tratamento de
determinadas doenças. Deste modo, não nos parece legítimo sustentar
que Francisco Tavares era exclusivamente um "teórico"(73) e que a
sua posição na obra era, unicamente, a de redactor do texto(74).
Contudo, o argumento científico que nos parece mais forte no
sentido de esclarecer a autoria da primeira farmacopeia oficial
portuguesa será o da confrontação da obra com dois textos pioneiros
de Francisco Tavares: o De pharmacologia libellus(75) editado em 1786 e
o Medicamentorum sylloge(76) com data de 1787.
Detenhamo-nos, para já, no primeiro destes textos, cujo
conteúdo, escrito em latim, consta de três partes, além de anexos
vários. A primeira parte trata do estudo dos recipientes e utensílios
utilizados em farmácia (Vasa, et Instrumenta Pharmaceutica), dos pesos,
das medidas e respectiva simbologia (De ponderibus, et mensuris, atqe
eorum hyeroglyficis caracteribus) e, ainda, da escolha, colheita e
conservação dos simplices (Simplicium collectio, repositio, duratio). Ora,
analisando comparativamente as duas obras, a De pharmacologia

(73) Cf. Pedro José da Silva, Historia da Pharmacia Portugueza desde os


primeiros séculos da monarchia até ao presente, terceira memoria, ob. dt., p. 48.
(74) A este propósito Guilherme de Barros e Cunha dedicou algumas
páginas do seu artigo "O ensino farmacêutico na Universidade de Coimbra.
Sua criação e evolução até à reforma de Hintze Ribeiro (1902)", Notícias
Farmacêuticas, Coimbra, 4(1-2), 1937, pp. 66-89. Sobre isso mostra-se menos
crítico do que Pedro José da Silva. Para Barros e Cunha é, na verdade,
inadmissível pensar que Francisco Tavares não teve intervenção de modo
activo e directo na elaboração da farmacopeia. Para este professor de Coimbra,
historiador da farmácia e jurista, o facto de Tavares ter frequentado a
disciplina de Matéria Médica e Farmácia bem como a possibilidade de Tavares
ter passado pela botica de seu Pai conferem garantias de que ele foi o autor
da obra.
(75) Cf. Francisco Tavares, De pharmacologia libellus academicis
praelectionibus accomadodatus, Conimbricae, Typographia Academico Regia,
1786.
(76) Cf. Francisco Tavares, Medicamentorum sylloge propriae pharmacological
exempla sistens in usum academicanim praelectionum, Conimbricae, Typographia
Academico Regia, 1787.

72
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

libellus, bem como o primeiro volume da Pharmacopeia Geral facilmente


se verifica existir uma sobreposição dos respectivos sub-capítulos e
do que neles se encontra inscrito.
Analisando, depois, a segunda parte da obra de 1786, conclui­
mos que esta parte é totalmente destinada às preparações farmacêu­
ticas (De praeparationibus pharmaceutics), tal como sucede com a
Pharmacopeia Geral. E, dentro das preparações farmacêuticas, assistimos
a uma perfeita identidade entre os dois textos, que são sobreponíveis,
tanto na estrutura como na descrição das preparações.
A terceira parte é inteiramente reservada aos medicamentos
compostos (De medicamentorum compositione, et mixtione) e mais uma
vez se observa uma sobreposição, praticamente tota^77), entre os dois
textos.
É a partir da terceira parte que as duas obras divergem:
enquanto que a De pharmacologia libellus inclui um vocabulário de
termos médicos e farmacêuticos, a Pharmacopeia Geral inclui, em anexo,
três tabelas distintas: uma relativa à dissolução de sais em água; uma
outra às afinidades de diferentes substâncias segundo Lewis; e uma
terceira referente a abreviaturas químicas.
De acordo, pois, com estes dados, poderá dizer-se que o
primeiro volume da Pharmacopeia Geral reproduz, quase inteiramente,
a obra de Tavares editada em 1786.
No que concerne ao segundo volume da Pharmacopeia, dedicado,
inteiramente, às matérias-primas necessárias à preparação medica­
mentosa, bem como aos medicamentos preparados e compostos,
reencontram-se nele, os grandes objectivos traçados pelo Medicamento­
rum sylloge, datado de 1787. Na verdade, nesta obra, ao descrever as
matérias-primas Tavares fá-lo de um modo menos preciso e
desenvolvido do que consta na Pharmacopeia Geral, embora inclua um
rol mais numeroso de matérias-primas. Perante isto, somos levados a
concluir que Tavares, ao adoptar o livro de 1787 como base para o
segundo volume da farmacopeia realizou uma triagem no que
concerne à selecção do arsenal terapêutico, o que traduz a evolução
das ideias e da prática científica do autor no sentido de se emancipar
de uma tradição galénica que englobava listas exaustivas de matérias-

(77) Na Pharmacopeia Geral não se inscrevem os conditos que na De


pharmacologia libellus se encontram discriminados.

73
Revista de Historia das Ideias

primas, muitas delas com efeitos e acções terapêuticas semelhantes e


outras destituídas de qualquer acção declaradamente farmacológica.
A segunda parte do Medicamentorum sylloge é inteiramente
destinada aos medicamentos compostos e preparados e aqui também
poderemos referir que, na sua esmagadora maioria, o texto de Tavares
serviu como base da farmacopeia.
Poderemos, assim, inferir que Francisco Tavares ao ser
incumbido da elaboração da primeira farmacopeia oficial portuguesa,
adoptou os dois textos em latim que havia publicado alguns anos
antes, traduzindo-os e fazendo publicá-los com o rosto de farmacopeia,
já que a sua junção correspondia aos parâmetros fundamentais duma
farmacopeia capaz de servir a prática profissional e o ensino.
Esta prova, de cariz exclusivamente científico, revela-se como
uma das mais consistentes para atribuir, inequivocamente, a autoria
da farmacopeia a Francisco Tavares e estabelecer uma articulação do
texto dos Estatutos pombalinos da Universidade com a execução da
obra. O facto de ter sido editada em Lisboa, porque era nessa cidade
que se encontrava a imprensa régia, não constitui motivo suficiente
para desligar a elaboração da farmacopeia da Universidade de
Coimbra, como pretendeu demonstrar Pedro José da Silva(78). Com
vinte e dois anos de atraso, o que fora preconizado pelos Estatutos
da Universidade de 1772 foi, na verdade, cumprido, designadamente
no que respeita aos objectivos a alcançar com uma obra daquele tipo.

(7íi) Para Pedro José da Silva, o facto de não haver nenhuma referência
explícita à Universidade de Coimbra, nem à Faculdade de Medicina, quer na
obra, quer no Alvará que autoriza a sua publicação são motivos suficientes
para desligar a execução da obra da instituição universitária. Para este
historiador da farmácia: "A lei que tornou legal, a Pharmacopeia Geral, foi
redigida no sentido do artigo dos estatutos, que incumbiu à faculdade de
medicina a obrigação de a fazer; porém, não só não se refere à faculdade,
mas nem mesmo à Universidade; de sorte que podemos dizer, a dita
farmacopeia é produção a que a Universidade foi totalmente estranha" (Cf.
Pedro José da Silva, Historia da Pharmacia Portugueza desde os primeiros séculos
da monarchia até ao presente, terceira memoria, ob. cit., p. 49).

74
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

7. A Pharmacopeia Geral: uma viagem pelas drogas e pelos medicamentos

A Pharmacopeia Geral(79), impressa na Regia Oficina Tipográfica,


está dividida em dois volumes escritos em português. As 128 páginas
correspondentes ao primeiro dos dois volumes apresenta, como vimos,
uma organização rigorosa, concisa e extremamente directa quanto
aos objectivos a alcançar.
Nos "conhecimentos preliminares" o autor começa por caracte­
rizar e objectivar a actividade farmacêutica, definindo-a como a parte
da química que trata do estudo, colheita, conservação das drogas e
preparação dos medicamentos ou, como expressamente diz, "Eleição,
colheita, conservação, ou reposição dos medicamentos, na sua
preparação, mistura, ou composição"(80). Nesta actividade, que
Tavares apelida indiferentemente de farmácia ou arte farmacêutica,
não deve haver distinção entre galénica e química. Para ele, não tem
cabimento falar em duas farmácias uma vez que toda a química tem
um interesse soberano na preparação dos medicamentos, com
excepção das operações que são "puramente mecânicas"(81). Tal
posição era muito avançada se a confrontarmos com os conceitos de
Baumé sobre a actividade farmacêutica e a farmácia enquanto ciência.
No seguimento desta definição, a farmacopeia inscreve o
fundamental sobre os utensílios e os recipientes utilizados na
preparação de medicamentos, listando-os e atribuindo para alguns
deles as funções respectivas dentro da dinâmica da prática de uma
botica. De imediato se passa para os pesos e medidas utilizados em
farmácia. Consoante se trate de substâncias sólidas ou líquidas assim
as unidades de medida a adoptar. E, neste particular, as unidades
adoptadas são as então universalmente aceites. No que concerne às
unidades de medida, o texto é igualmente minucioso.
Tanto nas medidas ponderais como nas unidades de volume,
consagrava-se a existência de meias unidades para concretizar
determinados aspectos da prática galénica, nomeadamente a nível
do formulário. De resto, este aspecto era abrangido pela simbologia
utilizada na representação destas unidades de medida.

(79) Pharmacopeia Geral para o reino, e domínios de Portugal, voi. 1, ob. cit..
í80) Idem, p. 1.
(81) Idem, p. 1.

75
Revista de Historia das Ideias

Após estas noções elementares, o autor entra na primeira parte


da obra, a mais curta, reservada à Eleição, colheita, reposição, e duração
dos simplices. Neste particular, reserva-se espaço para todo o tipo de
trabalho relacionado com as matérias-primas necessárias à produção
medicamentosa, dando-se destaque, às matérias-primas de origem
vegetal consideradas as que "fornecem a maior parte da matéria
farmacêutica"(82), o que, de facto, acontecia. De resto, foi esta, a posição
assumida por José Francisco Leal ao tratar dos cuidados a ter para
com as matérias-primas dos três reinos da natureza(83). Tavares
reporta-se com especificidade às partes dos vegetais, nomeadamente
às ervas, às flores, às sementes, aos frutos e aos lenhos.
A segunda parte do primeiro volume da farmacopeia é
dedicada às preparações farmacêuticas, sendo tratadas não só as
operações farmacêuticas utilizadas na dinâmica laboratorial mas,
também, as preparações delas resultantes que podem ser utilizadas
por si só ou entrar na composição dos medicamentos compostos.
Neste particular, a obra revela-se muito mais minuciosa do que as
Instituições de Leal: todo o trabalho desenvolvido em torno das
operações farmacêuticas e da descrição e e aplicação das preparações
farmacêuticas apresenta uma pormenorização que não é atingida na
adaptação portuguesa da obra de Baumé
Na terceira parte do primeiro volume, subordinada ao título
"Da Mistura, ou composição dos medicamentos", o autor desenvolve
a temática dos medicamentos compostos, isto é, daqueles que resultam
da "união de diversos medicamentos simplices [...] ou da combinação
de medicamentos já compostosi84). Numa divisão preliminar, o autor
sistematiza, quanto à consistência, três grandes grupos medicamen­
tosos: sólidos, líquidos e pastosos(85), divisão hoje ainda universal­
mente aceite numa abordagem genérica das formas farmacêuticas.

(82) Idem, p. 12.


(83) Cf. José Francisco Leal, Instituições ou Elementos de Farmacia, ob. cit.,
pp. 87-100. Vide, sobre este assunto, João Rui Pita, A Farmácia na Universidade
de Coimbra (1772-1836). Ciência, ensino e produção de medicamentos no
Dispensatorio Farmacêutico, voi. 1, ob. cit., p. 209 e ss.
(84) Pharmacopeia Geral para o reino, e domínios de Portugal, voi. 1, ob. cit.,
p. 144.
(85) A terminologia utilizada por Tavares é a de forma "líquida", "mole"
e "dura ou seca" (Cf. Pharmacopeia Geral para o reino, e domínios de Portugal,
voi. 1, ob. cit., p. 144).

76
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

Quanto às formas medicamentosas descritas por Tavares deve


salientar-se que o autor percorre cada forma por si, com grande
pormenor e rigor, ilustrando os diferentes casos com medicamentos
concretos, não fazendo, contudo, referência à sua composição que
remete para o segundo volume da farmacopeia.
Nesta terceira parte, o autor não faz qualquer tipo de distinção
entre medicamentos magistrais e medicamentos oficinais como José
Francisco Leal havia feito. Tavares junta todos os medicamentos,
declarando sobre cada um deles a definição, a técnica de preparação,
as operações farmacêuticas apropriadas, bem como todas as variações
a ter sempre presentes sobre cada forma e seu domínio técnico. Além
disso, refere as condições de aplicação do medicamento (uso externo,
uso interno ou outro) e aborda, ainda, os constituintes fundamentais
da preparação. Saliente-se o facto dos medicamentos inscritos por
Tavares não diferirem do rol medicamentoso que Leal havia adoptado
nas suas Instituições. Recorde-se que os finais do século XVIII não são
relevantes na introdução de novas operações farmacêuticas, nem na
introdução de novas formas farmacêuticas, o que só veio a verificar­
se no século seguinte(86).
A terminar o volume, inscrevem-se três diferentes tabelas com
utilidade prática na técnica laboratorial. A primeira intitula-se "Da
diversa quantidade dos vários sais de uso medicinal, que se dissolve
numa dada quantidade de água, sendo o calor da atmosfera de 50
graus do Termómetro de Farenheit, conforme as observações de
SPIELMANN"; a segunda tabela trata "Das afinidades das diferentes
substâncias, segundo Lewis"; a terceira tabela consta de uma "Lista
das abreviaturas, e caracteres químicos".
O segundo volume da obra diz respeito aos "medicamentos
simplices, preparados e compostos", isto é, das matérias-primas
necessárias à preparação dos medicamentos e, ainda, a um formulário
onde, trabalhando com as drogas devidamente identificadas e ali
inscritas e com as técnicas farmacêuticas discriminadas no primeiro
volume, se sistematiza um conjunto de fórmulas consideradas
universalmente de reconhecida eficácia terapêutica. O autor faz
salientar o facto de apenas inscrever fórmulas oficinais pois são
aquelas que já foram consagradas como eficazes e cuja conservação

(86) Cf. G. Folch Jou, Historia de la Farmacia, ob. cit., pp. 271-272.

77
Revista de Historia das Ideias

no tempo era muito superior à das formas magistrais(87) que, pela


subjectividade que apresentavam em função do critério do médico,
não constavam, propositadamente, da farmacopeia.
O segundo volume encontra-se dividido em duas partes. A
primeira trata das matérias-primas e, muito naturalmente, denomina­
se "Matéria Farmacêutica, ou dos medicamentos simplices"(88); não é
mais do que um conjunto de monografias das diversas drogas úteis
na preparação medicamentosa, seriadas por ordem alfabética,
independentemente da sua origem, tal como a tradição nas
farmacopeias europeias do tempo(89). Em todas se segue o mesmo
plano descritivo: o nome comum, outros nomes comuns por que
pode ser conhecida, a parte utilizada se se tratar de um vegetal, o
nome latino, a classificação lineana (na maioria dos casos; noutros
não se conhece a espécie); o habitat (fundamentalmente no caso dos
vegetais); a forma (caso dos vegetais); e, ainda, algumas propriedades,
nomeadamente a cor, o cheiro e o sabor. Não são tecidas, contudo,
considerações de índole terapêutica pelo que aquele inventário se
deverá considerar mais como uma minuciosa flora farmacêutica do
que propriamente um tratado de matéria-médica. Saliente-se, porém,
que o nível de desenvolvimento dado a cada monografia ultrapassa
incomparavelmente o que Henriques de Paiva havia feito na sua
Farmacopèa Lisbonense.
No total, são descritos 206 simplices diferentes, distribuídos
pelos diferentes reinos da natureza. As drogas vegetais contam com
168 elementos, seguem-se os produtos de origem mineral e química
com 26 elementos e finalmente os de origem animal com 12 simplices.
No que diz respeito às drogas de origem vegeta^90), deve referir-se
que a maior percentagem ia para as drogas da Europa e da bacia do
Mediterrâneo (67,8%), as drogas africanas e orientais tomavam uma

(87)Cf. Pharmacopeia Geral para o reino, e domínios de Portugal, voi. 2, ob.


cit., Advertencia (não paginado).
í88) Pharmacopeia Geral para o reino, e domínios de Portugal, voi. 2, ob. cit.,
1794, p. 1.
(89)Cf. Glenn Sonnedecker, "The founding period of the U.S.
Pharmacopeia - I. European antecedents", Pharmacy in History, art. cit., p.
158.
0°) Sobre as plantas medicinais da Pharmacopeia Geral, vide: João Rui
Pita, "Plantas medicinais na primeira farmacopeia oficial portuguesa
(Pharmacopeia Geral, 1794)", Munda, Coimbra, 30,1995, pp. 57-68.

78
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

percentagem de 17,9% e, finalmente, as drogas americanas


congregavam 14,3%(91). A análise destes valores mostra, de imediato,
a sua relativa identidade com os que foram apresentados na primeira
edição da Farmacopèa Lisbonense, farmacopeia que antecedeu
imediatamente a farmacopeia de 1794(92). Destaque-se, porém, o facto
de Tavares utilizar uma percentagem relativamente menor de drogas
vegetais (de 89,7% passou para 81,5 %), para favorecer a utilização
das drogas animais (aumento de 2,8%) e, sobretudo, das drogas
minerais e químicas (aumento de 5,4%). No que toca às drogas de
origem vegetal, regista-se um aumento das de origem africana e
oriental (3,3%) e, ainda, americana (4%).
Saliente-se que das 206 matérias-primas inscritas na farmaco­
peia de 1794, correspondentes aos três reinos da natureza, uma larga
maioria esmagadora já se encontrava descrita na obra de Francisco
Tavares de 1787; apenas onze produtos não constam dela, o que
indica ter o autor recuperado cerca de 95% dos simplices então referi­
dos, tendo introduzido, pela primeira vez, as seguintes drogas: ameixa,
amora, aveia, bdélio, cinosbastos, dedaleira, erva santa, ouregãos,
trevo de água (simplices de origem vegetal), estanho e vinho branco
e tinto (drogas de origem mineral e química). Por seu turno, especi­
fica melhor as quinas e a ipecacuanha que agora divide em quina e
quina vermelha, bem como em ipecacuanha e ipecacunaha branca.
No que concerne aos medicamentos compostos e preparados,
a Pharmacopeia Geral inclui um total de 304, seriados por ordem
alfabética e não segundo a respectiva forma farmacêutica ou a
operação farmacêutica conducente à sua obtenção. A metodologia
adoptada é semelhante para todos os produtos e segue a tradição da
época(93). A fórmula é inscrita (qualitativamente e quantitativamente)
em português e de imediato se passa ao modo operatório, sem serem

(91) Vide um inventário dos produtos insertos na Pharmacopeia Geral em


João Rui Pita, A Farmácia na Universidade de Coimbra (1772-1836). Ciência,
ensino e produção de medicamentos no Dispensatorio Farmacêutico, ob. cit., voi. 1
(p. 234 ss.) e anexos.
(92) Sobre os produtos e os medicamentos insertos na Farmacopèa
Lisbonense, vide: João Rui Pita, A Farmácia na Universidade de Coimbra (1772-
1836). Ciência, ensino e produção de medicamentos no Dispensatorio Farmacêutico,
ob. cit., voi. 1 (p. 194 ss.) e anexos.
(93) Cf. Glenn Sonnedecker, "The founding period of the U.S.
Pharmacopeia -1. European antecedents", art. cit., p. 158.

79
Revista de Historia das Ideias

tecidas quaisquer considerações sobre a acção terapêutica do


medicamento, tal como aconteceu com a obra de 1787. Por vezes,
indica outros nomes porque é conhecido o mesmo medicamento,
recorrendo a uma terminologia perfeitamente sintonizada com a
química pré-lavoisieriana, como acontecera, aliás, e muito natural­
mente, com os seus tratados anteriores de matéria médica e de
farmácia. Dos 304 medicamentos preparados e compostos, Tavares
recupera 252 do seu Medicamentorum Sylloge, não havendo qualquer
referência quanto à origem das outras preparações farmacêuticas.
Como Francisco Tavares inscreveu no seu tratado de matéria
médica e farmácia as fontes do seu formulário, toma-se fácil determi­
nar a base científica que orientou a sua farmacopeia. Assim, as 252
fórmulas inscritas na Pharmacopeia Geral, foram suportadas em 60%
na edição aumentada de 1776 da Pharmacopoeia Edimburgensis(9i), cerca
de 13% eram provenientes da Pharm. Suecica, cerca de 10% era inspi­
rado na obra De Pharmacologia Libellus, restando para o New Dispensa­
tory (Lewis) e para a Pharm. Londinensis um pouco mais de 3%(95).
Tavares não se preocupou em dividir os medicamentos em
compostos ou preparados. Lista-os por ordem alfabética notando-se
um grande equilíbrio na presença das diferentes preparações.

(94) Tal como se encontra na obra Pharm. Edimburgensis additamentis


aucta ab. Ern. Godofr. Baidinger, Bremae, 1776. Os autores espanhóis Quintin
Chiarlone e Carlos Mallaina (Historia critico-literaria de la Farmacia, 3a ed.,
Madrid, Semanario Farmacéutico, 1875, p. 418) referem que para executar a
Pharmacopeia Geral, Tavares se limitou a "copiar" a congénere de Londres.
Ora as monografias que seguiram a farmacopeia londrina representam na
globalidade pouco mais de 4%. Aquela que é seguida com maior incidência
é a farmacopeia de Edimburgo, que tem uma carga de praticamente 58%,
pelo que se deve considerar demasiado radical aquela observação. Por outro
lado, estes autores consideram que Tavares não teve em conta os trabalhos
dos autores portugueses. Consideramos que Francisco Tavares também não
tinha grande opção possível por boticários de Portugal uma vez que os
textos mais relevantes e que se mantiveram mais actualizados no século
XVIII são textos de autores não farmacêuticos. Por outro lado, Tavares inscreve
algumas fórmulas sem origem bibliográfica e outras referências que remete
para a sua De Pharmacologia Libellus o que nos pode transmitir, na verdade,
alguma opção original na execução da Pharmacopeia Geral.
(95) Ver a origem das fórmulas em João Rui Pita, A Farmácia na
Universidade de Coimbra (1772-1836). Ciência, ensino e produção de medicamentos
no Dispensatorio Farmacêutico, ob. cit., voi. 1, p. 244 ss.

80
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

Se descermos, entretanto, ao pormenor de distinguir, nestas


preparações, os medicamentos preparados e os compostos, verificamos
que encontraremos, respectivamente, os valores totais: 199 e 105
produtos.
As preparações farmacêuticas inscritas na Pharmacopeia Geral
são as que se encontram sistematizadas no quadro seguinte:

Preparações Farmacêuticas na Pharmacopeia


Geral (1794)

Quant. %
Águas destiladas 7 3,5
Águas destiladas espirituosas 9 4,5
Cozimentos 11 5,5
Dissoluções 14 7
Espíritos 12 6
Extractos 24 12,1
Infusões 7 3,5
Óleos destilados 8 4
Óleos por infusão 1 0,5
Polpas e sumos espessos 5 2,5
Preparações de antimonio 6 3
Preparações de chumbo 1 0,5
Preparações de ferro 4 2
Preparações de mercúrio 12 6
Preparações de prata 1 0,5
Preparações de zinco 2 1
Sais 18 9,1
Sumos e óleos por expressão 13 6,5
Tinturas e elixires 26 13,1
Vinagres e medicinais 8 4
Vinhos medicinais 10 5
Total 199 100

6 81
Revista de História das Ideias

As formas farmacêuticas que se inscrevem na Pharmacopeia Geral


encontram-se inscritas no quadro seguinte:

Formas Farmacêuticas na Pharmacopeia


Geral (1794)

Quant. %
Cataplasmas 5 4.8
Conservas 8 7.6
Electuários, confeições e bolos 5 4.8
Emplastros e cerotos 14 13.3
Emulsões 4 3.8
Linimentos 4 3.8
Misturas 6 5.7
Pílulas 11 10.5
Pós 11 10.5
Sabões 2 1.9
Trociscos 3 2.9
Unguentos e pomadas 13 12.4
Xaropes, méis, oximéis e loochs 19 18
Total 105 100

Relativamente à última farmacopeia editada imediatamente


antes de 1794, a referida farmacopeia de Henriques de Paiva -
Farmacopèa Lisbonense - verificamos que há algumas alterações: para
os extractos, há, de facto, uma certa continuidade percentual (de
13,5% passaram para 12,1%), enquanto que os sumos e óleos por
expressão ficaram reduzidos em termos percentuais a cerca de metade
do que até então se verificava (de 14,4% passaram para 6,5%). Por
outro lado, comparando ainda com a Farmacopea Lisbonense, verifica­
mos que a obra de Tavares inclui em menor percentagem as águas
destiladas (3,5% contra 8,7%), as águas destiladas espirituosas (4,5%
contra 8%), os cozimentos (5,5% em contraposição com 7,1%), bem
como as polpas e sumos espessos (2,5% em substituição dos 4,8%).
Entretanto, aumentam substancialmente ou moderadamente as

82
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

dissoluções (de 1,9% passa-se para 7%), os espíritos (de 4,5% para
6%), os sais (em vez dos 5,5% temos 9,1%), as tinturas e os elixires
(de 9,3% passou-se para 13,1%), os vinagres e os vinhos medicinais
(respectivamente de 2,9% e 3,8% para 4% e 5%). Merece, ainda,
destaque a valorização que o texto de Tavares concedeu às prepara­
ções metálicas quando comparado com o texto de Paiva. Mantendo
percentagens semelhantes para as preparações de chumbo e de ferro,
aumenta substancialmente as preparações de antimonio (de 0,3% para
1%), as de mercúrio (de 2,9% para 6%), as de zinco (de 0,3% para 1%)
e introduz derivados da prata. Daqui se deduz que Francisco Tavares
valorizou mais que Henriques de Paiva as preparações contendo
metais, reduzindo algumas preparações resultantes de operações
clássicas como as águas destiladas e os sumos e óleos por expressão
o que demonstra, de facto, uma tendência farmacêutica mais moderna
na obra do lente de Coimbra quando comparada com a do clínico de
Castelo Branco.
No que concerne aos medicamentos compostos, verificamos
que as formas farmacêuticas utilizadas por Francisco Tavares são
análogas às que Paiva havia inscrito na sua farmacopeia. A
percentagem em que os medicamentos compostos se encontram
inscritos nas duas farmacopeias dentro do total de todas as prepara­
ções farmacêuticas é semelhante: aproximadamente 34,5% (105
medicamentos) para a Pharmacopeia Geral e cerca de 34% (161
medicamentos) para a Farmacopèa Lisbonense. Tavares não inclui,
declaradamente, enquanto forma farmacêutica bem determinada, os
clisteres e os colírios, presentes na Farmacopea Lisbonense, mas introduz
os trociscos, que não figuravam enquanto forma farmacêutica nesta
segunda obra.
Podemos, ainda, concluir da obra de Francisco Tavares que
houve uma valorização das formas farmacêuticas pastosas
relativamente à Farmacopèa Lisbonense; fez diminuir a percentagem
de conservas (de 11,8% para 7,6%), electuários, confeições e bolos (de
8,1% para 4,8%), emulsões (de 8,7% para 3,8%), misturas (de 8,1%
para 5,7%), xaropes, méis, oximéis e loochs (de 26,1% para 18%) e,
ainda, linimentos (de 8,1% para 5,7%), mas aumentou a percentagem
de cataplasmas (de 3,1% para 4,8%), emplastros e cerotos (de 8,7%
para 13,3%), sabões (de 0,6% para 1,9%) e os unguentos e pomadas
(de 7,4% para 12,4%). Um aumento percentual foi, também, registado
nas misturas e nos pós (que passaram, respectivamente, de 6,2 % e
4,9 % para 10,5 %).

83
Revista de Historia das Ideias

Se do ponto de vista institucional e administrativo, a Pharmaco­


peia Geral se mostra inovadora pelos seus contributos tutelares,
profissionais e científicos, o mesmo não se poderá dizer do seu
conteúdo técnico e científico que retoma obras já publicadas;
inovadores foram, de facto, os seus tratados de 1786 e 1787, que
Tavares adoptou e adaptou criteriosamente na elaboração da
farmacopeia. Ao passar daqueles tratados para o texto oficial, a
perspectiva polifarmacèutica galénica foi tendencialmente remetida
para plano secundário, que é bem sinónimo do amadurecimento e da
actualização técnico-científica do autor(96).

8. Da Pharmacopeia Geral ao Codigo Pharmaceutico Lusitano

De 1794 a 1835 a Pharmacopeia Geral foi a única farmacopeia


oficial existente no nosso país. Durante cerca de quatro décadas a
obra de Francisco Tavares normalizou a produção medicamentosa
em Portugal. Em 1835, o Codigo Pharmaceutico Lusitano, da autoria de
Agostinho Albano da Silveira Pinto destronou a então desactualizada,
primeira farmacopeia oficial portuguesa.
A questão da sucessão da Pharmacopeia Geral reveste-se, a nosso
ver, do maior interesse porque a primeira farmacopeia oficial
portuguesa veio a lume precisamente num dos períodos mais férteis
da história da química - a revolução química lavoisieriana. As
inovações da nomenclatura química, da noção de elemento químico,

(96)M. Ferreira de Mira na sua História da Medicina Portuguesa, Lisboa,


Empresa Nacional de Publicidade, 1947, refere que a Pharmacopeia Geral
resulta de um ampliação dos tratados de Francisco Tavares, De Pharmacologia
Libellus (1786) e Medycamentorum Sylloge (1787) ou, como indica, "a
Farmacologia Geral em que reuniu e ampliou os dois trabalhos anteriores"
(pp. 325-326). Discordamos desta opinião na medida em que a Pharmacopeia
resulta não de uma simples reunião, mas de uma reunião criteriosa e selectiva.
Por outro lado, a Pharmacopeia Geral não é uma ampliação das obras, mas
antes, uma redução, tanto a nível das matérias-primas como ao nível das
preparações farmacêuticas e medicamentos compostos. Para isso é
fundamental, como realizámos, o estudo exaustivo e o levantamento das
diversas monografias das obras. No que concerne às matérias-primas,
verificamos que na Pharmacopeia elas são tratadas de um modo mais profundo
do que no Medycamentorum Sylloge. Vide, também, A. Rasteiro, Medicina e
descobrimentos, Coimbra, Almedina, 1992, p. 79.

84
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

bem como da natureza dos elementos e do problema da combustão


traziam novos dados para o terreno farmacêutico. Estes novos
conhecimentos científicos eram relevantes para diversos domínios
médico-farmacêuticos como, por exemplo, os relacionados com a
natureza das matérias-primas utilizadas na preparação dos
medicamentos e os das novas técnicas laboratoriais úteis à preparação
medicamentosa.
Em 1794, precisamente o ano da morte de Lavoisier, foi
publicada a primeira farmacopeia oficial portuguesa e foi, também,
nesse memorável ano que saiu a público a primeira edição da
Pharmacopea Hispana, a primeira obra a adoptar a moderna
nomenclatura química(97). De resto, no virar do século XVIII para o
século XIX, as farmacopeias começariam a introduzir, com maior ou
menor rapidez e extensão, os resultados práticos das novas vertentes
químicas, tal como haviam feito para as questões de sistemática ao
adoptarem as classificações lineanas. Por exemplo, a farmacopeia de
Edimburgo aderiu à nova química em 1803 e a farmacopeia de
Londres consegue fazê-lo(98) volvidos seis anos. Esta questão crucial
foi encarada pela farmácia europeia no período que, grosso modo,
coincidiu com a vigência da nossa primeira farmacopeia oficial
portuguesa. Contudo, a farmacopeia portuguesa de 1794 utilizou,
como já referimos, uma linguagem pré-lavoisieriana. Porque terá ela
permanecido tanto tempo em vigor numa época em que se sucediam
as descobertas no domínio químico com implicações directas na
farmácia? Em Espanha, país que também partilhava com Portugal
um certo afastamento dos principais centros de criação científica
quando comparado, por exemplo, com a França, o regime editorial
das farmacopeias foi declaradamente diferente: depois da publicação
da primeira Pharmacopea Hispana, em 1794 sucederam-se diversas
edições, nomeadamente em 1797, em 1803, em 1817 e, depois desta, a
quinta edição em 1865, designada por Pharmacopea Española(").

(97)Cf. Juan Esteva, "Las Farmacopeas hispanas", in Jose Luis Gomez


Caamaño, Professor de Historia de la Farmacia en la Facultad de Farmacia de
Barcelona, ob. cit., p. 117.
(9ii)Cf. Glenn Sonnedecker, "The founding period of the U.S.
Pharmacopeia -1. European antecedents", art. cit., p. 158.
(") Cf. Juan Esteva, "Las Farmacopeas hispanas", in Jose Luis Gomez
Caamaño, Professor de Historia de la Farmacia en la Facultad de Farmacia de
Barcelona, ob. cit., p. 109.

85
Revista de História das Ideias

É certo que, entre nós, no período de 1794 a 1835 outras obras


farmacêuticas foram publicadas, algumas das quais se assumiram
como formulários ou farmacopeias que, em parte ou integralmente,
pretendiam corrigir as lacunas que a Pharmacopeia Geral ia,
gradualmente, apresentando.
Vejamos como se sucederam algumas das mais relevantes
dessas obras. Em 1802 Manuel Joaquim Henriques de Paiva publicou
a segunda edição da Farmacopèa Lisbonense(10°), em que não se descendo
ao pormenor na descrição da matéria médica, se utiliza a nova nomen­
clatura química característica da, então, moderna química.
Em 1805, o boticário António José de Sousa Pinto publicou os
Elementos de Pharmacia, Chymica, e Botanica(wl), desenvolvendo o
esforço da renovação da nomenclatura química aplicada aos
medicamentos como, por exemplo, ácido carbónico, ácido sulfúrico,
ácido oxálico, óxido de ferro, carbonato de potassa, oxigénio,
hidrogénio, óxido de antimònio, borato de ferro, sulfato de zinco,
sulfato de cobre, sulfato de prata, sulfato de ferro, etc..
Ainda em 1805, António José de Sousa Pinto faz publicar a
Pharmacopea Chymica, Medica e Cirurgica(102). Esta obra, mais do que a
anterior, pretendia assumir-se como uma farmacopeia, fundamental­
mente, no que concerne aos objectivos a atingir com um texto oficial
dessa natureza. A sua linguagem é, também, muito declaradamente,
pós-revolução química e, por isso, não é de estranhar que ao falar da
calcinação indique que esta é sinónimo de oxidação e que esta “é
uma operação, pela qual os metais expostos a certo grau de calor se
convertem em óxidos absorvendo o oxigénio do ar"(103). Do mesmo
modo, ao reportar-se aos elementos químicos, o autor indica que o
fogo, o ar, a água e a terra não são considerados mais como elementos
mas que "os modernos mostraram que estes mesmos chamados
elementos eram verdadeiros compostos"(104).

(10°) Cf. Manuel Joaquim Henriques de Paiva, Farmacopèa Lisbonense, ob.


cit., 1802.
(101) Cf. António José de Sousa Pinto, Elementos de Pharmacia, Chymica, e
Botanica, Lisboa, Impressão Regia, 1805.
(102) Cf. António José de Sousa Pinto, Pharmacopea Chymica, Medica, e
Cirúrgica, Lisboa, Impressão Regia, 1805.
(103) Idem, ibidem, p. XXIII.
(1<M) Idem, ibidem, p. XXV.

86
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

Em 1819, Jacinto da Costa, cirurgião, publica a Pharmacopea


naval e castrense(105), obra em dois volumes, o primeiro dos quais trata
da matéria médica aplicada à terapêutica e o segundo se reporta à
farmácia prática. Também neste texto, muito bem arquitectado do
ponto de vista do tratamento dos termos farmacêuticos, das matérias-
primas, das operações farmacêuticas e do formulário, está presente a
nova nomenclatura instituída por Lavoisier e toda a sua escola. Por
isso, o autor esclarece, logo de início, que "dá-se a cada substância a
denominação farmacêutica, e se lhe adiciona a nova nomenclatura
química" rendendo, de imediato, homenagem aos "respeitáveis
autores"(106) Morveau, Lavoisier, Fourcroy e Bertholet, e que foram
adoptados para a nossa linguagem por Vicente Coelho de Seabra da
Silva Telles.
Em 1826, foi publicada a Materia medica e formulario pharma­
ceutico para uso dos hospitaes do exercito portuguezí}07), em que é patente
uma notável organização e actualização técnico-científica no que
concerne, especificamente, à descrição dos simplices e ao próprio
formulário galénico. Também aqui, muito naturalmente, a adesão à
química pneumática era por demais evidente, estando desde já
presentes os, então, mais recentes avanços químicos. Por isso se dizia
que: "A nomenclatura química moderna [...] está hoje geralmente
adoptada; nem podia deixar de ser assim, tendo-se mostrado, por
exemplo, que a potassa, e a soda não são corpos simples, mas sim
óxidos metálicos; que o ácido muriato oxigenado não parece ser corpo
composto, como aquele nome designa, mas sim corpo simples, que
se chama cloro; que as combinações do oxigénio se fazem em
proporções determinadas: daqui os nomes de proto, deuto, tritoxidos,
etc."(108).
Tanto ao nível das matérias-primas como das preparações
farmacêuticas encontramos aí toda uma moderna terminologia
químico-farmacêutica, de que são exemplos o acetato de amoníaco
em vez do espírito de minderer; o acetato de potassa substitui a terra

(105) Cf. Jacinto da Costa, Pharmacopea naval e castrense, 2 vols., Lisboa,


Impressão Regia, 1819.
(106) Idem, ibidem, vol. 1, p. VI.
(107) Cf. Materia medica e formulario pharmaceutico para uso dos hospitaes do
exercito portuguez, Lisboa, Impressão Regia, 1826.
(108) Idem, ibidem, pp. V-VI.

87
Revista de Historia das Ideias

foliada de tártaro; o óxido de magnésio substitui a magnèsia calcinada; a


potassa cáustica a ceder o seu lugar ao hidrato de protoxido de potàssio,
a solução de óxido de càlcio em vez da água de cal, etc..
Em 1828, foi publicado o Formulario Geral medico-cirurgico(109)
destinado ao Hospital de S. José de Lisboa, obra da responsabilidade
de médicos e de cirurgiões. Resulta de uma compilação de fórmulas
provenientes da sua experiência naquele hospital e de outras fórmulas
inscritas na Pharmacopeia Geral. Também aqui é adoptada uma
terminologia articulada com os mais modernos conceitos químicos,
falando-se, por exemplo, em ácido hidroclórico, em ácido sulfúrico,
em ácido hidrociânico e em ácido hidroclórico alcoolizado por vez
de ácido muriàtico, de ácido vitriólico, de ácido prùssico ou de espírito
de sal doce.
Em 1833, o bacharel B.J.O.T. Cabral publicou a Pharmacopea das
pharmacopeas nacionaes e estrangeiras(uo), consistindo numa compilação
de fórmulas inscritas nas farmacopeias estrangeiras mais consagradas
como as de Baumé, de Edimburgo, de França, de Espanha, de Londres
de Lewis, de Palacios, Suecica, Tubalense, Lusitana, etc.. Uma vez
mais se pretendia dar resposta a uma deficiente actualização que se
verificava em Portugal em matérias de produção medicamentosa,
como se pode aferir das palavras do autor ao dizer que a publicação
tinha em conta o "adiantamento das ciências e das artes"(m) o que
era encarado como prioritário. E essa prioridade encontrava-se mais
acentuada quando se tratava de assuntos relativos à conservação da
saúde das populações, isto é, à medicina, à cirurgia e à farmácia, ou
seja, num sentido geral, à saúde pública. Também neste caso nos
deparamos com uma nomenclatura farmacêutica moderna e articulada
com a igualmente nova linguagem química, vulgarizando-se termos
como acetatos, boratos, carbonatos, nitratos, óxidos, sulfatos, etc..
Contudo, embora as condições externas pressionassem no
sentido duma revisão da Pharmacopeia Geral, e embora pairasse no ar

(1(W) Formulario Geral medico-cirurgico para o Hospital Real de S. Joze da


cidade de Lisboa, Lisboa, Impressão da Viuva Neves e Filhos, 1828. A última
compilação e redacção deste formulário esteve a cargo do médico Sebastião
Arcanjo Pais e do cirurgião José Lourenço da Luz Gomes.
(no) Cf. B.J.O.T. Cabral, Pharmacopea das pharmacopeas nacionaes e
estrangeiras, 2 vols., Lisboa, Impressão Regia, 1833.
(in) Idem, ibidem, p. 5.

88
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

alguma ideia sobre a sua reforma ou actualização(112), o certo é que a


obra manteve-se nos mesmos moldes durante quarenta anos. Nem
mesmo as duas edições seguintes da obra de 1794 levadas a termo
em 1823(113) e 1824(U4) introduziram quaisquer alterações aos conceitos
então vigentes, tomando-se, assim, obsoletas face ao que de mais
moderno se fazia nas nações sanitariamente mais avançadas.
Esta opinião era, de resto, partilhada não só pelo próprio autor
da farmacopeia, um dos primeiros clínicos e cientistas a reconhecer a
desactualização da obra. Ao publicar em 1809(115) a sua Pharmacologia,
que teve ainda uma edição posterior em 1829(116), póstuma, o autor
sublinhava a necessidade de renovar os tratados de matéria médica e
farmácia destinados ao ensino e editados em 1786 e 1787. Nela, o
autor reformulou os anteriores tratados de farmacologia, continuou a
aplicar aos simplices a nomenclatura lineana e adoptou a nova
nomenclatura química. Contudo, nas drogas, não faz grandes
considerações sobre as suas propriedades medicinais e características
botânicas, optando apenas por classificar os produtos, atribuir-lhes
os nomes latino e comum, discriminar a parte utilizada nas
preparações medicamentosas (no caso de se tratar de um vegetal),
além de introduzir um novo ponto: o de inscrever a preparação
farmacêutica onde essa droga podia ser utilizada. No que respeita
aos medicamentos compostos, o autor também os designa pela nova

(112) Cf. Joaquim Maria Torres, Memoria ou reflexões sobre o melhoramento


do novo projecto da saude publica offerecido ao Augusto Congresso, Coimbra,
Imprensa da Universidade, 1822. Nesta obra ao referir-se à data da fundação
do Laboratório Químico da Casa da Moeda (1805), o autor indica: "Quando
se organizou este Laboratório, ouvi falar-se muito duma nova farmacopeia,
de que já então, e muitos anos antes, se conhecia a necessidade da sua
reforma", p. 26.
(m) Cf. Pharmacopeia Geral para o reino e dominios de Portugal, 2 vols.,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1823.
(lu) Cf. Pharmacopeia Geral para o reino e dominios de Portugal, 2 vols.,
Lisboa, Impressão Regia, 1824.
(115) Cf. Francisco Tavares, Pharmacologia novis recognita curis, aucta,
emendata, et hodierno saeculo accommodata, Conimbricae, Typis Academicis,
1809.
(116) Cf. Francisco Tavares, Pharmacologia novis recognita curis, aucta,
emendata, et hodierno saeculo accommodata, Conimbricae, Typographia
Academico Regia, 1829.

89
Revista de História das Ideias

nomenclatura química, inscreve a formula, qualitativa e quantitativa,


e inscreve a dose a utilizar na terapêutica. Sabendo nós que as anteri­
ores obras de farmacologia foram adaptadas para farmacopeia oficial
será lógico pensarmos que ao reformar e actualizar essas obras,
Tavares reconheceu e demonstrou a desactualização do texto oficial.
Mais claras foram as críticas feitas por Joaquim Maria Torres,
boticário pela Universidade de Coimbra. Em 1822 publicou a Memoria
ou reflexões sobre o melhoramento do novo projecto da saude publica(n7).
Aqui, o autor criticou de modo extremamente cáustico a formação de
boticários em Portugal. De resto, a posição de Torres é de nítida
desconfiança para com o regime de estudos químico-farmacêuticos
vigentes em Portugal. E, para este autor, a explicação para a perma­
nência em vigor de uma obra obsoleta resultaria do facto da edição
ainda não se encontrar esgotada e de constituir fonte de receita para
os organismos oficiais. Por isso afirmava que "como o físico-mor,
segundo também ouvi dizer, tivesse ainda uns 2.000 exemplares para
vender, que decerto iam a servir para embrulhar adubos, não foi
avante tão feliz projecto"(118), o de reformar a farmacopeia. E, mais
adiante, ao referir-se aos rendimentos do físico-mor a partir das vendas
da farmacopeia dizia: "para fartar de dinheiro um só homem, não
era preciso arriscar a saúde de toda a Nação com um livro que,
segundo o estado dos nosso conhecimentos, e desde mesmo os últimos
anos do próximo pretérito século, nem próprio é para o criado do
cozinheiro do boticário. Este livro tão monstruoso ainda hoje existe;
por ele se fazem (e se vão fazendo) fáceis os exames de farmácia e,
por conseguinte, a propagação das boticas e, deste modo, o
engrandecimento da renda dos físicos, e seus oficiais"(119).
A questão da desactualização da farmacopeia e da necessidade
da sua substituição por uma obra mais actual foi também motivo de
discussão na Congregação da Faculdade de Medicina da Universidade
de Coimbra. Recorde-se que os Estatutos da Universidade de 1772
conferiam à Universidade competência e poderes para a execução
desta obra oficial e saliente-se que nem sempre esta atribuição
administrativa era bem recebida pelo estrato profissional farmacêutico.

(117) Cf. Joaquim Maria Torres, Memoria ou reflexões sobre o melhoramento


do novo projecto da saude publica offerecido ao Augusto Congresso, ob. cit..
(118) Idem, ibidem, p. 26.
(m) Idem, ibidem, p. 26

90
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

Muito pelo contrário, as controvérsias em tomo da publicação de


uma farmacopeia oficial mereceram a atenção e a reflexão da classe
farmacêutica portuguesa sobre a própria ideia de farmacopeia, a
responsabilidade da sua execução, o âmbito da sua aplicação; etc.(120).
Assim, na reunião da Congregação da Faculdade de Medicina
de 10 de Abril de 1835(121) foi apresentada pelo então Vice-Reitor da
Universidade, Manuel António Coelho da Rocha, uma Portaria do
Ministro dos Negócios do Reino em que se determinava que a
Congregação de Medicina se pronunciasse sobre o "merecimento"
do livro Codigo Pharmaceutico Lusitano da autoria do doutor Agostinho
Albano da Silveira Pinto e cujo autor pretendia que substituisse,
para todos os efeitos, a Pharmacopeia Geral, ainda em vigor. Deste
modo, para que os diversos lentes da Faculdade de Medicina se
pudessem pronunciar sobre a idoneidade da obra, estipulou-se que
o livro fosse colocado à disposição dos mesmos durante um período
de quinze dias.
A 29 de Maio de 1835 a Congregação da Faculdade de Medicina
opinou sobre a obra que fora incumbida de avaliar, numa reunião
que foi especialmente importante para a questão da farmacopeia
portuguesa. Em primeiro lugar, porque se acentuava que a iniciativa
da execução de uma farmacopeia legal era exterior à Universidade e
que fora o próprio Silveira Pinto a oferecer a obra à Congregação de

(120) Cf. Acta n° 372, de 26 de Abril de 1849 da Sociedade Farmacêutica


Lusitana ("Extracto das Actas das sessões litterarias", Jornal da Sociedade
Pharmaceutica Lusitana, Lisboa, 5, 1948, p. 477); Acta n° 373, de 10 de Maio
de 1849 (Idem, p. 478 e 484); João José de Sousa Telles, "Necessidade de se
fazer uma Pharmacopeia verdadeiramente portugueza, e apontamentos para
servirem de base á sua confecçaõ", Jornal da Sociedade Pharmaceutica Lusitana,
Lisboa, 5(14-15), 1848, pp. 321-327; 349-358. Também se pode apreciar esta
situação de conflito através do comunicado emitido pela Congregação da
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra a 23 de Novembro de
1835 como resposta à representação do físico-mor do reino que propunha a
criação de uma comissão de quatro boticários para redigirem uma farmacopeia
oficial. A Faculdade de Medicina manifestava às entidades oficiais a sua
opinião negativa para este projecto, e aproveitava a ocasião para "pugnar
pelo Direito que ela só tem de fazer ou propor a Pharmacopea Legal do
Reino" de acordo com o que se inscrevia nos Estatutos da Universidade de
1772 (Cf. A.U.C. - Actas da Faculdade de Medicina, 1822-1841 (IV-l°D-3-l-85).
(121) Cf. A.U.C. - Actas da Faculdade de Medicina, 1822-1841 (IV-1°D- 3-1-
85).

91
Revista de Historia das Ideias

Medicina para tornar o lugar de farmacopeia oficial. Por outro lado,


reconhecia-se que era "útil e necessária" a substituição da farmacopeia
oficial vigente que a Pharmacopeia Geral "não está a par dos
conhecimentos actuáis" e que, por isso, "não pode continuar a servir
para aquele fim"(122).
No que concerne, especificamente, à avaliação da obra, adiante-
se, desde logo, que os lentes teceram os maiores elogios ao autor,
considerando-o "a par dos conhecimentos actuáis" como "credor de
reconhecimento nacional". Sobre a obra em si, consideraram que "é
útil como compêndio no ensino farmacêutico", embora, para os
boticários práticos fosse julgada demasiado avançada devido à fraca
preparação científica destes profissionais. A este propósito, são
inequívocas as palavras da Acta da Reunião da Congregação: "he
util como compendio no ensino pharmaceutico; mas que o estillo
doutrinal e scientifico, em que esta escripto, por ser pouco positivo e
aphorystico, he menos conveniente, para ser convertido em Lei, que
a pouca pericia geral dos nosso Boticarios, que nasce da falta de
cursos regulares [que não existem fora da Universidade] de ensino
pharmaceutico, para quem este tratado seria demasiadamente
scientifico, he também um consideração mt0 ponderosa, que poem
em duvida a utilidade da sua adopçaõ como lei"(123).
Para solucionar este problema da acessibilidade do livro aos
boticários portugueses, que a própria Congregação considerou de
deficiente preparação, sugeria-se que fosse adicionado ao texto original
uma "parte farmacogràfica" em linguagem declaradamente acessível.
Caso o autor acedesse, como posteriormente o fez, a estas sugestões,
a obra tomaria, como tomou, o lugar de farmacopeia oficial para o
reino de Portugal(124). E, assim, por Decreto de 6 de Outubro de 1835
o Codigo Pharmaceutico Lusitano ou Tratado de Pharmaconomia da autoria
de Agostinho Albano da Silveira Pinto(125) passou a constituir a

(122) Cf. A.U.C. - Actas da Faculdade de Medicina, 1822-1841, fl. 119 (IV-
l°D-3-l-85).
(123) A.U.C. - Actas da Faculdade de Medicina, 1822-1841, fl. 119 (IV-l°D-3-
1-85).
O24) Cf. A.U.C. - Actas da Faculdade de Medicina, 1822-1841, fl. 119-119v°
(IV-l°D-3-l-85).
(12S) Agostinho Albano da Silveira Pinto era médico da Real Câmara,
Doutor em Filosofia e desempenhou cargos como os de Director da Real
Academia de Marinha e Comércio e da Régia Escola de Cirurgia do Porto.

92
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

farmacopeia oficial de Portugal estabelecendo-se, também, que esse


livro fosse adoptado para compêndio no ensino farmacêutico(126)
sendo desse modo revogado o Alvará de 7 de Janeiro de 1794. O
Codigo Pharmaceutico Lusitano é o primeiro tratado português de
farmácia, de tipo farmacopeia, escrito em moldes modernos embora
a sua aceitação pela comunidade farmacêutica e a sua continuidade
como farmacopeia oficial nem sempre tenha sido a mais bem
sucedida(127). Todos os vestígios da tradição galénica e das teorias
especulativas em tomo da farmácia e do medicamento se encontram
arredados desta obra farmacêutica. A linguagem utilizada é declarada­
mente quantitativa; a terminologia usada na designação dos
instrumentos corresponde de facto a essa quantificação do processo
químico-farmacêutico; a nomenclatura utilizada na designação das

Cf. Jerónimo José de Mello, "Elogio funebre á memoria do Dr. Agostinho


Albano da Silveira Pinto", Jornal da Sociedade Pharmaceutica Lusitana (segunda
série) 4,1853, pp. 297-303.
(126) Cf. A.U.C. - Actas da Faculdade de Medicina, 1822-1841, fl. 131-132(IV-
r’D-3-1-85). Provavelmente só em 1836 ficou pronta a totalidade da edição
do Codigo Pharmaceutico Lusitano ou apenas neste ano terá sido distribuído,
pois somente na Acta da Congregação da Faculdade de Medicina de 19 de
Dezembro de 1836 foram distribuídos aos membros da Congregação
exemplares da obra de Silveira Pinto, a que a Faculdade agradeceu, por
deliberação na Congregação de 6 de Abril de 1837, através do seu secretário
Cesário Augusto de Azevedo (Cf. A.U.C. - Actas da Faculdade de Medicina,
1822-1841 [IV-l°D-3-l-85])
(127)Cf. Sousa Telles, "Reflexões acerca da Pharmacopêa do Dr. Agostinho
Albano da Silveira Pinto", Jornal da Sociedade Pharmaceutica Lusitana, Lisboa,
(segunda série), 5, 1854, pp. 298-306. A nomeação de uma comissão para
redigir uma nova farmacopeia que nunca veio a ser adoptada mais tarde
como texto oficial, por Decreto de 5 de Outubro de 1838, suscitou alguma
confusão sobre a validade da obra então vigente. Colocava-se a questão se a
obra perdia a validade pelo facto de ter sido nomeada uma comissão para a
execução de tal texto oficial. Por Portaria de 24 de Janeiro de 1840 (vide:
Agostinho Albano da Silveira Pinto, Codigo Pharmaceutico Lusitano, 3a ed., ob.
cit., p. XVII), reforçou-se a posição do Codigo Pharmaceutico Lusitano que se
manteve em vigor até 1876 data em que foi editada a terceira farmacopeia
oficial portuguesa. Como tivemos oportunidade de referir na nossa
dissertação de doutoramento, e que aqui reforçamos, a questão da sucessão
da segunda farmacopeia oficial portuguesa, quer do ponto de vista científico,
quer do ponto de vista institucional, é merecedora de estudo próprio.

93
Revista de Historia das Ideias

drogas refere-se directamente à natureza dessas mesmas drogas. Nesta


farmacopeia encontramos já a referência aos fármacos extraídos dos
produtos naturais - é a primeira farmacopeia oficial portuguesa onde,
de facto, constam princípios activos isolados a partir de produtos da
natureza(128). Neste particular, merece especial referência, não tanto
pela extensão do assunto mas pelo significado que comporta, o
capítulo dedicado aos instrumentos de física. Aqui o autor coloca em
primeiro lugar a balança(129), símbolo laboratorial(130) por excelência,
que marca definitivamente o início da quantificação e que traduz,
também, neste caso específico, o rigor laboratorial que se pretendia
incutir à farmácia.

Com a entrada em vigor do Codigo Pharmaceutico Lusitano


terminou a vigência da Pharmacopeia Geral. Foram mais de quatro
décadas o tempo em que a obra de Francisco Tavares serviu de norma
à prescrição médica, ao ensino de farmácia e à produção medicamen­
tosa. É certo que a sua introdução como farmacopeia oficial revelou
por parte do Estado uma das preocupações sanitárias mais relevantes

(,2íi) Cf. João Rui Pita, A Farmácia na Universidade de Coimbra (1772-1836).


Ciência, ensino e produção de medicamentos no Dispensatorio Farmacêutico, voi. 1,
ob. cit., p. 250 ss. Entre as substâncias activas mais relevantes tratadas no
Codigo Pharmaceutico Lusitano, refiram-se a brucina, a codeína, a emetina,
estricnina, a morfina, a narcotina, a piperina, etc. Saliente-se que o quinino,
substância activa de interesse fundamental na história da farmácia e na história
da medicina não foi tratado, na edição de 1835, por si próprio. É abordado a
propósito do cinchonino, tendo esta substância activa direito a monografia
desenvolvida; deve recordar-se que o cinchonino foi o primeiro alcaloide da
quina a ser isolado (1810), tendo a descoberta sido assinada pelo médico
português Bernardino António Gomes.
(129) Agostinho Albano da Silveira Pinto, Codigo Pharmaceutico Lusitano,
ob. cit., 1835, pp. 18-19.
(13°) Queremos deixar claro que a Pharmacopeia Geral, de Francisco Tavares
referia a balança no rol dos utensílios necessários à farmácia. Contudo, a sua
inclusão estava em pé de igualdade com outros instrumentos como, por
exemplo, os alambiques, os cadinhos, as espátulas, as limas, as retortas, etc.
(Cf. pp. 4 a 6) não sendo dada a relevância que Silveira Pinto lhe deu e que
traduz, de facto, o rigor laboratorial pós-revolução química. Vide: Ana Leonor
Pereira; João Rui Pita, "Ciências", in: José Mattoso (dir.), História de Portugal,
voi. 5, O Liberalismo (coord. Luís Reis Torgal; João Lourenço Roque), s. 1.,
Círculo de Leitores, 1993, pp. 652-667.

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Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

da época e mostrou o significado normalizador da prática higienista;


mas, também, não deixa de ser certo que a obra não foi redigida
propositadamente como farmacopeia, resultando de uma adaptação
de duas obras do seu autor. Ora, se atendermos a que desde o ano
em que foi preconizada até à sua publicação passaram vinte e dois
anos e se a obra nasceu como referimos pode colocar-se a hipótese de
ter sido a sua redacção uma preocupação tardia por parte das
autoridades oficiais e a entrega do trabalho a Francisco Tavares e o
modo como ele foi realizado uma solução de emergência - os dados
de que dispomos podem levar a equacionar o problema deste modo.
Por outro lado, deve referir-se que, logo à partida, a primeira
farmacopeia oficial portuguesa se mostrou desactualizada no que diz
respeito ao seu conteúdo científico, muito particularmente no que
concerne à química, então inovada em função da revolução química
lavoisieriana. E, pese embora as críticas feitas pela comunidade
científica a este propósito, inclusivamente pelo seu próprio autor -
Francisco Tavares - o certo é que se manteve em vigor até 1835. As
obras que entretanto foram publicadas, mesmo pelo próprio Tavares,
mostravam-se, então, mais actualizadas, tendo sido privilegiados
critérios de natureza institucional e, provavelmente, económicos sobre
os de ordem científica, de ordem técnica e de ordem sanitária. Será
ainda interessante salientar que mesmo em 1835 a obra adoptada
como farmacopeia oficial, o Codigo Pharmaceutico Lusitano, não teve o
seu pontapé de saída dado pelas instituições do Estado, naquele caso
da Universidade de Coimbra, como estava determinado por lei. Foi
proposta pelo seu autor, Silveira Pinto, foi proposta por uma via
externa, e aceite pelas autoridades convenientes como farmacopeia
oficial. Mais quatro décadas passaram até que tivesse sido substituída
pela farmacopeia que lhe sucedeu: a Pharmacopêa Portugueza.

Fontes e bibliografia subsidiária:

I - Fontes Manuscritas

Arquivo da Universidade de Coimbra


- Actas da Faculdade de Medicina, 1822-1841 (IV-l°D-3-l-85).
- AZEVEDO, Doutor Joaquim de. IV - 1°D- 6 - 1 .
- Dispensatorio Farmacêutico-Inventário, 1783 - IV-2°E-7-4-40 (Pasta).
- Dispensatorio Farmacêutico - Folhas de Receita e Despesa. Despesa com

95
Revista de Historia das Ideias

obras. Guias de remessa de dinheiro para o cofre académico de géneros. Requisição de


verbas (1784-1881) - IV-2üE-7-4-41(Caixa).
- Dispensatorio Farmacêutico-Inventário, utensílios, drogas e livros do
Dispensatorio Farmacêutico e do Armazém, Casa das Ervas e Cozinha anexas,1819 -
IV-2°E-7-4-45 (Livro).
- TAVARES, Doutor Francisco. IV - 1°D- 9 - 2.

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra


- Pharmacopeia geral. Segunda Parte. Dos Medicamentos Preparados
e Compostos. Ms.1227

II - Fontes Impressas

Actas das Congregações da Faculdade de Medicina (1772-1820), 2 vols., Coimbra,


Arquivo da Universidade de Coimbra, 1982-1985.
BATEO, Jorge - Pharmacopea Bateana, Lisboa, Officina Real Deslandesiana,
1713.
CABRAL, B.J.O.T. - Pharmacopea das pharmacopeas nacionaes e estrangeiras, 2
vols., Lisboa, Impressão Regia, 1833.
COELHO, Manuel Rodrigues - Pharmacopea Tubalense, Lisboa, Of. António
de Sousa da Silva, 1735.
COSTA, Jacinto da - Pharmacopea naval e castrense, 2 vols., Lisboa, Impressão
Regia, 1819.
Farmacopeia Portuguesa IV, Edição oficial, Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa,
1935.
Farmacopeia Portuguesa V, Edição oficial, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, 1986.
Farmacopeia Portuguesa VI, Edição oficial, Lisboa, Ministério da Saúde/
Infarmed, 1997.
Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), voi. 3, Coimbra, Universidade,
1972, pp. 133-134.
"Extracto das Actas das sessões litterarias", Jornal da Sociedade Pharmaceutica
Lusitana, Lisboa, 5,1948, pp. 477-480; 484-485.
Formulario Geral medico-cirurgico para o Hospital Real de S. Joze da cidade de
Lisboa, Lisboa, Impressão da Viuva Neves e Filhos, 1828.
LEAL, José Francisco - Instituições ou Elementos de Farmácia, Lisboa, Officina
de António Gomes, 1792.
MARIA, João de Jesus - Pharmacopea dogmatica medico-chimica, e theorico-pratica,
Porto, Officina de Antonio Alvares Ribeiro Guimar, 1772.
Materia medica e formulario pharmaceutico para uso dos hospitaes do exercito
portuguez, Lisboa, Impressão Regia, 1826.

96
Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa

MEAD, Ricardo - Pharmacopea Meadiam, Porto, Officina de Francisco Mendes


Lima, 1768.
PAIVA, Manuel Joaquim Henriques de - Farmacopèa Lisbonense, Officina de
Filipe da Silva e Azevedo, 1785.
Idem - Farmacopèa Lisbonense, Officina Patriarcal de João Procopio Correa da
Silva, 1802.
Pharmacopeia Geral para o reino e dominios de Portugal, 2 vols., Lisboa, Imprensa
Nacional, 1823.
Pharmacopeia Geral para o reino e dominios de Portugal, 2 vols., Lisboa, Impressão
Regia, 1824.
Pharmacopeia Geral para o reino, e dominios de Portugal, 2 vols., Lisboa, Regia
Officina Typografica, 1794.
Pharmacopoeia collegii regalis medicorum londinensis, Olisipone, Ex Typograf.
Regalis Academiae Scientiarum Olisiponensis, 1791.
Pharmacopoeia Matritensis, 2a ed., Matriti, Typis Antonii Perez de Soto, 1762.
PINTO, Agostinho Albano da Silveira - Codigo Pharmaceutico Lusitano, 3a ed.,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 1841.
Idem - Codigo Pharmaceutico Lusitano, Coimbra, Imprensa da Universidade,
1835.
PINTO, António José de Sousa - Elementos de Pharmacia, Chymica, e Botanica,
Lisboa, Impressão Regia, 1805.
Idem - Pharmacopea Chymica, Medica, e Cirúrgica, Lisboa, Impressão Regia,
1805.
PORTUGAL, António Rodrigues - Pharmacopea Portuense, Porto, Officina de
Francisco Mendes Lima, 1766.
SANTO ANTÓNIO, Caetano de - Pharmacopea Lusitana, Coimbra, Impressão
de Joam Antunes, 1704.
TAVARES, Francisco - De pharmacologia libellus academicis praelectionibus
accomadodatus, Conimbricae, Typographia Academico Regia, 1786.
Idem - Medicamentorum sylloge propriae pharmacological exempla sistens in usum
academicarum praelectionum, Conimbricae, Typographia Academico
Regia, 1787.
Idem - Pharmacologia novis recognita curis, aucta, emendata, et hodierno saeculo
accommodata, Conimbricae, Typis Academicis, 1809.
Idem - Pharmacologia novis recognita curis, aucta, emendata, et hodierno saeculo
accommodata, Conimbricae, Typographia Academico Regia, 1829.
TELLES, João José de Sousa - "Necessidade de se fazer uma Pharmacopeia
verdadeiramente portugueza, e apontamentos para servirem de
base á sua confecçaõ", Jornal da Sociedade Pharmaceutica Lusitana,
Lisboa, 5(14-15), 1848, pp. 321-327/349-358.
TELLES, Sousa - "Reflexões àcerca da Pharmacopêa do Dr. Agostinho Albano
da Silveira Pinto", Jornal da Sociedade Pharmaceutica Lusitana, Lisboa,
(segunda série), 5,1854, pp. 298-306.

7 97
Revista de História das Ideias

TORRES, Joaquim Maria - Memoria ou reflexões sobre o melhoramento do novo


projecto da saude publica offerecido ao Augusto Congresso, Coimbra,
Imprensa da Universidade, 1822.

II - Bibliografia subsidiária

BANDEIRA, José Ramos - "Bosquejo histórico do ensino de farmácia em


Portugal", Boletim da Faculdade de Farmácia, Coimbra, 33,1973, pp.
31-39.
CARVALHO, Rómulo de - "As ciências exactas no tempo de Pombal", in
Como interpretar Pombal? No bicentenário da sua morte, Lisboa,
Edições Brotéria, 1983, pp. 215-232.
CHIARLONE, Quintín; MALLAINA, Carlos - Historia critico-literaria de la
Farmacia, 3a ed., Madrid, Semanario Farmacéutico, 1875.
CUNHA, Guilherme de Barros e - "O ensino farmacêutico na Universidade
de Coimbra. Sua criação e evolução até à reforma de Hintze Ribeiro
(1902)", Notícias Farmacêuticas, Coimbra, 4(1-2), 1937, pp. 66-89.
DIAS, J.P. Sousa - "De Pombal ao Estado Novo: a Farmacopeia Portuguesa e
a história (1772-1935)", Medicamento, história e sociedade, Nova série,
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Idem - Inovação técnica e sociedade na farmácia da Lisboa setecentista, Lisboa,
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FOLCH JOU, G. - Historia de la Farmacia, 2a ed., Madrid, 1957.
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