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A MASSAGEM REICHIANA

(INTERVENÇÕES MECÂNICAS OU EMOCIONAIS)

por Pedro Castel


1- O objetivo do artigo.

O objetivo deste escrito é traçar alguns parâmetros básicos, para Reich, do


trabalho clínico no campo biofísico e situar a massagem dentro deste
contexto. Dentro da massagem, situar seus principais fundamentos, e
mostrá-los coerentes com o paradigma reichiano. Reafirmando seu lugar na
clínica psíquico corporal.
Reich em seus escritos não descreve de maneira clara e nem
sistematizada as intervenções corporais que ele praticava com seus
clientes, no entanto é possível, garimpando seus escritos, reconstruir como,
no dia-a-dia, ele trabalhava neste campo. No que diz respeito à prática da
massagem é ainda mais complicado, já que ele nunca usou essa
terminologia.
A primeira coisa a ser feita é situar a vegetoterapia, aspecto biofísico do
trabalho clínico, dentro das denominações, que sua prática terapêutica teve
ao longo do tempo. Estabelecendo qual a relação entre a vegetoterapia ,
análise do caráter e a orgonoterapia. Vejamos o que o próprio Reich nos
fala a este respeito:
Tudo isso explicará porque à expressão ‘orgonoterapia’ abarca a
análise do caráter e a vegetoterapia. O objetivo comum das duas
técnicas é a mobilização das correntes plasmáticas do paciente (Reich,
1978, p. 363).
Orgonoterapia é o termo que Reich usou para designar a articulação de
todo o seu trabalho, ele é derivado de „orgon‟ nome dado à energia
pressuposta por ele, que se encontra tanto no corpo como no cosmos. A
técnica da análise do caráter se expressa pelas intervenções verbais,
enquanto a vegeto pelas intervenções corporais. A vegeto aparece como o
braço biofísico da análise do caráter. O termo ‘vegetoterapia’ representou
o fato que agora minha técnica terapêutica influía sobre a neurose
caracteriológica no domínio fisiológico (Reich, 1978, p.362).
Tentarei mostrar mais adiante que a prática da massagem, tão usual em
consultórios reichianos, estava, para ele, incluída sob a designação geral de
vegetoterapia, e portanto, segue os mesmos princípios gerais desta.

2- A intervenção biofísica.

Se a vegeto é a intervenção direta no biofísico, o que seria isso no


cotidiano clínico? ... devemos pedir ao paciente que não fale por algum
tempo. Esta medida é altamente frutífera, pois enquanto ele deixa de
falar, se põe claramente manifesta a expressão corporal da emoção
(Reich, 1978, p. 366).
A observação da couraça do paciente, seu desfazer e conseqüentemente o
aparecimento das correntes vegetativas (ou plasmáticas), são as pedras
básicas do trabalho. Para Reich as emoções são movimentos do plasma do
organismo. Basicamente, a emoção é um movimento protoplasmático
expressivo. Os estímulos prazerosos provocam uma ‘emoção’ do
protoplasma desde o centro até a periferia. Ao inverso os estímulos
desagradáveis provocam uma ‘emoção’ – ou melhor, uma ‘remoção’ –
desde a periferia até o centro do organismo. Essas duas direções
básicas da corrente biofísica plasmática correspondem aos dois
afetos básicos do aparato psíquico, prazer e angustia (Reich, 1978,
p.362). O afeto é o que liga a psique, já que desta faz parte, com o
biológico. Neste último campo temos as expressões neurovegetativas, que
por sua vez são o substrato do fenômeno afetivo.
Trabalha-se diretamente sobre a musculatura encouraçada, seja tocando-a
ou pedindo que se faça certos movimentos, liberta-se as correntes
vegetativas, que são a expressão das emoções „recalcadas‟. Emoções
recalcadas são, por analogia, o processo que Reich pressupõem nas
entrelinhas, que acontece com o afeto ao se separar da representação.
Freud só admitia que a representação ficasse inconsciente. Esse afeto
podia, para Reich, produzir e alimentar as couraças corporais
O processo clínico corporal visa gradativamente recuperar ou instaurar o
reflexo do orgasmo, de um ponto de vista estritamente físico e, num sentido
mais lato, aproximar o sujeito de uma posição de maior potência orgástica.
Esta descrição é sem dúvida simplificada pois não levam em conta os
fenômenos da transferência nem da resistência, que permeiam todo o
processo. Nem leva em conta as emoções mais complexas, como os
sentimentos, onde há o entrelaçamento com construções racionais Nosso
objetivo, no momento, é focar na descrição, do que acontece, no registro
corporal.
Primeiro se observa como a pessoa se estruturou, seu caráter atual.
Tentamos entender as dinâmicas emocionais que forjaram aquela
configuração biofísica própria. A partir desse entendimento inicial passamos
a intervir, sempre atentos às reações, que vão ratificando ou
redimensionado, nossa impressão inicial. Num processo continuo de
observação e intervenção.
Stanley Keleman mostra, no seu livro “Anatomia Emocional”, como o pulsar
do organismo vai determinando a forma, a forma uma pressão de
bombeamento, que por sua vez, determina novamente à forma, num
continuo vital de estruturação de conteúdo, forma e energia. Nos
apresentando um painel dinâmico do desenvolvimento embriológico
humano, do ponto de vista energético. Se assim vai se construindo, num
nível bem primitivo, as conformações básicas, assim também deve ser o
procedimento para redimensionar funcionalmente um corpo encouraçado.
Falamos, acima, das correntes plasmáticas, mas o que seria plasmático?
Reich tira esse termo do discurso biológico de sua época. Plasma: massa
formadora e essencial de um órgão; protoplasma: conteúdo celular vivo,
formado de citoplasma e núcleo. Essa terminologia é bem ampla e vaga.
Para avançarmos mais é necessário recorrer à própria rede do saber
reichiano. O que mais determina , por contraposição, às correntes
plasmáticas é o conceito de couraça. A couraça é a redução ou até mesmo
a perda parcial da motilidade e da mobilidade do organismo. Na mobilidade
vamos desde da dificuldade de se movimentar, o indivíduo sem jeito, até as
paralisias. No caso da motilidade envolve o organismo como um todo, já
que os movimentos involuntários são responsáveis pelo nosso metabolismo
básico.
As correntes plasmáticas são movimentos orgânicos que guardam a
relação de sempre estarem presentes no desfazer das couraças. Esses
movimentos tomam formas as mais diversas como: arrepios; aumento ou
diminuição da temperatura, de forma súbita; sensação de formigamento ou
anestesia; enrubescimento ou palidez da pele; espirro, tosse ou ânsia de
vomito sem estímulo externo detectável; contrações musculares
involuntárias; etc.
Essas reações são ligadas ao sistema neurovegetativo, por isso as
correntes plasmáticas também são chamadas de correntes vegetativas. O
ficar pálido estaria, por exemplo, ligado ao ramo simpático do
neurovegetativo, enquanto o enrubescer ao parassimpático. As ações
simpáticas são funcionalmente ligadas às emoções básicas de angustia e
medo e as parassimpáticas às de prazer. Tudo isso fechando uma visão
geral, onde o movimento plasmático de fora para dentro (contração) esta
funcionalmente ligado ao simpático e a angústia e o movimento de dentro
para fora (expansão) ao prazer e o parassimpático.
A corrente vegetativa, em condições normais, se dá como um fluxo
constante e suave, em toda a extensão do corpo, em contraposição a forma
súbita e aguda que se dá nos desbloqueios da couraça. Com o
encouraçamento esse fluxo é reduzido podendo, em função da durabilidade
e intensidade, provocar doenças, caracterizando as somatizações.
Reich fala, numa visão evolucionista, que o pulsar do organismo unicelular
se complexifica de forma anelar no humano, através de conjuntos
musculares; os anéis corporais. Esses anéis são em número de sete, e se
dispõem de maneira horizontal ao logo de uma pessoa em pé. Eles
ocupariam todo o diâmetro do corpo, como rodelas, com exceção do anel
oral que se fecharia, mais internamente, no fundo da boca, sendo a parte
posterior mais externa do pescoço pertencente ao segmento cervical. A
maioria dos pós-reichianos e mesmo alguns neo-reichianos, seguem isso
ao pé da letra, sem levar em conta que as correntes plasmáticas ou
emoções/sensações são bloqueadas em vários segmentos. Assim um
choro contido envolve o segmento ocular, no tocante as lágrimas, o oral,
cervical, peitoral, diafragmático, abdominal e até mesmo o pélvico, no que
diz respeito ao soluçar profundo. Portanto não podemos desbloquear um
segmento de modo isolado, como se pudéssemos esgotar sua couraça sem
mexer com as dos outros anéis, tudo é articulado funcionalmente.

3 – A estratégia biofísica.

O objetivo, no registro biofísico, da terapia reichiana é a retomada ou


instauração do reflexo do orgasmo, ou seja, o retorno do fluxo vegetativo. O
reflexo do orgasmo é ao mesmo tempo expressão desse fluxo, tanto quanto
fator de manutenção e continuidade deste. A retomada se dá em cada
segmento, já que envolve o organismo como um todo. Podemos ter
parâmetros de observação para determinarmos se um caso esta „andando‟
ou não, para tal basta ver as reações vegetativas resultantes de nossas
intervenções. È claro que, como observador participante, o psicoterapeuta
esta sujeito a distorções transferênciais. Para diminuir esse risco é
fundamental que o terapeuta tenha passado pelo processo terapêutico.
Algumas escolas clínicas sustentam que existem tempos ótimos de
intervenção biofísica. Devemos começar com quinze minutos, na medida
que obtivermos respostas positivas, passaríamos a vinte e por fim vinte
cinco minutos. Esses tempos servem como parâmetros, mas não devem ser
utilizados como regras absolutas. Na prática se observam mudanças
significativas com até cinco minutos, assim sendo prefiro o critério de
„observação/mudança‟ para nortear a duração das intervenções. Os tempos
de reação diferem de pessoa para pessoa, bem como de momento para
momento numa mesma pessoa.
Para o terapeuta é importante que saiba que a dissolução de um
espasmo muscular não só libera a energia vegetativa mas, além disso
e principalmente, reproduz a lembrança da situação de infância na
qual ocorreu a repressão do instinto. Pode dizer-se que toda rigidez
muscular contém a história e o significado da sua origem (Reich, 1979,
p. 255). Ora então bastaria apertar um músculo bem apertado, até soltá-lo
e/ou movê-lo até retomar o seu movimento, que estaríamos
desencouraçando um indivíduo, liberando suas emoções reprimidas?
Errado, totalmente errado, isso seria uma visão mecânica do trabalho
reichiano
Seria inútil, por exemplo, exercer pressão sobre os músculos
masseteres; a única reação seria a dor comum. Trabalhamos com a
linguagem do expressivo. Só quando entendemos o sentido da
expressão facial do paciente estaremos em condições de compreende-
la. ‘Compreende-la’ significa aqui, em termos estritos, saber que
emoção se expressa nela (Reich, 178, p.367).
Portanto „apertar um simples músculo‟ está determinado pela totalidade de
toda a relação terapêutica, tanto do ponto de vista da dinâmica
transferencial, como do biofísico, abrindo um leque de possíveis reações, a
um mesmo tipo de toque. O terapeuta deve reconhecer a emoção
transformada em couraça, estimular sua expressão e compreensão. Sem
essa compreensão estaremos diante da catarse pela catarse, sem que haja
uma real modificação ao nível dos mecanismos neuróticos. Simplesmente
aliviaremos a pessoa sazonalmente ou, em casos de repetição contínua
deste expediente, a deixamos num caos emocional, sem contorno e sem
contato. Só a compreensão trás a mudança biofísica profunda, e essa só se
dá quando acompanhada da compreensão. No registro biofísico é
necessário observar o quanto à couraça esta restringindo a capacidade
expressiva do sujeito. Se ele se encolhe, não reclama, grita, etc, nossa
intervenção só está a ratificar a estase energética. Insistir nessa situação é
apenas contra-transferir de forma sádica, sem nenhum ganho terapêutico.
Confundir as resistências de nosso cliente com nossas questões
emocionais e atacá-las como tais. A técnica emerge do processo, o tempo
todo, ela não é um tecnicismo; aperta aqui solta ali. A expressividade
emocional-orgânica é o critério que delimita a intensidade de acirramento do
toque. É preciso que o terapeuta „veja‟ seu cliente. Essa capacidade de „ver‟
corresponde à capacidade de contato do terapeuta. Contato para Reich não
é só apreender o real, de forma fidedigna, mas também estar em contato
com o que ele produz em nós, como somos afetados por ele. Neste ponto
de vista o terapeuta se torna o principal instrumento da terapia e, como tal,
deve estar nas melhores condições possíveis de uso. Ele deve estar
minimamente desbloqueado, para possibilitar um real contato com seu
cliente. Evitando as transferências e contra-transferências ou se
apercebendo, o mais cedo possível, delas. Esse mínimo de desbloqueio
varia de acordo com a relação entre as dinâmicas de caráter do terapeuta e
do cliente. Assim temos alguns casos, que não são passiveis de ser bem
trabalhados, por um certo terapeuta, em um certo momento, devido aos
pontos cegos daquela relação específica.
Ao falarmos de transformações biofísicas devemos situar os vários níveis
de formação desse próprio biofísico, que definem as possibilidades e
limitações dessas mudanças. A formação do indivíduo, tanto a nível
biofísico, como psíquico, se dá em forma de processo. Nesse processo a
realidade do meio circundante e a do psíquico, no só depois, se engendram,
tendo como síntese, em alguns casos, a necessidade de modificação para
lidar com certas emoções/representações. Essas reestruturações nem
sempre são funcionais ao longo prazo, surgindo aí o que chamamos de
disfunções. Permanecendo a situação, por muito tempo, a disfunção
permanece causando modificações mais estruturais, de difícil ou impossível
reversão. Vejamos um exemplo. O olhar raivoso de um pai pode gerar uma
angustia no bebê. Depois, como defesa a essa marca emocional,aparece
uma modificação funcional no foco a objetos pertos. Essa disfunção, no
decorrer de um certo tempo, pode gerar uma modificação estrutural;
achatamento do globo ocular, automatizando e tornando crônica a defesa
no registro físico. Está instaurada a hipermetropia. Se isso se deu numa
tenra idade as possibilidades de modificação, do físico, são praticamente
zero, mesmo que haja uma mudança no registro emocional. Em outras
palavras, mesmo que a terapia ajude, aquela pessoa, a encarar de forma
melhor, as reações de raiva dos outros, a hipermetropia permanecerá. Se
esse processo se dá na adolescência poderá haver redução no grau da
hipermetropia, mas mesmo assim, temos que ter claro que nossa tarefa se
limita a modificações emocionais e não biofísicas estruturais. Erro pior ainda
é passar expectativas nesse sentido para o nosso cliente, além de serem
afirmações que lidam com o imponderável de ocorrer essas
transformações, ainda extrapolam nosso papel de psicoterapeuta.

4 – A massagem em Reich.
Reich nunca usou a palavra massagem em seus textos, no entanto
descreveu vários procedimentos técnicos que bem caberiam, numa
definição geral de massagem. Vejamos alguns exemplos.
Outra maneira de liberar o reflexo do orgasmo é exercer uma pressão
suave no alto do abdome. Coloco as pontas dos dedos de ambas as
mãos aproximadamente no meio do abdome superior, entre o umbigo
e o externo, e digo ao paciente que inspire e expire fundo. Durante a
expiração vou aplicando, aos poucos, uma suave pressão no alto do
abdome. ... Se a exalação profunda é continuada durante certo tempo,
uma parede abdominal tensa e dura se torna invariavelmente macia
(Reich, 1979, p. 278).
Assim, por exemplo, a respiração forçada no segmento torácico ou a
repetida produção do reflexo do vômito, impulsionam o organismo em
direção à contração orgástica; o mesmo pode-se dizer da irritação dos
músculos dos ombros mediante beliscões (Reich, 1978, p. 383).
Por esses exemplos fica claro que encontramos procedimentos técnicos de
massagem sob a designação reichiana de vegetoterapia. Esses
procedimentos de massagem estão de acordo, portanto, com os parâmetros
da vegeto. Vejamos que parâmetros são esses.
O vegetoterapeuta localiza os pontos individuais nos quais o reflexo
do orgasmo é inibido e intensifica as inibições. Então o próprio corpo
procura o caminho prescrito pelo curso da excitação vegetativa. Mais
adiante ele continua aparentemente de maneira contraditória. Ações
musculares voluntárias podem coincidir inteiramente com a direção de
ações musculares involuntárias ; assim, a imitação consciente de um
movimento pélvico pode produzir um movimento pélvico vegetativo
involuntário (Reich, 1979, p. 277).
Vamos tentar entender: numa afirmação ele diz para intensificar o bloqueio,
que impede o movimento vegetativo espontâneo, na outra ele fala em imitar
o movimento vegetativo de forma voluntária até que o involuntário surja do
voluntário. Ao entendemos a couraça como uma resultante, duplamente
determinada, pelo fluxo plasmático e pela tensão inibidora, podemos
desestabilizá-la ou até quebrá-la reforçando momentaneamente um lado ou
outro. Tanto um procedimento como o outro nos leva ao mesmo objetivo; a
desestruturação da couraça. Assim podemos falar de dois procedimentos
básicos, a um chamarei de acirramento, onde fazemos nossa intervenção
no sentido de aumentar o bloqueio, ao outro chamaremos abrandamento
onde trabalhamos no sentido de chamar o organismo a retomar sua
funcionalidade vegetativa. Esses procedimentos de modo algum são
excludentes entre si, pelo contrário, se complementam. Se acirramos um
determinado bloqueio muscular, apertando mais o músculo já em tensão, e
a pessoa não consegue expressar sua dor e desconforto, passando a se
contrair, ainda mais, devemos mudar nossa estratégia, buscando abrandar
a região trabalhada bem como, os canais expressivos bloqueados. O
contrário também é verdadeiro, se estamos abrandando e o organismo não
se solta, retomando o fluxo vegetativo, devemos acirrar os bloqueios que
impedem essa retomada. A própria alternância das técnicas é um fator em
si desestabilizador da couraça. É importante assinalar que nenhum
procedimento técnico em si é acirrante ou abrandante. Uma massagem
suave, lenta e superficial, em um determinado momento, num certo sujeito,
pode relaxar e num outro sujeito, ou no mesmo mas em momento diferente,
pode trazer muita angústia e ansiedade. As qualidades abrandante e
acirrante são determinadas pelo momento da dinâmica encouraçadoura e
pela relação entre massageador e massageado (terapeuta e cliente),
podendo ser, ainda, sobredeterminadas transferencialmente.
Concluído diremos que não podemos falar da uma massagem reichiana
num sentido estrito como um sistema técnico estruturado. Reich nunca
pretendeu organiza-la e, principalmente, sempre a usou dentro do contexto
da psicoterapia. O mais correto seria falar de procedimentos de massagem,
vistos pela ótica dos fundamentos reichianos.

5 – O sentido geral do trabalho de desbloqueio.

É necessário que falemos a respeito da direção que deve tomar o trabalho


corporal, e se há alguma ordem a ser seguida neste trabalho. Como já
falamos as correntes vegetativas se dão num sentido longitudinal, enquanto
os bloqueios ocorrem perpendiculares a essas. Ao se mexer num segmento
encouraçado, mesmo tendo conseguido desbloqueá-lo em parte, nem
sempre aparece um fluxo vegetativo visivelmente claro. Só o desbloqueio,
mesmo que parcial, de alguns dos segmentos, envolvidos numa certa
couraça, é que permite o aparecimento das correntes vegetativas. Quando
isso se dá nem sempre acontece acompanhado de expressões emocionais
completas. Isso é assim porque o corpo necessita refazer alguns ciclos
orgânicos até alcançar um patamar qualitativo, que permita um ciclo
vegetativo mais abrangente, onde a emoção ganha corpo e consciência. O
trabalho tem como característica, portanto, um aprofundamento e
abrangência gradativos. No que diz respeito ao fluxo, ele já existe, mas é
fraco ou convulsivo, dado ainda haver bloqueios. O reflexo do orgasmo
não surge repentinamente, completo e perfeito, mas é um produto da
integração gradual de partes separadas que são envolvidas no
desempenho total (Reich, 1979, p. 282).
Num cliente compulsivo, onde a couraça peitoral é a faceta física do
bloqueio emocional, não conseguiremos desbloquear o segmento ocular
profundo, antes de um certo afrouxar deste peito. O bloqueio respiratório,
ao nível do peito, não permite que o segmento ocular tenha energia
suficiente para que, realmente, o indivíduo se conecte com o mundo e
possa se emocionar plenamente. Tratei vários pacientes nos quais não
consegui eliminar a pressão da testa enquanto não descobri a atitude
de expectativa amedrontada na musculatura do tórax (Reich, 1979, p.
260).
Por um outro lado, há um sentido geral, onde os terminais sensitivos, do
ver, cheirar, degustar e ouvir, devem ser primeiro desbloqueados, mesmo
que só em parte, para que haja um mínimo de contato e expressividade,
quando as erupções, nos outros segmentos, acontecerem. Na terapia
reichiana os objetivos finais, de genitalização e reflexo do orgasmo,
apontam para a pélvis. O sentido geral do processo, portanto, se dá da
cabeça para os genitais. Na medida em que podemos aventar uma
hipótese com base nas nossas experiências, a dissolução de uma
couraça muscular começa em geral nas partes do corpo mais
afastadas dos genitais, habitualmente a cabeça. A atitude facial é a
mais visível (Reich, 1979, p. 257). Nunca, no entanto, devemos levar esse
parâmetro de forma rígida. O trabalho na couraça cervical traz junto um
abrandamento dos segmentos quatro e cinco. Deduz-se disso que não
podemos dissolver um segmento, após o outro, de forma separada e
mecânica. Pelo contrário, trabalhamos com um sistema vital unitário,
cuja função plasmática total se vê obstacularizada por anéis
transversais de couraça. Sem dúvida, o abrandamento de um
segmento da couraça conduz, como resultado do movimento
produzido, a mobilização dos anéis superior e inferior. Por esse
motivo, também é impossível dar uma descrição mecânica do
processo de dissolução da couraça muscular (Reich, 1978, p. 378).
É necessário um diagnostico constante, que vá determinando o tipo de
intervenção, extensão, intensidade e sentido, sob a ótica mais geral da
genitalização.

6 – Conclusão.

Hoje é importante que atualizemos o pensamento reichiano e sua técnica


somando-se a estes os avanços teóricos e práticos de nosso tempo. Como
exemplo podemos citar o aprofundamento dos mecanismos hormonais e a
descoberta de substâncias para-hormonais, como a endorfina, o sistema
límbico, etc. No entanto, não podemos perder de vista os parâmetros
essenciais da teoria reichiana. Sem dúvida, um deles é a preocupação em
não lidar com a técnica de maneira mecânica. Qualquer mudança seja de
releitura ou de acréscimo, deve levar em conta a emocionalidade dialética
que perpassa todo este saber. Para Reich a couraça é uma síntese
histórica da emocionalidade do sujeito. Neste ponto de vista, tanto o
paciente como o terapeuta, fazem parte de um só campo, onde inúmeras
trocas e determinações ocorrem, sendo as ações, neste espaço complexas,
não sendo passíveis de reduções mecanicistas. Não podemos limitar a
técnica reichiana a um repetir de „exercícios‟ ou „procedimentos‟ onde seja
excluídos a emoção e o contato. Emocionar aqui não é se perder na
emoção do cliente, mas um „pulsar junto‟ que sente e descrimina e,
portanto, não contraditório com os objetivos terapêuticos. É uma atitude que
amplia o contato e torna mais precisas as ações, contribuído para a boa
evolução do processo terapêutico.
Não somos máquinas, não funcionamos como máquinas e, portanto, não
devemos agir como tais. Devemos preservar nossa capacidade de
surpreendermos-nos com a vida, em todos os momentos, com a
espontaneidade de uma criança, cheia de curiosidade. E, ao mesmo tempo,
termos a sabedoria dos velhos bem vividos, que antes de agir olham
tranqüilos para tudo.

Rio, março de
1995.

NOTAS:

1 – Reich, Wilhelm. (1978 [1948]) “Análise do caráter”, Editorial Paidós,


Buenos Aires (tradução para o português do próprio autor).

2 – Reich, Wilhelm. (1979 [1940]) “A função do orgasmo”, Editora


Brasiliense, São Paulo.

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